Dissertação completa em pdf

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
MESTRADO EM SOCIOLOGIA
O rock e o sertanejo: antinomias da indústria cultural na
conformação das preferências musicais de jovens
de classe média urbana
Autor: Emiliano Rivello Alves
Orientador: Prof. Dr. Francisco Chagas Evangelista Rabêlo
GOIÂNIA, 2007
EMILIANO RIVELLO ALVES
O rock e o sertanejo: antinomias da indústria cultural na
conformação das preferências musicais de jovens
de classe média urbana
Dissertação
apresentada
ao
Programa de Pós-Graduação, da
Faculdade de Ciências Humanas e
Filosofia da Universidade Federal
de Goiás, como parte dos
requisitos
exigidos
para a
obtenção do título de Mestre em
Sociologia, sob a orientação do
Prof. Dr. Francisco Chagas
Evangelista Rabêlo.
GOIÂNIA, 2007
2
EMILIANO RIVELLO ALVES
O rock e o sertanejo: antinomias da indústria cultural na
conformação das preferências musicais de jovens
de classe média urbana
Dissertação Submetida ao Programa de Mestrado em Sociologia como Atendimento
Parcial às Exigências para a Obtenção do Título de Mestre em Sociologia.
Banca Examinadora
________________________________________
Prof. Dr. Francisco Chagas Evangelista Rabêlo
(orientador) - UFG
________________________________________
Prof. Dr. Jordão Horta Nunes
Membro Interno - UFG
________________________________________
Prof. Dr. João Gabriel Lima Cruz Teixeira
Membro Externo - UNB
________________________________________
Profª. Drª. Marta Rovery de Souza
Suplente - UFG
GOIÂNIA, 2007
3
AGRADECIMENTOS
Aos professores Pedro Célio, Luiz Mello, Maria Cristina e Denise Paiva pela
edificação de um projeto. Em especial, a professora Marta Rovery, que de modo gentil,
aceitou a participar da qualificação. Ao professor Jordão Horta Nunes, presente nas
diversas etapas da pesquisa, e sempre atento às questões singulares, minha gratidão. E
ainda, ao professor João Gabriel Lima Cruz Teixeira pelo refinamento e rigor da análise
na defesa de dissertação.
Aos amigos Jonas Fernandes, Rafael Belmont, Diego Lucas, Túlio Augustus,
José Luiz, Erik Túlio, Elder Dias, Carlos Marcelo, Dilma Pio, Jamile Branco e Aline
Tereza pela confiança na realização do trabalho, principalmente, a Marcelo Ribeiro por
todos os debates e as inegáveis contribuições no campo do amadurecimento teórico.
Aos amigos, que mesmo não sendo citados por “capricho”; à distância torcem
por nossas realizações.
Sou grato também a todos os entrevistados, pois encararam a pesquisa de
maneira cordial e respeitosa. Sem suas informações nada poderia concluir.
Agradeço à Daniela pelo amor, dedicação, paciência, perseverança e
companheirismo, mostrando nos momentos incertos da pesquisa a luz da tranqüilidade.
Ao professor Francisco Rabêlo, que me acompanha desde a graduação em
Ciências Sociais, a minha admiração. O exercício realizado é proveniente de uma ordem
coletiva. Na verdade, “qualquer tom apresentado diz nós”.
À FUNAPE pela bolsa de Mestrado.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO -
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09
PARTE I – PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DO CAMPO SIMBÓLICO
1.1. O campo e o habitus
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1.2. Dialética do esclarecimento: primeiros passos -
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1.3. O conceito de indústria cultural -
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24
1.4. Música e indústria cultural
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27
1.5. A sociologia da arte
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35
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PARTE II – MÚSICA POPULAR BRASILEIRA E A CONSOLIDAÇÃO DO
MERCADO DE BENS SIMBÓLICOS
2.1. Avanços preliminares sobre a história da música
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42
2.2. Formação da música popular brasileira -
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47
2.3. Música popular e populismo
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49
2.4. A bossa nova e os conflitos simbólicos -
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50
2.5. A explosão simbólica: o rock
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52
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56
2.7. O estilo sertanejo e a consolidação do mercado de bens simbólicos
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60
2.8. O engajamento e o bom humor: do rap ao funk -
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64
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2.6. Ditadura, música e indústria cultural
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PARTE III – AS ANTINOMIAS DA INDÚSTRIA CULTURAL
3.1. As relações de poder e as disposições -
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70
3.1.1. A illusio na pesquisa -
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78
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80
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84
3.4. As antinomias da indústria cultural: da autenticidade e inautenticidade
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3.5. À porta ou aporte em Adorno
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98
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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100
3.2. As identidades estruturadas
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3.3. A família, as relações afetivas e a indústria cultural
5
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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103
ANEXOS
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110
APÊNDICES -
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112
6
RESUMO
Neste trabalho estudamos a indústria cultural levada a efeito pelos conceitos de
habitus e campo de Bourdieu. Tomamos por base de reflexão os discursos orientadores
da chamada cultura do entretenimento, considerando-os no contexto da modernidade.
Este procedimento permitiu-nos cotejar a suposta influência da indústria cultural na
constituição de disposições duráveis a partir das preferências musicais de jovens de
classe média urbana em Goiânia. Em um primeiro momento, resgatamos os debates que
giram em torno da indústria cultural e seus desdobramentos subjacentes, que fornecem o
arcabouço teórico da pesquisa, trazendo à tona, por exemplo, a produção e reprodução
do campo simbólico, a relação entre indústria cultural e música, a sociologia da arte.
Posteriormente, utilizamos o corte temporal para reconstruir a formação da música
popular brasileira, evidenciando os principais estilos e atores musicais que fizeram parte
do contexto cultural, social, político e econômico do país, não se esquecendo de
apontar, quando oportuno, os aspectos da indústria cultural que ajudaram a constituir
certas práticas. Em seguida apresentamos a pesquisa empírica, realizada com jovens
entre 15 e 24 anos por intermédio da entrevista. Na oportunidade, perguntávamos se a
música tinha o poder de estruturar disposições, modelar atitudes, revigorar gestos, e, por
conseqüência, incentivar diferentes linhas de ações para àqueles que a consumiam. O
que estava em evidência era o gosto musical como fator constituinte de habitus
singulares. A pesquisa, então, enfatizou dois estilos musicais: o rock e o sertanejo.
Pôde-se captar que o consumo de música delimita, porque estrutura, disposições que são
particulares ao universo musical. Consumir tanto o estilo sertanejo, como o rock,
representou identificar: a) o habitus, b) a illusio, c) as identidades, d) o lugar da
indústria cultural, e) o espaço das relações afetivas, f) as relações de poder que
configuram as ações dos entrevistados. E mais, que esses estilos estão relacionados a
antinomias que resultam em disposições ímpares: da autenticidade e inautenticidade.
Palavras-chave:
indústria
cultural,
música
popular
brasileira,
autenticidade,
inautenticidade.
7
ABSTRACT
In this work we study the cultural industry took to effect by the concepts of
habitus and field of Bourdieu. We took as the basis of reflection the oriented discourses
from the named culture of entertainment, considering them in the context of modernity.
This procedure has permitted us to compare the alleged influence of the cultural
industry in the constitution of the durable disposition from the musical preferences of
young people of urban middle class in Goiânia. In a first moment we recover the debate
which is around the cultural industry and its under development that supplies with the
theoretical field of the research, emerging, for example, the production and reproduction
of the symbolic field, the relation between cultural industry and music, the sociology of
art. Subsequently, we use the temporal cut to reconstruct the formation of the Brazilian
popular music, evidencing the main stiles and musical actors who made part of the
cultural, social, political and economical context of the country, not forgetting to point,
when opportune, the aspects of the cultural industry that have been helped in certain
practice. Next, we present the empirical research, carried out with young people from 15
to 24 years old through an interview. In the opportunity, we asked them if music had the
power to structure dispositions, modulate attitudes, revive gestures, and, consequently,
motivate different actions for those who used to consume it. The musical taste was in
evidence as a constituent factor of the singular habitus. The research, so, emphasized
two musical stiles: rock’n roll and sertanejo (a typical country music). We could grasp
that the consuming of music limits, because it structures, disposition that is particular to
the musical universe. To consume much the sertanejo stile, like rock’n roll, has
represented identify: a) the habitus, b) the illusio, c) the identities, d) the place of the
cultural industry, e) the space of the emotional relations, f) the relations of power that
represent the actions of the interviewed people. And more, that these stiles are related to
contradictions that result in unique disposition: of authenticity and non authenticity.
Key-words: cultural industry, Brazilian popular music, authenticity, non authenticity.
8
“Para que a cultura desempenhe sua função de encantamento,
convém e basta que passem despercebidas
as condições históricas e sociais”.
Bourdieu, O Amor pela Arte.
APRESENTAÇÃO:
A música parece constituir um dos principais campos artísticos consumido por
uma pluralidade infinita de atores sociais. Transcende as fronteiras temporais e espaciais
para adquirir significado ímpar na sociedade. Ela proporciona diferentes sentimentos e
sensações: a calma, a emoção, a sublimação, a revolução, a liberdade, a euforia e a
crítica presente nos diversos estilos musicais. Tem a música o poder de constituir
disposições engajadas, críticas ou mesmo revolucionárias? Ou seria somente uma arte
vista em sua forma contemplativa, sentimental e não menos conformista, propagada nas
vozes cantadas por aqueles que a experimentam? Afinal, como destacava Adorno
(1999), a música na modernidade estaria mais disposta a emudecer a consciência que
libertá-la da razão instrumental.
A pesquisa buscou traçar então, a relação estabelecida entre os jovens e a
música, procurando entender como as disposições deste grupo estão orientadas quando
a música é veiculada nos meios de comunicações, para a comercialização e propagação
de um determinado produto ou idéia. Em resumo, o que está em evidência é a análise do
gosto musical a partir da influência da indústria cultural sobre as disposições que fazem
parte da rede de relações objetivas dos entrevistados.
Neste empreendimento algumas questões foram freqüentes, como: a indústria
cultural deixaria margem para o pensamento crítico daqueles que consomem música?
Poderíamos falar em agentes sociais reificados sobre o prisma de um específico gosto
musical? As preferências musicais dizem, modelam e estruturam disposições que se
revelam em práticas corporais simbólicas? Depreende-se, assim, a possibilidade de
captar a suposta influência da indústria cultural, assinalada pela construção e
reconstrução de disposições que fazem parte das práticas dos agentes entrevistados sob
a ótica exclusiva do gosto musical.
Devemos lembrar antes, que a arte – a pintura, o grafite, a escultura, o teatro, a
dança, o cinema, a música etc. – de uma forma ou de outra, esteve, por vezes,
acompanhada do paradigma crítico. Produzir e consumir arte – a música – era sinônimo
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de atitude, de contestação e, até mesmo, de revolução características muito presente no
rock dos anos 60. E mais, a produção e o consumo então consciente e orientado a partir
de um viés ideológico, percorriam em suas extensões simbólicas um público específico:
o jovem.
Pensemos nos festivais de música realizado nos Estados Unidos na década de
1960; o “Monterey Internacional Pop Festival” e o “Woodstock Festival” que
atribuíam ao rock o instrumento de transformação em níveis simbólicos de um
movimento marcado predominantemente pela atuação da juventude contra a guerra e a
violência naquele país (Corrêa, 1989) e (Chacon, 1985). É das transformações de
posturas percebidas no comportamento jovem, que se fala na incorporação do rock
como argumento político nos ideais de contracultura. Pensemos na criação, no Brasil, da
União Nacional dos Estudantes, a UNE, e posteriormente, a instalação do Centro
Popular de Cultura, CPC, que propunha através da “UNE volante” percorrer o país
propagando a idéia da intervenção estudantil na política universitária e na política
nacional, incentivando reformas de base na busca da ruptura do subdesenvolvimento
nacional (Ridenti, 2000). Relembremos ainda, a atuação da juventude na época da
ditadura e as inegáveis formas de censuras que o aparato artístico brasileiro sofreu. A
música de linha nacionalista, por exemplo, ressaltava o consumo e a invasão dos
produtos e das empresas multinacionais no Brasil, ou a dinâmica da vida urbana que
condenava as posições pouco engajadas da Jovem Guarda (Tinhorão, 1998) e
(Napolitano, 2004).
Nesse momento, a categoria juventude está atrelada à participação social. O
jovem é encarado enquanto agente libertador das práticas arbitrárias do regime vigente.
Foracchi (1965) o caracteriza da seguinte forma:
O reconhecimento de que se trata de uma fase de vida, a constatação de sua
existência como força social renovadora e a percepção de que vai muito além
de uma etapa cronológica, para constituir um estilo próprio de existência e de
realidade do destino pessoal. (...) Trata-se, assim, de expressão da virtude que
mantém vivas as capacidades de resistência, de disputa e de renovação
(Foracchi, 1965, p. 303 e 304).
A juventude é, assim, identificada na forma mais próxima do engajamento e da
revolta, contra um futuro previsível, seguro e linear. É encarada enquanto agente social
delineador de histórias singulares, que interpreta o mundo e lhe confere sentido, que
demarca sua posição, no e sobre o campo, na qual suas diferentes linhas de ações são
10
realizadas. Ser jovem, portanto, é ser percebido como agente produtor de ações ativas
que, invariavelmente, está ligado a algum tipo de expressividade artística.
Outra seria a imagem da juventude? Dayrell (2003) acredita que posterior a
“explosão” do engajamento jovem que marcou o cenário político, econômico, social e
cultural brasileiro nos anos 60 se formou aqui uma nova e vibrante juventude a partir da
consolidação da indústria cultural. Diz ele:
(...) é uma visão romântica da juventude que veio se cristalizando a partir dos
anos de 1960, resultado, entre outros fatores, do florescimento da indústria
cultural e de um mercado de consumo dirigido aos jovens, que se traduziu, em
modas, adornos, locais de lazer, músicas, revistas etc. (...) Nessa visão, a
juventude seria um tempo de liberdade, de prazer, de expressão de
comportamentos exóticos (Dayrell, 2003, p. 41).
Ortiz (2001) destaca que a vida cultural brasileira vivenciada nos anos 60 e 70 é
marcada pelo volume e dimensão do mercado de bens simbólicos, pois ocorrera uma
rápida expansão, nos níveis da produção, da distribuição e do consumo da cultura. Os
exemplos são intermináveis: crescimento da produção de livros, de revistas, da indústria
fonográfica e, sobretudo, o desenvolvimento da televisão que, conseqüentemente,
propiciou o avanço da publicidade, marca “principal” da indústria cultural. E tudo isso,
impulsionado pelo ritmo frenético das transformações tecnológicas. É um momento de
franca ascensão das redes de informações em nível global que é coordenado pelo
aparato das telecomunicações. Poderíamos perguntar: trata-se de um fenômeno
eminentemente brasileiro?
Castells (2003) acredita que o mundo moderno é caracterizado pela atuação do
fluxo e da troca imediata das redes formadas pela informação, nos planos dos capitais
acumulados socialmente que se delineia na chamada “comunicação cultural” percebido
em esfera planetária. O fluxo de informação – social, político, econômico, cultural etc. –
acaba por regular, pois, condiciona de uma só vez, aquilo que é produzido e consumido.
Afirma:
(...) os produtos das novas indústrias de tecnologia da informação são
dispositivos de processamento de informação ou o próprio processamento das
informações. Ao transformarem os processos de processamento da informação,
as novas tecnologias da informação agem sobre todos os domínios da atividade
humana e possibilitam o estabelecimento de conexões infinitas entre diferentes
domínios, assim como entre os elementos e agentes de tais atividades (Castells,
2003, p. 119-120).
11
O que essas transformações nos níveis tecnológicos e, é claro, nas práticas da
produção e consumo cultural significaram para a juventude brasileira? Representaram,
entre outras coisas, o consumo dos produtos culturais, aqui mais precisamente a música,
orientados a partir da formulação propagandista da indústria cultural. Se antes, como
vimos, a arte musical era consumida como símbolo de resistência, de engajamento e
protesto por jovens, agora, o consumo de música adquire novo sentido. Porque “A
implementação da indústria cultural modifica o padrão de relacionamento com a cultura,
uma vez que definitivamente ela passa a ser concebida como um investimento
comercial” (2001, p. 144). Fala-se de uma juventude mais comprometida com valores
estéticos dirigidos pela indústria cultural (Dayrell, 2003).
A discussão deste trabalho foi polarizada em torno do rock e do sertanejo. E
ainda, o primeiro estilo foi visto enquanto arte musical particularmente comprometida
com a contestação social que não se relacionava, a priori, com disposições simbólicas
do corpo encorajadas pelo conformismo (Chacon, 1985) e (Hobsbawm, 2004). Já o
estilo sertanejo ficou situado no pólo diametralmente oposto, enquanto estilo que
expressa, em sua linguagem musical, práticas sentimentais, emotivas e contemplativas
distantes, por conseqüência, de disposições críticas (Caldas, 1987 e 1979).
A pesquisa empírica ocorreu nos meses de agosto e setembro do ano de 2006.
Teve como base a formação de três grupos de entrevistados, composto por jovens, entre
15 e 24 anos, dos mais distintos estratos sociais que estavam cursando o ensino médio
ou a universidade.
1
Ao todo foram entrevistados onze jovens que afirmaram ter pelo
menos uma preferência musical que contemplasse, necessariamente, o estilo sertanejo
ou o rock.
A tabela abaixo expõe esquematicamente as preferências musicais dos
entrevistados.
Estilos musicais
Masculino
Feminino
Rock
4
1
Sertanejo
2
4
Total
6
5
Total Geral
11
Tabela 1.1
1
Sabendo da dificuldade da delimitação etária no que tange a juventude, optamos por utilizar o termo em
referência ao período que se estende até os 24 anos. (Augusto, 2005) e (Foracchi, 1965).
12
Por que entrevistar apenas jovens? Por que não percorrer diferentes faixas
etárias, perguntaríamos? Afinal, a música tal como percebemos, extrapola qualquer
fixação por idade. Está claro para nós e, sobretudo, para aqueles autores que deram
consistência ao referencial teórico, para citar Adorno (1999), sempre objetivaram a
influência da indústria cultural em toda a extensão da sociedade. Longe de uma faixa
etária, de uma classe social, ou ainda, de um território específico, a indústria cultural
estaria sempre atuando nas consciências de todos os atores sociais nos mais variados
campos.
É bem verdade, e precisamos reconhecer ou pelos menos acreditar, que existem
disposições que são mais susceptíveis de serem incorporadas na juventude, como vimos
anteriormente. Em uma fase na qual os aspectos suntuosos da indústria cultural se
mostram mais evidentes para aqueles que começam a “descobrir-afirmando” uma
identidade através de uma ou várias preferências musicais. O critério, aqui, talvez seja
puramente prático. Mas o termo prático deve ser sensibilizado. Não se trata de
negligenciarmos outras possibilidades da pesquisa empírica. É sim, uma maneira de
encararmos o início de uma atividade de consumo de bens simbólicos de maneira
rigorosa e intencional. Se pensarmos em Hobsbawm (2004), perceberíamos que o
público que consome o rock é marcado tradicionalmente por jovens – que transitam da
primeira mesada ao primeiro emprego. Seriam os outros estilos diferentes?
Provavelmente não.
A entrevista foi estruturada mediante perguntas abertas. O roteiro procurava
captar através da fluidez das respostas qual seria a atitude geral ante uma pergunta,
concentrando-se na flexibilidade da interação do pesquisador com seus entrevistados.
Pelo contato mais próximo, procurava-se captar as emoções, as dúvidas, os momentos
descontraídos, ou os conflitos que normalmente fazem parte desse universo relacional.
Algumas foram do tipo sugestivas, como: “Diga o que a música representa para
você”? Esperando dar a oportunidade, ao entrevistado, de se expressar de maneira mais
livre, distante de alternativas de escolhas já decididas de antemão.
Não obstante, uma dissertação, concebida nestes parâmetros, está longe de
atingir o limiar da representatividade matemática. O cálculo que fazemos não é se mais
de 33 mil pessoas entre 15 e 24 anos ouvem rock em Goiânia diariamente, ou se
aproximadamente 44 mil jovens na mesma faixa etária escutam o estilo sertanejo, mas
sim, qual a relação das práticas de consumo simbólicas de estilos musicais e as
disposições incorporadas que se revelam em práticas corporais daqueles que a
13
experimentam. A estatística daria conta por si só da universalização dos dados em um
ambiente de pesquisa. 2
Foi possível realizar essa abordagem, evidentemente, tendo como fio condutor o
conceito de indústria cultural de Adorno e Horkheimer (1985) que visava através da
razão crítica desmistificar os cenários constitutivos da práxis humana. A abordagem
crítica é essencialmente relacional, pois procura investigar o que ocorre nos grupos e
instituições políticas relacionando as ações humanas com a cultura, na tentativa de
compreender como as redes de poder são produzidas, mediadas e transformadas. Mas
não é menos verdade, que a análise das práticas dos atores entrevistados, nesta
dissertação, a partir do conceito de indústria cultural, foi levada também a efeito pelos
conceitos de habitus e campo de Bourdieu (1989) que possibilitaram detectar as relações
de poder que sustentam a natureza das práticas que se inscrevem no problema proposto.
Bourdieu (1983) afirma que a sociologia da arte deve tomar como objeto o
conjunto das relações entre o artista e os outros artistas e, além disso, o conjunto dos
agentes envolvidos na produção da obra de arte. Isso auxilia ao pesquisador a perceber
que se deve realizar uma análise crítica do campo de produção cultural,
inseparavelmente, da relação entre o campo de produção e o campo dos consumidores.
Disto resulta que a autonomia do campo de produção é uma autonomia parcial que, em
nenhum momento, pode excluir a dependência.
O sujeito da obra de arte não é visto enquanto artista singular, mas sim, o campo
de produção artístico em seu conjunto que mantém uma relação de autonomia relativa
com os grupos onde se estabelecem as ações e relações sociais mantidas pelos agentes
que têm “(...) ligação com a arte, que se interessam pela arte, que vivem da arte para a
arte (...) conclui-se que, o sujeito da obra de arte, é, portanto, um habitus em relação a
uma função, isto é, um campo” (1983, p. 166 e 172).
Nesta medida, a história do campo relativamente autônomo, dos métodos, das
técnicas e da linguagem faz com que o campo que buscamos analisar jamais seja o
reflexo direto das coerções ou demandas externas, mas uma expressão simbólica
refratada pela lógica própria do campo.
O ponto fundamental para o início de nosso trabalho, seguindo a orientação da
prática cognoscente, foi realizar uma longa e complexa revisão, para não dizer
levantamento, da literatura consagrada que nos possibilitasse o domínio teórico do tema,
identificando-se, aí, os fundamentos de poder da(s) dimensão(ões) simbólica(s). O que
2
Ver pesquisa Serpes sobre audiência das rádios de Goiânia no anexo.
14
se mostrava evidente na perspectiva de Bourdieu (1989) era a construção do objeto,
possibilitando
construir
ou
reconstruir
os
objetos
socialmente
significantes,
transformando-os em objetos sociológicos. Esta pesquisa evidencia a liberdade plena
para se realizar tal tarefa e tem, como contrapartida, uma extrema vigilância das
condições de utilização das técnicas, da sua adequação ao problema e as condições de
seu emprego.
Estivemos ainda, atentos aos pormenores de procedimento da pesquisa cuja
dimensão propriamente social não é a menos importante. É uma condição de prevenção
contra o fetichismo dos conceitos e da teoria, que nasce da propensão para considerar os
instrumentos teóricos, habitus, campo, capital, em si mesmos, em vez de fazê-los
funcionar, de pô-los em ação. Esta discussão reside no fato de que a noção de campo e
habitus orientaram todas as opções práticas da pesquisa. Com isso, não estaremos
inclinados a pensar este fenômeno social de maneira substancialista, acima de tudo, a
pesquisa precisa pensar relacionalmente. Dito de outra forma, o objeto deve ser visto
sob um complexo de relações.
Na visão de Bourdieu (1983) o habitus é compreendido como:
(...) um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas
as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de
percepções, de apreciações e de ações e torna possível a realização de tarefas
infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas
(Bourdieu, 1983, p. 65).
O conceito de habitus é visto como um instrumento conceitual que auxilia a
pensar a relação, a mediação entre os condicionamentos sociais exteriores e a
subjetividade dos sujeitos. Habitus é uma noção que irá auxiliar a pensar, por exemplo,
as características de uma identidade social, de um sistema de orientação ora consciente,
ora inconsciente; a apreensão de uma certa homogeneidade nas disposições, nos gostos
e preferências musicais de grupos e/ou indivíduos produtos de uma mesma trajetória
social. O conceito de habitus propõe-se identificar a mediação entre indivíduo e
sociedade que, grosso modo, obedeceu a um amadurecimento teórico que se expressou,
sobretudo, na conciliação de duas leituras do social até então vistas como antagônicas e
contraditórias. Habitus surge, então, como um conceito capaz de conciliar a oposição
aparente entre realidade exterior e as realidades individuais, capaz de expressar o
diálogo, a troca constante e recíproca entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo das
individualidades. Em síntese, habitus é aqui constituído de disposições estruturadas e
15
estruturantes nas mentes, adquirido na e pelas experiências práticas, constantemente
orientadas para funções e ações do agir cotidiano.
Bourdieu (1983) faz a ressalva de que o ajustamento imediato entre o conceito
de habitus e campo é apenas uma forma possível de ajustamento. O conceito de campo
traduz o espaço de relações entre grupos com distintos posicionamentos sociais, espaço
de disputa e jogo de poder. Segundo o autor, a sociedade é real e estruturada por vários
campos, vários espaços dotados de relativa autonomia, mas regido por regras próprias.
Em essência, estes conceitos, sobretudo o de habitus, buscam recuperar a noção
ativa dos agentes como produtos da história de todo campo social e de experiências
acumuladas no curso de uma trajetória individual. Destaca Bourdieu:
Desde que a história do indivíduo nunca é mais do que uma certa especificação
da história coletiva de seu grupo ou de sua classe, podemos ver nos sistemas de
disposições individuais variantes estruturais do habitus de grupo ou de classe
(...). O estilo pessoal, isto é, essa marca particular que carregam todos os
produtos de um mesmo habitus, práticas ou obras, não é senão um desvio, ele
próprio regulado e às vezes mesmo codificado, em relação ao estilo próprio a
uma época ou uma classe (Bourdieu, 1983, p. 80-81).
Segue a esta linha de raciocínio a necessidade de pensarmos relacionalmente,
pois é preciso situar o objeto da pesquisa em um campo de estruturas de relações
objetivas que, por sua vez, possibilitam estabelecer homologias estruturais entre o
campo da música, o da mídia, o campo em que estão inseridos os jovens pesquisados –
a partir da indústria cultural – com os demais campos. Ainda, neste horizonte, sempre
teremos a consciência que o limite de um campo é o limite dos seus efeitos, assim
como, pesaremos o jogo de relações objetivas estabelecidas no campo em que nós,
enquanto pesquisador, estamos também situados. O raciocínio analógico que permeia
esta análise, apoiando-se na intuição racional das homologias é uma importante
ferramenta de construção de nosso objeto. Trata-se de construir um sistema coerente de
relações que deve ser posto a prova como tal.
Este modo de pensamento realiza-se de maneira perfeitamente lógica pelo
recurso do método comparativo, que permite pensar relacionalmente o caso particular
constituído em caso particular do possível, tomando-se como base de apoio as
homologias estruturais entre o campo da música e da mídia, dos consumidores e
produtores, ou entre estados diferentes do mesmo campo. Em outras palavras, por
exemplo, estariam os entrevistados da música sertaneja mais expostos a influência da
indústria cultural que os do rock?
16
A dúvida radical colocará em suspenso todos os pressupostos inerentes ao
trabalho da música, haja vista, a prática científica em evidência nesta pesquisa buscará
objetivar o objeto e não ser objeto dele. A existência de um pensamento autoritário não
se projetará, ao contrário, não aceitaremos uma “categoria”, um “conceito” sem antes
passar pelo exame crítico. Espera-se com isso superar a tradição douta. Este fato revela
a pedagogia de pesquisa que está no âmago deste trabalho. “Uma conversão do olhar”,
“um olhar sociológico”, diria Bourdieu.
O rompimento radical com o senso comum, atrelado à construção social do
problema de pesquisa, possibilitará uma abordagem que contemple de forma objetiva
aquilo que se quer pesquisar. Para tanto, é necessário lembrar que a história do campo é
a história de sua essência. A gênese do campo explícita nesta frase nos ajudará a
identificar os agentes que se destacam no complexo de relações presentes na pesquisa.
Sob esta ótica é escusado dizer que a reflexividade obsessiva é a condição de uma
prática científica rigorosa.
Nessa etapa, procurar-se-á reconstruir a história das práticas que permeiam o
campo que estudamos. Far-se-á necessário reconstruir como foi o surgimento da
indústria cultural no país, de forma que possibilite mostrar os fundamentos do poder e
as dimensões simbólicas que marcam as interações do campo. A objetivação, aqui
presente, é a objetivação de uma relação.
Admitindo esses pressupostos, devemos perceber os interesses econômicos que
atravessam esse campo, perceber a rede de relações objetivas entre posições e tomadas
de posições, identificando a partir dos agentes, o espaço dos produtores e dos
consumidores e, por fim, captar ou apreender a “illusio” do campo e o modo como
regulam as práticas e a representação dos agentes. “Illusio” ou interesse é aqui
entendido como uma motivação inerente a todo indivíduo dotado de um habitus em
determinado campo. Pois, como menciona Bourdieu, “(...) todo campo, enquanto
produto histórico gera interesse, que é a condição de seu funcionamento” (1990, p. 128).
É inegável, nesta abordagem, que as estruturas de interações objetivas serão
captadas ou apreendidas pelo habitus – as disposições, as perspectivas, as
sensibilidades, ou ainda, um haver, um capital – que está na base das ações dos agentes
que derivam de sistemas simbólicos. Finalmente, não cabe perguntarmos se o que
estamos pesquisando é enquadrado sob uma ótica que contemple o geral ou o particular,
se o objeto tem grandes dimensões ou não, se é simples ou complexo, porque sempre
iremos perceber questões singulares, comuns e invariáveis.
17
O problema teórico caracterizado nesta dissertação se destina a sua conversão
em uma “discussão” que se volte para a prática, já que, para Bourdieu, o ofício do
sociólogo é o ofício da prática. A análise empírica identificará as posições dos jovens no
campo em que estão inscritos, da mídia - televisão, rádio, cinema, meios de
comunicações de uma forma geral – os espaços dos consumidores e produtores, e as
tomadas de posições no campo – jovens, empresários dos meios de comunicações,
artistas, a música etc. – procurando as configurações das práticas que dominam cada
posição.
Para tanto, a dissertação foi estruturada em três partes. A primeira parte trata da
construção do referencial teórico dando ênfase a indústria cultural e as discussões
subjacentes ao conceito. Na segunda parte utilizamos o corte temporal para reconstruir a
formação da música popular brasileira, evidenciando os principais estilos e atores
musicais que fizeram parte do contexto cultural, social, político e econômico brasileiro,
não se esquecendo de apontar, quando oportuno, os aspectos da indústria cultural que
ajudaram a constituir certas práticas. A terceira e última, refere-se propriamente a
pesquisa empírica, onde se realiza a interação teoria e metodologia, para em seguida,
chegarmos às considerações finais.
18
PARTE I:
PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DO CAMPO
SIMBÓLICO
19
“Só são verdadeiros os pensamentos que não conseguem entender-se a si mesmo”.
Adorno, Minima Moralia.
1.1. O campo e o habitus:
O exercício que Bourdieu (1996) realiza em referência as ciências das obras
culturais supõe, claramente, três operações ligadas a três esferas da realidade. A
primeira trata da análise da posição do campo literário, enraizado no centro do campo
de poder e de sua evolução ao longo do tempo; a segunda diz sobre a estrutura interna
do campo literário composto pelas suas próprias leis de funcionamento e de
transformação – a estrutura de relações objetivas entre as posições que ocupam os
agentes – aqui de maneira especial, os jovens e os integrantes da indústria da música,
resultando finalmente, na análise da gênese dos habitus dos ocupantes dessas posições,
ou seja, os sistemas de disposições, entendido como o produto de uma trajetória social
que ocupa uma posição no interior do(s) campo(s).
O campo de poder que analisamos neste trabalho se configura no espaço das
relações de forças entre agentes ou instituições que têm em comum a capacidade de
possuir capital necessário para ocupar posições dominantes nos diferentes campos
(econômico e/ou cultural, principalmente). Em razão da hierarquia que se estabelece nas
relações entre as diferentes espécies de capital e entre seus detentores, os campos de
produção cultural ocupam uma posição singular e temporalmente realizada no centro do
campo de poder. Diz Bourdieu:
Por mais livres que possam estar das sujeições e das solicitações externas, são
atravessados pela necessidade dos campos englobantes a do lucro econômico e
político. (...) Quanto maior a autonomia, mais a relação de forças simbólicas é
favorável aos produtores mais independentes da demanda e mais o corte tende
a acentuar-se entre os dois pólos do campo, isto é, entre o subcampo de
produção restrita, onde os produtores têm como clientes apenas os outros
produtores, que são também seus concorrentes diretos, e o subcampo de grande
produção, que se encontra simbolicamente excluído e desacreditado. Isto
desemboca no princípio de hierarquia externa (...) que está em vigor nas
regiões temporalmente dominantes do campo do poder, ou seja, segundo o
critério do êxito temporal medido por índices de sucesso comercial, tais como:
a tiragem dos livros, o número de representações das peças de teatro etc., ou de
notoriedade social (...) enquanto o princípio de hierarquização interna se refere
ao grau de consagração específica conhecidos e reconhecidos por seus pares e
unicamente por eles (Bourdieu, 1996, p. 246-47).
