Agenesia Total do Pericárdio do Lado Esquerdo

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Arq Bras Cardiol
volume 73, (nº 3), 1999
Lobode
Fº Caso
e cols.
Relato
Agenesia total do pericárdio
Agenesia Total do Pericárdio do Lado Esquerdo
J. Glauco Lobo Fº, Ricardo R. Maia Oliveira, Rafael Pontes de Siqueira, Rodrigo M. Landim,
João Marcelo A .C. de Albuquerque, Carlos Bellini G. Gomes, Elita Borges, Maria Claúdia Leitão,
J. Nogueira Paes Jr
Fortaleza, CE
Descrevemos o caso de um paciente com 46 anos de
idade e diagnóstico pré-operatório de comunicação
interatrial (CIA) do tipo ostium secundum. Após esternotomia constatou-se agenesia parcial do pericárdio do
lado esquerdo. Acreditamos que diante de um quadro
radiológico compatível com esta doença, mesmo que
assintomática, pesquisa clínica na procura de anomalias
cardiopulmonares deveria ser sistematizada, uma vez que
a maioria desses achados quando presentes, são passíveis
e necessitam de correção cirúrgica.
A agenesia total do pericárdio do lado esquerdo é uma
condição rara, não atingindo 200 os casos descritos na literatura médica. Há uma predominância no sexo masculino na
proporção de 3:1. Um terço dos casos costuma ocorrer em
associação com outras anomalias congênitas cardiopulmonares 1-5, o que torna este quadro de associação de ausência total do pericárdio do lado esquerdo com defeito no
septo interatrial (SIA), aqui citado, uma entidade muito rara.
Setenta e cinco por cento das anomalias congênitas do pericárdio costumam ocorrer do lado esquerdo e relacionam-se
a uma atrofia prematura da veia cardinal esquerda (ducto de
Cuvier), comprometendo a circulação para a membrana pleuropericárdica esquerda.
Relato do Caso
Homem com 46 anos de idade apresentou-se queixando-se somente de cansaço aos pequenos esforços. Na história pregressa não relatava nenhum antecedente médicocirúrgico relevante.
Ao exame físico encontrou-se sinais de insuficiência
cardíaca direita, como: turgência jugular, fígado palpável abaixo do rebordo costal direito e edema de membros inferiores. A
inspeção do tórax apresentava desvio do ictus cordis para
esquerda. Através da ausculta, detectava-se sopro sistólico
Instituto do Coração e Pulmão-ICORP e Hospital Prontocárdio - Fortaleza
Correspondência: José Glauco Lobo Fº - Rua Dr. José Lourenço, 625 - 60115-280
- Fortaleza, CE
Recebido para publicação em 28/1/99
Aceito em 28/4/99
4/6 no bordo esternal esquerdo provocado por um defeito do
SIA e outro sopro, também sistólico, gerado no foco tricúspide provocado por insuficiência tricúspide. O ritmo cardíaco
era regular em dois tempos.
Os exames laboratoriais de rotina eram normais. O
radiografia de tórax mostrava aumento global (++/4) da área
cardíaca e levoposição cardíaca (fig. 1). O eletrocardiograma
exibia ritmo sinusal, com o eixo elétrico desviado para direita, sinais de aumento de câmaras direita, e distúrbio de condução do ramo direito do feixe de His. O ecocardiograma revelou: situs solitus, levocardia, dilatação importante do
átrio direito, comunicação interatrial (CIA) - tipo ostium
secundum - medindo 24mm (fig. 2), dilatação do anel da tricúspide, dilatação do ventrículo direito e movimento paradoxal do septo interventricular. Considerando-se idade e
sexo do paciente, somados ao fato do tabagismo inveterado, além da importância de se conhecer a pressão no tronco
da artéria pulmonar, com o objetivo de se fazer um melhor
planejamento cirúrgico, foi solicitado exame cineangiocoronariográfico, o qual acrescentou aos problemas antes citados uma lesão obstrutiva de 90% no terço proxinal da luz da
coronária direita.
Diante do quadro descrito, indicou-se tratamento
cirúrgico a fim de corrigir a CIA e revascularizar a artéria coronária direita.
Após a esternotomia, observou-se que o pericárdio estava ausente (fig. 3). O coração apresentava-se deslocado
para esquerda, e não havia aderência entre ventrículo esquerdo e a pleura. A coronária direita encontrava-se bastante
calcificada. O diafragma mostrou-se normal à inspeção. As
bordas do pericárdio eram lisas. Em contigüidade com a borda posterior do pericárdio esquerdo, havia um tecido
fibroadiposo por onde passava o nervo frênico esquerdo. O
pericárdio e o frênico direito situavam-se em suas posições
normais. Após ser estabelecida a circulação extracorpórea,
com o coração parado, foi corrigida a CIA através de uma sutura direta dos bordos, procedendo-se depois a revascularização da coronária direita, utilizando-se para tanto, um segmento de veia safena magna como enxerto aortocoronariano.
Durante o curso transoperatório e pós-operatório não houve
intercorrências. O paciente recebeu alta hospitalar no 7º dia
após a cirurgia.
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Lobo Fº e cols.
Agenesia total do pericárdio
Arq Bras Cardiol
volume 73, (nº 3), 1999
Fig. 1 - Radiografia de tórax em PA mostrando a área cardíaca aumentada e o coração em
levoposição.
Fig. 3 - Aspecto operatório evidenciando a ausência do pericárdio do lado esquerdo.
Discussão
Os defeitos congênitos do pericárdio são lesões incomuns e, freqüentemente, são assintomáticos, sendo quase
sempre descobertos em estudos post-mortem 2. Defeitos
congênitos, envolvendo ausência completa do pericárdio
esquerdo, abrangem em torno de 57 % de todos os defeitos
Fig. 2 - Ecocardiograma onde podemos ver a CIA
congênitos do pericárdio. Aproximadamente 78% de todos
estes defeitos ocorrem no lado esquerdo e têm sido atribuídos
à atrofia prematura da veia cardinal comum esquerda ou
ducto esquerdo de Cuvier 2,4.
Os achados radiológicos evidenciados incluem uma
levoposição do coração e a borda esquerda do coração alongada 1. Há também uma área hipertransparente entre o arco
aórtico e a artéria pulmonar, resultante da interposição de tecido pulmonar a este nível. Retrospectivamente, estes achados também estavam presentes no caso de nosso paciente.
Neste caso, o nervo frênico esquerdo não se situava
em sua posição anatômica normal, encontrava-se em um tecido fibroadiposo, que se mantinha em conexão com a borda
posterior do pericárdio direito. Comumente, nestes casos
de anomalias congênitas do pericárdio, o nervo frênico não
se situa em sua posição normal, assim, é importante que, ao
se deparar com um caso desta natureza, durante uma intervenção cirúrgica, efetue-se, antes de tudo, a identificação
do nervo frênico, a fim de se evitar sua lesão acidental.
Finalmente, acreditamos que diante de um quadro radiológico compatível com esta doença, mesmo que assintomática, pesquisa clínica na procura de anomalias cardiopul – monares deveriam ser sistematizadas, uma vez que a
maioria destes achados, quando presentes, são passíveis
e necessitam de correção cirúrgica.
Referências
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