Podemos completar que o grau de autonomia do campo e o estado das relações
de forças que estão aí presentes são proporcionais ao capital simbólico acumulado no
20
transcorrer do tempo pela ação das gerações que se sucederam. O poder simbólico que é
adquirido na complacência das regras de funcionamento do campo, pois não é
reconhecido como tal, opõe-se a todas as formas de poder heterônomo, isto é, a
aceitação das regras do campo nunca é interiorizada e transportada para a prática social
de maneira absoluta. Percebemos que o grau de autonomia do campo é sempre afirmado
por uma autonomia relativa.
As disputas em torno do controle da definição do modo de produção cultural
legítimo ajudam na reprodução de forma contínua na crença no jogo, o interesse, a
“illusio”, da qual são também os produtos. Bourdieu (1996) acredita que cada campo
produz sua forma específica de “illusio”, porquanto é a condição indispensável para o
funcionamento do “jogo”. Destacamos, então, que a forma particular que procuramos
captar o “interesse” é constituído e, ao mesmo tempo, institucionalizado pela lei básica
da maximização do lucro econômico. Devido a isso, o campo de nossa análise oferece
aos agentes nele contidos, uma forma legítima de realização de seus desejos, baseada
em uma forma particular de “illusio”.
Outro ponto que nos chama bastante atenção diz respeito à crença do criador
“incriado”. Bourdieu pode explicar:
O produto do valor da obra de arte não é o artista, mas o campo de produção
enquanto universo de crença que produz o valor da obra de arte como fetiche
ao produzir a crença no poder criador do artista. Sendo que a obra de arte só
existe enquanto objeto simbólico dotado de valor se é conhecida e reconhecida,
ou seja, socialmente instituída como obra de arte por espectadores dotados da
disposição e da competência estética. (...) a ciência das obras tem por objetivo
não apenas a produção material da obra, mas também a produção do valor da
obra ou, o que dá no mesmo, da crença no valor da obra (Bourdieu, 1996, p.
259).
A ciência que se exercita leva em consideração, portanto, não somente os
produtores diretos da obra em sua forma material, mas também, o conjunto dos agentes
e das instituições que participam da produção do valor da obra através da produção da
crença no valor da arte em geral e no valor distinto de determinada obra. A crença
coletiva na “illusio” da música e da indústria cultural, no valor “místico” de suas
aceitações é, ao mesmo tempo, a condição e o produto do funcionamento da “illusio”; é
ela que está no princípio de consagração e contemplação que permite aos artistas
consagrados constituir certos produtos, como destaca Bourdieu, pelo milagre da
assinatura ou mesmo da coleção de discos encomendados.
21
A homologia entre o espaço dos produtores e o espaço dos consumidores, ou
seja, o campo da música e o campo de poder fundam o ajustamento não intencional
entre a oferta e a procura. O ajustamento à demanda nunca é completamente o produto
de uma transação consciente entre produtores e consumidores. Uma obra apreciada por
um determinado público, uma canção sertaneja, por exemplo, é o resultado de uma
coincidência, de um encontro entre séries causais derivado do produto da busca do
ajustamento das expectativas do cliente e/ou às sujeições da demanda. O espaço de
produção e o espaço de consumo estão no princípio de uma dialética que perfaz os mais
diversos gostos encontrarem as condições de sua satisfação nas obras oferecidas e, além
disso, os campos de produção asseguram um mercado para seus diferentes produtos.
Basta dizer que, “(...) os lucros econômicos crescem quando se vai do pólo “autônomo”
ao pólo “heterônomo”, ou seja, se se quiser, da arte “pura” à arte “burguesa” ou
comercial, enquanto os lucros específicos variam em sentido inverso” (1996, p. 283).
Na esfera do consumo, as práticas e os consumos culturais que são observados
ao longo do tempo, são para Bourdieu (1996), os produtos do encontro entre duas
histórias, quais sejam: a dos campos de produção que possui leis próprias; e a do espaço
social em seu conjunto, que determina, especialmente, a preferência a um específico
estilo musical, por exemplo, através dos condicionamentos sociais relacionado, é claro,
as condições materiais de existência na estrutura social. Ora, trata-se da produção e da
circulação das obras ditas culturais que existem a uma só vez em estado objetivado nas
estruturas constitutivas do campo da indústria cultural, e em estado incorporado, nas
estruturas mentais e nas disposições constitutivas do habitus, que se revelam em práticas
corporais, afirmando continuamente o modo de produção cultural na qual se impõe a
todos os produtos.
1.2. Dialética do esclarecimento: primeiros passos
Mas, situar esta pesquisa sob a perspectiva metodológica da confluência dos
conceitos de campo e habitus de Bourdieu, significa também perceber que a indústria
cultural faz parte de uma sofisticada e complexa linha conceitual que, na sua raiz, está a
sociedade capitalista. Desvelar as formas e os espaços de consumo dos produtos ditos
culturais é, antes de qualquer coisa, percorrer inevitavelmente a modernidade.
Octávio Ianni (1989) nos ajuda a compreender as contingências que estão na
essência da modernidade. Para Ianni o pensamento místico e contemplativo – a tradição
22
– cedera lugar à razão. Através das faculdades científicas o homem despoja a religião e
é obrigado a assumir seu próprio destino. Diz ele:
A crescente intelectualização dos indivíduos e a contínua racionalização das
organizações pareciam “despojar de magia o mundo”, desencantá-lo. O homem
e a sociedade pareciam conquistar o controle de seus atos, do seu presente,
emancipados do passado. O mundo iluminava-se de outras cores. As ciências
conferiam a muitos a ilusão do progresso, da resolução dos problemas
materiais e espirituais. (...) Está em curso a secularização da cultura e do
comportamento, [a] industrialização e urbanização, a divisão do trabalho social
e a mercantilização (Ianni, 1989, p. 19 e 21).
Giddens (1991) acredita que o pensamento iluminista e a própria cultura
emergiram da tradição religiosa. Para ele:
Não é de forma alguma surpreendente que a defesa da razão desagrilhoada
apenas remodele as idéias do providencial, ao invés de removê-las. Um tipo de
certeza (lei divina) foi substituído por outro (a certeza de nossos sentidos, da
observação empírica), e a providência divina foi substituída pelo progresso
providencial. Além disso, a idéia providencial da razão coincidiu com a
ascensão do domínio europeu sobre o resto do mundo (Giddens, 1991, p. 54).
Já Adorno e Horkheimer (1985), ao empreenderem o estudo da modernidade
concentram-se na análise do mundo moderno captado pelo uso irrestrito da
calculabilidade técnica, ou até, do emprego da razão instrumental. Porém, é o resultado
de tal diagnóstico que se mostra dissonante quando relacionado às citações passadas.
Para os “frankfurtianos” é o iluminismo que provoca a eliminação do último resto da
autoconsciência. Por mais que a racionalidade tivesse empreendido esforços para
libertar o homem do pensamento mítico, este permanecera preso ao nexo da própria
racionalidade. Adorno e Horkheimer (1985) explicam:
No trajeto para a ciência moderna, os homens renunciaram ao sentido e
substituíram o conceito pela fórmula, a causa pela regra e pela probabilidade. O
que não se submete ao critério da calculabilidade, para não dizer da técnica, e
da utilidade torna-se suspeito para o esclarecimento. Cada resistência espiritual
que ele encontra serve apenas para aumentar sua força. Isso se deve ao fato de
que o esclarecimento ainda se reconhece a si mesmo nos próprios mitos. Mas
os mitos que caem vítimas do esclarecimento já eram o produto do próprio
esclarecimento. O mito queria relatar, denominar, dizer a origem, mas também,
expor, fixar, explicar (Adorno e Horkheimer, 1985, p. 23).
O esclarecimento havia produzido, inadvertidamente, seu oposto por duas
razões, como nos lembra Martin Jay (1988):
23
Em primeiro lugar, a razão instrumental estava intimamente ligada ao princípio
da troca, nos termos do qual tudo era reduzido a um equivalente abstrato de
tudo, a serviço da troca universal. (...) A segunda fonte do efeito destrutivo
involuntário da razão instrumental era sua vinculação com o domínio da
natureza. Na medida em que o mundo natural foi reduzido a um campo de
entidades fungíveis, cujas diferenças qualitativas se perderam em nome do
controle científico, o domínio subjetivo dos objetivos preparou o caminho para
o domínio equivalente dos sujeitos através da reificação. A ciência, em lugar de
revelar-se uma força colocada inequivocamente a serviço do aperfeiçoamento
humano, mostrou ser o continente das sementes de uma nova forma de
desumanização (Jay, 1988, p. 36 e 37).
Assim, sem dúvida, para Adorno e Horkheimer (1985), o esclarecimento é
sempre visto enquanto sistema totalitário, haja vista, sua inverdade se baseia nos
processos decididos de antemão. A única alternativa que sobra aos indivíduos é, então,
converter-se em singelos seres genéricos, iguais uns aos outros, pelo isolamento que a
força destrutiva da modernidade governa. Por isso concluirão:
Enquanto órgão de semelhante adaptação, enquanto mera construção de meios,
o esclarecimento é tão destrutivo como o acusam seus inimigos românticos. Ele
só se reencontrará consigo mesmo quando renunciar ao último acordo com
esses inimigos e tiver a ousadia de superar o falso absoluto que é o princípio da
dominação cega. (...) Mas, em face dessa possibilidade, o esclarecimento se
converte, a serviço do presente, no total mistificação das massas (Adorno e
Horkheimer, 1985, p. 52).
1.3. O conceito de indústria cultural:
Não é menos verdade que o conceito de indústria cultural surgido ainda nos anos
40 é entendido como a extensão traumática do esclarecimento. Através deste conceito,
Adorno (1985) acreditava que a consciência das massas teria sido tão manipulada e
distorcida que ameaçou a extinção do pensamento crítico. O conceito agiria na denúncia
das formas insidiosas pelas quais os espetáculos populares burlavam e inferiorizavam
seus consumidores. Ou seja, a padronização e a pseudo-individualização negavam as
alegações da cultura de massa de que satisfazia os gostos individuais. O “mundo
administrado” termo recorrente em Adorno, protótipo do que Marcuse chamaria de
“sociedade unidimensional”, intermediado pela ideologia, eliminaria qualquer
resistência à indústria cultural.
O conceito de indústria cultural, segundo Maar (2003), procura ressaltar o
mecanismo pelo qual a sociedade como um todo seria construída sob a égide do capital,
reforçando as forças dominantes vigentes. Os indivíduos seriam semiformados,
afirmativamente, para confirmar a reprodução continuada do vigente como cópia pela
24
indústria cultural. A deformação ou semiformação não se trata objetivamente do
complexo traumático que inferioriza a liberdade dos indivíduos, mas antes de tudo, da
própria sociedade. Em outras palavras, semiformação se refere ao espírito deformado
humano, entregue sem oposição ao caráter fetichista da mercadoria.
Em uma citação bastante discutida, Adorno explica os motivos que os levaram (a
ele e Horkheimer) cunhar o pesado termo “indústria cultural” e não cultura popular ou
mesmo cultura de massa. Relembra:
Em nossos rascunhos, falamos de “cultura de massa”. Substituímos essa
expressão por “indústria cultural”, com o fito de excluir, desde início, a
interpretação agradável aos seus defensores: a interpretação segundo a qual
trata-se de algo parecido como uma cultura que surge espontaneamente do seio
das próprias massas, a forma contemporânea de arte popular. Desta última, a
indústria cultural deve ser distinguida de forma extrema (Adorno apud Jay,
1988, p. 109).
Ao contrário, as mensagens veiculadas nos meios de comunicações são
fabricadas mediantes produtos “não-culturais” e visam, evidentemente, o consumo.
Destarte, uma das principais queixas que se pode abstrair de Adorno e Horkheimer
(1985) sobre a indústria cultural refere-se a sua deliberada função mistificadora, porque
o espectador não deveria ter necessidade de nenhum pensamento próprio. O produto, em
si, diz sobre toda e qualquer reação que os consumidores devam ter. Adorno e
Horkheimer dizem: “(...) toda ligação lógica que pressuponha um esforço intelectual é
escrupulosamente evitada” (1985, p. 128). Basta lembrarmos nos anúncios publicitários
recentes. Nos meses de janeiro e fevereiro de 2007 foi criado um namoro fictício entre
uma atriz e um conhecido “garoto-propaganda” de uma marca de cerveja para alavancar
as vendas. Depois de algumas centenas de inserções na mídia se “desfez” o namoro,
com o intuito de se atribuir uma nova, e também atriz, à trama dos comerciais. Poder-seia então concluir: com Kaiser sua vida afetiva alavanca! 3
Bourdieu (1997), neste aspecto, parece ir ao encontro das “teses” de Adorno e
Horkheimer (1985). O autor francês faz o seguinte comentário a respeito dos programas
de televisão concebidos a partir da “mentalidade-índice-de-audiência”:
Os fatos-ônibus são fatos quem como se diz, não devem chocar ninguém, que
não envolvem disputas, que não dividem, que formam consenso, que
interessam a todo mundo, mas de um modo tal que não tocam de nada de
3
Para Debord o espetáculo é mais que anexo da realidade, como seria a propaganda, a publicidade ou as
informações presente na mídia. É “(...) um processo de alienação que se formula, em um primeiro
momento, na passagem do “ser” para o “ter”, para traduzir-se, no contexto de uma sociedade espetacular,
em um estágio que leva do “ter” para o parecer” (Debord, 1997, p. 90).
25
importante. (...) são empregados para dizer coisas tão fúteis; é que essas coisas
tão fúteis são de fato muito importante na medida em que ocultam coisas
preciosas (Bourdieu, 1997, p. 23).
Passado meio século do surgimento do conceito que traços contemporâneos
poderíamos perceber? O conceito de indústria cultural tem um caráter conjuntural,
porquanto marca o desenvolvimento de uma época a partir de tendências relacionadas
com o processo de transformação social, político, econômico e cultural, privilegiando o
exercício crítico da razão.
Aliás, o conceito de indústria cultural procura desmistificar a noção de história
no sentido de demonstrar que esta não é só avanço linear, pelo contrário, envolve
intrinsecamente a possibilidade da regressão. Olgária Matos (1989) afirma: “O enigma
da história se resolve por uma dialética que é negativa, que não promete síntese e sim
ruptura; não é superação que conserva, mas que reprime” (1989, p. 274).
Na indústria cultural o que se relaciona à cultura, circula como mercadoria.
Verifica-se a perda da áurea, do “espírito”, do halo artístico, já que, as artes, em suma, a
cultura, são produzidas e difundidas como mercadorias. O que está em cena na indústria
cultural é o sentido trágico do cotidiano; incêndios, inundações, catástrofes,
assassinatos, programas que fabricam sucessos musicais – variedades – que resultam na
uniformização e na banalização da vida social. Em Bourdieu, encontramos a seguinte
afirmação que sintetiza o assunto: “Flaubert dizia, é preciso pintar bem o medíocre”
(1997, p. 27).
Para Gabriel Cohn (1998) o conceito serve para caracterizar processos de
transformações sociais que devam ser percebidos e, por isso, entendidos, a partir de dois
pontos cruciais. O primeiro trata o conceito enquanto um sistema, pois “(...) remete à
idéia de uma articulação crescente entre todos os ramos de um empreendimento
produtor e difusor de mercadorias simbólicas sob o rótulo da cultura” (1998, p. 20). E o
segundo, percebe o processo cultural assumindo uma infinidade de possibilidades de
atuação na prática social – é multidimensional. Afirma ele: “(...) os produtos da
indústria cultural são entidades organizadas em múltiplos níveis de significado, na
dimensão dos efeitos” (1998, p. 25).
A indústria cultural, na perspectiva de Gabriel Cohn, se converteu em
subsistema mais amplo das redes informáticas, o que, dessa forma, implicou em uma
diminuição do alcance de explicação do conceito. Zuin (2001) acredita que a essência
do conceito de indústria cultural permanece atual, e é relevante para a crítica das
26
condições sociais que fundamentam a totalidade da semiformação. Ainda, pode fornecer
subsídios iniciais para uma práxis de resistência ao processo de debilitação da
individualidade, sobretudo, passando por uma concepção educacional pautado na
reapropriação da capacidade de autocrítica presente no pensamento de Adorno.
É por isso, que quanto mais firmes se tornam as posições da indústria cultural,
mais prontamente ela pode proceder com as “necessidades” dos consumidores,
“produzindo-as, dirigindo-as, disciplinando-as e, inclusive, retirando a diversão”. O
termo diversão em Adorno e Horkheimer (1985) significa estar de acordo. A liberação
prometida pela diversão é a liberação do pensamento como negação. Diante desta
afirmação os autores serão categóricos em afirmar:
A indústria cultural realizou maldosamente o homem como ser genérico. Cada
um é tão-somente aquilo mediante o que pode substituir todos os outros: ele é
fungível, um mero exemplar. Ele próprio, enquanto indivíduo, é o
absolutamente substituível, o puro nada, e é isso mesmo que ele vem a
perceber quando perde com o tempo a semelhança (Adorno e Horkheimer,
1985, p. 136).
O inimigo que se tenta combater já é o inimigo aniquilado: não o indivíduo, mas
antes de tudo a sociedade administrada. A felicidade só pode ser atingida se toda a
sociedade renunciar a própria pretensão de felicidade, comentaria Adorno,
ironicamente. Neste conceito o indivíduo parece ser ilusório, porque se liquidou a
individualidade pela produção do sempre igual.
Em tom melancólico arrematam:
É só porque os indivíduos não são mais indivíduos, mas sim, meras
encruzilhadas das tendências do universal, que é possível reintegrá-los
totalmente a universalidade. É só por isso que a indústria cultural pode
maltratar com tanto sucesso a individualidade, porque nela sempre se
reproduziu a fragilidade da sociedade (Adorno e Horkheimer, 1985, p. 145).
1.4. Música e indústria cultural:
Não seria um equívoco captar tais citações, ou mesmo a totalidade do
pensamento frankfurtiano em um estrondoso pessimismo. Horkheimer, citado por
Olgária Matos (1989), já falava dos motivos que o levava a percorrer o pensamento
negativo. Explica ele:
Jamais se poderá indenizar a injustiça passada. Nada jamais compensará os
sofrimentos das gerações desaparecidas. (...) O pessimismo apenas como uma
27
função crítica, que exprime o protesto do indivíduo em nome do sofrimento
presente, contra sua opressão pela racionalidade burguesa; trata-se aqui de um
pessimismo de método, posicionado, quanto ao futuro, como otimismo
evidente (Horkheimer apud Matos, 1989, p. 13).
Podemos dizer que desprovida de qualquer nível de otimismo em torno das
concepções de mundo que delimitam a sociedade administrada, a Teoria Crítica adota
um pessimismo de método como uma forma antiidealista que barra a resignação do
curso da história. Ser pessimista não é resignar-se pela Guerra, pelo holocausto, mas
perceber a dor dessas injustiças como um trauma, um drama da vida moderna. Olgária
Matos ratifica: os traumas “(...) impedem o adormecimento nas falsas certezas das
esperanças infundadas, promovendo o despertar da razão de sua letargia mortal no
mundo administrado” (1989, p. 254-55).
O pessimismo que chamamos de método é encontrado nas diversas análises
empreendidas pela Teoria Crítica. Assim como a indústria cultural se manifesta na
totalidade da sociedade, o não “resignar-se”, está presente nas diversas esferas da
existência. A música é uma delas. Mas que música é essa? Devemos falar de uma
música que expressa o pessimismo de uma época?
O desenvolvimento da indústria cultural levou à predominância do efeito, do
toque óbvio e previsto sobre a própria obra de arte que antes externalizava uma idéia,
mas que fôra liquidada. O fetichismo na música é a tônica desse processo. Adorno
(1999) acredita que o lado inferior do fetichismo na música é a regressão da audição,
cujo significado é uma crescente incapacidade de concentração em qualquer coisa,
exceto, evidentemente, nos aspectos banais e truncados de uma composição. O resultado
disso, só poderia ser catastrófico. Os ouvintes são programados para aceitar uma música
que rejeita todo desenvolvimento coerente e que apresenta, em vez disso, a produção
espacial do sempre igual servindo tão simplesmente para reforçar a dominação
simbólica e, por tabela, retirar a individualidade. A trajetória da massificação é
inescapável, porque como sugeria Adorno em Minima Moralia: “(...) a liberdade não
consiste em escolher entre branco e preto, mas em escapar a toda a alternativa préfabricada” (2001, p. 134).
Jay nos ajuda a entender melhor:
(...) a fetichização assume muitas formas no atual estágio musical; o culto a
maestros-estrelas e a músicos-estrelas, a obsessão com a perfeição técnica dos
equipamentos de alta-fidelidade e o empobrecimento da audição daqueles que
não conseguem entender nada além de melodias famosas (Jay, 1988, p. 111).
28
Já Edward Said (2003) em um conhecido debate travado com o maestro
israelense Daniel Barenboim exemplifica:
Adorno diz que a música deixa de ser uma representação da sociedade, como
em Beethoven, por exemplo, a burguesia triunfante, como se vê no toque da
trombeta do Fidélio, quando se chega a Schoenberg e ao sistema dodecafônico,
que é uma representação da incapacidade da música de funcionar dentro da
sociedade. (...) Adorno afirma que a música se tornou tão difícil e inacessível
porque representa uma espécie de ossificação da sociedade, o que a impede
inteiramente de ser a) executada, b) compreendida e c) ouvida (Barenboim e
Said, 2003, p. 138).
Podemos, então, fazer a seguinte indagação: para quem a música de
entretenimento serve ainda como entretenimento? Para Adorno (1999) a resposta é
emblemática. Ao invés de entreter, a música propagada pela indústria cultural contribui
para o emudecimento do indivíduo já deformado, à morte da linguagem, à
impossibilidade de comunicação. Afirma ele: “(...) a música de entretenimento preenche
os vazios do silêncio que se instalam entre as pessoas deformadas pelo medo, pelo
cansaço e pela docilidade de escravos sem exigências” (1999, p. 167). O ouvinte
danificado é somente o consumidor passivo que se realiza através dos anúncios
publicitários, porque já não resta alternativa a não ser, capitular aquilo que a indústria
cultural veicula como cultura, mas externalizada enquanto mercadoria simbólica de
opressão.
Merton e Lazarsfeld (2000) acreditam que:
A publicidade é dirigida especialmente para canalizar padrões ou atitudes de
comportamento preexistentes. Ela raras vezes procura incutir novas atitudes ou
criar novos padrões de comportamento. (...) uma vez que os maiores modelos
de comportamento ou de atitudes genéricas tenham sido estabelecidos é fácil
canalizá-los numa direção ou outra. A resistência é pouca (Merton e
Lazarsfeld, 2000, p. 128).
Segundo Baudrillard (1995) a realidade publicitária é a produção de um âmbito
imagético que tem também força mítica, através da manipulação técnica de um conjunto
de imagens, de signos, que ganham “autonomia” a partir do próprio meio em que são
produzidos, e que são avaliados, não por sua referência ao real histórico, conflituoso,
mas pela técnica de sua estruturação.
Como o pesquisador deveria captar tais tendências, então? Para Adorno (1983),
a sociologia da música deveria, sobretudo, se concentrar na busca de um método eficaz
que possibilitasse uma análise “livre” de um pensamento sistemático. Seguindo um
hábito científico, “(...) seria preciso delimitar o seu campo, dividi-lo em áreas, fazer a
29
resenha dos problemas, das teorias e dos principais resultados a que chegou a pesquisa,
para ao final tentar uma sistematização” (1983, p. 259).
Adorno nos proporciona a visualização da recusa de uma “separação entre
método e objeto”, haja vista, que o método não é fixo, não é invariável em relação ao
objeto. Isto resulta que os campos de pesquisa não se dividem em comportamentos
coordenados e subordinados, e devem ser colocados em sua relação dinâmica. Diz ele:
Mesmo a distinção plausível entre as esferas de produção, reprodução e
consumo é produto social, e deve ser deduzida pela sociologia muito mais do
que aceita. Orientada assim, a sociologia da música tem uma dupla relação com
seu objeto, que será tomado por dentro e por fora. A significação social que
habita a música em si mesma não é idêntica à sua posição e função social. (...)
A grande música, a música íntegra, outrora consciência adequada, pode tornarse ideologia, aparência socialmente necessária (Adorno, 1983, p. 259).
Essa afirmação, até certo ponto de vista valorativa, principalmente com a
utilização das expressões “grande música” e “música íntegra” serve para Adorno como
uma espécie de procedimento científico; como o estudo da música deve ser travado. Por
mais que tenha distinguido entre alta cultura e cultura de massa, Adorno não esqueceu
que “(...) toda cultura compartilha a culpa das sociedades” (1998, p. 26). O pensador
alemão trata as questões inerentes à música como ideologia, mas não só como ideologia.
Nota-se aí, a preocupação em afirmar que a música enquanto ideologia se caracteriza
quando se torna objetivamente falsa, ou mesmo, é revelada suas contradições entre seu
valor essencial e sua função. Diante da esfera administrativa da vida humana – a política
– a música é capaz de produzir a ilusão do imediato, pois na essência da sociedade
reificada e alienada “(...) o mundo racionalizado, que, no entanto, permanece irracional,
necessita cuidar do inconsciente para se ocultar” (1983, p. 260).
Por um lado, dado o processo de sofisticação da calculabilidade técnica das
práticas capitalistas, a música é mera ideologia e, de outro, ela não é ideologia enquanto
recurso imediato da dominação, mas sim, como forma de falsa consciência. É devido a
isso, que a sociologia da música depende da utilização e reflexão dos métodos de
análise e de sua relação com o conteúdo espiritual, mediante categorias técnicas. Jay
(1988) acredita que o único campo no qual Adorno projetava algum vislumbre de
esperança era a arte, à qual fez referências que pelo menos eram reconhecidamente
ilusórias. Jay escreve:
A arte, mesmo em suas formas mais elevadas, é aparência; mas sua aparência,
sua parte irresistível, é dada por algo que não é aparência. A arte, notadamente
30
a arte depreciada como niilista, diz, ao abster-se dos julgamentos, que nem
tudo é simplesmente nada. Se tudo fosse nada, o que quer que existisse seria
pálido, incolor, indiferente. Toda luz que se projeta sobre os homens e as coisas
reflete a transcendência. Não é possível apagar, da resistência ao mundo
fungível da troca, a resistência do olho que não deseja que as cores do mundo
se esvaiam. A aparência é a promessa da não-aparência (Jay, 1988, p. 50-51).
De forma decisiva, Adorno não esquece para o estudo da sociologia da música, o
processo de racionalização outrora percebido por Max Weber (1995). Em sintonia com
o autor de “Os fundamentos racionais e sociológicos da música”, Adorno ressalta que a
história da música é uma progressiva racionalização mesmo contrariando o
irracionalismo reinante. Mais uma vez, diz ele:
No interior da evolução total de que participou através da progressiva
racionalidade, a música foi também, (...) a voz do que ficara para trás no
caminho dessa racionalidade, ou do que fôra. Esta é a contradição social que
está no centro da música dela mesma, e, é também a tensão de que até aqui a
produtividade musical se tem alimentado. Por seu puro material a música é a
arte em que os impulsos pré-racionais e miméticos se afirmam
irredutivelmente, entrando ao mesmo tempo em constelação com as tendências
ao progressivo domínio da natureza e dos materiais (Adorno, 1983, p. 262).
Podemos perceber que o campo delimitado e cultivado da irracionalidade em
meio ao processo de racionalização é produzido e administrado pela indústria cultural.
Afinal, racional é o cálculo ao extremo dos atos de se planejar, produzir e administrar os
empreendimentos econômicos. É importante frisar, segundo Jay (1988), que o conceito
de produção tão intrínseco ao pensamento de Adorno, não deve ser posto como
absoluto, ou tampouco, identificado à produção social de bens culturais. Atrelado a este
conceito está a autonomia do sujeito de um lado, e a independência da mercadoria e do
valor de troca, por outro. Note que esta autonomia é sempre uma autonomia parcial,
pelo simples fato de as leis de produção expressiva do produto se distinguirem daquelas
orientadas para a lógica do mercado. Reside aí, uma tensão permanente entre estes dois
momentos. O que a música reflete são as tendências e contradições da sociedade como
um todo.
Seria duvidoso perceber a produção musical a partir da substância coletiva
derivada de uma classe específica. Para Adorno, 4 a música é toda ela burguesa, porque
4
A idéia de Adorno é basicamente a mesma do trabalho de Elias (1994) que trata de Mozart. Para
Adorno, “(...) o compositor não só está preso as condições sociais objetivas da produção, como sua
façanha mais pessoal, uma espécie de síntese lógica de natureza particular, é nela mesma social. O sujeito
da composição não é individual, mas coletivo. Toda música que seja a mais individualista pelo estilo, tem
uma substância irredutivelmente social: qualquer tom diz nós” (Adorno, 1983, 265). Schoenberg diria
mais, “(...) a fim de compreender a própria essência da criação, é preciso lembrar do fato de que não havia
31
de uma maneira geral, está se falando de uma sociedade que congrega valores
burgueses.
E aí reside a sociologia da música. Jay (1988) destaca:
(...) a sociologia não deve questionar o modo como a música funciona, mas o
modo como ela se posiciona diante de antinomias sociais fundamentais; tratase de verificar se ela se dispõe a dominar essas antinomias ou se lhes permite
permanecer ou até mesmo as escamotear (Jay, 1988, p. 122).
Sem embargo, mesmo não adjudicando a produção musical a interesses ou
tendências sociais particulares, não impede de se reconhecer características sociais
específicas, características essas, por exemplo, que alteram sua relação com o valor de
uso, e passa a ser percebido meramente pelo seu valor de troca. Neste trabalho o que se
evidencia sobre a verdade social da música é dado pela contradição entre as suas
diversas substâncias que estão ligadas à sua própria constituição. Em exercício está o
emprego de uma sociologia crítica.
Adorno faz uma bipartição da música, em “séria e leve”, “arte alta e baixa”
como já observamos, que deve ser socialmente interpretada em seus vários níveis. De
forma valorativa, esta interpretação para ele, se torna duvidosa quando a música é
“simplória”, “regressiva” ou “nula”. Diz ele: “(...) é mais difícil determinar as razões do
sucesso de um “hit” comparado a outro, do que diferenciar, digamos, o apelo social das
várias obras de Beethoven” (1983, p. 267).
Neste ponto é necessário esclarecer. Em Dwight MacDonald (2000)
encontramos a bipartição da outrora chamada “cultura popular” em cultura de massa e
cultura média – “masscult” e “midcult”. O termo “masscult” é carregado de
negativismo. Parece não haver criação, tampouco personalidade criativa porque já fôra
liquidado o indivíduo. Por outro lado, para satisfazer as necessidades de um público
intermediário, que vagueia entre o refinado e o massificado é necessário a produção de
uma “cultura média”. Ecléa Bosi (1986) explica: “(...) a “midcult” tem-se por séria e
digna. Ela cultua certos valores: a aparência bem composta e, sempre que possível,
brilhante; desdenha o grosseiro, embora ame o pitoresco, o picante” (1986, p. 77). Já
para Umberto Eco (2004), o “kitsch” é percebido como uma técnica que satisfaz a
luz antes que o senhor dissesse: “Faça-se a luz”! E visto que ainda não havia luz, a onisciência do Senhor
teve uma visão que apenas sua onipotência podia realizar. Nós, seres humanos, quando fazemos alusão a
um desses espíritos que chamamos criadores, não deveríamos jamais esquecer do que é, na verdade um
criador. Um criador tem uma visão de algo que não existe antes dessa visão. E o criador tem o poder de
dar vida a essa visão, o poder de realizá-la” (Schoenberg Apud Moraes, 1983, p. 75).
32
ideologia e as aspirações emotivas de um público também médio, como o “midcult”,
mas captado pela pré-fabricação e imposição de efeitos nas práticas de consumo.
Por acreditarmos na existência de certas desconformidades no uso de expressões
como música séria e música ligeira, alta e baixa cultura, e diversos outros termos
hierarquizantes, não buscamos, em essência, estabelecer critérios valorativos
diferenciadores nesta pesquisa. Não negligenciamos, portanto, a “masscult”, a
“midcult” ou o “kitsch”, mas sim, optamos por percorrer outro caminho. Trata-se de
um trabalho que procura apontar analiticamente a forma na qual a indústria cultural
opera e sistematiza a sua racionalidade técnica nas disposições dos agentes. Discutir a
música – a arte – de uma forma geral, estabelecendo critérios valorativos
diferenciadores estaríamos caindo no erro, ou pelo menos, evidenciando o preconceito
de classes. O fato é que a música é nivelada pela administração da produção de mercado
que se justifica pela vontade já manipulada e reproduzida, convergindo aqueles que a
consomem a meras encruzilhadas de tendências que, como diz Adorno:
(...) a unidade da cultura musical contemporânea, como parte da indústria
cultural, é a auto-alienação total. O que estaria perto, a “consciência das
necessidades”, torna-se insuportavelmente estranho. E o mais alheio,
entretanto, que não contém mais nada dos homens, é metido neles a força de
repetição pela maquinaria, achegando-se ao seu corpo e ao seu espírito: é o que
está indiscutivelmente mais próximo (Adorno, 1983, p. 268).
E neste contexto como estaria situada a crítica cultural? Para Adorno (1988), a
priori, aquele que se proclama crítico da cultura normalmente não está satisfeito com a
cultura, e sua insatisfação reside exatamente pelo estado historicamente dado em que ela
se encontra. Procurando desmistificar a idéia de “cultura isolada”, “inquestionada” e
“dogmática”, Adorno faz uma crítica da crítica da cultura, revelando através de uma
abordagem dialética, tão presente em seu pensamento, que os próprios “críticos” da
cultura no estágio atual que escrevia ajudavam a “tecer o véu” a favor do pensamento
dominante. Diante disto, a crítica deveria ser um elemento inalienável.
Comprova Adorno que:
A cultura só é verdadeira quando implicitamente crítica, e o espírito que se
esquece disso vinga-se de si mesmo nos críticos que ele próprio cria. (...) A
crítica não é injusta quando destrói – esta ainda seria sua melhor qualidade –
mas quando, ao desobedecer, obedece. A cumplicidade da crítica cultural (...) é
ditada, sobretudo pela relação do crítico com aquilo de que trata. Ao fazer da
cultura o seu objeto, o crítico torna a objetivá-la (Adorno, 1998, p. 11).
33
Em resumo, a cultura da qual Adorno nos fala é aquela que se entrega às
determinações do mercado, “cultura burguesa” termo empregado livremente por
Adorno, entrelaçada, para o bem ou para o mal que se revela em renovação para a
produção do sempre igual. Revelando seu lado pessimista, Adorno acredita que uma
definição objetiva da cultura não pode deixar de lado, a gravitação do fetichismo em
torno dela, bem como, sua postura neutralizada e reificada.
A crítica que este trabalho procura sistematizar é influenciada evidentemente
pelo pensamento adorniano; busca se opor, por mais difícil ou improvável que pareça,
da divisão entre alta cultura ou mesmo, cultura popular. A crítica que é construída é
também colocada na própria suspensão. Decifrar quais elementos da tendência geral do
público que estamos analisando, por meio dos quais se efetivam os interesses mais
poderosos é o fundamental, pois, “(...) quando mais o todo é despojado de seus
elementos espontâneos e socialmente mediado e filtrado, quanto mais ele é
“consciência”, tanto mais se torna cultura” (1998, p. 21).
Vista sob a perspectiva de Adorno, a crítica cultural se concentra em destacar, do
lado das “funções” negativas, a tendência para a produção da alienação do homem
através do reforço de normas sociais, do encorajamento do conformismo social e da
marginalização do debate sobre as questões vitais da sociedade.
Nesse quadro, a cultura feita em série, industrialmente, passa a ser vista não
como instrumento de crítica e conhecimento, mas como produto trocável pelo capital
econômico e que deve ser consumido como se consome qualquer coisa. É produto feito
de acordo com as normas gerais em vigor: produto padronizado. Adorno e Horkheimer
apontam:
A arte fornece a substância trágica que a pura diversão não pode por si só
trazer, mas da qual ela precisa para manter o princípio da reprodução exata do
fenômeno. O trágico torna interessante a insipidez da felicidade que passou
pelo crivo da censura e põe ao alcance de todos o que é interessante. [Assim],
(...) rimos do fato de que não há nada de que se rir (...) no fundo, no fundo se
trata do homem que escarnece de si mesmo (Adorno e Horkheimer, 1985, p.
131 e 143).
Para Adorno a ideologia, ou seja, a aparência socialmente necessária seria a
própria sociedade real, na medida em que substitui o sentido por ela mesmo
determinado. Assim, quanto mais totalitária for a sociedade tanto mais será também o
espírito. Por isso, a crítica cultural encontra-se diante do estágio final da dialética entre
34
cultura e barbárie. Melancólico, característica Frankfurtiana, como destaca Matos
(1989), Adorno categoricamente finaliza:
(...) escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro, e isso corrói até
mesmo o conhecimento de por que hoje se torna impossível escrever poemas.
Enquanto o espírito crítico permanecer em si mesmo em uma contemplação
auto-suficiente, não será capaz de enfrentar a reificação absoluta, que
pressupõe o progresso do espírito como um de seus elementos, e que hoje se
prepara para absorvê-lo inteiramente (Adorno, 1998, p. 26).
Contudo, seria exagero acreditar que a música não possa transcender este estado
de coisa. Para Jay (1988) a música pode transcender, em lugar de simplesmente refletir
a sociedade existente. Isto é algo que Adorno não duvidava, mas, segundo ele, só
poderia ocorrer se a música se recusasse a manter-se presa em suas contradições. Em
uma passagem bastante citada, diz Adorno:
A música será tanto melhor quanto mais profundamente for capaz de expressar
– nas antinomias de sua própria linguagem formal – a exigência da situação
social, e de conclamar a mudança através de sua linguagem codificada de
sofrimento. A música não deve olhar a sociedade com um horror desesperado.
Ela cumpre sua função social, de modo mais preciso, através do seu próprio
material e de acordo com suas próprias leis formais; problemas que a música
contém em si mesma, nas células mais íntimas de sua técnica (Adorno Apud
Jay, 1988, p. 123).
1.5. A sociologia da arte:
Boa parte da música torna-se, de fato, mercadoria produzida apenas para a venda
no mercado e é, por conseguinte, parte da indústria cultural. Mesmo que alguma música
seja capaz de lutar contra esse destino, seu conteúdo tem de refletir a triste situação,
como lembra Adorno, “(...) de produzir a divisão entre arte e vida, divisão que não pode
ser corrigida na música, mas apenas na sociedade” (1988, p. 123).
Benjamin (1983) encara o fenômeno da industrialização da arte, propenso a
modificar a própria noção de arte, seus trabalhos, aqui mais precisamente, “A obra de
arte na época de suas técnicas de reprodução”, se volta à renúncia do uso de noções
tradicionais, tais como: “poder criativo”, “genialidade”, valor de “eternidade” entre
outros, utilizáveis no sentido de formular as exigências revolucionárias dentro da
política da arte.
Para Benjamin a obra de arte sempre foi passível de reprodução, mas diferentes
eram as técnicas de reprodução, uma vez que, se tratavam de um fenômeno recente que
35
nasceram e se desenvolveram no curso da história. Com o advento do século XX, as
técnicas de reprodução atingiram um nível tão sofisticado que, em decorrência, ficaram
em condições não apenas de se dedicar às obras de arte do passado e de modificar de
modo profundo os seus meios de influência, mas de elas próprias se imporem, como
formas originais de arte.
A tônica dessa afirmação é a destruição do “halo” que supostamente envolveria
as obras de arte. Com o progresso das técnicas de reprodução, sobretudo do cinema, a
aura acabava por se diluir nas inúmeras reproduções da obra original, destituindo da
obra de arte o seu valor de raridade. Benjamin acreditava que mesmo a mais perfeita e
sofisticada reprodução de uma obra de arte faltava-lhe sempre o “hic et nunc”, que se
constituía naquilo chamado de autenticidade. Ou seja, a reprodução tecnológica
desbanca a singularidade do halo autêntico da arte. Via indústria cultural, como lembra
Jay, a reprodução tecnológica:
(...) emprega uma pseudo-aura para dar àquilo que na realidade são
mercadorias completamente padronizadas, o efeito de individualidade (...)
fornecendo um pseudo-individualismo que mascara o poder da troca para
minar o não-idêntico no mundo administrado (Jay, 1988, p. 112).
Adorno parece não ter nenhum traço de confiança no potencial emancipatório da
tecnologia que inspirou Benjamin. Como bem diz, em “Filosofia da nova música”, “(...)
talvez a arte só venha a ser autêntica quando se tiver tornado completamente livre da
idéia de autenticidade – do conceito de ser assim e não de outro modo” (2002, p. 26).
A autenticidade percebida por Benjamin se refere a originalidade transmissível
da arte, desde sua duração material até seu poder de testemunho da história. Na época
das técnicas de reprodução, o que é atingido na obra de arte é a sua aura, e seu agente
mais eficaz é o cinema, na qual a “massa” é convidada a uma liquidação geral do drama
social. Diz ele:
(...) com efeito dentro das massas, duas tendências igualmente fortes: exigem
de um lado, que as coisas se lhe tornem, tanto humana como espacialmente,
“mais próximas”, de outro lado, acolhendo as reproduções, tendem a depreciar
o caráter daquilo que é dado apenas uma vez (...) despojar o objeto de seu véu,
destruir a sua aura, eis o que assinala de imediato a presença de uma percepção,
tão atenta àquilo que “se repete identicamente pelo mundo”, que, graças à
reprodução, consegue até estandardizar aquilo que existe uma só vez
(Benjamin, 1983, p. 9).
Aldous Huxley (2001) já sabia que os progressos técnicos tinham o poder de
conduzir a sociedade a uma vulgarização exacerbada da vida social. Em sua obra
36
encontramos a seguinte passagem: “(...) mais vale dar fim que consertar. Quanto mais se
remenda menos se aproveita. (...) a volta à cultura. Isto mesmo, à cultura. Não se pode
consumir muita coisa se ficar sentado lendo livros” (2001, p. 64). E Benjamin não
obstante, tinha claro e evidente, que tal “progresso técnico” em todas as artes
ocasionaria a produção intensa do fracasso artístico devido ao consumo inconteste de
textos, imagens e discos realizado pelas massas.
Mas Benjamin situa-se em posição teórica distante, em muitos aspectos, a de
Adorno. Sendo o expoente da “Escola de Frankfurt” mais inspirado na dialética
marxista, Benjamin confere a massa, “antes” descaracterizada do pensamento crítico, a
matriz de onde brotaria um fio de esperança em relação a arte. Acreditava que mesmo a
massa procurando a diversão onde na verdade se exigiria a concentração, a arte,
sobretudo o cinema, se tornaria portador de uma extraordinária esperança histórica
desde que se pudesse mobilizá-la em torno de uma renovação eficaz das estruturas
sociais. Assim, na esperança de uma politização da arte, diz ele: “O público das salas
obscuras é bem um examinador, porém um examinador que se distrai” (1983, p. 27).
5
Jay destaca:
Enquanto Benjamin afirmava com otimismo, que a invasão da produção
estética pela reprodução tecnológica havia criado a possibilidade de uma arte
de massa politicamente progressista, Adorno replicava que havia um potencial
emancipatório mais genuíno no desenvolvimento interno da técnica artística no
interior das obras de arte aparentemente autônomas (Jay, 1988, p. 113).
A postura de Benjamin frente à possibilidade revolucionária do cinema e suas
contribuições no campo da estética da arte, não impediram Adorno de apontar
“equívocos” presentes no pensamento do sociólogo frankfurtiano mais influenciado
pelo marxismo. Segundo Adorno passou despercebido a Benjamin que a técnica se
define em dois níveis: primeiro, “(...) enquanto qualquer coisa determinada intraesteticamente” [e, segundo] “enquanto desenvolvimento exterior às obras de arte”
(Kothe, 1979). Em outra citação e muito discutida, Adorno esclarece que:
A vida real vem se tornando indistinguível dos filmes. O filme sonoro, que
ultrapassa em muito o teatro da ilusão, não deixa espaço para a imaginação ou
reflexão por parte da platéia (que é incapaz de responder dentro da estrutura do
filme), desviada do detalhe preciso do filme sem perder o fio condutor da
trama; assim sendo, o filme força suas vítimas a equacioná-lo diretamente com
a realidade (Adorno, 1985, p. 126).
5
Para Jim Morrison, vocalista da banda de rock “The doors”, que fez parte da “geração Woodstock”, os
“(...) espectadores de filmes são vampiros silenciosos” (Muggiati, 1985, p. 22).
37
Não só o cinema, mas também o rádio, para Adorno, não deveria ser percebido
como arte, posto, trata-se de negócios; negócios estes, que devido à sistemática
programação da exploração dos bens ditos culturais, revelaram-se na indústria cultural.
Mas neste ponto é preciso ter atenção redobrada, pois o pensamento dialético sempre
busca alternativas. Como já se falou, o pessimismo é referente ao método, pois é
recorrente a “(...) necessidade de dar voz ao sofrimento [como] condição de toda
verdade” (1988, p. 142). Então é justo reconhecer, e Adorno admite, que a própria
ideologia da indústria cultural passa a ser internamente antagônica. Essa mesma
ideologia contém o antídoto para a sua própria cura. Deixemo-lo falar:
O cinema enfrenta o dilema de encontrar um procedimento que não decai,
tornando-o arte industrial, nem leve a assumir uma aparência mais próxima do
documentário. (...) a integração entre consciência e lazer não é evidentemente,
bem sucedida em sua totalidade. Os interesses reais dos indivíduos ainda são
fortes o suficiente, nas margens, para resistir ao controle absoluto (Adorno
Apud Jay, 1988, p. 116).
Enquanto Adorno e Benjamin percorrem tais caminhos, Marcuse (2000) parte do
pressuposto de que toda a sociedade perdeu a direção. Sua tentativa é iluminar possíveis
caminhos alternativos. Em uma sociedade danificada pela técnica, a arte em sentido
genérico – literatura, música, etc. – também é a expressão da barbárie do progresso
humano. Como a ponta de um “iceberg”, a arte responderia à crise da sociedade.
Marcuse (1978) enfatiza: “(...) a dessublimação repressiva manifesta-se em todas as
formas de divertimento, de descontração e de sociabilidade, que exercem a destruição
da privacidade, o desprezo pela forma, a incapacidade de tolerar o silêncio e a exibição
orgulhosa de rudeza e de brutalidade” (1978, p. 37). Por esse diagnóstico não teríamos
outra saída senão, rebelarmos-nos contra a repressividade instalada nos discursos da
modernidade. Para o autor, o caminho da esperança seria percorrido através da arte de
vanguarda, com uma clara linguagem revolucionária privilegiando a construção de um
novo indivíduo. Diz ele:
A arte pode cumprir sua função revolucionária interna somente se ela própria
não se torna parte de qualquer “establishment”, inclusive o “establishment”
revolucionário. (...) isso significa que a arte deve encontrar a linguagem e as
imagens capazes de comunicar essa necessidade como sua própria. Pois é
impossível imaginar que as novas relações entre homens e coisas jamais
possam surgir se os homens continuam a ver as imagens e a falar a linguagem
da repressão, da exploração e da mistificação. (...) não uma arte política, não a
38
política como arte, porém a arte como arquitetura de uma sociedade livre
(Marcuse, 2000, p. 261, 263 e 270).
Jay (1988) e Matos (1989) acreditam que Adorno jamais abandonou por
completo a esperança de que a mudança radical ainda fosse possível. Por mais que tenha
sido a freqüência com a qual caracterizou o mundo como um sistema marcado pela
desilusão, ele se recusava a torná-lo absolutamente insensível a negação. Mesmo
enfatizando o poder do “sempre-igual”, tinha esperança no futuro, porque “Só quem
conhece o mais recente como tal poderá servir ao diferente” (1988, p. 99). Enquanto
Matos (1989) sugere que: “(...) a Teoria Crítica é um querer-viver que procura reparar
as ruínas da história, que deseja realizar suas promessas com relação a humanidade
decepcionada” (1989, p. 273).
Na verdade a aposta é na decifração da falsa promessa totalitária, da crítica a
objetividade. É uma busca a individualização do conhecimento por uma individuação da
resistência. Trata-se de colocar a emancipação como problema, através da crítica da
liberdade.
E assim, uma possível saída do complexo traumático que danifica a mente
humana via indústria cultural seria admitido. Em “Educação e emancipação” (1995)
Adorno finaliza:
Penso, sobretudo, em dois problemas difíceis que é preciso levar em conta
quando se trata de emancipação. Em primeiro lugar, a própria organização do
mundo em que vivemos é a ideologia dominante – hoje muito pouco parecida
com uma determinada visão de mundo ou teoria – ou seja, a organização do
mundo converteu-se a si mesma imediatamente em sua própria ideologia. Ela
exerce uma pressão tão intensa sobre as pessoas que supera toda educação. (...)
No referente ao segundo problema (...) emancipação significa o mesmo que
conscientização, racionalidade (...) A educação seria impotente se ignorasse a
adaptação e não preparasse os homens para se orientarem no mundo. Porém,
seria questionável se ficasse nisto, produzindo nada além de “well adjusted
people”, em conseqüência do que a situação existente se impõe no que tem de
pior. (...) a única concretização efetiva da emancipação consiste em que
aquelas poucas pessoas interessadas nesta direção orientem toda a sua energia
para que a educação seja uma educação para a contradição e para resistência.
(Adorno, 1995, p. 143 e 183).
Alternativa diferente é assinalada por Bourdieu, sem, contudo, distanciar-se do
objetivo comum. Afirma ele:
(...) é preciso defender as condições de produção que são necessárias para fazer
progredir o universal, e ao mesmo tempo, é preciso trabalhar para generalizar
as condições de acesso ao universal, para fazer de maneira que cada vez mais
pessoas preencham as condições necessárias para apropriar-se do universal.
39
(...) é preciso que os produtores que estão em sua pequena cidadela saibam sair
dela e lutar, coletivamente; lutar em união com os docentes, com os sindicatos,
as associações etc., para que os receptores recebam uma educação visando
elevar seu nível de recepção (Bourdieu, 1997, p. 95).
Sem procurar cair em uma espécie de elitismo cultural, como fôra acusado
Adorno, lembremos de seu desprezo declarado ao jazz, ou na demagogia, Bourdieu
defende então, a manutenção e mesmo a elevação do “direito de entrada nos campos”
marcados pela indústria cultural, concomitante ao reforço do “dever de sair” dos
campos de produção e consumo. Tal afirmação tem explicação. É uma forma de propor
a acumulação do capital simbólico necessário que resguarde uma certa dose de
autonomia na recepção e reprodução das mensagens simbólicas veiculadas pela
indústria cultural. É, em outras palavras, o exercício da prática social verificado nas
disposições dos agentes, assegurando o direito de consumir um determinado gênero
musical, por exemplo, sem perder o dever de recusar o que lhe é ofertado. Produção e
reprodução dos bens culturais, logo, a ótica contingente das diferentes linhas de ações.
40
PARTE II:
MÚSICA POPULAR BRASILEIRA E A
CONSOLIDAÇÃO DO MERCADO DE BENS
SIMBÓLICOS
41
“Só os conceitos que não tem história podem ser definidos”.
Adorno, Minima Moralia.
2.1. Avanços preliminares sobre a história da música:
A música desde a China antiga até o Egito, da distante Índia até a idade áurea da
Grécia, ou mesmo Roma, sempre exerceu influência decisiva na sociedade.
Acreditavam os antigos, que a música tinha o poder de envolver ou degradar
completamente a alma dos indivíduos e, deste modo, fazer ou desfazer civilizações
inteiras. Supunha-se que o indivíduo era capaz de interiorizar a música, o que
significava que ela determinava o tipo de nossos pensamentos e atos; magnetizava a
sociedade adequando-a consigo mesma. Assim, se a música de uma civilização se
caracterizasse por ser romântica então, a própria sociedade a seria. Na verdade, o que se
postula é a conexão entre música e sociedade. Aliás, para Wisnik (1999), só podemos
perceber uma sociedade se esta tiver a capacidade de produzir música; de estruturar sua
própria expressividade artística.
David Tame (2003) não é diferente. Resgata esses pressupostos e ressalta a
função da música na antiguidade. Segundo ele, os “antigos” acreditavam, por exemplo,
que a música era a expressão exata da sociedade, do povo; ela nas mãos dos maus
músicos ou de governos totalitários (lembramos do tempo histórico em que escrevia
Adorno) levaria a civilização à ruína inevitavelmente. Por isso, o som organizado
inteligentemente representava, a mais elevada de todas as artes. Aristóteles elucida:
Através da música (...) o homem se acostuma a experimentar as emoções
certas; tem a música, portanto, o poder de formar o caráter e os vários tipos de
músicas, baseados nos vários modos, distinguem-se pelos seus efeitos sobre o
caráter – um, por exemplo, operando na direção da melancolia, outro na da
efeminação, um incentivando a renúncia, outro o domínio de si, um terceiro o
entusiasmo, e assim por diante, através da série (Aristóteles apud Tame, 2003,
p. 19).
Porém, com o transcorrer da história, perderam-se toda a crença na música como
força simbólica capaz de mudar o indivíduo e a sociedade. Paradoxalmente a falta de
preocupação com a natureza e os efeitos reais da música, verificou-se no século XX, um
avassalador crescimento da disponibilidade e da variedade dos estilos musicais. Para
Tame (2003) o século XX notabiliza-se pela espantosa variedade de sons disponíveis e
pelas formas musicais serem destituídas de genuíno calor espiritual. Esta idéia é
42
bastante próxima, como vimos, a de Adorno (1999), pois resulta que o “(...) ideal é não
haver ideais, e a regra é não existirem regras” (2003, p. 76).
Já Weber (1995), procura demonstrar como a música que se desenvolveu no
ambiente histórico europeu é diferente de qualquer outra e, com isso, se ajusta a certas
tendências centrais da modernidade européia. Grosso modo, a obra de Weber é um
estudo comparativo entre a sociedade ocidental e oriental. As relações entre as formas
assumidas pela música ocidental e o processo que o autor designou por racionalização
era o traço específico da modernidade.
A racionalização que Weber nos fala refere-se à ação. Diz ele: “(...) a
racionalização é o processo que confere significado à diferenciação de linhas de ação”
(1995, p. 17). Isto significa que as dimensões da vida social, em determinadas condições
do seu desenvolvimento, suscitam ações sociais racionalmente orientadas. Não
interessou para esse estudo demonstrar a análise que Weber fez sobre a religião, mas
sim, o modo como ela se relaciona com a arte. Novamente afirma:
(...) se a religião esteve dedicada à sistematização e racionalização do modo de
vida, da conduta dos seus crentes, a música de certa maneira muito mais
endógena, operou a sistematização e racionalização do seu próprio material e
de seus próprios meios (Weber, 1995, p. 27).
A arte constitui-se então, como um “cosmo” de valores próprios sempre
conscientes, abrangentes e autônomos. 6
Nesta perspectiva, podemos destacar dois momentos distintos no processo de
racionalização: a ingenuidade original e o intelectualismo. O primeiro corresponde a um
“mundo uno”, não desencantado e não racionalizado, em que as relações entre arte e
religião podem perfeitamente se encaixar, desde que a arte sirva de acessório à religião,
contribuindo e reiterando os valores religiosos. O intelectualismo, por sua vez, diz
respeito à moderna sociedade ocidental, altamente racionalizada em todas as esferas da
existência – sendo o modo e a intensidade diferente e variável – e, completamente,
desencantada. Segundo Weber, “(...) quanto mais autonomizada for a arte, maior será
sua tensão com a religião” (1995, p. 31).
6
Comparando música e pintura, diz Leonardo Da Vinci: “A superioridade da pintura sobre a música
existe pelo fato de que, a partir do momento em que ela é convocada para viver, inexiste motivo para que
venha a morrer, como ao contrário, é o caso da música. (...) A música se evapora depois de ser tocada;
perenizada pelo uso do verniz, a pintura persiste” (Da Vinci Apud Benjamin, 1983, p. 21). Diferentemente
de Schopenhauer que “(...) coloca a música no topo da hierarquia das artes, como objetivação imediata da
vontade” (Schopenhauer Apud Adorno, 1983, p. 262).
43
Max Weber trabalha com a idéia de que na sociedade ocidental a música foi
racionalizada harmonicamente através da técnica. Enquanto, no oriente a música foi
racionalizada de modo não-harmônico, isto é, melodicamente. De modo que, a
racionalização do material sonoro se deu basicamente por duas vias: o processo de
formação dos intervalos e o processo de formação das escalas. Assim, nas sociedades
orientais, tanto as escalas, como os intervalos musicais, estavam baseados em critérios
extramusicais. Isto indicava que a esfera artística ainda não possuía uma legalidade
própria, pois fôra guiada por uma racionalidade que não lhe era própria.
A arte nas sociedades primitivas, na argumentação do autor, estava atrelada a
fins práticos, porque não possuía autonomia e, dessa forma, “estava a serviço” de outros
valores como, por exemplo, da religião. Na sociedade ocidental, a arte se autonomiza,
com isso se liberta das finalidades práticas, possibilitando o início da “verdadeira
racionalidade”. A autonomia significa para Weber, que a arte se desdobra de acordo
com suas leis próprias.
Como lembra Tame (2003), durante toda a Idade Média a música dita “séria”,
fôra sustentada pela lógica da tradição religiosa. Exemplo desta relação é a arte dos
grandes compositores da era clássica da música, como: Mozart, Bach e Haydn.
Norbert Elias (1994) descreve um ambiente conflituoso entre o artista Mozart e
a sociedade cortesã. Elias demonstra o processo de surgimento, desenvolvimento e, por
fim, emancipatório do compositor erudito Wolfgang Amadeus Mozart. O artista
“genial” fôra criado sob o modelo de dominação vigente naquela sociedade; sob o
paradigma da sociedade cortesã. As potencialidades inerentes à criatividade de Mozart
foram canalizadas no sentido de ir ao encontro aos anseios e demandas da nobreza de
corte. Em pauta na discussão de Elias está, entre outras coisas, a desmistificação da
idéia do gênio criador. 7
O gosto musical de Mozart ficava confinado aos sentimentos gestados pela
sociedade aristocrática definindo o padrão musical a ser compartilhado entre os
indivíduos mais abastados. Norbert Elias destaca que a capacidade criativa de Mozart
estava presa à estrutura de poder que conferia a nobreza de corte precedência sobre
todas as classes, determinando que tipo de música um artista burguês pudesse tocar nos
7
Adorno diz algo semelhante: “A parte da obra que “pertence” ao compositor, como a qualquer artista
produtivo, é incomparavelmente menor do que supõe a opinião vulgar, orientada ainda pela noção de
gênio. (...) Mesmo o conceito de talento não deve ser um dado natural para a sociologia da música. As
épocas e estruturas sociais tendencialmente produzem os talentos que mesmo em linha crítica estão na sua
medida (Adorno, 1983, p. 264 e 267).
44
círculos cortesãos e até que ponto suas inovações poderiam ir. Em suma, “(...) a função
primária de Mozart era agradar aos senhores e senhoras elegantes da classe dominante”
(1994, p. 68). 8
Essa discussão serve para expor que a fantasia pessoal de Mozart, no momento
da criação musical, estava subordinada a um padrão social de produção artística
consagrado pela tradição e garantido pelo poder de quem consumia arte, negligenciando
em um primeiro momento na obra do artista, elementos de autoquestionamento e de
individualização, que só em outro momento da história poderia se consolidar. 9
Os estilos tradicionais se mantinham, simplesmente, por um consenso sobre o
que devia ou não ser produzido. Todavia, a série mais significativa de inovações da
música ocorreu no século XX, conhecida como “nova música”. Foi a gradativa evolução
da harmonia que possibilitou as mudanças no emprego da tônica. Uma revolução
técnica que girou em torno da harmonia, ritmo, forma, timbre e escala (Tame, 2003).
Esta revolução também acarretou mudanças no próprio comportamento dos
ouvintes de música. O ouvinte teve a sua atenção atraída pela “nova música” do século
XX, em níveis que não eram espirituais, mas, apenas mentais e emocionais. O
compositor dito moderno, por conseguinte, não mais usa as “amarras da tradição” para
impeli-lo de avançar em um mundo profano. A orquestra que anteriormente marcava o
cenário musical foi substituída pela engenhosidade do século XX, porque:
A nova música possibilitada pelos novos instrumentos e procedimentos não
serão menos nem mais válida – será diferente. (...) O elemento musical será
estabelecido por um sintetizador eletrônico alimentado com uma partitura em
forma de programa de computador. Os instrumentos musicais ter-se-ão
transformado num eletrodo clínico aplicado ao antebraço (Tame, 2003, p. 123).
Tame (2003), “julga” que a nova música, sobretudo o rock, deixaria de ser
considerada arte destinada a elevar e emancipar espiritualmente a humanidade, para
converter-se numa indústria que esvaziaria o comportamento humano de propósitos
8
Curiosa é a afirmação de Schoenberg: “Creio que um compositor digno desse nome escreve sua música
pela única razão de que ela lhe agrada. Aqueles que compõem com o desejo de agradar aos outros e que
pensam apenas no seu público não são verdadeiramente artistas. Não são inspirados (...) são apenas
diletantes mais ou menos hábeis, que renunciariam à composição, se não estivessem certos de encontrar
ouvintes” (Schoenberg Apud Moraes, 1983, p. 74).
9
O próprio pensamento de Bourdieu está em consonância a de Elias (1994) e Adorno (1983); claro que,
cada um a seu modo. Se para Elias a vida de Mozart serve para descaracterizar a idéia da crença no
“gênio criador”, Bourdieu ilustra sua perspectiva, por exemplo, na vida de Flaubert, percebendo que a
“(...) autonomia do artista encontra seu fundamento não no milagre de seu gênio criador, mas no produto
social da história social de um campo relativamente autônomo. Os limites do pensável faz com que aquilo
que se passa no campo jamais seja o reflexo direto das coerções ou demandas externas, mas uma
expressão simbólica, refratada pela lógica total própria do campo” (Bourdieu, 1983, p. 170).
45
políticos. A música boa – a clássica – teria por escopo expandir a consciência em uma
atividade que exigiria tanto um estado de relaxação quanto uma atitude de tensão crítica.
O ouvinte deveria ter voz ativa e não passiva, afinal a música “séria” ocidental foi
levada a cabo e a fonte de criatividade e beleza autêntica quase secou diante da lógica
do sistema capitalista.
Esquematicamente, o estudo de Tame opera em dois pólos: no primeiro está às
concepções de arte (a música) para os antigos e tradicionalistas; impregnada na tese de
que a música afeta o caráter e a sociedade e, por isso, a arte deveria ser
responsavelmente moral. No segundo pólo encontramos as considerações referentes ao
paradigma “materialista”, que objetivamente nega a responsabilidade e a necessidade de
julgamentos de valor. Neste campo estariam os músicos populares culturalmente
significantes do jazz e do rock.
O autor nega o pensamento dito materialista, por acreditar que a música tem o
poder de proporcionar sentimentos, de certo ponto de vista, simplórios, tais como: de
alegria, energia, melancolia, violência, sensualidade, calma, devoção, entre outros, que
constituiriam as experiências necessárias que molda de forma vital o caráter humano,
sobretudo, da juventude. A música transmitiria a própria essência emocional ou da
realidade da informação. Ora, neste sentido, a música se constituiria como a “linguagem
das linguagens”, porque nenhuma outra moveria vigorosamente a consciência como a
arte musical.
Diante da dicotomia nova música ou música de essência religiosa, podemos
perguntar afinal, onde termina a música romântica ou mesmo, onde começa a música
moderna? Consideramos as primeiras décadas do século XX como produtor de uma
música que se insere na modernidade. Quem afirma é Moraes (1983) que destaca:
A caracterização geral é o que confere a cada momento histórico algo que pode
ser daí deduzido enquanto “estilo de época” ambos se entrecruzam, trocando-se
informações. E se em ambos podemos encontrar características “românticas”
(individualismo, lirismo, predomínio da emoção sobre a razão), também
podemos localizar neles traços de “modernismo” (ruptura com as tradições
acadêmicas, liberdade de criação e pesquisas estéticas) (Moraes, 1983, p. 12).
O espaço da modernidade é caracterizado simultaneamente, pela riqueza e pela
diversidade da atividade musical, em que os grandes centros culturais proporcionam o
surgimento de um número enorme de estéticas diferentes. Ou seja, a modernidade não é
definida como “um período” de único estilo geral que caracterizaria uma época. É um
46
espaço com a presença de vários estilos e, em algumas instâncias, o de várias
linguagens.
A nova música, portanto, tem na experimentação o traço marcante da
modernidade: “(...) pôr à prova, de ensaiar, mas de buscar o novo (...) ousando
ultrapassar os limites do seu código, propondo novas ordenações internas do código ou,
ainda, criar códigos novos, jamais pensados anteriormente” (1983, p. 15).
2.2. Formação da música popular brasileira:
A música popular consolidou-se ao longo do século XX, como uma
manifestação da cultura brasileira ligada a indústria do divertimento. José Roberto Zan
(2001) pensa que a partir da invenção do fonógrafo por Thomas Edison, no ano de
1877, serviu para a cristalização de um singular ramo da indústria cultural, qual seja: a
indústria fonográfica que passou a perceber na música popular um produto bastante
rentável. Porque como já antecipava Simon Frith, na citação de Zan, “(...) a música
popular do século XX significa o disco popular do século XX” (2001, p. 105).
Tinhorão (1981) e Zan (2001) partindo então, do que poderíamos chamar de
essência da formação da música popular produzida em escala no Brasil, afirmam que o
marco que constitui a indústria fonográfica foram as inéditas gravações em cilindros
feitas por Frederico Figner, no distante ano de 1887, na cidade do Rio de Janeiro. Figner
atuara como uma espécie de produtor/empresário do incipiente meio musical, passando
a contratar músicos como Manuel Pedro dos Santos (o Baiano), Antônio da Costa
Moreira, conhecido como “Cadete”, e até mesmo a Banda do Corpo de Bombeiros,
regida por Anacleto de Medeiros, registrando em cilindros as famosas modinhas, valsas,
polcas, maxixe, tango e lundus.
Já em março de 1900, vislumbrando certa dose de prosperidade em seus
negócios Figner “(...) fundou a Casa Edison, destinada a comercializar fonógrafos,
gramofones, cilindros, discos importados e fonogramas gravados por ele próprio”
(2001, p. 107).
Mas, Vasconcelos (1997) alerta:
(...) a produção racional da música para o mercado teria que se acomodar ao
roubo do direito autoral, ao plágio, à compra de música de compositores
desconhecidos por parte de cantores famosos, ao suborno das estações de
divulgação (...) a começar pelo pioneiro Frederico Figner. (...) samba é igual a
passarinho. É de quem pegar primeiro (Vasconcelos, 1997, p. 508).
47
Desde então, floresceu um promissor mercado de música no país. Gêneros como
o samba, a marcha e o choro se destacavam nas preferências musicais daqueles que
consumiam e produziam música, sobretudo, no Rio de Janeiro. Como destaca Zan: “(...)
a partir de 1904, passaram a predominar no Brasil as gravações de disco. Trata-se de um
sistema desenvolvido pelo alemão, radicado nos Estados Unidos, Emile Berliner, que
possibilitava a produção de matrizes para a tiragem em milhares de cópias” (2001, p.
108). 10
O crescimento do mercado fonográfico provocou também a entrada no país de
diversas gravações estrangeiras de gêneros muitas vezes distantes da realidade local. A
essa hibridização da música produzida aqui e aquela vinda de fora, Tinhorão (1980)
destacou a proeminência de alguns estilos, tais como: o “fox-trots”, “one-steps”,
“ragtime”, “charleston”. Na verdade, é um momento de transformação. Um período
marcado pelos primeiros ajustes técnicos da música popular às recentes condições de
produção como a padronização do tempo de duração das músicas gravadas. Já nos
primeiros anos do século XX estava se formação no país uma cultura de música popular
de massa. 11
Poder-se-ia questionar, então: a gênese da música popular brasileira se deu a
partir de um ambiente estável; na ordem e no progresso? Vasconcelos (1997) acredita
que a música popular brasileira nasce nas oscilações da ordem e da desordem; da
miséria e do desenvolvimento urbano-industrial. E mais do que isso, a música popular
aflorava parceira do sereno e da preguiça. Pensa ele, que a tônica da música popular
fôra a malandragem. Vejamos os versos de “O creoulo” de Eduardo das Neves, o
mesmo que reivindicara os primeiros direitos autorais de suas obras: 12
Fui crescendo, fui aprendendo
Fui me metendo na malandragem
Hoje sou cabra escovado,
Deixo os mestres na bagagem
10
O samba, por exemplo, que já estava no catálogo das gravadoras da época, com a prestigiada música
“Pelo telefone” de Donga e Mauro Almeida ganhou repercussão impulsionado pelo lançamento na Casa
Edison em 1917. É apontado como o primeiro samba a ser gravado em disco (Vasconcelos, 1997) e
(Tinhorão, 1981).
11
O compositor de lundus e palhaço Eduardo das Neves foi o pioneiro na luta em favor da defesa dos
direitos autorais dos artistas (Zan, 2001).
12
Citado em Vasconcelos (2001, p. 507).
48
A música popular como quer Vasconcelos requer uma recusa constante ao
mundo do trabalho, porque a felicidade só poderia ser alcançada pelas vias
transcendentes as organizações industriais. A sua insígnia é a malandragem, cantando os
prazeres da vida distante da finalidade moral ou prática do trabalho. Saber viver pela
arte da dissimulação em uma sociedade que não admitia o ócio. Cantar a malandragem,
mas pagar o preço alto da falta de uma posição estável. Viver pelo reconhecimento do
público, do prestígio e da afirmação social. A canção “Senhor delegado” de Antonilho
Lopes e Jaú, completa: 13
Senhor “douto” Delegado
Seu auxiliar está muito equivocado comigo
Acontece que eu já fui malandro, “douto”
Hoje estou regenerado (...)
Sou rapaz honesto, trabalhador (...)
Se eu vivo alinhado
É porque gosto de andar na moda
2.3. Música popular e populismo:
Da década de 30 até meados dos anos 50, os meios de comunicação,
estabelecidos no Brasil, não apresentavam um patamar de sofisticação sistêmica que
permitisse afirmar que suas bases já se encontravam nos propósitos da indústria cultural.
A fraca industrialização, caracterizada, é claro, por um baixo crescimento da economia,
não despertava ainda, uma consciência consumista, base da cultura de massa, como nos
lembra Renato Ortiz (2001).
A entrada do sistema elétrico para os registros sonoros se configura no marco
para a melhoria da qualidade da produção e reprodução musical. Paralelo a esse
processo, o rádio se expande, tornando-se o principal meio de comercialização da
música popular. Todavia, seria um erro achar que a expansão do rádio representava
também uma maior pluralidade de gravadoras. Zan esclarece: “(...) de 1933 até o final
da Segunda Guerra, a produção fonográfica brasileira esteve, em sua quase totalidade,
controlada por três grandes empresas: a Odeon, a RCA Victor e a Columbia” (2001, p.
110).
Revestido deste contexto, o samba que décadas atrás estava confinado ao
“gueto”, passou a percorrer os diversos ambientes da vida social, incentivado por um
maior dinamismo das gravadoras e de seus próprios pares. Compositores como: Noel
13
Idem ibidem, p. 514.
49
Rosa, que cantara a malandragem, Custódio Mesquita, Almirante e Ary Barroso tiveram
atuação decisiva para essa circulação. Da malandragem, visto em Vasconcelos (1997), o
samba sai paulatinamente, para ascender aos ambientes mais refinados e
intelectualizados da época e se transforma em símbolo nacional.
2.4. A bossa nova e os conflitos simbólicos:
Porém, o cenário que a música percorre é sempre marcado por um ritmo
frenético de transformações. Se o samba se torna expressão da nacionalidade brasileira,
consumido e discutido pelos mais diferentes estratos da população, já na década de 50,
o ambiente é outro. Tratava-se da crise do modelo populista de formação da cultura de
massa. Como enfatiza Zan (2001):
Os auditórios das emissoras de rádio passavam, cada vez mais, a ser
freqüentados pela população mais humilde dos subúrbios que buscava contatos
mais próximos com os seus ídolos. (...) o comportamento do público dividia-se
entre aplausos, gritarias e vaias de fãs, estimulados pelo clima de rivalidade
entre artistas, fomentados pelos próprios agentes do rádio (Zan, 2001, p. 112).
É contra esse clima de popularização dos bens simbólicos, para não dizer
massificação, conduzido pela profunda segmentação do mercado fonográfico brasileiro
– a guarânia, o tango, a música sertaneja, o baião e as marchinhas carnavalescas – que
gerou reações elitistas contra a “decadência” da música popular brasileira comercial. 14
Levantaria-se nos fins da década de 1950 um movimento boêmio e formado por jovens
representantes das classes médias emergentes do pós-guerra. Esse movimento nascido
nos bairros mais sofisticados da cidade do Rio de Janeiro, desligado da tradição popular
e, por isso, “da música do povo”, fôra influenciado pelo jazz, pela música erudita e pela
música popular brasileira. Naves (2000) acrescentaria uma quarta influência; o bolero,
derivado da experiência mexicana, com Lucho Gatica. A tudo isso se convencionou
chamar de Bossa Nova.
15
Intérpretes e compositores como; Tito Madi, Nora Ney,
Antônio Maria, Lúcio Alves, Dóris Monteiro, Johnny Alf, João Gilberto, Carlos Lyra,
Nara Leão, entre outros, fizeram parte do cenário musical.
14
Destacaram-se neste momento: Anísio Silva, as duplas Jararaca e Ratinho, Cascatinha e Inhuana; ainda,
Nelson Gonçalves, Ângela Maria e Cauby Peixoto (Zan, 2001).
15
Enquanto Zan (2001), considera a gravação samba-canção “Copacabana”, de João de Barro e Alberto
Ribeiro, por Dick Farney, o início de um repertório mais próximo às preferências musicais dessa nova
boêmia intelectualizada, Naves (2000) acredita que as músicas inaugurais aparecem na parceria entre
Tom Jobim e Newton Mendonça; “Desafinado” (1958) e “Samba de uma nota só” (1960).
50
Como lembra Tinhorão (1998), a juventude universitária percebendo as
dificuldades do Governo de JK em promover políticas desenvolvimentistas que
garantissem o acesso dos profissionais de nível superior ao mercado de trabalho e a falta
de perspectiva de ascensão profissional levou os estudantes a uma atitude de
participação no campo político. A bossa nova representava, na verdade, as expectativas
de um Brasil moderno, visto pela ótica da classe média nacional. A própria criação da
União Nacional dos Estudantes (UNE) traduz o sentimento da juventude quanto às
insatisfações políticas. Os objetivos da UNE, por intermédio do Centro Popular de
Cultura (CPC), criado no início da década de 1960 eram:
(...) discussões políticas, a produção e divulgação de peças de teatro, filmes e
discos de música popular. Como também (...) deslocar o sentido comum da
música popular, dos problemas puramente individuais para um âmbito geral: o
compositor se faz o intérprete esclarecido dos sentimentos populares,
induzindo-o a perceber as causas de muitas das dificuldades com que se debate
(Tinhorão, 1998, p. 314).
E Ridenti (2000) exemplifica:
O sucesso do CPC generalizou-se pelo Brasil, a partir da organização da “UNE
volante”, em que uma comitiva de cerca de 25 dirigentes da entidade e
integrantes do CPC percorreu os principais centros universitários do país, no
primeiro semestre de 1962, levando adiante suas propostas de intervenção dos
estudantes na política universitária e na política nacional, em busca das
reformas de base, no processo da revolução brasileira, envolvendo a ruptura
com o subdesenvolvimento e a afirmação da identidade nacional do povo
(Ridenti, 2000, p. 108).
Como lembra Santuza Naves (2000), o procedimento que definiria o movimento
bossa-novista seria marcado pela ruptura com as tradições anteriormente presentes na
música popular brasileira. Naves acredita que “(...) os músicos da bossa nova,
notadamente João Gilberto, pautariam o seu trabalho pela rejeição dos sambas-canções
e dos boleros melodramáticos do período anterior, e da maneira operística de interpretar
estas canções, ao estilo de Dalva de Oliveira” (2000, p. 42).
Nessa linha, tentou-se estabelecer parcerias entre os “criadores” musicais das
camadas menos favorecidas e os grandes expoentes da bossa nova. Tal atitude se
mostrou contraditória, pelo simples fato da linguagem musical utilizados no samba de
raiz e a bossa nova serem dissonantes da realidade que cada movimento buscava
retratar. Era mais uma imposição do estilo bossa-novista as camadas mais baixas que
propriamente uma parceria, como demonstrou Tinhorão (1981).
51
A impraticabilidade da aliança popular para fins de protesto contra as injustiças
sociais por meio de canções possibilitou a outro grupo de compositores presos a mesma
formação bossa-novista lançar os chamados sambas de participação ou samba de
protesto, rompendo com o estilo individualista e americano, passando a cantar as
belezas do futuro. Edu Lobo, Chico Buarque, Carlos Lyra, Baden Powell, são exemplos
de alguns deles.
Walnice Galvão (1968) nos explica:
(...) destaca-se o dia que virá, cuja função é absorver o ouvinte de qualquer
responsabilidade no processo histórico. Está presente num grande número de
canções, onde aparece ora como dia que virá, ora como o dia que vai chegar,
ora, como o dia que vem vindo (Galvão, 1968, p. 19).
A preocupação política, mas idealista, da bossa nova, em abolir as fronteiras de
classe para se aproximar das camadas excluídas, além de dividir o movimento –
singularizado pelo intimismo, pela concisão, pela racionalidade e pela objetividade, de
um lado, e de outro, a nova tendência ao regional e a participação política – conduziu a
música da classe média ao impasse. Além de perder sua substância de música de
minorias, não conseguiu a aproximação esperada a maioria da população.
2.5. A explosão simbólica: o rock
A ascensão da bossa nova não aconteceu em um cenário livre de outros
movimentos musicais, pelo contrário, fervilhavam no Brasil e no exterior novas formas
de cantar o mundo. A tropicália, para citar, apareceria em certa medida, pelas
influências abstraídas do movimento bossa-novista. Ainda marcada pelo singelo traço
da indústria cultural na metade dos anos 50, a música brasileira se defrontava com as
questões inerentes a sua própria estética, mas também, pelo surgimento e consolidação
de um dos maiores símbolos da cultura de massa: o rock and roll.
Corrêa (1989) atribui ao rock as transformações em níveis simbólicos de todo
um movimento de resistência à guerra e à violência ocorrida nos Estados Unidos desde
os anos 1950. Para ele o movimento “hippie” foi o primeiro a produzir grandes
transformações de posturas, as quais se evidenciavam no comportamento. E é a partir
dessa nova postura que torna possível incorporar ao rock um argumento político nos
ideais de contracultura ou contra sistema.
52
O rock, assim como o movimento “hippie”, foi precisamente a força que
produziu a ruptura dos padrões musicais, como também, rompeu com as convenções
sociais que os cercavam. Se de um lado, o rock tem a facilidade de ruptura em si
mesmo, que o aproxima das gerações mais jovens, por outro, é o contato com essas
gerações que o aproxima dos interesses da indústria cultural, tornando-o um estilo
adequado à divulgação de produtos jovens. Mediante o auxílio da publicidade, o rock
envolvido na estimulação do consumo, também contribuiu para adoção de novos
hábitos relacionados com o vestir-se, fazendo incorporar novos estilos de roupas e
produzindo com isso uma forma de articulação entre música e a moda, por exemplo.
Mas qual é a sua origem? Para Carl Belz, como ressalta Chacon (1985), o rock
aparece como símbolo de uma época nos Estados Unidos, permeado dos mais variados
gêneros e estilos de música. Podem-se considerar basicamente três influências
fundamentais para sua constituição: a “pop music”, o “rhythm-and-blues” e o “country
and western music”. A música “pop” representaria a herança da música branca,
conservadora e kitsch dos anos 40. Reafirmando uma proposta de vida nos moldes do
“american way of life” que, por sua vez, daria um viés comercial ao rock. Referências
desse gênero seriam: Perry Como, Eddie Fisher, Kay Starr e, especialmente Frank
Sinatra, como lembra Chacon (1985). O “rhythm-and-blues” contribuiria com ritmo
dançante e sensual da cultura negra. Destacaram-se: John Lee Hooker, Muddy Waters e,
principalmente, B. B. King. O “country and western music” reforçaria a cultura branca
camponesa do oeste americano, como em: Woody Guthrie. Hobsbawm (2004)
acrescentaria uma quarta influência: o jazz. Para o autor de “A era dos extremos”, só
podemos perceber as carreiras de Bob Dylan e, até mesmo, dos Rolling Stones, se, e
somente se, visualizarmos essas trajetórias ao lado do jazz que se desenvolvera no sul
dos Estados Unidos décadas antes.
Chacon define o rock:
Absurdamente polimorfo, ele parece variar mais no tempo e no espaço como
fazia, por exemplo, o barroco na idade média. (...) O rock é muito mais do que
um tipo de música: ele se tornou uma maneira de ser, uma ótica da realidade,
uma forma de comportamento. O rock é e se define pelo seu público (Chacon,
1985, p. 11 e 18).
Então, quem o consome? Hobsbawm (2004) acredita que o rock se tornou o
meio universal de expressão de desejos, instintos, sentimentos, atitudes e aspirações do
público entre a adolescência e aquele momento em que as pessoas se estabelecem em
53
termos convencionais dentro da sociedade, na família ou na carreira profissional: “(...) a
voz é a linguagem de uma juventude e de uma cultura jovem conscientes de seu lugar
dentro das sociedades industriais modernas” (2004, p. 17).
Parece não haver polêmica na primazia de “Bill Haley and his Comets” como o
primeiro grupo de rock’n roll a se formar, ganhando notoriedade com a música “Rock
around the clock”.
16
Mas é inegável que quem mais se notabilizaria através das
repercussões do rock por todo o mundo seria Elvis Presley. Representaria a vanguarda
de um movimento que consumiria milhões de fãs e geraria lucros astronômicos. 17
Os anos finais da década de 60 são fundamentais, pois demonstraram as
constantes e profundas transformações ocorridas na música e na sociedade. De modo
que não se pode entender o poder da juventude sem a associação ao rock; a música que
deu ritmo aos movimentos sociais de protesto.
O “Monterey Internacional Pop Festival”, cujo lema era “Música, amor e
flores” acontecido em 1967 e o “Woodstock Festival” ocorrido em 1969, consolidam
figuras importantes do cenário rock mundial: Janis Joplin, Jimi Hendrix, The Doors,
The Beatles, Rolling Stones, entre outros. Mais que o aparecimento de ícones da
música, é uma fase de franca consolidação da indústria cultural. No início dos anos 70,
o rock havia se tornado o estilo de vida predominante na sociedade americana, fato que
se verificava na euforia de vendas da indústria fonográfica. Quanto mais era apropriado
pela indústria cultural, deixava de ser um estilo musical para tornar-se um produto. O
rock que nos anos 60 aparecia como entidade monolítica, com sua linguagem própria,
fragmentava-se em inúmeros estilos que se imporiam ao longo da década pela
avassaladora injeção de capital da indústria musical. 18
O rock progressivo do Pink Floyd com seu som de estúdio; o Heavy Metal de
Iron Maiden, Black Sabbath, Kiss e AC/DC – consumido ao vivo e em grandes espaços;
Alice Cooper e David Bowie cantando o rock andrógino, conhecido como “glitter” nos
Estados Unidos e “glam” na Grã-Bretanha; o punk de Lou Reed do experimentalismo
do Velvet Underground, Ramones e Sex Pistols – considerado o grupo que mais
16
Grupos como: Rocket’88, nos anos de 1951 e Sh-Boom, em 1954, reivindicaram seus direitos quanto
ao primeiro grupo de rock da história (Chacon, 1985).
17
Os dados de Hobsbawm (2004) mostram que de 1955 a 1959, as vendas de discos norte-americanas
cresceram 36 por cento a cada ano. Já em 1963, impulsionada pelos Beatles, subiram de U$ 227 milhões
em 1955 para U$ 2 bilhões no início dos anos 70. Os gastos per capita com discos eram: EUA, Suécia,
Alemanha Ocidental, Holanda e Grã-Bretanha entre U$ 7 e U$ 10 dólares. O Brasil gastava U$ 0,66.
18
Hobsbawm (2004) aponta três inovações fundamentais realizadas pelo rock: a) a inovação tecnológica,
por exemplo, o uso de guitarras; que influenciaria a tropicália anos depois; b) a criação de conjuntos,
constituindo uma unidade coletiva – diferente do jazz onde os músicos procuravam se destacar entre seus
pares e c) a criação de um ritmo “insistente e palpitante”.
54
contribuiu para a ascensão do estilo punk junto à indústria cultural (Chacon, 1985). E
com o declínio das discotecas nos fins dos anos 70 apareceria o “New wave” de Yoko
Ono.
Percebemos, assim, que o rock sofreu diversas transformações. As tradições
foram rompidas e, por conseguinte, modificadas. É um período marcado por uma
enorme excitação do terreno da música que demonstrou um enorme potencial a ser
explorado pela indústria cultural. Surgido como ideal político-libertário, dirigido à
separação racial, como protesto contra a discriminação imposta pela cultura branca aos
negros, de dominação e de proscrição a que foi submetida desde sua chegada em
território americano, terminaria na melancólica e já muito citada frase de John Lennon:
“o sonho acabou”. Um divisor de águas, pois serve para determinar o “fim” do grande
movimento político e musical da juventude em todo o mundo; na transformação da
música em elemento de consumo, renegando o seu conteúdo ideológico.
19
A indústria
cultural neutralizaria todas as formas de protesto, transformando-as em peças de
consumo identificado na música e nos diversos produtos derivados de suas potências
simbólicas. 20
Rat Scabies, componente do grupo punk “Damned” dizia na época:
Todos os grandes conjuntos do rock enriqueceram e renegaram suas origens. Já
se esqueceram de como é duro ter que batalhar por uma série de coisas, por
exemplo, pagar a passagem de ônibus. Tudo o que fazem agora é apresentar
caretices cor-de-rosa para as “criancinhas felizes”. Voltaram a gravar “My
Generation”, simplesmente porque foi sucesso há muito tempo. Em resumo,
não retribuíram em nada aquilo que os jovens fizeram em seu favor. Johnny
Rotten do Sex Pistols não é diferente: os velhos roqueiros estão com medo de
nós. Não querem que a mudança se materialize porque essa transformação os
tornaria irrelevantes (Scabies apud Muggiati, 1985, p. 75).
E a experiência brasileira? O rock tinha chegado até as prateleiras de nossas
lojas? Para Zan (2001), a gravação de “Rock around the clock” de Bill Haley,
interpretada por Nora Ney, em 1955, pela gravadora Continental, representou a chegada
do rock no país. Já no ano de 1957, seria gravado o primeiro rock nacional. A música se
19
Efeito disso e do próprio estado do consumo dos produtos culturais seria a frase proferida por Mick
Jagger, vocalista dos “Rolling Stones”, em 1981. Diz ele: “Nós andamos atrás das cabeças, e assim
andam quase todos os grupos novos” (M. Jagger apud Tame, 2003, p. 166).
20
Mesmo Jimi Hendrix iria dizer: “Comecei a pensar no futuro e senti que esta revolução musical
desencadeada pelos Beatles tinha chegado ao fim. (...) Vamos ficar quietos por algum tempo e juntar tudo
o que aprendemos musicalmente nos últimos anos, e vamos misturar as idéias que vingaram, numa nova
forma de música. Quero uma grande orquestra (...) com esta música, pintaremos imagens da terra e do céu
que conduzem o ouvinte a novos espaços. Gosto de Strauss e de Wagner são caras legais e acho que vão
formar a base da minha música” (Hendrix apud Muggiati, 1985, p. 19).
55
chamava “Rock and roll em Copacabana”, do compositor Miguel Gustavo, cantado por
Cauby Peixoto. Coube a gravadora RCA a produção. Porém, quem mais ganhou
projeção no cenário musical foram os irmãos Tony e Celly Campelo, com a conhecida
música e de muito sucesso “Estúpido cupido”.
Com o passar dos anos surgiram diversos cantores, dentre eles: Ronnie Cord
cantando, como nos lembra Chacon (1985), “Rua Augusta”; Demétrius, Sérgio Murilo,
Carlos Gonzaga – cantando diversos sucessos internacionais. Os grupos musicais, Trio
Esperança e os Golden Boys. Ainda, Os Incríveis, Os Vips e os Jordans.
2.6. Ditadura, música e indústria cultural:
A partir das décadas de 1960 e 70 a indústria cultural ganha fôlego e passa a se
consolidar concretamente na sociedade brasileira. Quem nos diz isso é Renato Ortiz
(2001), trazendo à tona a televisão como veículo de massa, o cinema, a indústria do
disco, editorial, a publicidade e etc. E é no cenário cristalizado da indústria cultural que
floresce a Jovem Guarda.
O programa musical “Jovem Guarda” da TV Record – contemporâneo do Ato
Institucional nº 2 – representou o maior empreendimento de marketing da época, indo
ao ar pela primeira vez, em 1965, como lembra Zan (2001). Idealizado pela empresa
Magaldi, Maia & Prosperi, consolidou os nomes de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e de
Vanderléia na música brasileira. O rock que na sua origem era visto como ideologia de
contracultura, na verdade, transformava-se no “iê, iê, iê”; na balatização do rock
cantado pela Jovem Guarda.
A mobilização da “massa” composta por jovens, em torno do culto frenético aos
ídolos fabricados pela indústria cultural, revelava-se a calhar aos interesses militares. A
criação, como lembra Tinhorão (1998), de uma categoria “jovem”, baixaria a idade de
ingresso nas práticas de consumo, além de produzir um público não politizado. O
lançamento do 4º LP de Roberto Carlos em 1964 teria como título: “Roberto Carlos
canta para a juventude”. Assim, o espaço foi aberto à comercialização da produção
fonográfica de artistas e shows, como também, a venda de camisetas, calças, blusas,
saias, botas, sapatos e até artigos escolares sob a marca registrada de “Calhambeque”.
56
O movimento à margem aos princípios políticos do ambiente universitário
poderia ser descrito basicamente pela seguinte entrevista de Roberto Carlos ao jornal
“Última Hora” de São Paulo, 21 citado por Tinhorão (1998):
UH – Mas existem outras responsabilidades (...). A definição política, por
exemplo.
RC – Eu nunca quis saber de política. Não gosto de falar do que não conheço.
Meu negócio é a música.
UH – Mas é impossível que você nunca tenha pensado em política?
RC – Quando estou com meus amigos, às vezes discutimos política e até
brigamos por causa dela.
UH – E nestas discussões com amigos, qual é a sua posição política: direita ou
esquerda?
RC – Direita, é claro.
A dominação da indústria cultural, visto em Ortiz (2001), naquele momento
chegava ao ponto mais alto da curva de crescimento da indústria do som e de
instrumentos eletro-eletrônicos o que facilitava a estandardização nas mentes coletivas a
idéia do consumo indiscriminado. Dominado, o mercado de música popular no Brasil
pelos ritmos periodicamente colocados em voga pelas modas culturais, as “criações” de
culturas regionais perdem espaço e praticamente passam a ser uma atividade à margem.
Enquanto a música de linha nacionalista – música de protesto – politicamente
preocupada com as invasões dos produtos e das empresas multinacionais no Brasil,
procurava exprimir em suas canções a realidade rural (Edu Lobo e Geraldo Vandré) ou
a dinâmica da vida urbana (Chico Buarque), condenavam as posições pouco engajadas
da Jovem Guarda (Tinhorão, 1998). Aliás, essa era a tônica da música de protesto que se
concentrava como destaca Favaretto: “(...) falar do país, denunciar a miséria, a
exploração de grupos econômicos, a dominação estrangeira, o autoritarismo político, a
repressão; falar por aqueles que não podiam – os pobres da cidade e do campo (2000, p.
145).
Já os músicos que faziam parte da tropicália renunciaram a qualquer tomada de
posição ideológica de resistência. Surgido na cidade de São Paulo, como lembra
Tinhorão (1998), o tropicalismo tentava criar uma linguagem musical inspirada nos
21
Entrevista concedida por Roberto Carlos ao repórter Tato Taborda, publicado sob o título “Enfim: o rei
se define!”, In: jornal “Última Hora”, de São Paulo, de 14 de junho de 1970, p. 8 e 9 apud Tinhorão,
1981).
57
instrumentos eletrificados do rock. Assim como a bossa nova está para o jazz, a
tropicália representava o lado universal do rock na linguagem musical brasileira. 22
Caetano Veloso um dos fundadores do movimento, ao lado de Gilberto Gil,
explicaria na época:
Eu e Gil estávamos fervilhando de novas idéias. Havíamos passado um bom
tempo tentando aprender a gramática da nova linguagem que usaríamos, e
queríamos testar novas idéias, junto ao público. Trabalhávamos noite adentro,
juntamente com Torquato Neto, Gal, Rogério Duprat e outros. Ao mesmo
tempo, mantínhamos contatos com artistas de outros campos, como Glauber
Rocha, José Celso Martinez, Hélio Oiticica e Rubens Gerchman. Dessa mistura
toda nasceu o tropicalismo, essa tentativa de superar nosso
subdesenvolvimento partindo exatamente do elemento “cafona” da nossa
cultura, fundido ao que houvesse de mais avançado industrialmente, como as
guitarras e as roupas de plástico. Não posso negar o que já li, nem posso
esquecer onde vivo (Caetano Veloso apud Favaretto, 2000, p. 27-28).
Diante disto, foram em direção a realidade da dominação do rock (que já exercia
bastante influência, sobretudo, com a explosão avassaladora dos Beatles) e seus
modernos instrumentos, tendo a contribuição ampla dos meios de comunicações para a
sua divulgação. 23
Para Souza o tropicalismo rompeu (1999):
Diretamente com a dicotomia participação/alienação que caracterizava o debate
intelectual daquele momento histórico, direcionando o potencial crítico da
canção para as novas técnicas de produção musical, que se tornaram
fundamentais para a manifestação de sua própria estética (Souza, 1999, p. 51).
É bem verdade que o inconformismo presente nas músicas do movimento
tropicalista,
apenas
expressava
o
sentimento
de
frustração
das
idéias
de
desenvolvimento econômico e social. Ridenti (2000) acredita que o tropicalismo não foi
uma ruptura radical com a cultura cantada naqueles anos; é visto como uma entidade
modernizadora dentro da cultura político-romântica da época, centralizada no abandono
do subdesenvolvimento da nação, na busca frenética de uma identidade brasileira
relacionada às posições ideológicas de artistas e intelectuais. O tropicalismo indicaria
então, “(...) o desdobramento do império da indústria cultural na sociedade brasileira,
que transformaria a promessa de socialização em massificação cultural” (2000, p. 269).
22
Atribui-se o termo “tropicália” ao artista plástico Hélio Oiticica, originalmente um projeto focalizado
em aspectos ambientais (Ridenti, 2000).
23
O próprio LP “Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band” dos Beatles exerceria influência direta nas
composições tropicalistas de Caetano Veloso (Chacon, 1985).
58
Sem embargo, a não reação militar à tropicália constituiria um apaziguamento
nas relações da música e do protesto, viabilizando a propagação comercial desse
movimento – nota-se aí, a influência da música pop, sucesso mundial – por um lado e,
por outro, a intensificação do controle político militar. É um tempo em que a indústria
cultural adquire força e faz com que os produtos simbólicos anunciados na televisão,
rádios, jornais e revistas, traduzam o “gosto” das minorias dominantes. As mensagens
publicitárias desta forma passariam a propagar as informações e os estilos de
entretenimento.
Seria ingênuo achar que as manifestações musicais não tiveram repercussões
atentas por parte dos militares; que as formas de narrar pela expressividade musical a
realidade urbana e/ou rural da sociedade brasileira estivessem distantes do regime
político vigente. 24 Napolitano (2004) mostra claramente, qual era atitude dos militares a
respeito das músicas produzidas por artistas enquadrados na música popular brasileira,
por exemplo. Explica:
(...) o campo musical destacava-se como alvo da vigilância, sobretudo os
artistas e ventos ligados a MPB, sigla que desde meados dos anos 60
congregava a música de matriz nacional-popular (ampliada a partir de 1968, na
direção de outras matrizes, como o pop), declaradamente crítica ao regime
militar. A capacidade de aglutinação de pessoas em torno dos eventos musicais
era uma das preocupações constantes dos agentes da repressão. (...) todas as
ações e declarações que se chocassem contra a moral dominante, a ordem
política vigente, ou que escapassem aos padrões de comportamento da moral
conservadora, eram vistos como suspeitos (Napolitano, 2004, p. 105).
Mas se na música cantada no molde intimista da bossa nova poderíamos
identificar um modelo de contenção tanto na linguagem musical, quanto na
expressividade corporal, como quer Naves (2000), o tropicalismo recorre ao pólo
diametralmente oposto, ao excesso. Significa dizer então, que o movimento inaugura
uma relação musical com a diversidade cultural brasileira, “(...) como o brega e o cool,
o nacional e o estrangeiro, o erudito e o popular, o rural e o urbano, e assim por diante”
(2000, p. 43).
24
A própria consolidação da indústria cultural em nosso país se dá com o advento do golpe militar. Para
Ortiz (2001), o embate acontece em dois pólos: o político e o econômico. No aspecto político
encontraríamos a repressão, a censura, as prisões, os assassinatos, os exílios. No aspecto econômico,
estaria o momento de reorganização da economia brasileira que paulatinamente se inseria no processo de
internacionalização do capital; “(...) o Estado autoritário permite consolidar no Brasil o capitalismo tardio
(...) fortalecendo-se o parque industrial de produção de cultura e o mercado de bens culturais” (2000, p.
114).
59
2.7. O estilo sertanejo e a consolidação do mercado de bens simbólicos:
É neste ritmo de transformação social e musical que chegamos à década de
1970. Agora, a música popular brasileira é reconhecidamente um segmento legítimo e
porque não, hegemônico a ser explorado pelo mercado fonográfico.
25
Herdeira da
tradição crítica da década precedente mantém o espírito intelectualizado no cenário da
ditadura. Compositores, como Chico Buarque, João Bosco, Geraldo Vandré, Milton
Nascimento, Gonzaguinha, Aldir Blanc e outros, destacam-se por repertórios que, por
assim dizer, revelam vestígios do “romantismo revolucionário” junto à resistência ao
regime militar. 26
Contudo, a música de protesto não se esboçava singularmente na produção
cultural brasileira. Paralelo, estava uma nova tendência do rock mais próxima daquela
faceta pop vista na tropicália. Os Mutantes, Secos & Molhados, Terço e 14 bis,
propagavam uma recente e moderna forma de cantar o Brasil. Dapieve (1996), e o seu
“Brock” já percebia a onda maciça de surgimento de grupos de rock dos mais distantes
lugares do país. Esse movimento receberia o nome de “Rock Brasil”. Legião Urbana,
Blitz, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Titãs, Ultraje a rigor, ou mesmo,
intérpretes como, Rita Lee, Raul Seixas e Ney Matogrosso, traziam um toque de
irreverência e rebeldia já no fim do período militar. Mas não só isso:
Refletia a consolidação da cultura de massa no Brasil, associada à intensa
urbanização, à formação de uma sociedade de consumo, à expansão da
indústria cultural e à inserção do país no processo de mundialização da cultura
(Zan, 2001, p. 116-17).
Por conseguinte, as décadas de 80 e 90 sinalizam com o advento de novas
tecnologias na produção musical, contribuindo para a minimização dos custos. Surgem
inúmeras gravadoras, de pequeno (Indies) ou de grande (Majors) porte, novos selos e
artistas independentes.
27
O país integra-se a produção cultural mundial que seria
sentido em novos segmentos da indústria da música. Trata-se, por exemplo, do sertanejo
25
O setor fonográfico se reestrutura em torno da indústria do disco com viés mais profissional, criando
departamentos de marketing nas gravadoras e pela instalação de grandes estúdios. Para lembrar, é em
1972, construído o estúdio Eldorado, em São Paulo, de propriedade do grupo que controla o jornal “O
Estado de São Paulo”, único do país com 16 canais e o maior da América Latina (Zan, 2001).
26
Em um período de dez anos foram vetadas pela ditadura mais de mil músicas (Zan, 2001).
27
Destaca Zan: “Para as classes menos favorecidas a indústria cultural encontraria um filão a ser
explorado a partir de cantores que não obtiveram êxito na Jovem Guarda, ou se tiveram, não se
sobressaíram no período posterior. Jerry Adriani, Antônio Marcos, Wanderley Cardoso, Reginaldo Rossi,
Odair José, Luiz Ayrão cantavam a música que ficaria conhecida como brega” (2001, p. 117).
60
romântico ou neo-sertanejo que já dava seus primeiros passos com as duplas Leo
Canhoto e Robertinho, Milionário e José Rico, Ringo Black e Kid Holliday no início
dos anos 80.
Que estilo de música é esse? Sua origem data dos anos 80? Quem seriam seus
primeiros intérpretes? Esses questionamentos talvez fossem aqueles feitos de antemão.
A música sertaneja, tal como ouvimos hoje, não é mais aquela de tempos remotos. Ela
mudou. E só será possível compreender essa transformação se voltarmos à história.
Retornar na “distante” música caipira.
A música caipira sempre teve um papel marcante na vida rural. Sempre
percebida pela sua função lúdica e de lazer. Destacava-se também no ritual conhecido
como “mutirão”; no rito de ordem religiosa das festividades tradicionais, que servia
como elo agregador dos valores rurais. No mutirão, como afirma Waldenyr Caldas
(1987), as canções davam o ritmo no trabalho na roça.
28
Tratava-se de uma atividade
coletiva que visava realizar tarefas do cotidiano do mundo rural; limpar a roça, o pasto
ou realizar a colheita. Como define Carlos Rodrigues Brandão (1995):
O mutirão é uma modalidade de prática comunal camponês que associa o
trabalho produtivo e a convivência solidária, o serviço e a festa, o resultado
eficaz e a arte, a demonstração ritual do dever do afeto e a possibilidade. (...) A
sua fórmula é simples e contém todos os elementos do Dom: dar, receber,
retribuir (Brandão, 1995, p. 247).
Notamos aqui, que a música sertaneja se desenvolveu nas mesmas áreas
geográficas já marcadas pela música caipira, ou seja, em Goiás, Mato Grosso, Minas
Gerais, Paraná e São Paulo.
29
Por conseguinte, o seu público era o mesmo da música
caipira. Se notadamente a música caipira percorria o cenário rural, a música sertaneja,
por sua vez, foi produzida em um ambiente urbano-industrial. Caldas (1987) acredita
que, em certa medida, seu canto é de ordem profana, porque fala de amor, dos
relacionamentos interpessoais, da política, da dinâmica da vida na cidade,
diferentemente da música caipira, que é estruturada pela manifestação da religiosidade,
própria do mundo rural.
28
Em São Paulo o mutirão era acompanhado pelo “brão” como afirma Brandão (1995). Diz ele: “Nos
momentos de chegada, durante o almoço e o jantar e na hora da despedida as pessoas podem em duplas
entoar saudações. (...) No brão onde se trabalha sem dançar, o segredo do canto é um enigma, a “linha”
que, cantando, uma dupla propõe às outras e que, cantando, as outras devem decifrar (Brandão, 1995, p.
251 e 253).
29
Já a “traição” é uma modalidade de mutirão particular do Estado de Goiás. Não há canto no trabalho
rural. Trata-se, de um serviço feito na casa ou em terras de uma pessoa necessitada sem o seu
consentimento (Brandão, 1995).
61
Segundo Caldas (1987), a música sertaneja tem origem em 1929, com o
jornalista e violeiro Cornélio Pires, em São Paulo, compondo o grupo, “Turma Caipira
Cornélio Pires”. Apresentava-se profissionalmente cantando modas de viola, cateretês e
cururus introduzindo um novo tipo de som, semelhante a música caipira, criada
especialmente para o lazer. Vale lembrar que nesta época o que predominava, como
vimos, era o samba de Noel Rosa, os choros de Pixinguinha e as conhecidas marchas de
carnaval. Caldas elege os anos de 1929/30 como o período em que a música sertaneja
sairia do estágio artesanal e semiprofissional, para se tornar um produto industrial com
o incentivo da gravadora “Columbia do Brasil”. Era no meio urbano e não somente no
interior, que a música sertaneja se transforma em um novo produto da indústria
cultural.30
É necessário perceber que a euforia do crescimento da música sertaneja contou
com o auxílio do cinema, com suas produções que refletiam os valores rurais em
transformação: “Sertão em festa” (1931), “Coisas Novas” e “Acabaram-se os otários”
de (1934) e “Fazendo Fita” (1935).
A partir da década de 70 a música sertaneja começa a sofrer transformações
significativas acentuadas com Leo Canhoto e Robertinho, como lembra Caldas. Quando
substituíram a tradicional viola e o berrante pela guitarra elétrica, acabaram por
introduzir a figura do cowboy no espaço urbano-industrial (Caldas, 1987). Por extensão,
a temática das canções foi alterada; fugindo dos temas tradicionais da música sertaneja,
como a terra e o amor, dando ênfase ao tema da violência. Para Caldas estas
transformações provocaram uma verdadeira cisão na música sertaneja. Diz ele:
De um lado, está a chamada ala saudosista, que faz questão de manter os
elementos formais da música sertaneja (melodia e poesia). Fazem parte desse
grupo; Tonico e Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho. Do outro lado, está o grupo
moderno, ou seja, toda uma geração de duplas e cantores da moderna música
sertaneja. Eles usam guitarra, a bateria, enfim, inúmeros instrumentos
utilizados pelos jovens bandas do rock do Brasil. A dupla Milionário e José
Rico é uma das representantes desse grupo (Caldas, 1987, p. 75).
Da década de 80 até hoje, inúmeras duplas apareceram, como: Chitãozinho e
Chororó, Leandro e Leonardo, Zezé de Camargo e Luciano, Gian e Giovane, Rick e
Renner, Bruno e Marrone, Rio Negro e Solimões, Edson e Hudson, César Menotti e
30
Pereira (2002) acredita que a cidade de Goiânia é, reconhecidamente, um espaço marcado pela
identidade cultural sertaneja. Para o autor, a identificação com a música sertaneja no espaço goianiense
revela traços da modernidade. Essa preferência musical é então, estruturada pela síntese de dois fatores
fundamentais: a) devido a herança rural e b) motivada pela ação inconteste da indústria cultural.
62
Fabiano rivalizam-se no mercado fonográfico brasileiro marcado pelas disputas de
gravadoras estrangeiras como a Polygram, Sony Music, Warner e BMG-Ariola (Zan,
2001).
A música sertaneja é um fenômeno urbano. Seu público está localizado no meio
urbano-industrial e no interior do Brasil. A rigor é um estilo musical que se incorpora na
música popular brasileira, produzida e consumida nos mais distantes confins do país.
Mas considerar a música sertaneja como música popular brasileira causa polêmica. Um
conflito entre ideologias.
Caldas (1979) alerta:
Por sua configuração estética deformada pela indústria cultural, ao transformála em pretensa arte de massa, e principalmente por ser uma modalidade musical
dirigida ao proletariado, a alta burguesia nega-se terminantemente a aceitar a
música sertaneja (...) não é permitido, de acordo com sua ideologia – aliás,
seria degradante ao seu meio social – consumir aquilo que não enriqueça seu
status de classe dominante (Caldas, 1979, p. 63).
Ora, a indústria cultural transformou a música sertaneja, antes percebida como
música proletária, em mercadoria consumida por todos. Transformou a “pretensa arte”,
numa indústria do divertimento emotivo, seja no âmbito urbano ou rural. Mas só se
torna pretensa arte ou música massificada, por ser peça de consumo e, além disso,
principalmente, manifestar-se enquanto poder simbólico para o controle social.
31
A
televisão e, sobretudo, os apresentadores de programas de auditório recebem a crítica.
Em sintonia com Bourdieu (1997), Caldas (1979) explica e condena:
São os convictos porta-vozes da barbárie que se alastra sobre as massas através
do vídeo. São eles que, com sua inestimável influência sobre o público,
alienam ainda mais uma sociedade que, pelas condições históricas, já nasceu
alienada. (...) ainda que os comunicadores – ou pelo menos um – resolvessem
abdicar dos valores inerentes a ideologia da sociedade burguesa, não mais
divulgassem nem reafirmassem esses valores através da televisão, não há o que
pensar: cairiam em desgraça; seriam banidos do vídeo (Caldas, 1979, p. 97).
Pode-se dizer que a produção sertaneja moderna expressa a própria
modernização do mundo rural brasileiro, o que corresponde na transformação do caipira
em country; na mistura dos aspectos da música caipira, do brega e do pop internacional.
31
O próprio personagem “Chico Bento” de Maurício de Souza é uma visão estereotipada do mundo rural
alienado. Como destaca Cristina Silva (1996), “(...) não é uma publicação que procura discutir ou
apresentar problemas rurais, conflitos sociais e miséria humana. Não é uma revista ou um personagem
revolucionário, mas são ideológicos, no sentido de veicular um estereótipo rearticulado do homem do
campo” (Silva, 1996, p. 14-5).
63
Na metade dos anos 90, o sertanejo mostra sinais de saturação. Passa a conviver
com novos estilos, como: o pagode. Zan (2001), acredita que o pagode ou neo-pagode, é
marcado pelo sincretismo que se funde nas baladas românticas da Jovem Guarda, do
sertanejo e até da música da cultura negra americana. A expansão desse estilo acontece,
a princípio, com a produção de pequenas gravadoras como a “JWC”, “TNT”,
“Kaskatas”, entre outros. Com o sucesso e a multiplicação dos grupos – Negritude
Júnior, Raça Negra, Molejo e outros, todos cantando a afirmação da identidade negra –
acabam contratados pelas grandes gravadoras internacionais. Concomitante ao sucesso
do pagode, o axé music ganha terreno. Inicialmente, concentrado em Salvador, Bahia,
passa a fazer parte do cenário musical brasileiro mesclando o samba baiano e o reggae.
Muitas formações aparecem como, por exemplo, Asa de Águia, Chiclete com Banana,
Netinho, Harmonia do Samba, É o tchan, e muitos outros.
2.8. O engajamento e o bom humor: do rap ao funk
Na contramão da indústria cultural parece estar o rap. Com temáticas que
exploram os problemas inerentes a violência urbana nas favelas das grandes metrópoles,
afirma um estilo próprio da cultura negra. A mensagem quase sempre é voltada para o
jovem marginalizado, seja por sua condição econômica, social, política e, como destaca
o estudo de Sposito (1993), educacional. Na verdade, a juventude não encontraria nas
escolas possibilidades de assimilação do conhecimento e, por conseqüência, não
construiriam expectativas de ascensão social por intermédio do ensino. O fato é que o
processo de socialização da juventude, visto sob o prisma da escola, formula um novo
ordenamento de relações marcadas pelo conflito.
Mas que relação podemos abstrair do mundo educacional e a música cantada
pelo rap? A escola para os membros dos grupos de rap é o espaço institucional que
possibilita o uso de suas dependências para reuniões, ensaios e debates; capaz de
garantir as atividades artísticas. O rap, “rhythm and poetry”, é percebido
conjuntamente com o “break” (dança de rua) e o grafite, estruturando um movimento
maior: o hip-hop, como forma de análise da sociabilidade juvenil.
Esse estilo apareceu nos meios de comunicações e se tornou objeto de consumo
cultural nos anos 80. Mas, é a partir dos anos 90, que deixa os círculos negros ou
populares para compor o campo de preferências dos jovens de classe média dos centros
urbanos. O rap é examinado no trabalho de Sposito como expressão das ruas dos bairros
64
periféricos das grandes cidades, capaz de mobilizar jovens excluídos em torno de uma
identidade particular. Diz ela:
É preciso falar sobre o que se passa, contar a vida das ruas, seus dilemas,
denunciar ou ridicularizar o que ocorre na sociedade, fazer a crítica dos
costumes. Esta é uma tônica predominante na produção musical dos rappers,
podendo ser traduzido em expressões variadas, pois cada grupo que se forma
desenvolve o seu estilo peculiar acentuando o humor ou a sátira, a denúncia
política ou o romantismo (Sposito, 1993, p. 168).
Nascido no interior do mundo da exclusão, o rap congrega em sua essência
questões específicas que afligem a população negra e, por isso, expressa em seus
movimentos a denúncia das condições de vida da população urbana, apontando para as
dificuldades para se ter acesso ao mercado de trabalho. Em síntese, sua linguagem
expressiva combina a condição de ser negro, jovem e excluído.
Este fato traduz o esforço de informar aos jovens para as questões fundamentais.
Buscar o conhecimento proveniente da música como fonte necessária para sobreviver,
despertando uma interpretação dos acontecimentos políticos, econômicos e sociais. Para
Shusterman (1998), os “(...) rappers repetem constantemente que seu papel enquanto
artistas e poetas é inseparável de seu papel enquanto investigadores atentos da realidade
e professores da verdade” (1998, p. 160). 32
E neste horizonte, as músicas que narram os sentimentos do mundo dos rappers
recebem, quase sempre, uma conotação política. São porta-vozes do ambiente
degradante da favela e da sociedade. Como lembra Salles (1998), “(...) percebe-se esta
característica tanto por sua constante enunciação de uma identidade disruptiva, quanto
pelo caráter combativo das falas e atitudes dos rappers, voltados contra uma ordem
social que consideram racista e opressiva” (1998 p. 94).
Os rappers, assim, disputam a possibilidade de entrar no círculo do consumo de
bens culturais, buscando alcançar o grande público; o jovem excluído. Lembrando
Corrêa (1989), comercializam as roupas típicas, bonés, tênis de cano alto, bermudas ou
calças largas etc. A indústria cultural é percebida como uma poderosa adversária à
constituição de uma via alternativa de informação, mas cabe a esse movimento, a
interpretação e de produção de significados que são antagônicos a ela. Existe, por um
lado, a interação parcial com a indústria cultural, quando das potencialidades de
consumo por uma gama de jovens, por outro, o rap não é desterritorializado. Conserva,
32
A sigla “MV”, que aparece sempre antes do nome de um rapper, como MV Bill, significa “mensageiro
da verdade” (Salles, 2004).
65
em essência, a dimensão específica do nacional. As músicas são cantadas em português,
fala de violência urbana, ausência dos direitos humanos e de cidadania; imagens do
cotidiano (Sposito, 1993).
Stuart Hall (2003) nos ajuda a entender esse fenômeno. Afirma ele:
(...) quanto mais a vida social torna-se mediada pelo marketing global de
estilos, lugares e imagens, pelos trânsitos internacionais, por imagens de mídia
e sistemas de comunicações em redes globais, mais as identidades tornam-se
descartáveis – desconectadas – de tempo, lugares, histórias e traduções
específicas, parecendo estar à deriva (Hall, 2003, p. 59).
Já Micael Herschmann (2005) pensa o funk no Rio de Janeiro e o hip-hop em
São Paulo, como uma importante manifestação da expressão juvenil urbana. Para o
autor, o conteúdo e o ritmo do funk, no Rio de Janeiro, convergiu em uma música mais
dançante, divertida e, não necessariamente politizada, enquanto em São Paulo, o hiphop foi afirmado com base no discurso político referente às questões reivindicatórias
dos excluídos. Na medida em que o funk e o hip-hop se popularizam nacionalmente nos
anos 90, funkeiros e “b-boys” se distanciam criando a dicotomia entre “alienados” e
“engajados”. Diz ele:
Não é difícil perceber um certo clima de hostilidade em relação ao funk
enquanto gênero musical, que mais parece na visão do movimento hip-hop
estar relacionado a não conscientização dos indivíduos quanto a sua condição
social ou racial. Por isso, o próprio termo hip-hop tem buscado a partir dos bboys a tentativa de demarcar uma fronteira mais claro com o funk. (...)
enquanto o funk produz eventualmente alguma crítica social permeada pelo
bom humor e a ironia, as músicas produzidas pelo hip-hop são quase sempre
marcadas pelo tom de protesto, politicamente mais engajado, dramáticas e
agressivas, explicitando uma indignação não necessariamente presente no funk.
Além disso, as letras dos rappers são mais extensas do os funkeiros, fato que
tem dificultado sua presença no formato dos programas de (televisão), rádio
comerciais (Herschmann, 2005, p. 200).
O funk e o hip-hop, ao construírem trajetórias que caminham entre a exclusão e a
integração, buscam traçar novos limites socioculturais, pois possibilita o encontro de
diversos segmentos sociais através dos seus eventos e, sobretudo, se articulam a cultura
institucionalizada e ao mercado. A partir destes dois estilos musicais os jovens
sintetizam valores, sentidos, identidades e afirmam certo localismo (Sposito, 1993), e,
ao mesmo tempo, se integram a todas as potencialidades do mundo globalizado. Isto é,
trata-se da estética “pegue e misture”. Ora, o funk e o hip-hop se apropriam do capital
cultural existente, mas com um detalhe, é uma apropriação marcada pela contínua
66
negociação e tensão; por conseguinte, realiza uma espécie de resistência à lógica da
indústria cultural. Assim, Herschmann ressalta que “(...) ninguém seria dono de um
ritmo ou de um som. Pega-se, usa-se e devolve-se às pessoas numa forma ligeiramente
diferente” (2005, p. 223).
Herschmann afirma, então, que os mercados do funk e do hip-hop se
desenvolveram a “margem ou nos interstícios” da indústria cultural, pois esses estilos
musicais como expressões culturais, mantiveram-se em uma condição periférica e
central em relação ao mercado e a cultura urbana.
Trabalho parecido ao de Herschmann é realizado por Percílio (2004). Ao
contrário do funk e do hip-hop analisado por aquele, esta analisa o rock, mais
especificamente, o “inde-rock” na cena independente de Goiânia. Para Percílio, o
movimento inde-rock caracteriza-se pela sua homogeneidade, mas ao contrário do que
se pensa, é significado coletivamente. Seu consumo, sobretudo, realizado por jovens,
opera em nível ativo e não passivo, à margem da indústria cultural. Inspirada em
Bourdieu, acredita a autora, que a construção de sistemas simbólicos provenientes das
práticas daqueles que consomem o “inde-rock”, permite a significação das ações,
matizadas pela irreverência e a contestação. Diz ela:
(...) agora fica definitivamente claro que esse movimento se constitui da
conjunção entre artistas e público, é adequadamente egoísta, estrategicamente
rebelde, suficientemente adequado. Mais é extremamente significativo e
significado, orientador das ações, manifestando-se objetivamente no campo da
música popular (Percílio, 2004, p. 136).
Desta forma, os “inde-rockers” são detentores de um capital “rocker”, haja
vista, consomem um estilo musical significado coletivamente no espaço urbano. Tratase de um estilo de vida, diria a autora, fomentado por disposições engajadas, sem
perder, contudo, a dose exata da diversão.
Mas, se aceitamos a tese de Herschmann (2005) e de Hall (2003) não podemos
negar que a indústria cultural se apresenta administrada em toda música global. Mesmo
a música que tenta ser divergente, como diria Adorno (1983), do mercado de bens
simbólicos só pode subsistir pela centralização da indústria cultural. Bourdieu (1996)
confirma:
A rotinização da produção, sob o efeito da ação dos epígonos e do
academicismo, ao qual os próprios movimentos de vanguarda não escapam, e
que nasce do emprego repetido e repetitivo de procedimentos provocados, da
67
utilização sem invenção de uma arte de inventar já inventada. Além disso, as
obras mais inovadoras tendem, com o tempo, a produzir seu próprio público ao
impor suas próprias estruturas, pelo efeito da familiarização, como categorias
de percepção legítimas de toda obra possível. (...) a divulgação das normas de
percepção e de apreciação que elas tendiam a impor acompanha-se de uma
banalização dessas obras ou, mais precisamente, de uma banalização do efeito
de desbanalização que puderam exercer (Bourdieu, 1996, p. 286).
E assim, podemos considerar que o “círculo se fechou”. Porque traçamos ao
longo da história da música popular brasileira suas transformações; seus dilemas; seus
traumas e suas conquistas. Os campos que achamos relevantes da música foram
explorados. A estrutura de relações objetivas explicitada. As disposições incorporadas
nas práticas sociais analisadas. Chega a hora de revelar o que a pesquisa captou.
68
PARTE III:
AS ANTINOMIAS DA INDÚSTRIA CULTURAL
69
“A música não deve olhar a sociedade com um horror desesperado”.
Adorno, On the Social Situation of Music.
3.1. As relações de poder e as disposições:
Algumas questões surgem de início. Como captar a possível influência da
indústria cultural sobre a “vaga” e “inexistente” consciência juvenil? A fruição dos
valores simbólicos dos entrevistados é moldada, direcionada e danificada pela indústria
do divertimento? Existe uma relação íntima entre música e pensamento transcendental?
Tais dúvidas têm explicação e Adorno foi um dos primeiros a reconhecê-las. Martin Jay
(1988) lembra que Adorno descobriu ser improvável testar suas percepções de caráter
puramente científico a respeito da reificação, do fetichismo da mercadoria e ainda, da
falsa consciência com a utilização de questionários ou entrevistas dirigidas às “vítimas”
do fenômeno da indústria cultural. Para Jay:
(...) embora as técnicas empíricas pudessem registrar algumas verdades
limitadas a respeito de, digamos, reações dos ouvintes a determinados tipos de
música, elas jamais poderiam revelar as implicações subjacentes da própria
música (Jay, 1988, p. 48).
Merton e Lazarsfeld (2000), também demonstraram preocupação a respeito.
Afinal, “(...) o fato de se conhecer o número de horas que as pessoas utilizam o rádio
nada nos indica sobre os efeitos daquilo que ouvem” (2000, p. 113).
E essa foi a tônica da pesquisa. Como perceber certas tendências quando os
entrevistados afirmam categoricamente que não são influenciados por ninguém? Sempre
reafirmando com energia, que são eles que decidem o que ouvir, sem nenhuma
persuasão publicitária incidindo em seu comportamento. Quando dizem: “Ninguém
consegue me influenciar sobre o meu gosto de música; [e] gosto de nada! Se eu gosto,
eu gosto. Eu gosto dessas músicas que têm, porque eu ouvi nas festas e pronto; aí eu
gostei”. 33
O panorama parece brotar em um cenário dramático e por muitas vezes
ambíguo, visto que, de um lado, estão os processos simbólicos já assinalados
exaustivamente por Adorno, via indústria cultural, e, de outro, uma suposta atitude
autônoma frente ao consumo de bens simbólicos. Como sair ou entrar nesse estado de
33
Entrevista nº 1, Apêndice II.
70
coisas? Talvez uma resposta para nos acalmar, momentaneamente, resida nas
homologias estruturais do(s) campo(s) que estudamos.
De fato, a indústria cultural chega aos entrevistados através dos mais variados
meios. O rádio, a televisão, o cinema e a Internet, predominam nas respostas. Estão em
contato direto e diário com o universo musical.
34
É, sobretudo, no tempo livre e de
lazer, afirmam eles, que edificam suas normas e experiências, identidades e expressões
culturais.
Em Tame (2003) tivemos amostras do quanto é importante a atividade musical
na sociedade e quais suas influências na vida cotidiana. A música seja ela percebida
pela orientação sertaneja ou não, é consumida indiscriminadamente em excesso pelos
jovens. Escutam, compram e repassam experiências musicais que se revelam na
totalidade em práticas simbólicas que formam uma identidade. Mas o que a música
significa para os jovens? O que ela representa? A seguinte resposta nos ajuda a
entender: 35
A música para mim é como um estilo de vida (...) geralmente as letras são
aquilo que eu faço, aquilo que eu acredito, aquilo que acontece. Então eu tiro
da música uma inspiração para fazer as minhas ações, medir as minhas
palavras e até o jeito que eu me visto. Os lugares que freqüento e as minhas
amizades são influenciados pela música. Para mim a música tem influência
muito grande.
É verdade, a música percebida como um estilo de vida, uma forma de encarar
com resistência a vida cotidiana é descrita intencionalmente por diversos entrevistados.
Mas essa afirmação só pode ser generalizada ao universo simbólico do rock. Esse foi o
diagnóstico. A homologia que estrutura as práticas do rock se refere a todos aqueles que
se declaram fãs de rock e percebem certo desconforto em relação ao excesso de
produtos ofertados pela mídia. Os exemplos são intermináveis: “minha vida é baseada
em música”; “as minhas conversas são muito influenciadas por letras de música”;
“filosofia, aquilo que você acredita e aquilo que você segue”.
36
Isso acontece somente
quando o rock fala; quando afirmam que precisam de música – do rock – para
escaparem da multiplicação de bandas e estilos musicais que agridem seus ouvidos. O
seguinte relato de um entrevistado do rock enfatiza: 37
34
Os dados sobre consumo de cd’s, dvd’s, livros e cinema por parte dos entrevistados encontram-se no
anexo ou no apêndice.
35
Entrevista nº 4, Apêndice II.
36
Entrevistas nº 5, 10 e 11, Apêndice II.
37
Entrevista nº 12, Apêndice II.
71
Eu estava muito desesperado com a música brasileira. Eu achei que já estava
no fundo do poço, [quando] descobri algumas bandas. (...) Percebi que não
tinha só a mídia; que era [onde] me baseava quando estava desesperado. Eu
descobri uma coisa em baixo, que é muito melhor do que a mídia está
mostrando. Os selos alternativos (...) para poderem lançar seus cds, tipo: [os]
selos Mostro, a Foster que lançou agora. Isso você vê que são músicas
verdadeiras porque eles sabem que não vão ganhar dinheiro pelo menos nos
próximos cinco anos. Eles estão fazendo a música pela música. E não a música
pela fama. Atualmente eu estou bem tranqüilo [a respeito do] cenário musical
brasileiro.
Já os entrevistados que se declaram fãs do estilo sertanejo situam a música em
outra perspectiva. Longe de uma lembrança reformista da realidade que faz do rock um
ponto de refúgio ao “caos” cultural, os entrevistados da música sertaneja afirmam
disposições contrárias. A música é, antes de tudo, uma forma para a redenção do amor,
dos sentimentos, dos relacionamentos interpessoais; de uma história que parece sempre
se repetir pela expressividade da canção.
Uma entrevistada que se declara fã da música sertaneja comprova: 38
Eu acho que a música tem muita importância na minha vida. A letra expressa
meus sentimentos. Sentimentos que tocam lá no fundo. Quando a gente escuta
lembra do namorado, dos relacionamentos passados; de momentos bons. É o
sentimento, a lembrança, uma vida na forma de canção.
Esses depoimentos parecem não contrariar o que já havia sido expresso na
gênese dos estilos musicais, para citar Caldas (1979 e 1987) e Chacon (1985). Pelo lado
do rock, se afirma uma posição centralizada na música como arte desmistificadora; o
porto “seguro” para os problemas que a padronização cultural projeta, enquanto no lado
da música sertaneja, serve como embalo emocional para vida marcada pela própria
emoção. É, em outras palavras, a narração de uma história de vida marcada pelos
enlaces sentimentais. Mas não é só isso. A definição dos estilos musicais por parte dos
entrevistados também coordena a trama das relações ditas simbólicas. Para os
entrevistados sertanejos, o seu estilo musical é sempre percebido como: “o amor”,
“amor e saudade” ou mesmo “amor e dor”.
39
Essas são as suas definições muitas vezes
estereotipadas. Enquanto os entrevistados que visualizam no rock seu principal estilo
musical, identificam na música que consomem a “revolta”, a “crítica”; a “revolução”. 40
Mais uma vez os dois estilos estruturam lados opostos.
38
Entrevista nº 21, Apêndice II.
Entrevista nº 33, Apêndice II.
40
Entrevista nº 39, Apêndice II.
39
72
Não obstante, o cinema parece refratar as mesmas disposições encontradas na
música, tanto para o rock, quanto para o sertanejo. Um entrevistado do rock afirma:
“Assisto muito filme que fica na parte “cult” da locadora, que são filmes não
comerciais, como a música que escuto; eles fazem o filme pelo filme”.
41
E um
entrevistado da música sertaneja assinala: “Eu procuro no filme romântico a realidade
das pessoas, os sentimentos verdadeiros; amor proibido”. 42
A própria imagem da publicidade parece acompanhar esta tendência. Enquanto
para os sertanejos os anúncios publicitários exprimem a “inteligência”, a “criatividade”
ou a “imaginação” daqueles que a produziram, os fãs de rock discutem e estruturam
disposições com expressões relativamente mais críticas. Dizem eles: “Consiste em
lavagem cerebral de diferentes formas. Essa é a idéia. Você vai comprar o produto e
precisa gostar dele”.
43
As homologias parecem distanciar-se passo a passo. Outro é
decisivo: 44
Estou meio em dúvida em defini-la entre manipulação ou massificação. Se a
gente coloca sob o ponto de vista da manipulação temos que levar para outras
esferas; são todas manipulativas. Todas trazem uma carga (...) de ideologia,
tudo nos guia para alguma coisa, para fazer alguma coisa. Então não dá para
taxá-la pelo menos negativamente, como manipulação. Agora massificação é
com certeza. Tem que vender o produto.
Poderíamos perguntar, então: se o estilo rock é visto por seus fãs como arte que
congrega um espírito crítico e a música sertaneja é associada aos aspectos sentimentais,
como os entrevistados definiriam os estilos dos outros? Como os entrevistados do rock
definiriam o sertanejo e vice-versa?
Aqui encontramos uma situação interessante. O estilo rock, mesmo visto aos
olhos dos fãs de música sertaneja é exteriorizado como: “satisfação”, “sentimento forte”
e, sobretudo, “emoção”. 45 Os fãs sertanejos intempestivamente transferem sua estrutura
cognitiva para a explicação da prática social de outro fenômeno musical. Agora, quando
o sertanejo é apreendido pelas disposições incorporadas nas práticas simbólicas dos fãs
de rock ganha outra linguagem; uma linguagem estereotipada, recheada por preconceito
e intolerância. A música sertaneja é referente a: “música para adestrar macaco”, “dor-
41
Entrevista nº 13, Apêndice II.
Entrevista nº 22, Apêndice II.
43
Entrevista nº 14, Apêndice II.
44
Entrevista nº 31, Apêndice II.
45
Entrevistas nº 34 e 50, Apêndice II.
42
73
de-cotovelo” ou “sofrimento de corno”.
46
Comprova-se as teses de Adorno e
Horkheimer sobre a “personalidade autoritária”. Como lembra Ianni (1999):
O intolerante sempre engendra o objeto de sua intolerância. (...) Aos poucos
estas diversidades são transformadas em marcas, estereótipos. Os preconceitos
ou intolerâncias alimentam-se das diferenças transformadas em desigualdades,
hierarquias, marcas, estereótipos, estigmas, ideologias. E este é um processo
tanto mais acentuado quanto a alienação que se produz e reproduz no jogo das
relações sociais, tensionando as mais diversas formas de sociabilidade, de ser,
pensar, sentir e agir (Ianni, 1999, p. 156).
O campo da música é atravessado e revestido por relações de poder simbólicas,
como já afirmou Bourdieu (1989). As práticas sociais afirmadas e negadas por esses
atores são pautadas pelo capital que cada campo dispõe. Trata-se de disputar posições
nos campos, seja ele, cultural, social, musical ou político, de tal modo, que acabamos
por reconhecer a existência de um capital simbólico mais constituído no campo do rock.
Queremos dizer que os caminhos que fazem do rock um estilo musical estão mais
delineados, projetados e visualizados. Os fãs do estilo sertanejo sempre conseguiriam
dizer quem são as bandas, ou os cantores de rock do momento. E os entrevistados do
estilo rock, o que responderiam?
Nas entrevistas utilizamos algumas músicas com o intuito de: “Qual a primeira
associação que vocês fazem ao escutar essa música”. Uma delas foi “Sunday Bloody
Sunday” do U2 que canta os conflitos entre católicos e protestantes na Irlanda. Os
entrevistados do estilo sertanejo, assim que terminaram de ouvir a canção afirmaram: 47
Eu conheço a música. (...) Eu acho que é [da década] de 80. Mas é uma música
que tem um gostinho nostálgico. Não pela minha vivência, mas eu acho que as
pessoas que gostam desse estilo parecem ter um “gostinho” nostálgico. (...)
Representa uma época. Eu acho que é uma época em que as pessoas queriam
viver o presente; viver cada emoção do seu tempo.
Outra foi “Leilão”, de César Menotti e Fabiano. Após ouvi-la o entrevistado do
rock respondeu: 48
Eu não conheço; desconheço o sertanejo. Quando escuto essa música não vem
nada na minha cabeça, eu não associo a nada, não sei quem canta e não tenho
nada para falar dessa música. Não saberia um nome sertanejo para afirmar; não
conheço o suficiente.
46
Entrevistas nº 32 e 54, Apêndice II.
Entrevista nº 55, Apêndice II.
48
Entrevista nº 6, Apêndice II.
47
74
Caldas (1979) mostrara quão degradante era consumir e aceitar a música
sertaneja como expressão de arte por parte da “alta burguesia”. Era uma forma de
deturpar ou esfacelar o capital de classe dominante, visto que, sua estética fôra
danificada pela indústria cultural. Para o universo do rock, aceitar a música sertaneja
seria uma forma de mascarar suas pretensões enquanto atores conscientes, pois as redes
de interações simbólicas são constituídas pela medida do engajamento e da crítica. É
antes de tudo afirmar quando ouvem música sertaneja o seguinte: “Ah! Ônibus lotado!
Eu naquele sofrimento e essa música no meu ouvido; me enche o saco. É irritante,
porque associa aquela multidão, não que o povo fede; [mas] aquela caixa de abelha no
meu ouvido. É irritante”! 49
O que o rock na maioria das vezes procura é diminuir suas perturbações
interiores, mas sempre acompanhado de um viés crítico. Não se trata, portanto, de
afirmá-lo enquanto depositário inabalável da razão crítica; é também. Dizem eles: 50
Eu procuro sair do stress. Eu desligo do mundo quando começo a ouvir as
minhas músicas. Procuro nelas uma letra mais agressiva, alguma coisa que
expresse aquilo que nós não conseguimos expressar no dia-a-dia; do jeito que a
gente sempre quis. (...) Busco nas músicas compreendimento e expressar meus
sentimentos, mesmo que sejam os mais brutos.
Enquanto, os entrevistados do estilo sertanejo estão sempre associando a música
que consomem aos relacionamentos interpessoais. “É um desabafo”, “um sentimento”;
“emoção”, diriam eles. A disputa por posição no campo parece nos levar a um caminho
já traçado de antemão. Não restaria alternativa ao sertanejo a não ser, submeter-se ao
julgo da dominação simbólica estruturado pelo rock. Afirmaria uma entrevistada: “Eu
não tenho nada contra [sobre as críticas recebidas], porque as pessoas gostam dos estilos
que querem; da maneira que sentem bem. Eu me sinto bem em relação as outras
pessoas. Cada um gosta e faz o que quer”.
51
Ou seja, as posições que refratam a lógica
do campo, seriam aquelas encorajadas pelo conformismo de consumir uma música de
carga eminentemente emotiva, sem se preocupar com os desdobramentos dessa atitude.
A isso, Adorno (1999) sublinharia o rebaixamento da música a um status de
comodidade na sociedade contemporânea. Mas essa posição pode ser revisada, e será;
no final.
49
Entrevista nº 56, Apêndice II.
Entrevista nº 7, Apêndice II.
51
Entrevista nº 23, Apêndice II.
50
75
A demarcação de uma identidade simbólica musical parece levar as interações
dos ouvintes a um horizonte na qual o discurso empregado ajuda a tecer o véu para as
questões singulares que projetam em suas ações. Ou seja, quando a energia da fala e do
emprego da linguagem corporal corrobora para a negação de toda influência da indústria
cultural sobre a constituição dos gostos musicais, na verdade, estão simbolicamente,
afirmando uma capital que é só seu. Para os entrevistados que se declaram ouvintes
assíduos do estilo sertanejo, as suas disposições são sempre aquelas interiorizadas por
uma experiência inata, natural e particular da música sertaneja. Por que reconheceriam a
suposta influência de suas preferências a indústria cultural? Quando antes de tudo estão
tentando demarcar um campo musical marcado por uma autonomia questionável,
diferente do rock. Como afirmar que sua arte musical – pretensa arte, diria Caldas
(1979) – é fruto das tendências racionalizantes da indústria fonográfica?
Esse parece não ser o problema dos entrevistados do rock, pois seu campo está
em uma constelação de força “superior” à gravidade sertaneja. Afirma o portador da
“legítima” arte: 52
Sobre esse negócio de influência o pessoal gosta muito de dizer: “Eu não sou
influenciado! Eu não tenho influência de ninguém”. Eu acho isso uma mentira
e 90% sabem. (...) É impossível você não se influenciar pelo meio; é
impossível não se influenciar pelas pessoas que você anda, pelo seu Colégio,
pela televisão. Tudo é influência, não tem como dizer não.
Ou então, afirmam sua posição no campo a partir da rede de relações objetivas
expressando certo viés crítico, pois: 53
Eu acho que fui mais influenciado pela Internet quando comecei a baixar
música. Eu diria que meus amigos me apresentaram mais músicas, mas foram
amigos que eu consegui através da música. Alguém me mostrou o rock? Não!
Eu acho que o rock me mostrou alguém. (...) A TV influenciou justamente ao
contrário, mostrou o que a gente não devia ouvir.
As relações de poder, assim, são marcadas por uma suposta legitimidade captada
pela indústria cultural nas práticas dos entrevistados do rock. Acreditam na existência
de um “espírito” que atravessa as práticas de consumo dos bens culturais, entretanto
conferindo uma dose de autonomia em suas ações. Podem afirmar, sem serem
penalizados por isso, que suas preferências musicais são provenientes de um complexo
de forças maior que extrapolam suas motivações individuais.
52
53
Entrevista nº 40, Apêndice II.
Entrevista nº 15, Apêndice II.
76
No combate a esta atitude “consciente” dos entrevistados do estilo rock, o
ouvinte da música sertaneja, por sua vez, deve primeiramente afirmar a existência
legítima de um campo musical. Se sua arte é vista como, “música para adestrar
macaco”, então, resta posicionar-se como agente também autônomo; livre das pressões
exteriores que constituem suas disposições corporais. Do estereótipo intolerante, livramse com a idéia da escolha consciente e racional; emancipatória e madura; proposital e
irremediável. Mas por quê? Porque a influência exercida pelos meios de comunicações
ficou em um passado muito distante. Um passado que não constitui mais sua
experiência do presente. Afirma o entrevistado sertanejo: 54
Até os seis anos de idade, sim. Influencia bastante! Mas depois [você] vai
criando um senso-crítico. (...) As músicas da infância são as que mais
influencia, porque é o começo mesmo. Para mim influenciou as músicas de
programas infantis; Xuxa (...) essas coisas de “criancinha”. Hoje quando vejo
um produto na estante do supermercado não fico [mais] viciado.
A música ouvida na infância – culturalmente imposta pela indústria cultural – e
reconhecem isso, faz parte do que fôra o seu repertório musical. Uma época
aparentemente vista com certo olhar nostálgico de uma “bela época” ou se preferir,
“uma era de ouro”. Por isso, o presente é retratado enquanto manifestação de um
“agora” consciente, ativo e reflexivo mundo. “Eu escolho as minhas preferências
musicais”, diriam eles. Mas mesmo sendo atores de um mundo agora emancipado do
consumo irracional, os ouvintes do estilo sertanejo não parecem estar satisfeitos com
suas escolhas. Várias foram as repostas que diziam: “Eu lembro quando era pequena e
assistia aos desenhos, todos os desenhos. Eu gostaria que a mentalidade voltasse.
Porque eu não vejo mais graça no desenho do Pica-Pau, né? Ah! Como seria bom se
essa época voltasse”.
55
Como afirma Foracchi (1965): “(...) é incerto como solução e
indefinido como opção – é um futuro limitado pela perspectiva do presente” (1965, p.
211).
Qual seria a lembrança do passado nas consciências dos entrevistados do rock?
Poder-se-ia traçar um paralelo entre o consumo pretérito dos ouvintes do rock e do
sertanejo? Neste caso, mais uma vez, não são os paralelos simbólicos que os unem, e
54
55
Entrevista nº 2, Apêndice II.
Entrevista nº 51, Apêndice II.
77
sim, os paradoxos de tendências irreconciliáveis. O entrevistado do rock recorda sua
infância desta forma: 56
Eu não escutava Xuxa, não escutava Eliana. Minha mãe colocava “Arca de
Noé”, Saltimbancos. Até hoje quando ouço os Saltimbancos eu acho muito
bom. (...) o grande circo mítico de Chico Buarque foi o que eu cresci
escutando. Existe música infantil muito boa; acredito nisso.
Significa então, que gostariam de voltar a essa época, tal como dizem os
entrevistados do sertanejo? Deixar seu presente marcado pelo embrutecimento das
práticas de consumo musical, cujo rock é sua via de escape? Assegura mais uma vez um
entrevistado do rock: 57
Eu diria que não, porque eu acho que independente da época em que estamos
vivendo o passado vai ser sempre melhor. É aquela nostalgia de quem não
viveu, entende? Eu acho que o rock dos anos 70 foi melhor justamente porque
estamos nos anos 2000. Chico Buarque escreveu diversas músicas que são
maravilhosas na época da ditadura. Então eu quero que volte? Não! De jeito
nenhum!
O paralelo possível que fazemos, é a possibilidade real de ambos consumirem
música. Mas, paradoxalmente, consumido em meios e estilos diferentes. Voltar ao
passado representa reviver uma época grandiosa para os sertanejos, já para o rock,
retroceder no tempo, é negar a importância do presente e do futuro na obtenção daquilo
que sua força simbólica pode refratar. A falta de nostalgia é compensada pelo maior
valor atribuído ao presente. Polly Toynbee (2004) acredita que mesmo vivendo em uma
cultura marcada pelo pânico moral, cultural, patriota e porque não, intelectual, “(...)
poucos escolheriam voltar para trás, [pois] ninguém pode identificar com exatidão a era
perfeita da graça, aqueles tempos áureos que deveríamos estar lutando para recuperar”
(2004, p. 271). O rock parece estar, então, em sintonia com a lógica possível do campo
de poder.
3.1.1. A illusio na pesquisa:
Como destaca Bourdieu (1990), a história que se delineia do campo musical e
das práticas realizadas no interior dos espaços socialmente construídos, jamais é o
56
57
Entrevista nº 41, Apêndice II.
Entrevista nº 16, Apêndice II.
78
reflexo direto das coerções e demandas externas, mas uma extensão simbólica refratada
pela lógica particular do campo. São as relações de poder que estruturam as práticas
empregadas nas ações e relações dos entrevistados. A percepção apresentada até aqui,
inevitavelmente, acaba por colocar as histórias desses estilos em estradas diferentes,
mesmo quando o caminho pode levá-los a um ponto final comum.
O clima, por extensão, é tenso, porque as relações simbólicas são estabelecidas
na linha tênue do conflito que o campo refrata. Os entrevistados afirmam com
veemência o poder da música na constituição de suas identidades; de seu
comportamento, e mais uma vez, as rivalidades construídas através das práticas,
afloram. Diz um entrevistado da canção sertaneja: 58
Eu não gosto de rock, de rap; de metal (...) porque eu acho que as músicas não
têm letra, fica só aquele “pancadão”. E também não entendo nada. As músicas
são em inglês. Por isso eu gosto do sertanejo, porque as músicas têm letra e são
sentimentais. Tocam lá no fundo.
Pela própria justificativa expressa acima, os entrevistados do rock condenam a
música sertaneja. A mensagem cantada é aquela criticada pela emoção hierárquica de
um campo mais constituído. A luta por posições no campo é sentida simbolicamente nas
atitudes intolerantes, nas frases pejorativas e, principalmente, pela atividade da illusio
do campo. O interesse do jogo reside na demarcação de um espaço identitário, como
expressão das práticas corporais afirmadas e reafirmadas pelo capital simbólico mais
estruturado.
Mas como o sertanejo se posicionaria diante da intolerância e das imagens
estereotipadas construídas socialmente? Constituindo um campo de disposições
corporais simbólicas também intolerantes. Eco (2004) esclarece: “A luta de uma
“cultura de proposta” contra uma “cultura de entretenimento” sempre se estabelecerá
através de uma tensão dialética feita de intolerância e reações violentas” (2004, p. 60).
Afirma um entrevistado do estilo sertanejo: 59
Eu não quero criticar e nem colocar como [se fosse] geral, mas a maioria das
pessoas que curtem, por exemplo, o rap, são pessoas que alguma vez na vida já
roubaram, já traficaram, já brigaram. Apesar [de serem] pessoas da favela;
pessoas sofridas. Eu não escuto rock (...) banda como, “Ozzy Osborne” está
fora do meu mundo. Deus me livre!
58
59
Entrevista nº 24, Apêndice II.
Entrevista nº 35, Apêndice II.
79
A illusio é apreendida, por um lado, na forma que é constituído o campo
“relativamente” autônomo do rock e, por outro, do campo sertanejo que, na maioria das
vezes, é estruturado de forma “aparentemente” autônomo. As práticas são reguladas e
representadas através das redes de relações de poder que identificam o espaço de poder
mais cristalizado. É o rock que sistematiza práticas duráveis e renováveis, coordenando
e estruturando seu espaço, mas também, o espaço do outro. Ou seja, os agentes que
fazem parte do rock “jamais” migrariam para o sertanejo, posto que, negariam sua
identidade construída através da essência do poder simbólico propagado no consumo
“consciente” da música. Enquanto para os entrevistados do estilo sertanejo: 60
Até a infância eu gostava muito de sertanejo e música romântica; aquela
sentimentalista. Isso era o meu meio familiar e até mesmo dos amigos. Quando
entrei na escola (...) eu acabei mudando o meu estilo, talvez em função do
grupo para eu poder me identificar um pouco mais. [E outro continua] Não é
que eu seja influenciado. É porque eu cresci na fazenda escutando música
sertaneja, mas nas férias me apresentaram um tipo de música nova, o rock –
metal melódico – e estou gostando.
Parece haver, por conseguinte, um “nítido”, mas velado, interesse no jogo em
constituir espaços percorridos pelas identidades comuns de cada estilo musical. É o
rock, pelo poder das disposições e do capital acumulado socialmente, que incentiva a
rivalidade das constelações simbólicas resistentes à redução a um denominador comum,
pois o conflito acontece na interação relacional de atrações e aversões que constitui a
estrutura singular do rock e do sertanejo. Ora, os entrevistados do sertanejo são atraídos
pelo poder simbólico propagado pelo rock, ora nega-o, narrando experiências
traumáticas e estereotipadas da realidade.
3.2. As identidades estruturadas:
Já se falou ao longo da discussão em identidades inerentes aos dois estilos
musicais. Que identidades são essas? Qual a maneira de percebermos duas histórias
identitárias marcadas pelo conflito? Quais os conteúdos simbólicos que fazem parte
dessas identidades? Não é difícil visualizarmos na pesquisa que a construção social
da(s) identidade(s) é estabelecida em um espaço marcado por relações de poder. Por
isso, propomos, inspirado em Castells (2002), duas formas específicas de identidades
vistas sob a ótica das preferências musicais dos entrevistados. Castells aponta três
60
Entrevistas nº 57 e 58, Apêndice II.
80
formas de identidades, qual seja: a) a identidade legitimadora, b) a identidade de
resistência e c) a de projeto. Castells entende por identidade de resistência aquela que é:
(...) criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas
e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras
de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos quais
permeiam as instituições da sociedade (Castells, 2002, p. 24).
A identidade legitimadora, por sua vez, é aquela “(...) introduzida pelas
instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua
dominação em relação aos atores sociais” (2002, p. 24). Depreende-se, por conseguinte,
que a construção de uma identidade de resistência parece estar mais relacionada as
disposições, até aqui traçadas, dos entrevistados do estilo sertanejo, pois suas práticas
revelam-se, nesses casos, em atitudes defensivas nos termos da dominação simbólica
incentivada pelas disposições dos ouvintes de rock e, ao mesmo tempo, acaba por
reforçar os limites da resistência. O entrevistado sertanejo explica: 61
As pessoas têm muito daquele negócio de interpretação. Eu deixo estampar que
gosto mais de ouvir sertanejo e muita gente olha para mim e fala: Nossa!
Aquele menino lá é burro, sabe? Saio com cara de burro, não dá nada para
gente. Não sabem o que a gente faz quando está em casa. Não sabem que tipo
de coisa a gente assiste. Eu direto vou a locadora.
Enquanto afirmamos que a identidade de resistência diz, especialmente, sobre as
disposições dos entrevistados da música sertaneja, a identidade legitimadora afirma,
invariavelmente, as práticas simbólicas que estruturam as disposições daqueles que
experimentam a música propagada pelo rock. É antes, uma forma de internalizar e,
concomitantemente, legitimar a dominação simbólica frente aos entrevistados da música
sertaneja ou do(s) campo(s) de poder subjacente. A música sertaneja é sempre dita e
percebida nas vozes dos ouvintes de rock como a “música para adestrar macaco”,
porque tem “(...) letras vazias, ritmos manjados. Então é aquela coisa de sempre. É
sempre tudo igual; nada muda e acaba não falando nada”.
62
E é a partir disso, que os
entrevistados do rock podem afirmar sem sofrerem maiores conseqüências, o seguinte:
“(...) a minha preferência musical é o rock, aquele que foge das mídias. Que não se
vende “as coisas” capitalistas do mundo”. 63
61
Entrevista nº 59, Apêndice II.
Entrevista nº 17, Apêndice II.
63
Entrevista nº 18, Apêndice II.
62
81
Apesar de termos identificado a partir de Castells (2002) identidades ligadas as
disposições dos entrevistados da música sertaneja e a do rock, não negligenciamos o
que já foi por muitas vezes discutido por Stuart Hall (2001). A crise de identidade que
percorre as estruturas e os processos simbólicos centrais de todas as sociedades
modernas tem abalado, como lembra o autor, os quadros de referências que outrora
forneciam aos agentes um ponto de equilíbrio. Diante disso, destaca Hall:
O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades
que são unificadas ao redor de um “eu” coerente. (...) A identidade plenamente
unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. (...) Quanto mais a vida
social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens,
pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de
comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam
desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições
específicos e parecem “flutuar livremente” (Hall, 2001, p. 13 e 75).
Falamos, portanto, de identidades específicas engendradas nas disposições dos
entrevistados da música sertaneja e a do rock – a identidade de resistência e a
legitimadora – sem, contudo, perder de vista a plenitude que o conflito marcado pelas
contingências culturais, sociais, políticas e econômicas podem desencadear.
Todavia, o conflito não é estruturado somente no plano da música, da televisão,
do cinema ou do rádio, mas também no universo da leitura. Pelo hábito da leitura
identificamos mais um contraste; mais um elemento estruturante das interações
antagônicas que o poder do campo refrata. Para o sertanejo, a importância da leitura
significa: 64
Eu me dedico a leitura quando vejo algo que interessa. Quando é uma coisa
sobre economia, por exemplo, eu já não interesso; eu leio aquilo por cima,
aquele “resuminho”. Mas quando fala sobre novela, horóscopo, a vida de
algum artista aí eu já interesso, entendeu? A gente gosta de ler para dar risada,
para se divertir. Eu acho que a leitura não vai crescer em nada, você só vai
perder tempo.
A prática da leitura adquire outro significado para os entrevistados do estilo
rock. É percebida como possibilidade de exercício crítico da razão e, por conseqüência
natural, mais um capital acumulado em suas disposições que favorecem a delimitação
do campo de poder. Dizem eles: 65
64
65
Entrevista nº 25, Apêndice II.
Entrevista nº 42, Apêndice II.
82
Eu leio muito. Gosto muito de ler. (...) Você tem que começar lendo Érico
Veríssimo que é uma coisa que você se identifica, porque, você não precisa de
regras gramaticais para escrever bem. Se você tem uma boa leitura, você sabe
escrever bem sem regras.
O gráfico abaixo mostra a distribuição quanto ao hábito de leitura dos
entrevistados a partir da lista dos livros mais vendidos na época. Estávamos nos meses
de agosto e setembro, quando três livros de Dan Brown faziam parte da lista, sendo um
deles – O Código Da Vinci, que ganhou também uma versão no cinema. Do total de 11
pessoas que participaram da pesquisa, seis declaram consumir música sertaneja,
enquanto o restante, música do estilo rock. Juntos os grupos leram 14 livros. 66
Livros lidos da lista de mais vendidos
segundo o estilo musical dos
entrevistados
3
11
Estilo Rock
Estilo Sertanejo
Gráfico 1.1
Quando a leitura não é projetada sob relatos de vidas de artistas, horóscopos,
gibis, ou mesmo, fofocas, como foi dito pelos entrevistados da música sertaneja, ela é
consumida através das informações em “pacotes” veiculada pela Internet, mas nesse
caso, como afirma Costa (2004), o “(...) texto noticioso se caracteriza pela fragmentação
da realidade, que é acompanhada da imediaticidade. A produção fragmentada de
notícias, assim, é uma técnica também mercadológica. Opera-se, a desvinculação da
notícia com seu fundo histórico-social” (2004, p. 183).
66
Ver no anexo a lista dos livros mais vendidos.
83
3.3. A família, as relações afetivas e a indústria cultural:
Mas, ainda não está claro. As preferências musicais que os entrevistados
disseram ter sofrem influência decisiva da indústria cultural? Seu comportamento
estético seria coberto pelas receitas racionalizadas da padronização dos estilos musicais?
E a partir disso estruturariam suas disposições? Nestes casos, a prática parece contrariar
certas tendências vistas, por vezes, de forma absoluta.
Percebíamos anteriormente, certo desconforto quando questionados sobre
possíveis influências na constituição do gosto musical, dada a lógica interna dos
campos. O entrevistado da música sertaneja, por exemplo, afirmava: “Eu não sou
influenciado por ninguém”, para resguardar e, ao mesmo tempo, afirmar a existência de
uma constelação simbólica marcada pelo conflito. Agora, inevitavelmente, a disputa por
posições ganha um novo contorno. Não é a televisão, o rádio, a Internet, tampouco um
artista, que influencia suas escolhas musicais, acreditam e admitem. É, antes de tudo, a
rede de interações familiares, concomitante aos relacionamentos afetivos, que tecem a
estrutura do comportamento musical. Afirmam: 67
Porque uma vez eu estava namorando um menino [e] ele mandou uma música
do Rick e Renner para mim. (...) A partir daí, eu passei a comprar os cds;
comecei a ter coleção de pôster e gostar de música sertaneja. [E outra]: A
minha influência de gostar de sertanejo foi mesmo da minha família, porque
toda a minha família ama sertanejo; escuta o dia inteiro.
Como já mostrou Gonçalves (2005), “No Brasil, a família – e a cadeia de
relações que se estrutura em torno dela – ainda é uma forte referência da subjetividade.
(...) Diante da tibieza das instituições, cabe à família, e àqueles que lhe são próximos,
promover em primeira instância a regulação da conduta” (2005, p. 209 e 211).
Claramente se estabelece uma homologia entre os campos, tanto do sertanejo, como do
rock, todavia, com uma diferença. Nas disposições dos entrevistados do rock não são
incorporadas os valores estabelecidos pelos relacionamentos afetivos, mas somente
aquilo apresentado e discutido no seio familiar. Para eles as influências se deram: “Com
certeza [devido] aos meus pais (...) no caso de tudo; rock, MPB e música clássica”.
68
Mesmo a música que marcara uma determinada época em suas vidas é aquela
67
68
Entrevistas nº 26 e 36, Apêndice II.
Entrevista nº 43, Apêndice II.
84
experimentada com a presença ou por iniciativa da família. Diz o entrevistado do estilo
rock: 69
Da minha infância eu lembro dos Beatles, porque meu pai ouvia muito, muito
mesmo. Eu ia dormir e meu pai colocava para ninar “Looking in the sky
diamonds”. Ele ficava ouvindo enquanto dormia. Eu não consigo ouvir Beatles
sem lembrar da minha infância e amo completamente Beatles.
A relação de poder simbólico que é estabelecida através das práticas sociais
familiares de consumo musical, pois é família quem dita o que deve ser inicialmente
experimentado, estrutura não somente as disposições dos gostos musicais, mas também
a própria dimensão do ato de leitura. Mais uma vez, afirma um entrevistado do rock: 70
Eu estou em uma fase em que meu pai [está] aumentando o nível de
dificuldade. Ele gosta de ficar passando os livros. Agora estou em uma fase
“Dostoievisk” que [é] considerado normalmente chato. (...) Estou achando
muito bom. Eu li agora Doutor Jivago e achei perfeito. Eu li duas vezes. Gosto
mesmo é de romances; dos maiores.
De um lado, estão práticas musicais interiorizadas pelo universo familiar,
admitem os entrevistados da música sertaneja, constituídas por letras que exploram “o
amor”, “os sentimentos” e os “relacionamentos interpessoais”; forma, cristaliza e
estrutura seu capital cultural. A leitura é vista, quase sempre, como “perda de tempo” e,
pouca ou nenhuma, é a influência da família. Por outro lado, os entrevistados do rock
estendem suas influências, seja a música ou a leitura, impreterivelmente, a família.
Postula-se um campo mais refratário às contingências. Que paralelo ou paradoxo
estabelecemos aqui? Que aproximações poderíamos realizar a partir dessas constelações
simbólicas?
Adorno (2001) acredita que a invasão provocada pela indústria cultural na
constituição da rede de relações sociais, atrelada a erosão econômica da família
moderna, destruíra a concretização da capacidade do indivíduo autonomizar-se. Realça
ele:
Com a família, enquanto o sistema subsiste, desfez-se o agente mais eficaz da
burguesia, e também a oposição que, sem dúvida, oprimia o indivíduo, mas
também o fortalecia, se é que não o produzia. O fim da família paralisa as
forças contrárias. A ordem colectivista ascendente é o sarcasmo para com os
69
70
Entrevista nº 44, Apêndice II.
Entrevista nº 45, Apêndice II.
85
sem classe: no burguês, ela liquida ao mesmo tempo a utopia que, outrora, se
alimentou do amor da mãe (Adorno, 2001, p. 15).
Se aceitarmos a posição de Adorno, ao mesmo tempo, é necessário sensibilizála. Porque as disposições incorporadas que se revelam nas práticas corporais dos atores
identificados com o rock, parecem conservar a dinâmica contingente da música
revolucionária e crítica. A canção, supostamente interiorizada pelo capital simbólico
familiar, expressa a própria lógica que os entrevistados do rock praticam. Já a música
cultivada pelo campo sertanejo, refratada pelas disposições familiares e dos
relacionamentos interpessoais, revelam, talvez, a família moderna esfacelada de
Adorno. Aqui, o “amor da mãe”, é o amor da canção consumida pela contingência
prática: refratar os encontros e desencontros amorosos.
A moderna família estilhaçada pela socialização padronizada pelos produtos
veiculados na indústria cultural como cultura, é referente às disposições dos
entrevistados da música sertaneja? É o estilo sertanejo e, por conseqüência, o público
que o consome, que estão mais expostos, desprotegidos e até reificados, em decorrência
da indústria do divertimento? As informações de nossos entrevistados, juntamente com
o auxílio de algumas músicas ouvidas por eles durante as entrevistas podem esclarecer.
Como já foi dito, utilizamos nas entrevistas algumas músicas que foram ouvidas
pelos participantes. Uma delas foi “Alô, Alô Marciano” de autoria de Rita Lee e
Roberto de Carvalho, mas “imortalizada” na voz da intérprete Elis Regina. Na
oportunidade da entrevista, estava no ar pela TV Globo, a novela “Cobras e Lagartos”,
cujo tema de abertura era “Alô, Alô Marciano”. Diz a letra:
Alô, alô Marciano,
Aqui quem fala é da terra
“Pra” variar estamos em guerra
Você nem imagina a loucura
O ser humano esta na maior fissura, por quê?
“Tá” cada vez mais down.... (...)
A crise esta virando zona
Cada um por si todo mundo na lona
Lá se foi a mordomia
Tem muito rei pedindo alforria, por quê?
De forma convincente, os entrevistados da música sertaneja disseram associar a
música à novela global e, ainda, não sabiam quem a cantava. Respostas como essas
86
foram freqüentes: “Eu lembrei de Cobras e Lagartos e mais da Leona”.
71
E outra, “A
primeira coisa que veio na minha cabeça foi: “Ah! Cobras e Lagartos, (...) porque era o
tema da novela”.
72
Aqui, o poder simbólico é o poder da indústria cultural. A
mensagem que permanece é aquela conduzida pela indústria do entretenimento, porque
o espírito crítico e contestador que outrora pertencia a “Alô, Alô Marciano” já não
existe mais. Pois, como destaca Bourdieu (2001), “(...) o agente nunca é por inteiro o
sujeito de suas práticas: por meio das disposições e da crença que estão na raiz do
envolvimento no jogo, quaisquer pressupostos constitutivos da axiomática prática do
campo (...) se introduzem até nas intenções aparentemente mais lúcidas” (2001, p. 169).
A situação parece se inverter para os entrevistados do estilo rock. Mais uma vez,
suas disposições dizem sobre o universo familiar que os ajudam a constituir suas
experiências. A música percebida enquanto tema de novela para o sertanejo, deixa de
ser tema dos produtos ofertados pela indústria cultural, para se referir também ao
contexto social e político que o país atravessava. Dizem os entrevistados do rock: 73
Essa música é da Rita Lee, “Alô, Alô Marciano”. Ela fala da bagunça que
estava na época [em que] escreveu. Época da ditadura, quando ela estourou
como “Mutantes”, (...) e provavelmente reflete a bagunça que o país está
passando. Eu associo a minha mãe. Eu acho que foi o primeiro cd de rock que
eu ouvi dos Mutantes que minha mãe tinha. [E mais um admite] Eu associo a
minha família, no caso a minha avó. Eu acho até irônico porque ela é uma
“velhinha” de cabelos brancos que pula de pára-quedas e ouve Rita Lee.
Mesmo aquela música que não está em evidência na indústria cultural, como;
“Para não dizer que falei das flores” de Geraldo Vandré, que também foi ouvida por
todos nas entrevistas, símbolo de resistência e protesto contra a ditadura, assume feições
e significados contrastantes entre os dois grupos musicais. O entrevistado sertanejo
diria: “Eu não conheço essa música, mas eu gostei da melodia e da letra dela. Parece
música de Igreja, né”?
televisão”.
75
74
Ou então, “O que me veio à cabeça foi um comercial de
Ora, persiste nas redes de interações simbólicas desse grupo, o campo de
relações objetivas estruturado a partir da organização de valores puramente
71
Entrevista nº 37, Apêndice II. Leona, uma das personagens que fazia parte da novela “Cobras e
Lagartos” da rede Globo.
72
Entrevista nº 27, Apêndice II.
73
Entrevistas nº 19 e 46, Apêndice II.
74
Entrevista nº 28, Apêndice II.
75
Entrevista nº 52, Apêndice II.
87
sentimentais, emocionais e contemplativos. O entrevistado do estilo rock seria
diferente? Explica: 76
Meu pai sempre falava que na época da ditadura, matérias de primeira página
dos jornais eram censuradas e aí, em lugar delas vinham matérias tipo: sobre
jardinagem. Tinha uma foto imensa de uma rosa ensinando como cultivar essas
rosas. Todo mundo sabia (...) que no lugar daquela matéria deveria estar uma
matéria muito importante que estava acontecendo naquele momento que tinha
sido censurado e o povo não estava tendo acesso. Por isso que o nome da
música é “Para não dizer que falei das flores”, fazendo alusão a censura. Volta
e meia tinha uma foto imensa de uma flor. Matérias tipo: o que fazer com seu
adubo? E o pessoal não estava nem um pouco interessado.
Isto também se revela sob o aspecto do imaginário político. Como os
entrevistados se posicionariam na hora de decidirem o voto? O que representa o período
eleitoral para eles? Um entrevistado da música sertaneja afirma: 77
Eu olho bem para cara dos candidatos. Se ele olhar para câmera é porque está
falando a verdade; se olhar para baixo é porque eu sei que está falando mentira.
Então quando começa a inventar muita coisa é porque não vai ser um bom
candidato.
Parece que as disposições que fazem parte do universo musical sertanejo
continuam a estruturar práticas paradoxais as dos entrevistados do rock. A frase “olho
bem para cara do candidato” sugere uma identificação de ordem da proximidade. Ou
seja, práticas encorajadas pela constituição de um certo clima de afinidades atribuídas a
partir da imagem projetada pelo candidato. O que prepondera no ato de votar é o
“aparentemente” verdadeiro, sereno e confiável. E os entrevistados do rock? Vejamos o
que dizem: 78
Na época de eleição é assim: Nossa! Brasil, gente... Não anda “pra” frente, os
políticos são todos corruptos! Mas só falam isso na época de eleição. Porque
você não critica em outros momentos, porque que deixou passar tantas coisas,
“saca”? (...) Analisar o candidato, ver as propostas, ver até que ponto as
propostas são realizáveis, porque não adianta nada eu chegar lá e dizer: olha, se
vocês me elegerem presidente eu vou fazer o Brasil ficar mais rico que os
EUA. Boa sorte, então. Não sei como você vai fazer isso, meu bem? Tem
muita gente que propõe coisas que eu acho que são totalmente absurdas, que
eles não vão realizar. Irrealizáveis, completamente.
76
Entrevista nº 47, Apêndice II.
Entrevista nº 29, Apêndice II.
78
Entrevista nº 48, Apêndice II.
77
88
Outra seria o distanciamento entre música e política. Adorno (2002) incorpora
em sua tese, como vimos, a profunda e trágica separação entre a música e a sociedade.
A música que predomina na indústria cultural é aquela que sequer pode ser executada,
tampouco, ouvida. Fala-se de uma espécie de sociedade “ossificada” cuja música
refrataria o prolongamento da vida social danificada. Mas, a música deve estar
relacionada a algum tipo de movimento político-social? 79
Eu acho que a música deveria. Essa massificação deveria ser usada para ir
contra o sistema, entende? Porque o capitalismo tem seus problemas, o
socialismo tem seus problemas e a música deveria mostrar para as pessoas
como resolver esses problemas, não necessariamente julgando um sistema ou
outro, qual seria o melhor, mas para resolver os problemas.
Para os entrevistados da música sertaneja é diferente. A tese de Adorno (2002) é
confirmada e reafirmada. A música é então, “(...) uma coisa independente. Eu acho que
não existe política nisso. Música é sentimento”. 80 Continuam a estruturar e reestruturar
disposições simbólicas particulares, singulares; inerentes à docilidade e afetividade da
canção
sertaneja.
Quando
afirmam,
contudo,
que
os
artistas
devem
ter
comprometimento com seu público, seu capital cultural é orientado pela indústria
cultural. Asseguram: “Eu conheço muitos artistas que fazem, por exemplo, o “Criança
Esperança”. Eles cantam para arrecadar dinheiro para as crianças pobres”. 81
Já o entrevistado do rock revela: 82
Eu também acredito que se você canta uma coisa você deveria fazer, né? Não
somente cantar, porque aí seria uma outra moda. (...) Mas, principalmente,
porque eles têm poder aquisitivo, poder social e político pra fazer isso, né?
Amanhã, por exemplo, vai ter um show de uma comunidade de “metal” –
isolada do mundo – (risos), parte do ingresso é 1kg de alimentos, entendeu? A
própria comunidade ajudando alguém ou uma entidade. Então eu acho isso
bem louvável.
3.4. As antinomias da indústria cultural: da autenticidade e inautenticidade
O que abstrair destes relatos? É possível, agora, identificarmos de maneira
rigorosa certas tendências? Apontar direções a serem seguidas, sem, contudo, correr o
risco de pegar a estrada errada? Em Umberto Eco (2004), identificamos algumas
direções mais cristalizadas; mais visualmente delineadas. Para o autor, é plausível
79
Entrevista nº 20, Apêndice II.
Entrevista nº 38, Apêndice II.
81
Entrevista nº 53, Apêndice II.
82
Entrevista nº 8, Apêndice II.
80
89
concebermos cinco características, ou funções, peculiares da arte musical, que
invariavelmente, nos auxilia a pensar a mediação entre música e indústria cultural, são
elas:
1. Função de diversão (arte como jogo, estímulo para a divagação, momento de
descanso, de “luxo”);
2. Função catártica (arte como solicitação violenta das emoções e conseqüente
libertação, relaxamento da tensão nervosa ou, a nível mais amplo, de crises
emotivas e intelectuais);
3. Função técnica (arte como proposta de situações técnico-formais, para serem
gozadas como tal, avaliadas segundo critérios de habilidade, adaptação,
organicidade);
4. Função de idealização (arte como sublimação dos sentimentos e problemas,
e, portanto, como evasão superior – e suposta como tal – da sua contingência
imediata);
5. Função de reforço ou duplicação (arte como intensificação dos problemas ou
das emoções da vida cotidiana, de maneira a pô-los em evidência e a tornar
importante e inevitável sua consideração co-participação) (Eco, 2004, p. 305).
Na função de número 4, a música poderia ser percebida como idealização dos
grandes e eloqüentes temas, relacionados ao amor e a paixão. Em tese, na argumentação
do autor, seria uma arte descrita de maneira narcotizante, capaz de projetar nas músicas
as tensões “fictícias” dos relacionamentos amorosos. No caso 5, a canção conservaria a
essência da função idealista da arte nos seus propósitos sentimentais, mas também
congregaria disposições emotivas compreendidas em sua dimensão de caráter erótico,
denunciando supostamente, “atitudes exprobráveis”. Percebemos que esses campos
constituem, como vimos até aqui, os contornos das relações objetivas da música
sertaneja. É, em outras palavras, o comportamento que se coaduna aos aspectos
relacionais e simbólicos das práticas estruturadas pelos discursos dos entrevistados da
música sertaneja. Para autores como Caldas (1979), Bourdieu (1996), Eco (2004) e
Adorno, exaustivamente citado, trata-se da constituição transparente do mundo musical
reificado, posto, ao encorajamento das práticas conformistas vivenciadas nas ondas
emotivas e não menos divertidas da ação. Confirma-se, a existência de um campo na
qual as posições da indústria cultural são eminentemente mais ostensivas as disposições
sertanejas.
Já os casos 1, 2 e 3, refratariam a presença de oportunidades críticas na
dimensão da arte musical. Na apreciação de Eco (2004), esses campos se relacionam à
constituição de uma estrutura artística entendida como poder estruturante de práticas
reflexivas da ação. Aqui, as expressões da linguagem musical extravasam as posições
puramente sentimentais, formando uma rede de relações ligadas às contingências plurais
90
do pensamento transcendental. Depreende-se então, a “demarcação” de uma posição
que é ocupada na extensão da canção de rock. Admitimos, por extensão, práticas mais
conscientes, orientadas e guiadas por certo valor crítico, o que não significa dizer, que a
indústria cultural esteja distante das redes de relações objetivas as quais os agentes
estão, de uma maneira ou de outra, relacionados.
Adorno (1998), como vimos, reconhecera as dificuldades que o pesquisador
encontraria em captar empiricamente os efeitos da indústria cultural sobre o
comportamento humano. Habermas (1980) corroborava com essa tese, mas
acrescentaria a inexistência do êxito de se decretar o fim do indivíduo, cujo próprio
termo referente à alienação tornara-se “clichê” na pesquisa social. Já Benjamin (2001)
mostrara a destruição do “halo” artístico devido à reprodução padronizada em escala
industrial da obra de arte. O que se perdia com a reprodução técnica era a autenticidade.
No exposto, podemos falar que as práticas que constituem as disposições dos
entrevistados da música sertaneja são aquelas estruturadas pela indústria cultural, nos
moldes da padronização, massificação e danificação das faculdades cognitivas, como
queria Adorno? E o rock, estaria situado no pólo oposto, produzindo e reproduzindo
práticas engajadas e críticas? Diante de antinomias fundamentais – da autenticidade e
inautenticidade – é que nos posicionamos perante o problema teórico.
Os entrevistados do estilo rock, é verdade, demonstraram até aqui, por suas
disposições incorporadas na existência, atitudes “relativamente” mais críticas, enquanto
os entrevistados da música sertaneja, ações mais comprometidas com o conformismo.
Mas daí atribuir uma camisa de força nos termos de “pensamento crítico” de um lado, e
de “alienação” de outro, seria arriscado, dadas as infinitas contingências que os diversos
campos que compõem a ação podem proporcionar.
Sem dúvida, por suas disposições mais cristalizadas enquanto arte musical, os
entrevistados do rock apresentam-se de maneira mais autêntica nas interações
simbólicas que seus comportamentos representam. As disposições dos entrevistados;
sentimentos e capitais, motivam-se pela linguagem relativamente autônoma, capaz de
estruturar posições marcadas por uma dose de crítica e de consciência. Seu campo é
“relativamente” autônomo, seja pela história constituída pelo “protesto”, pela
“revolução” ou, ainda, pela “crítica”, como os entrevistados afirmaram. Propagam
disposições autênticas.
A própria presença da linguagem literária como forma libertadora da ação ajuda
a compor um mundo danificado pela massificação dos produtos culturais, mas nem por
91
isso devendo abandoná-lo. Viva o presente autêntico, pois, voltar ao passado seria
reavivar o sempre-igual, o já consumido, o inautêntico, pensariam eles. Estar dispostos
a refletirem os traumas e as alegrias, os dilemas e as possibilidades, sempre a partir
daquilo que as redes do capital cultural acumulado permitem, não esquecendo que a
diversão pode ser apreendida, sem negar sua história marcada por práticas corporais
singulares como, por exemplo, o uso de calças rasgadas, bandanas, brincos, braceletes e
botas como estiveram nas entrevistas. O seguinte relato corrobora: 83
Se um cara [uma banda de rock] que eu admiro virar e ter uma opinião
diferente da minha eu não vou mudar de opinião por causa disso. Mas é
provável que as pessoas que eu admire tenham opiniões parecidas com as
minhas (...) opiniões que iriam ao encontro das minhas. (...) Eu não pagaria
nada para ter o pedaço da guitarra quebrada do Kurt Cobain. 84
Entretanto, as disposições que estruturam o comportamento dos entrevistados da
canção sertaneja adquirem uma extensão diferente. O capital acumulado refratário das
relações de poder simbólico reforça uma interação marcada por uma dependência
aparente dos campos subjacentes. Seu campo, como vimos, é “aparentemente”
autônomo. Em outras palavras, estão mais inclinados que o público de rock, a
reproduzirem através da práxis, ações modeladas pelo conformismo incentivados pelos
propósitos “aparentes” da indústria cultural. As disposições que estruturam as ações dos
agentes da música sertaneja “(...) vazam por todos os lados, nada é mais sagrado, nada
mais é selvagem, nada mais é autêntico, original ou primitivo” (2004, p. 270).
Destarte, as disposições referentes às práticas sociais dos entrevistados da
música sertaneja construídas pela indústria cultural recebem o significado de
inautenticidade. Mas por quê? Habermas (1980) explica: “(...) um relacionamento,
instituição ou sociedade, é inautêntico, se fornecer aparência de resposta enquanto for
alienante a condição subjacente” (1980, p. 162).
As relações de poder que estruturam as disposições dos entrevistados que
preferem a música sertaneja sempre estiveram marcadas pela carga excessiva do
sentimentalismo, da emoção, e por que não, da alegria. Estavam distantes de uma
mensagem engajada e politizada, que resultariam em interações de consumo com
finalidades práticas e triviais. Um mundo simbólico percebido através das lentes
distorcidas da indústria cultural que revelariam disposições, como: “Têm muitas novelas
83
84
Entrevista nº 49, Apêndice II.
Ex-vocalista da banda de rock Nirvana.
92
que mostram a realidade da vida das pessoas brasileiras, mostrando várias coisas. Têm
fatores negativos também, porque passam cenas que crianças não podem assistir”. 85
A discussão adquire sempre um significado “aparentemente autêntico”, pois se
reconhecem como agentes que em nenhuma hipótese, seriam guiados, moldados ou
influenciados por algum tipo de poder simbólico. Percorrem horizontes constituídos
pelas atividades inerentes às suas vontades legítimas, longe das pressões sociais,
econômicas e simbólicas da indústria cultural. Contudo, estes agentes de ações
supostamente racionalizadas e emancipadas são sempre os mesmos que repetem
insistentemente as frases: “O que eu teria para falar é a mesma coisa que todos
falaram”; Eu concordo com os três [entrevistados] em tudo!”; “O meu critério é o
mesmo que ele falou”; “Eu também concordo com você”; “Minhas palavras são mais ou
menos igual a dele”; “Eu também acho a mesma coisa”; “Uai, todo mundo está falando
a mesma coisa”. 86
E de forma decisiva afirma o entrevistado da música sertaneja: 87
A música para mim [representa] a mesma coisa que ele falou. Do que estava
falando mesmo? (...) Tudo o que eles falaram. Eu não sou persuasivo não. Eu
assumo. Eu tenho o meu “mundinho” fechado para mim mesmo, mas sempre
abro para meus amigos em um debate, igual a gente está aqui, por estar falando
o que eu sinto, o que eu faço.
A autenticidade se desfaz com a narração de suas próprias experiências, e pelo
uso irremediável de respostas que sempre corroboravam com a última opinião dos
entrevistados do rock. Afinal, para Bourdieu (2001):
(...) os dominados são sempre muito mais resignados do que imagina a mística
populista ou até do que poderia fazer pensar a simples observação de suas
condições de existência. Estando habituados às exigências do mundo que os
formou, eles aceitam como algo evidente a maior parte de sua existência
(Bourdieu, 2001, p. 283).
O inverso, não aconteceu. Quando não reproduziam as linguagens que
constituíam as disposições dos entrevistados do rock, se retiravam do debate devido às
críticas recebidas, como aconteceu por duas oportunidades, ou diziam por vezes: “Eu
85
Entrevista nº 30, Apêndice II.
Entrevistas nº 60, 61, 62, 63, 64 e 65, Apêndice II.
87
Entrevista nº 66, Apêndice II.
86
93
não tenho nada para falar”.
88
Habermas destacaria, “(...) se sujeita a forças que nem
compreende e nem guia” (1980, p. 161).
A música “ninguém = ninguém” dos “Engenheiros do Hawaí” parece constituir a
imagem simbólica das disposições que são integrantes aos universos tanto da música
sertaneja como ao estilo rock. Diz a música:
Há tantos quadros na parede
Há tantas formas de se ver o mesmo quadro
Há tanta gente pelas ruas
Há tantas ruas e nenhuma é igual a outra
(Ninguém = ninguém)
Me espanta que tanta gente sinta
(Se é que sente) a mesma indiferença
Há tantos quadros na parede
Há tantas formas de se ver o mesmo quadro
Há palavras que nunca são ditas
Há muitas vozes repetindo a mesma frase:
(Ninguém = ninguém)
Me espanta que tanta gente minta
(Descaradamente) a mesma mentira
Todos iguais, todos iguais
Mais uns mais iguais que os outros
Se parafrasearmos a canção citada na passagem que diz, “todos iguais, uns mais
iguais que os outros”, perceberíamos a constituição de um habitus próprio, particular e
singular inerente ao universo simbólico que faz parte das relações objetivas e das
disposições corporais, logo o comportamento, tanto dos entrevistados da música
sertaneja, quanto ao do rock?
O paralelo que fazemos reside na faculdade eletiva entre música sertaneja e
inautenticidade de um lado, e de outro, no rock e na autenticidade. Através das
disposições de cada colaborador da pesquisa são delineados horizontes próprios das
condições sociais de possibilidade do “sujeito” e de sua atividade dotada de tendências
imanentes do campo, e claro, das condutas engendradas por todos esses habitus que
tipificam a relação de poder. Isto é, formas de perceber o mundo, o mesmo mundo
simbólico, a partir de capitais distintos, mas não menos relacionais; a autenticidade e a
inautenticidade – o rock e o sertanejo.
É, sobretudo, uma maneira “exagerada”, mas não menos legítima, de creditar
aos entrevistados do rock o slogan da Rádio Interativa – a maior no seguimento jovem
88
Entrevistas nº 67 e 68, Apêndice II.
94
de Goiânia – “A rádio do jovem que pensa”.
89
Isto é, são “todos iguais” mas, tão
desiguais. Estruturam disposições autênticas. Porque a plena posse do habitus autêntico
é condição a “superação” da indústria cultural. E aos entrevistados da música sertaneja o
slogan da Rádio Terra – líder da audiência sertaneja na capital – “Alegria todo dia”. 90
São “todos iguais, mas uns mais iguais que os outros”, haja vista, afirmam práticas
simbólicas inautênticas. Porque a plena posse do habitus inautêntico é condição à
exposição a indústria cultural. Esses slogans expressam de uma maneira geral, posto
que, estereotipam as interações simbólicas que perfazem as práticas daqueles que
consomem através de uma visão engajada, crítica e autêntica, por um lado, e, de outro,
emocional, divertida e inautêntica; o rock e o sertanejo.
91
Ora, estruturam
esquematicamente seus habitus, fundado no mapeamento e no reconhecimento dos
estímulos condicionantes como, por exemplo, a família e a indústria cultural, que os
agentes estão propensos a agir e reagir, sendo nos limites coercitivos da estrutura
simbólica o produto que os definem.
Podemos acrescentar que o gosto musical não é proveniente de uma experiência
inata, mas uma construção simbólica. O gosto musical não é uma mera coincidência; é
estruturado socialmente pelos capitais acumulados via – indústria cultural; pelos
relacionamentos afetivos, pela prática da leitura, pelo consumo orientado de filmes, pelo
imaginário político, e ainda, pela instituição familiar, base, como vimos, de disposições
autênticas. Assim, não esquece Bourdieu (2003) que:
(...) a história do gosto individual ou coletiva, basta para desmentir a convicção
de que determinados objetos tão complexos quanto as obras de cultura erudita,
produzidas segundo leis de construção que foram elaboradas no decorrer de
uma história relativamente autônoma, sejam capazes de suscitar, por sua
virtude própria, preferências naturais. Somente uma autoridade pedagógica
consegue quebrar o círculo da “necessidade cultural” segundo a qual uma
disposição duradoura e assídua à prática cultural não pode se constituir senão
por uma prática assídua e prolongada (Bourdieu, 2003, p. 164).
Todavia, o habitus está longe de nos prender em uma camisa de força simbólica.
O habitus não é uma estrada, uma possibilidade, um único caminho e, tampouco,
poderia ser percebido enquanto futuro previsível, porque afinal, nem todo mundo recebe
89
Fundada em 1º de fevereiro de 1999 a Interativa se destacou desde o início pela sua proposta inovadora.
Uma rádio onde os ouvintes participavam ativamente de seus debates e promoções. Com menos de seis
meses já realizava grandes projetos e se colocava como líder de audiência no segmento jovem. Tem a
programação voltada ao público pop/rock.
90
A Rádio Terra, como o próprio nome sugere, é destaque na capital como líder de audiência da música
sertaneja. A programação é voltada para um público mais heterogêneo.
91
Ver pesquisa Serpes sobre audiência das rádios de Goiânia no anexo.
95
do mesmo modo as mesmas mensagens. Em outras palavras, os habitus cristalizados na
pesquisa devem ser entendidos como sub-campos dos estilos musicais levados a efeito.
O habitus autêntico, por exemplo, trata somente de uma condição suficiente e necessária
de acumulação de capital cultural referente a uma porção média captada nos
entrevistados do estilo rock. A autenticidade é o seu sub-campo, que ajuda a constituir a
totalidade do campo. Já a inautenticidade, diz respeito ao sub-campo do estilo musical
sertanejo, também revestido por disposições plurais. A inautenticidade é só uma das
muitas refrações simbólicas do campo sertanejo. Bourdieu (2001) comprova:
Decerto o habitus não é um destino, embora a ação simbólica não possa, por si
só, e fora de qualquer transformação das condições de produção e de reforço
das disposições, extirpar as crenças corporais, paixões e pulsões que
permanecem completamente indiferentes às injunções ou às condenações do
universalismo humanista, também enraizado, aliás, em disposições e crenças
(Bourdieu, 2001, p. 219).
Podemos acreditar na possibilidade de encontrarmos diferentes níveis de
disposições nos diferentes habitus identificados na pesquisa, que assinalariam, possíveis
descompassos ao funcionamento da indústria cultural. Atribuir ao rock o habitus
autêntico, e ao sertanejo o inautêntico, não é esquecer a existência de patamares de
disposições que se afastam das categorias propostas. Muito pelo contrário, é confiar no
poder, isto é, no capital social, como forma de energia simbólica, objetivamente
oferecida a cada jogador a realizar seus desejos em potência. Como ficou evidente nos
comentários, respectivamente, de um entrevistado sertanejo e outro do rock que se
distanciavam das próprias posições de seus grupos. Dizem eles: 92
O que eu não gosto na música são as paródias, as ilações (...) uma coisa que
não vai te levar a refletir sobre um sentimento, sobre alguma coisa. É como se
não houvesse uma identificação, você começa a ver [aquela música] só para o
divertimento, uma coisa engraçada, só no momento, não para você se expressar
mais. [E o entrevistado do rock desmistifica]: Não adianta nada você levantar a
voz e fazer um tom revolucionário. Levantar bandeira e dar tiros para o alto,
essas coisas, sabe?
Aqui, as histórias dos habitus se encontram, mesmo que durante todo o trabalho,
tenhamos exercitado o monopólio da distinção constante. Os habitus identificados então
– autêntico e inautêntico – significam, “(...) o “poder-ser” que tende a produzir práticas
objetivamente ajustadas às possibilidades, sobretudo ao orientar a percepção e a
92
Entrevistas nº 3 e 9, Apêndice II.
96
apreciação das possibilidades inscritas nas situações presentes” (2001, p. 266), pois
praticar a reflexividade é conferir ao sujeito conhecedor arbitral das relações de poder,
seus interesses, pulsões e pressupostos, com os quais necessita transgredir para
constituir seu futuro. O futuro será tanto maior, quanto maior for o seu capital e menos
estará suscetível as pressões simbólicas.
O quadro proposto abaixo ilustra o campo percorrido de forma esquemática.
Mostra o que aproxima e o que afasta os dois estilos musicais.
SERTANEJO
ROCK
Centrada em traços afetivos,
Base de um processo de revolução;
sentimentais; na alegria
música e protesto
O que a música
Vida, alegria, emoção e
Extravasar suas emoções e
representa
Sentimento
“compreendimento”
Característica
Música estereotipada
Arte musical enquanto
dominante
pejorativamente
valor cultural estético
Lugar da indústria
“Não são influenciados”
Concordam que o “meio social”
Trajetória histórica
pode influenciar
cultural
“Imaginação” e “criatividade”
“Consiste em lavagem cerebral”
Argumento principal
A preferência musical é da
Creditam à família
sobre o gosto musical
ordem dos relacionamentos
Exposição à indústria
Aparentemente mais expostos
Relativamente expostos
Interesse na leitura
“Não acrescenta em nada”
“Gosto dos livros maiores”
Illusio do campo
Constituir um campo autônomo
Fixar posição em um campo já
Imagem dos anúncios
publicitários
cultural
autônomo
Relações de poder
Imaginário coletivo
Evitam a discussão ou concordam
Dispostos a discutir
com as posições dos entrevistados do
às questões suscitadas com viés
estilo rock
relativamente mais crítico
“O jovem que se diverte”
“O jovem que pensa”
através da música
Identidade
Identidade de resistência
Identidade legitimadora
Habitus
Inautêntico
Autêntico
O que há de novo?
O poder simbólico como transgressão
O poder simbólico como transgressão
Quadro 1.1
97
3.5. À porta ou aporte em Adorno:
Adorno (1985, 1998 e 1999) sempre foi refratário à cultura de massa, contida na
crítica imanente e porque não transcendente concentrada no conceito de indústria
cultural. Porém, sua aversão não estava voltada somente à idéia de cultura – vista como
mercadoria – mas também, na razão tecnológica por ser instrumental, na qual tudo era
reduzido a um equivalente abstrato da troca universal. A descrença no destino da
humanidade reificada pela indústria cultural desembocava, inevitavelmente, no traço
pessimista de sua obra. Mas existiria algum campo no pensamento de Adorno onde
resida a esperança? Com certeza a resposta estaria nas artes.
A música, toda ela, cantada na forma incansável da repetição desastrosa do
“sempre igual” carregava consigo o espírito danificado da humanidade. Nas ondas dos
rádios, tvs, shows, ou mais recentemente, na Internet, propagava-se a voz da angústia e
do desespero. Afinal, como diz Adorno, “(...) a consciência musical das massas se
define pela negação do prazer no próprio prazer” (1999, p. 169). E esse seria o traço da
própria sociedade, ora a música cantaria em versos seus dilemas e suas crises. Mas seria
pouco conveniente não notar que Adorno não tenha percebido, através do pensamento
dialético, uma forma de confrontar seu(s) próprio(s) postulado(s). Como afirmou:
A tarefa mais importante (...) da pesquisa social empírica seria investigar em
que medida afinal os homens são e pensam tal como são feitos pelos
mecanismos (da indústria cultural). Pesquisas do Instituto indicam (...) que
ocorre uma duplicidade peculiar, isto é, de um lado as pessoas são obedientes
aos mecanismos de personalização da indústria cultural (...) mas,
simultaneamente, quando se vai além da superfície (...) todos praticamente são
cientes de que (...) [em sua vida real] a princesa afinal não tem importância. Se
realmente as pessoas são cativadas, mas ao mesmo tempo não são cativadas, se
aqui ocorre uma consciência duplicada e contraditória em si mesma, então
neste ponto o esclarecimento poderia se ater ao fenômeno da personalização e
poderia ter êxito em esclarecer as pessoas que este fenômeno é apenas parte de
um contexto mais amplo [a formação socialmente determinada da sociedade
capitalista] (Adorno apud Maar, 2003, p. 476).
O fato é que a música podia e devia transcender ao sofrimento que a indústria
cultural desencadeava, negando-se a ficar presa em suas contradições. A transgressão
residiria nos padrões de consumo com um toque de imprevisibilidade e interpretação,
pois como diz Toynbee, “(...) o olho do espectador também o protege do excesso de
homogeneização cultural” (2004, p. 293).
98
Sem embargo, mesmo o consumo de música sertaneja ou de rock evidenciaria a
negação em parte, dos aspectos inerentes ao mar de padronização que os entrevistados
da pesquisa experimentam no interior do processo. A música é tida não somente
enquanto mercadoria simbólica de opressão, mas sim, uma forma de transcender, de
negar e de libertar-se do julgo da indústria cultural. Afastar-se e, ao mesmo tempo,
percorrer nos interstícios da indústria do divertimento, significa atribuir ao poder da
ação simbólica incorporada nas práticas corporais dos entrevistados, uma atitude difusa
e não menos transgressora de habitus infinitos. É acima de tudo, apontar que a música
nunca será só mercadoria, nem mesmo só cultura “legítima”, pois via as estruturas de
relações objetivas e as disposições incorporadas, como lembra Bourdieu:
A ação simbólica (...) [atesta] na prática ser possível transgredir os limites
impostos, em particular os mais inflexíveis, aqueles inscritos nos cérebros; tal
sucede na medida em que, por estarem atentos às oportunidades reais de
transformar a relação de força, eles sabem trabalhar para alçar as aspirações
adiante das oportunidades objetivas às quais elas tendem espontaneamente a se
ajustar, mas sem impeli-las para além do limiar em que elas se tornariam irreais
e aventurosas. A transgressão simbólicas de uma fronteira social tem por si só
um efeito libertador porque ela faz advir praticamente o impensável. Mas ela
própria somente se torna possível, e simbolicamente eficiente, em lugar de ser
simplesmente rejeitada como um escândalo que, como se diz, recai sobre seu
ator, quando são preenchidas certas condições objetivas (Bourdieu, 2001, p.
289).
Não importa quão poderosa possa ser a visão histórica da indústria cultural. Há
sempre uma possibilidade de transgressão, se tal termo significar como é presente em
Said (1992), a liberdade. A música torna-se parte da formação social, sem perder sua
capacidade de articulação com a “pluralidade infinita” de crítica e contemplação;
revolução e acomodação; liberdade e coerção; utopia e descrença, autenticidade e
inautenticidade. Na verdade, a música é conjugada à variedade integral das atividades
culturais humanas sem “horror desesperado”.
99
“A música se torna, portanto, uma modalidade generosa e não coercitiva, e,
por quê não, utópica, se por utópica queremos dizer
mundana, possível, alcançável, cognoscível”.
Edward Said, Elaborações Musicais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Os estudos que fazem parte do campo relacional da música que estão
concentrados nas áreas da sociologia, da história, da antropologia, das artes, e mesmo,
da teoria literária ou da comunicação, não são recentes nas discussões acadêmicas
brasileiras. Diversos são os trabalhos que de um modo ou de outro, procuram esmiuçar
a dinâmica que envolve a música popular brasileira desenvolvida nas mais diversas
regiões do país. Aparentemente, o que se mostra com maior nitidez são as múltiplas
abordagens do fenômeno musical que requer do pesquisador certa disposição no
translado dos campos interdependentes das disciplinas que estruturam o estudo da
música.
Como é notório, nunca o cenário musical brasileiro se mostrou tão heterogêneo e
divulgado pela mídia como neste momento. O surgimento e a multiplicação de estilos
nas diferentes partes do Brasil demonstra essa afirmação como, por exemplo, o funk no
Rio de Janeiro, o hip-hop em São Paulo, o sertanejo em todo território nacional, o
pagode e as inúmeras bandas de axé music provenientes da Bahia (Naves, Coelho, Bacal
e Medeiros, 2001). 93
Apesar disso, não se deixou perceber através do levantamento da bibliografia
consagrada sobre o assunto, estudos que evidenciassem a influência do gosto musical
sobre as particularidades individuais da constituição de disposições corporais. Os
trabalhos sempre giravam em torno do aparato técnico musical, na maioria das vezes,
mostrando mais a forma genérica, histórica, social, econômica e política de um estilo
musical, que propriamente, demonstrar a relação do efeito musical sobre as disposições
daqueles que a consumem. Exemplo disso são os estudos de Caldas (1987 e 1979),
Tinhorão (1981 e 1998) ou Chacon (1985) que discutem o sertanejo, a música popular
brasileira e o rock a partir do distanciamento do efeito do consumo sobre o
comportamento. Quase sempre se trabalha com hipóteses, como: “A música sertaneja
93
Publicado em ANPOCS bib – Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais 51,
São Paulo, 1o. semestre de 2001.
100
estaria voltada a um pensamento conformista, dada a sua constituição eminentemente
sentimentalista”? É de se notar também, pela revisão do material consagrado, os poucos
estudos relevantes que tratam de forma específica do rock no país que, quando ocorre,
parecem constituir mais um capítulo de uma discussão a, essencialmente, por a prova
esse estilo musical.
Nesse sentido, a contribuição do trabalho partiu não do delineamento estrutural
de uma época vista sob o prisma de um estilo musical, como em Favaretto (2000),
Ridenti (2000) ou Naves (2000), mas querendo primeiro: perceber quão poderosa seria a
influência da indústria cultural sobre os atores sociais; e em decorrência, se haveria
espaço para transgressão; terceiro, levantar as relações de poder que fazem parte do
campo da música e da indústria cultural, apreendendo a illusio e, finalmente, a partir das
preferências musicais aferir sobre as disposições que estruturariam as atividades
cotidianas dos agentes, logo, seus comportamentos. Ou seja, eleger nas linhas
estruturantes e estruturais do campo simbólico que perfazem as práticas iniciais de
consumo de música por jovens, a magnitude das relações conflitantes de poder que
revelam sobre seus comportamentos. Pôde-se captar que o consumo de música delimita,
porque estrutura, disposições que são particulares de cada universo musical.
Esse trabalho não teve por propósito a intenção de esgotar o tema principal e,
por isso, suscita novas formas de perceber as problemáticas explicitas e implícitas sob
um novo paradigma. Em outras palavras, o que o estudo suscitou para ainda ser
pesquisado?
Achamos que a melhor resposta resida em tudo aquilo que aparentemente fôra
negligenciado devido ao método e ao objetivo. Se nos concentramos em perceber a
influência da indústria cultural junto às disposições de jovens que consomem música
sertaneja e rock, poder-se-ia generalizar os resultados para outros estilos? Quais outros
estilos estariam mais próximos de estruturar disposições como as da música sertaneja?
A música clássica ou mesmo a música popular brasileira, MPB, propagariam práticas
semelhantes as do rock? Por quê pessoas do sexo feminino, na maioria das vezes,
consomem de forma menos resistente diversos estilos musicais? Por quê os homens
geralmente dizem ter apenas uma preferência musical? Haveria espaços nos quais a
indústria cultural não conseguiria alcançar? Uma resposta positiva para essa última
indagação resultaria em quais desdobramentos? Um mundo mais livre, seguro e feliz?
Outra alternativa seria estudar o lado humanista, sentimental, eloqüente e
emocional que a música pode oferecer. A música consumida nesses moldes aliviaria as
101
tensões do mundo moderno? São essas canções que podem conferir aos agentes maior
confiança no futuro e mesmo em suas experiências cotidianas? Ou não, ela conservaria
as tensões que a modernidade engendra na prática simbólica social?
Enfim, trata-se de formas possíveis de pesquisas que representam um campo
fértil, promissor e, acima de tudo, infinito de abordagens que proporcionam àqueles que
chegam ao “final”, maior clareza ao pensamento sociológico.
102
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109
ANEXO I:
OS LIVROS MAIS VENDIDOS
FICÇÃO:
1.
O caçador de Pipas. Khaled Hosseini
2.
Memória de Minhas Putas Tristes. Gabriel García Márquez
3.
Quando Nietzsche Chorou. Irvin D. Yalom
4.
O Diabo Veste Prada. Lauren Weisberger
5.
O Último Templário. Raymond Khoury
6.
Labirinto. Kate Mosse
7.
Mentiras no Divã. Irvin D. Yalom
8.
Fortaleza Digital. Dan Brown
9.
Anjos e Demônios. Dan Brown
10. O Código Da Vinci. Dan Brown
NÃO-FICÇÃO:
1.
O Livreiro de Cabul. Asne Seierstad
2.
Pornopolítica. Arnaldo Jabor
3.
Marley & Eu. John Grogan
4.
Plano de Ataque. Ivan Sant’anna
5.
Viagens com o Presidente. Eduardo Scolese e Leonencio Nossa.
6.
1000 Lugares para Conhecer Antes de Morrer. Patrícia Schultz
7.
O Relatório da CIA. Vários autores
8.
O Doce Veneno do Escorpião. Bruna Surfistinha
9.
O Mundo É Plano. Thomas Friedman
10. Não Somos Racistas. Ali Kamel
AUTO-AJUDA E ESOTERISMO:
1.
O Monge e o Exército. James Hunter
2.
Construindo uma Vida. Roberto Justus e Sérgio Augusto de Andrade
3.
Casais Inteligentes Enriquecem Juntos. Gustavo Cerbasi
4.
O que Toda Mulher Inteligente Deve Saber. Steven Carter e Julia Sokol
5.
Você está louco! Ricardo Semler
6.
Como se Tornar um Líder Servidor. James Hunter
7.
Jesus, o Maior Psicólogo que Já Existiu. Mark Baker
8.
Tudo ou Nada. Roberto Shinyashiki
9.
Nunca Desista de Seus Sonhos. Augusto Cury
10. Superdicas para Falar Bem em Conversas e Apresentações. Reinaldo Polito
Fonte: Disponível em www.veja.com.br, acesso em 15/08/2006
110
ANEXO II:
PESQUISA SERPES – AUDIÊNCIA DAS RÁDIOS DE GOIÂNIA
(Mês de julho de 2006)
Rádios
Geral
05/09
10/14
15/19
20/24
25/29
30/39
40/49
50+
99,5
2,34
0,84
12,40
19,28
17,10
13,46
21,13
12,06
3,83
97
0,28
1,32
25,00
32,63
14,47
12,37
9,47
2,63
2,11
Terra
2,21
0,96
3,46
8,83
9,23
14,27
24,88
23,60
14,77
Executiva
0,16
0,00
0,45
1,36
12,73
6,82
25,45
34,55
18,64
RBC
0,17
0,00
1,30
1,30
5,65
16,52
21,30
34,35
19,57
Interativa
0,53
0,00
9,48
37,23
19,51
14,29
10,85
7,01
1,65
Sucesso
0,36
0,20
3,67
22,20
26,68
20,77
11,61
12,02
2,85
Companhia
0,07
0,00
0,00
9,38
29,17
10,42
19,79
12,50
18,75
Antena 1
0,16
0,00
0,89
1,34
7,14
11,16
37,50
38,39
3,57
Fonte da
0,31
0,47
7,33
18,91
14,89
16,55
27,42
11,11
3,31
Jovem Pan
0,43
1,18
21,49
42,64
12,86
12,01
6,43
3,21
0,17
Mil FM
0,20
0,00
2,95
7,75
2,95
16,61
23,25
24,35
22,14
Desligados
90,89
1,59
11,27
13,57
13,52
11,60
19,17
16,14
13,14
Vida
Fonte: Serpes, disponível em www.serpes.com.br, acesso em 12/08/2006.
Universo: 1.103.892 habitantes.
111
APÊNDICE I:
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS:
1.
Quais são suas preferências musicais?
2.
Em que momento(s) vocês ouvem música?
3.
Qual meio mais utilizado?
4.
Ela exerce alguma importância em suas vidas? O que ele representa? Como, por exemplo, na forma
de pensar, sentir ou mesmo agir? (Exemplifique)
5.
Existiria algum estilo de música que vocês não gostam? Discuta porque?
6.
Qual o critério para que vocês atribuam a um determinado estilo musical as características de bom ou
ruim?
7.
Se houvesse a necessidade de precisarmos em uma única palavra qual o significado que a música tem
para vocês, qual palavra melhor expressaria esse significado?
8.
Uma melodia que acompanhando um anúncio de TV compele de forma absoluta ao telespectador a
comprar tal mercadoria? Vocês já agiram assim?
9.
Os músicos (artistas) afetam os que lhes ouvem a música? Se sim, de que forma?
10. Sabendo que a música é um meio de comunicação e multiplicação de estados de consciência, tem ela
algum efeito sobre o espírito ou mesmo sobre o caráter do homem?
11. Existiria alguma música que marcou um determinado momento de suas vidas? Se sim, qual estilo de
música e por qual meio de comunicação foi ouvida?
12. Como vocês se sentem diante do atual estágio de produção musical em nosso país?
13. Que características vocês apontariam acerca da atual produção musical?
14. O que vocês procuram na música?
15. Se em uma representação hipotética imaginássemos os estilos musicais sendo categorias de filme
(drama, suspense, terror, comédia...) como vocês enquadrariam a atual produção musical brasileira?
16. Da mesma forma, como seria se nessa representação hipotética substituíssemos a atual produção dos
programas veiculados nos meios de comunicações por categorias de filmes, como vocês definiriam
(drama, suspense, terror, comédia)?
17. Da atual programação televisiva que aspectos vocês elegeriam como positivo ou negativo?
18. Caso respondam, procurar perceber se houve em algum momento da história de vida deles aquilo que
poderíamos designar “uma bela época” na programação televisiva? Se for positiva tal indagação,
perguntar então, se gostariam que voltássemos ao que era antes? Por quê?
19. O que vocês procuram no cinema? Qual gênero mais assistido?
20. Digam o nome de algum artista da música sertaneja?
21. Digam o nome de algum artista do rock?
22. Como vocês definiriam o estilo musical rock?
23. Como vocês definiriam o estilo musical sertanejo?
24. Vocês acreditam que a arte musical deve estar relacionada a algum tipo de movimento político-social
que contribua para as questões vitais da sociedade?
112
25. Dos artistas brasileiros ou estrangeiros, quais estão relacionados a algum movimento político-social
que visa assegurar ou propiciar uma visão mais ampla acerca das questões vitais que devem ser
debatidas pela sociedade?
26. Vocês acham importante tal atitude? Ou não, o artista deve se preocupar mesmo é com sua carreira –
com seu sucesso?
27. Vocês se consideram fãs/tiétes de algum artista musical? Sertanejo ou do rock? (Daqueles que vocês
disseram ter preferência)
28. Vocês adquirem produtos (revistas, cd’s, dvd’s, roupas, shows...) daqueles artistas que vocês têm
preferências? Até quando estariam dispostos a gastar?
29. Apresentar a lista de cd’s/dvd’s mais vendidos. (Já ouviram/compraram?).
30. Se esse artista proclamasse suas preferências políticas/sexuais/no consumo/nas práticas religiosas;
isso influenciaria vocês de alguma maneira?
31. Estamos atravessando o período eleitoral, o que prepondera na hora de decidir o seu voto? O voto já
está definido?
32. Da mesma forma, o que significa este momento para vocês? Que fatores positivos, ou mesmo,
negativos, elegeriam no processo eleitoral?
33. Quanto ao hábito de leitura, gostaria de saber se vocês se dedicam a leitura? Se sim, qual a
freqüência? Se não, porque estariam distantes da leitura?
34. Se sim, que tipo de leitura vocês têm preferência? E o que procuram nesse tipo de literatura?
35. Que aspectos vocês elegeriam como positivo no hábito de leitura? Qual avaliação faria da atual
produção editorial?
36. Apresentar a lista de livros mais vendidos. (Já leram/compraram?).
37. Qual a melhor palavra para definir a publicidade?
38. Apresentar a lista dos filmes mais vistos. (Já viram? Onde?).
39. Apresentar as músicas. Qual a primeira associação que fazem?
113
APÊNDICE II:
ENTREVISTAS COM UM GRUPO DE JOVENS
Entrevista
Nome
Resumo
1
Tiago
De ninguém, de ninguém. Ninguém consegue me influenciar sobre o meu
gosto de música; entre gosto de nada, saca? Se eu gosto, eu gosto. Eu gosto
dessas músicas que têm porque eu ouvi nas festas e aí pronto; aí eu gostei.
Acho que foi a cultura mesmo que eu fui vivenciando e tal.
2
Tiago
3
Tiago
4
Pedro
5
6
7
Pedro
* Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter
sofreram influência de quem/ou do que (família, religião, amigos,
televisão)”?
Até os seis anos de idade sim. Influencia muito! Mas depois ele vai criando
um senso-crítico. Hoje, assim... Você lembra, quando você vê o produto na
estante do supermercado você lembra, um pouco. Mas não de ficar viciado
assim e tal... E falar, nossa! É interessante para poder atrair, pra chamar mais
atenção na propaganda, pra ficar melhor a propaganda também. Mas assim...
Hoje não influencia tanto igual influenciava até os três anos
* Questão: “Uma melodia que acompanhando um anúncio de TV, compele de
forma absoluta ao telespectador a comprar tal mercadoria? Vocês já agiram
assim”?
O que eu não gosto na música são as paródias e as ilações... Que as pessoas
pegam uma música de verdade que existe e tal... Um estilo de música começa
parodiar isso, começa a formar algo que não existe. Uma paródia mesmo,
uma ilação, uma coisa que não vai te levar a refletir sobre um sentimento,
sobre alguma coisa, saca? Então é como se não houvesse uma identificação,
você começa a ver que aquilo ali é só para um divertimento uma coisa
engraçada, só no momento, não para você se expressar mais.
* Questão: “Existe algum estilo que vocês não gostam e porque não gostam”?
A música pra mim é como um estilo de vida, entendeu? Eu adoto todos.
Geralmente as letras são aquilo que eu faço, aquilo que eu acredito, aquilo
que acontece. Então, você tira da música uma inspiração pra fazer minhas
ações, medir as minhas palavras e até o jeito que eu me visto, entendeu? Os
lugares que eu freqüento e as minhas amizades. Pra mim a música tem uma
influência muito grande na minha vida.
* Questão: “A música exerce alguma importância na vida de vocês? O que ela
representa”?
Essa palavra pra mim seria filosofia. Um meio de vida; aquilo que você
acredita e aquilo que você segue.
Pedro
* Questão: “Se houvesse a necessidade de precisarmos em uma única palavra
qual o significado que a música tem para vocês qual palavra melhor
expressaria esse significado”?
Eu não conheço. Eu desconheço o sertanejo. Quando eu escuto essa música
não vem nada na minha cabeça, eu não associo com nada, não sei quem canta
e não tenho nada para falar dessa música. Não saberia um nome sertanejo
para afirmar; não conheço o suficiente.
Pedro
* Questão: “Gostaria que vocês dissessem o nome de um artista da música
sertaneja”.
Eu procuro, geralmente, sair do stress. Eu desligo do mundo quando eu
começo a ouvir as minhas músicas preferidas. Eu procuro nelas uma letra
mais agressiva, alguma coisa que expresse aquilo que nós não conseguimos
expressar no dia-a-dia; do jeito que a gente sempre quis ou então, um mundo
114
que a gente sempre quis ver, só que não vai ver tão cedo, porque a gente sabe
como são as coisas, né? E também aquilo que a mídia não mostra, realmente
as músicas... Músicas mesmo... que são feitas para o público e não pelo
dinheiro. Música que você ouve e fala: “Nossa! Como que um cara desse não
tem reconhecimento”. Isso que eu busco nas músicas; compreendimento e
expressar meus sentimentos, mesmo que sejam os mais brutos.
8
Pedro
* Questão: “O que vocês procuram na música? Vocês procuram alguma
coisa”?
Eu também acredito que se você canta uma coisa você deveria fazer, né? Não
somente cantar, por que aí seria uma outra moda; se fizer somente isso. Mas
principalmente porque eles têm poder aquisitivo, poder social e político pra
fazer isso, né? Amanhã, nesse sábado, por exemplo, vai ter um show de uma
comunidade de metal – isolada do mundo – mas parte do ingresso é 1kg de
alimentos, entendeu? A própria comunidade ajudando alguém ou uma
entidade toda. Então eu acho isso bem louvável.
Pedro
* Questão: “Dos artistas brasileiros ou estrangeiros, quais estão relacionados
a algum movimento político-social que visa assegurar ou propiciar uma visão
mais ampla acerca das questões vitais que devem ser debatidas pela
sociedade? Vocês acham importante tal atitude? Ou não, o artista deve se
preocupar mesmo é com a sua carreira – com seu sucesso”?
Eu avalio muito a serenidade como falam. De primeira não adianta nada você
levantar a voz e fazer um tom revolucionário. Levantar bandeira e dar tiros
para o alto, essas coisas, sabe? Porque se você fala sereno dá pra discutir mais
as idéias, as suas expressões faciais demonstram calma e certeza que você
está falando, sabe? Pode até influenciar alguém a votar nele. Quem gosta de
analisar, realmente eu acho que precisa de análise completa das propostas, o
meio que fala, o meio que ele é, o partido, e como ele age.
10
Juliano
* Questão: “Estamos atravessando o período eleitoral, o que prepondera na
hora de decidir o seu voto? O que significa esse momento e que fatores
positivos ou negativos elegeriam no nesse processo”?
Eu posso dizer que a minha vida é baseada em música. Eu acho que tudo que
acontece na minha vida está relacionado a alguma coisa com música. Os
meus filmes preferidos são filmes relacionados com música como: “Alta
fidelidade” e “Escola de rock”.
11
Juliano
* Questão: “Em que momento vocês ouvem música”?
Acho que a maioria das minhas conversas são muito influenciadas pela
música; todas as minhas piadas, os meus pensamentos são tudo influenciados
por letras de músicas (risos).
12
Juliano
9
13
Juliano
* Questão: “A música exerce alguma importância na vida de vocês”?
Eu estava muito desesperado com a música brasileira. Eu achei que já estava
no fundo do poço. Aí, eu comecei a descobrir algumas bandas, tipo: “Móveis
coloniais à caju” de Brasília ou “Parafusa”. Aí, eu percebi que não tinha só
esse meio da mídia assim (...) que era o que eu me baseava quando estava
desesperado; achando quando estava no fundo do poço. Eu descobrir uma
coisa em baixo, que é muito melhor que a mídia está mostrando. Os selos
alternativos (...) para eles poderem lançar seus cds, como: A Mostro, a Foster
que lançou agora. Isso você vê que são músicas verdadeiras porque eles
sabem que não vão ganhar dinheiro pelo menos nos próximos cinco anos.
Eles estão fazendo a música pela música. E não a música pela fama.
Atualmente eu estou bem tranqüilo ao cenário musical do futuro brasileiro.
* Questão: “Como vocês se sentem diante do atual estágio de produção
musical em nosso país”?
Eu assisto muito filme que fica na parte “cult” da locadora (tom irônico), que
são filmes não comerciais, como a música que escuto. Eles fazem o filme
115
pelo filme. Eles não fazem o filme pelo dinheiro e acabam mostrando uma
mensagem que acaba sendo o que o cara está sentindo por dentro. Eu ando
vendo muito filme cult.
14
Juliano
15
Juliano
16
17
Juliano
Juliano
18
Juliano
19
Juliano
20
Juliano
* Questão: “Qual estilo de filme vocês mais assistem e o que procuram no
cinema”?
Consiste em lavagem cerebral de diferentes formas. Mas essa é a idéia. Você
vai comprar um produto, você tem que gostar do produto. Não digo lavagem
cerebral de uma forma ruim, negativa. Mas a idéia de fazer o meu cliente
gostar do meu produto; eu preciso de alguma forma disso.
* Questão: “Qual a melhor palavra para definir a publicidade”?
Eu não fui influenciado pelos meus pais. Eu acho que eu fui mais
influenciado pela Internet, quando comecei a puxar música. Eu diria que
meus amigos me apresentaram mais músicas, mas foram amigos que eu
consegui através da música. Alguém me mostrou o rock. Não! Eu acho que o
rock me mostrou alguém. (...) Eu acho que a tv influenciou justamente o
contrário. A tv mostrou aquilo que a gente não devia ouvir.
* Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter
sofreram influência de quem/ou do que (família, religião, amigos,
televisão)”?
Eu diria que não, porque eu acho que independente da época em que estamos
vivendo o passado vai ser sempre melhor. É aquela nostalgia de quem não
viveu, entende? Eu acho que o rock dos anos 70 foi melhor justamente porque
estamos nos anos 2000. Chico Buarque escreveu diversas músicas que são
maravilhosas na época da ditadura. Então eu quero que volte. Não! De jeito
nenhum!
* Questão: “Parece que as respostas até aqui, giraram em torno de questões
mais traumáticas; como se no passado as produções musicais eram boas e,
agora são ruins. Parece que existe uma certa nostalgia. Então, perguntaria:
vocês gostariam que voltássemos ao que era antes, gostariam que voltássemos
ao passado”?
E como eu já disse, o meu critério... Letras vazias, ritmos manjados, tipo um
funk (ele repete um ritmo de funk), então é aquela coisa de sempre; é sempre
tudo igual, nada muda e acaba não falando nada.
* Questão: “Que critérios vocês atribuem a um determinado estilo musical as
características de bom ou ruim”?
A minha preferência musical é rock independente; aquele que foge das
mídias... Que não se vende as coisas capitalistas do mundo.
* Questão: “Quais seriam as preferências musicais de vocês”?
Essa música é da Rita Lee “Alô, alô marciano”; não sei quem está cantando,
mas a música é da Rita Lee. Ela fala mais da bagunça que estava na época
que ela escreveu. Época da ditadura, quando ela estourou como “Mutantes”.
E estava uma bagunça e provavelmente reflete a bagunça que o país está
passando. Eu associei a minha mãe. Eu acho que foi o primeiro cd de rock
que eu ouvi foi dos Mutantes que minha tia tinha e minha mãe ouvia muito.
* Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa
que pensam/associam e de quem é a música”?
Eu acho que a música deveria ser (...) essa massificação deveria ser usada
para ir contra o sistema, entende? Porque o capitalismo tem seus problemas, o
socialismo tem seus problemas e a música deveria mostrar para as pessoas
como resolver esses problemas, não necessariamente julgando um sistema ou
outro, qual seria o melhor, mas para resolver os problemas.
* Questão: “Vocês acreditam que a arte musical deve estar relacionada a
116
21
22
Lívia
Lívia
algum tipo de movimento político-social que contribua para as questões vitais
da sociedade”?
Eu acho que a música tem muita importância na minha vida. Eu procuro
letras bonitas, né? Sentimento que toca lá no fundo. Mas, sertanejo quando a
pessoas escuta lembra de namorado, dos relacionamentos passados; lembra de
momentos bons. Eu acho que é o sentimento, a lembrança, uma vida na forma
da canção.
* Questão: “O que vocês procuram na música? Vocês procuram algo na
música”?
Eu gosto de filme de suspense e de romance, né? Eu procuro no filme
romântico a realidade das pessoas, os sentimentos verdadeiros, amor
proibido. O que eu procuro é isso.
* Questão: “O que vocês procuram no cinema”?
23
24
25
26
27
28
29
Lívia
Lívia
Lívia
Lívia
Lívia
Lívia
Lívia
Eu não tenho nada contra, porque as pessoas gostam dos estilos que querem...
da maneira que se sentem bem. Eu me sinto bem em relação às outras
pessoas, entendeu? Então, cada um gosta do que quer e faz o que quer.
* Questão: “Como vocês se sentem diante do atual estágio de produção
musical em nosso país”?
Eu não gosto de rock, de Rap, de street dance, transe; porque eu acho que as
músicas não tem letra, fica só aquele “pancadão”, entendeu? E também por
não entendo nada. As letras são em inglês. Por isso que eu gosto de sertanejo
porque eu acho que as músicas têm letras e também são muito
sentimentalistas. Tocam lá no fundo.
* Questão: “Que critérios vocês atribuem a um determinado estilo musical as
características de bom ou ruim”?
Eu me dedico a leitura quando vejo algo que me interessa. Quando é uma
coisa sobre economia, por exemplo, eu já não me interesso; eu leio aquilo por
cima; aquele “resuminho”. Mas quando fala de novela, horóscopo, a vida de
algum artista aí eu já me interesso, entendeu”? A gente gosta de ler para dar
risada, para se divertir. Eu acho que a leitura não vai crescer em nada, você só
vai perder tempo.
* Questão: “Que aspectos vocês elegeriam como positivo quanto ao hábito da
leitura”?
Influência de gostar de música sertaneja? Porque (risos) uma vez eu estava
namorando um menino; aí ele mandou uma música do Rick e Renner pra mim
ouvi, entendeu? Então, eu não conhecia a dupla ainda; aí a partir daí eu passei
a comprar cd, comecei a ter coleção de pôster; e gostar de música sertaneja.
Foi a partir daí.
* Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter
sofreram influência de quem/ou do que (família, religião, amigos,
televisão)”?
A primeira coisa que veio a cabeça foi: “ah! Cobras e Lagartos”, (...) porque
era o tema da novela.
* Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa
que pensam/associam e de quem é a música”?
Eu não conheço a música, mas eu gostei da melodia e da letra dela. Parece
uma música de Igreja.
* Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa
que pensam/associam e de quem é a música”?
Eu olho bem para cara dos candidatos. Se ele olhar para câmera é porque está
falando a verdade; se olhar para baixo é porque eu sei que está falando
mentira. Então quando começa a inventar muita coisa é porque não vai ser um
117
bom candidato.
30
31
Lívia
Bento
* Questão: “Estamos atravessando o período eleitoral, o que prepondera na
hora de decidir o seu voto? O que significa esse momento e que fatores
positivos ou negativos elegeriam no nesse processo”?
Tem muitas novelas que mostram a realidade da vida das pessoas brasileiras,
mostram várias coisas. Tem fatores negativos também, porque passam cenas
que crianças não podem assistir.
* Questão: “Da atual programação televisiva brasileira que aspectos vocês
elegeriam como positivo ou negativo”?
Estou meio em dúvida em defini-la entre manipulação ou massificação. Se a
gente coloca sob o ponto de vista da manipulação temos que levar para outras
esferas também – são todas manipulativas. Todas trazem uma carga de uma
certa ideologia, tudo nos guia para alguma coisa, para fazer alguma coisa.
Então não dá para taxá-la pelo menos negativamente, como manipulação.
Agora massificação é com certeza. Tem que vender o produto e o produto ser
vendido bem.
32
Bento
* Questão: “Qual a melhor palavra para definir a publicidade”?
Sofrimento de corno.
33
Débora
* Questão: “Como vocês definiriam o estilo musical sertanejo”?
O amor; amor e saudade; amor e dor.
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Débora
* Questão: “Como vocês definiriam o estilo musical sertanejo”?
Emoção e sentimento forte.
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Débora
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Débora
Débora
Débora
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Alessandra
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Alessandra
* Questão: Como vocês definiriam o estilo rock”?
Eu não quero criticar... e nem colocar como se fosse geral, mas a maioria das
pessoas que curtem, por exemplo, rap; são pessoas que alguma vez na vida já
roubaram, já traficaram, já brigaram. De certa forma isso influência. Apesar
de serem pessoas da favela, pessoas sofridas. Eu não escuto rock (...) banda
como Ozzy Osborne está fora do meu mundo. Deus me livre!
* Questão: “Sabendo que a música é um meio de comunicação e
multiplicação de estados de consciência, tem ela algum efeito sobre o espírito
ou mesmo sobre o caráter do homem”?
A minha influência de gostar de sertanejo foi pela minha família mesmo,
porque toda a minha família ama sertanejo; escuta o dia inteiro.
* Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter
sofreram influência de quem/ ou do que (família, religião, amigos,
televisão)”?
Eu lembrei de Cobras e lagartos e mais da Leona.
* Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa
que pensam/associam e de quem é a música”?
Porque eu acho que o rock e o sertanejo é uma coisa independente. Não tem
essas coisas de política no meio. Música é sentimento.
* Questão: “Vocês acreditam que a arte musical deve estar relacionada a
algum tipo de movimento político-social que contribua para as questões vitais
da sociedade”?
Revolta, crítica; revolução.
* Questão: “Como vocês definiriam os estilo rock”?
Esse negócio de influencia o pessoal gosta muito de dizer que “eu não sou
influenciado; eu não tenho influencia de ninguém”.... Eu acho que isso é
mentira e 90% sabem. (neste ponto teve confusão entre Manuela e Victor;
118
risos); tudo bem, eu respeito a sua opinião que não é a minha. É impossível
você não se influenciar pelo meio, é impossível você não se influenciar pelos
seus amigos, pelas as pessoas que você anda, pelo seu Colégio. Tudo é
influencia, não tem como dizer que não.
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Alessandra
Alessandra
Alessandra
Alessandra
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Alessandra
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Alessandra
* Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter
sofreram influência de quem/ ou do que (família, religião, amigos,
televisão)”?
Eu não escutava Xuxa, não escutava Eliana. Minha mãe colocava Arca de
Noé, Saltimbancos. Até hoje quando ouço “Os saltimbancos” eu acho muito
bom; o grande circo mítico do Chico Buarque foi o que eu cresci escutando.
Existe música infantil muito boa. Eu acredito nisso.
* Questão: “Existiria alguma música que marcou um determinado momento
de suas vidas”?
Eu leio muito. Gosto muito de ler. Assim (...) de tudo. Acho que tem um
aspecto aqui no Colégio que é muito ruim que é os livros que eles passam pra
gente. Como a gente está estudando as Escolas literárias, eles acham que a
gente já deve começar daquilo. Só que acho o inverso. Você tem que começar
lendo Luciano Veríssimo que é uma coisa que você se identifica ou coisas
que tenham mais haver. E aí, depois você vai procurar esses outros tipos de
leitura, porque é uma coisa que você vai criando hábito. Leitura é muito de
hábito. Eu amo Machado de Assis; só que antes de ler Machado de Assis você
tem que ter lido outras coisas, que fossem mais fáceis e se acostumando com
aquele estilo. Não pode ser assim do nada e dar o Guarani para os meninos
lerem e achar que eles vão amar. Ilusão isso, sabe?
* Questão: “Quanto ao hábito de leitura, eu gostaria de saber se vocês se
dedicam a leitura”?
Com certeza aos meus pais e aos meus amigos. No caso de tudo; rock, MPB,
música clássica. Isso são dos meus pais. Do rock mais pesado e das coisas
mais atuais seria influência mais dos meus amigos.
* Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter
sofreram influência de quem/ ou do que (família, religião, amigos,
televisão)”?
Da minha infância eu lembro dos Beatles, porque meu pai ouvia muito, muito
mesmo. Eu ia dormir e meu pai me colocava para ninar “Looking in the sky
diamonds”, sabe? Ele ficava ouvindo enquanto eu dormia. Aí minha mãe
reclamava: como a criança vai dormir com uma música dessas? E meu pai
ignorava completamente a minha mãe (risos). É uma coisa que me marcou
muito. Eu não consigo ouvir Beatles sem lembrar da minha infância e amo
completamente Beatles.
* Questão: “Existiria alguma música que marcou um determinado momento
de suas vidas”?
Agora eu estou em uma fase que meu pai ele vai aumentando o nível de
dificuldade. Ele gosta de ficar passando os livros (...) agora eu estou em uma
fase Dostoievisk (risos) que são considerados muito chatos normalmente,
como o (Juliano) acabou de falar. Eu estou aprendendo a gostar muito. Eu
estou achando muito bom. Eu li agora Dr. Jivago e eu acho assim (...)
perfeito. Eu li duas vezes seguidas. Eu acabei de ler aí, deu aquela tristeza
assim... “pô”, cheguei no fim, não vou ter mais o livro. O livro virou quase
um companheiro. Eu gosto mesmo é de romances, dos maiores.
* Questão: “Que tipo de leitura vocês tem preferências”?
A minha associação também é pelos meus pais no caso a minha avó. Minha
avó adora Rita Lee. Eu acho até irônico porque ela é uma velhinha de cabelos
brancos que pula de pára-quedas, toda bonitinha e ouve Rita Lee. Não é muito
normal (risos). Sempre que ouço Rita Lee, qualquer música, eu lembro dela.
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Alessandra
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Rafaela
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Rafaela
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Rafaela
* Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa
que pensam/associam e de quem é a música”?
Meu pai sempre falava que na época da ditadura, matérias de primeira página
dos jornais eram censuradas e aí, em lugar delas vinham matérias tipo: sobre
jardinagem. Tinha uma foto imensa de uma rosa ensinando como cultivar
essas rosas. Todo mundo sabia (...) que no lugar daquela matéria deveria estar
uma matéria muito importante que estava acontecendo naquele momento que
tinha sido censurado e o povo não estava tendo acesso. Por isso que o nome
da música é “Para não dizer que falei das flores”, fazendo alusão a censura.
Volta e meia tinha uma foto imensa de uma flor. Matérias tipo: o que fazer
com seu adubo? E o pessoal não estava nem um pouco interessado.
* Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa
que pensam/associam e de quem é a música”?
Eu acho engraçado que o pessoal esquece. Que tem “mensalão”. Eu acho que
a eleição, de certa forma, é bom pra gente lembrar das coisas que acontece.
De repente voltou e está todo mundo falando das coisas erradas que
aconteceram no governo. Vai e volta. É aquele patriotismo na época de Copa.
Tem as críticas na época de eleição. Na época de eleição é assim: nossa!
Brasil, gente (...) não anda pra frente, os políticos são todos corruptos, não
sei o que, não sei o que. Mas só falam isso na época de eleição. Porque você
não criticar em outros momentos, porque que deixou passar tantas coisas,
saca? E se dissolveram junto com as outras e não aconteceu nada. Então, acho
assim... é bom pra lembrar as pessoas a pensar. Analisar o candidato, ver as
propostas, ver até que ponto as propostas são realizáveis, porque não adianta
nada eu chegar lá e dizer: olha, se vocês me elegerem presidente eu vou fazer
o Brasil ficar mais rico que os EUA. Boa sorte, então. Não sei como você vai
fazer isso, meu bem? Tem muita gente que propõe coisas que eu acho que são
totalmente absurdas, que eles não vão realizar. Irrealizáveis, completamente.
* Questão: “Estamos atravessando o período eleitoral, o que prepondera na
hora de decidir o seu voto”?
Bom, eu acho que tem muitas pessoas que eu admiro na música, são muitas.
Mas são só pessoas. Se um cara que eu admiro virar e ter uma opinião
diferente da minha eu não vou mudar de opinião. Mas é provável que as
pessoas que eu admiro tenham opiniões parecidas com as minhas (...)
opiniões que iriam ao encontro das minhas. Eu não pagaria nada para ter um
pedaço da guitarra quebrada do Kurt Cobain. Em que isso vai me ajudar?
Nem toca a guitarra toca, saca? Bom, de qualquer forma esse tipo de coisa
(...) ah! Isso é a toalha que usou em um show não sei onde; “putz”, fala
serio! O que me adianta?
* Questão: “Vocês se considerem fãs ou mesmo tiétes de algum grupo, de
alguma banda ou de algum artista”?
Satisfação e emoção.
* Questão: “Como vocês definiriam o estilo rock”?
Ah! Eu lembro quando era pequena e assistia os desenhos, todos os desenhos.
Hoje, eu não assisto mais porque tenho tempo, né? Mas eu gostaria sim, da
mentalidade voltar. Porque eu não vejo graça de um desenho do Pica-pau, né?
Como seria bom se essa época voltasse.
* Questão: “Parece que as respostas até aqui, giraram em torno de questões
mais traumáticas; como se no passado as produções musicais eram boas e,
agora são ruins. Parece que existe uma certa nostalgia. Então, perguntaria:
vocês gostariam que voltássemos ao que era antes, gostariam que voltássemos
ao passado”?
O que me veio à cabeça foi um comercial de televisão. Eu não sei se aqui em
Goiânia passou.
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Rafaela
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Caio
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Cláudia
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Cláudia
Cláudia
Renato
Renato
* Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa
que pensam/associam e de quem é a música”?
Eu conheço muitos artistas que fazem, por exemplo, “Criança esperança”,
eles cantam para arrecadar dinheiro para as crianças pobres.
* Questão: “Dos artistas brasileiros ou estrangeiros, quais estão relacionados
a algum movimento político-social que visa assegurar ou propiciar uma visão
mais ampla acerca das questões vitais que devem ser debatidas pela
sociedade”?
Dor de cotovelo.
* Questão: “Como vocês definiriam o estilo musical sertanejo”?
Eu conheço a música, mas eu não sei quem canta. Eu sei que é de 70 para cá.
Eu acho que é de 80 (não tenho noção). Mas é uma música que tem um
gostinho nostálgico, não pela minha vivência, mas eu acho que as pessoas que
gostam desse estilo parece (...) que tem um gostinho nostálgico. Emiliano:
Representa uma época? Cláudia: Representa uma época exatamente. Eu acho
que é uma época em que as pessoas queriam viver o presente, viver cada
emoção de seu tempo; não sei se tem haver, mas é isso que ela me passa.
* Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa
que pensam/associam e de quem é a música”?
Eu não sei quem canta essa música, mas quando ouço... Conheço isso, é
música de ônibus (risos). Primeira coisa que veio a cabeça foi: Ah! Ônibus
lotado! Eu naquele sofrimento e essa música no meu ouvido (risos); me
enchendo o saco. É irritante, porque associa aquela multidão (...) não que o
povo fede; aquela caixa de abelha no meu ouvido, terrível. Outra associação
que faço me lembra reuniões entre pessoas; amigos ou familiares –
geralmente, é assim os ambientes que freqüento (família) e bebedeira; aquele
dia com o sol quente (ninguém gosta, porque isso não dá prazer de ouvir);
ninguém vai sentar lá e deliciar a música – eu vejo isso. Aquele monte de
gente bebendo, baixaria. Até mesmo as letras instigam alguns tipos de
baixaria.
* Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa
que pensam/associam e de quem é a música”?
Até a infância eu gostava muito de sertanejo e música romântica; aquela
sentimentalista; isso era o meu meio familiar e até mesmo dos amigos. Eu
morava no interior e gostava deste estilo. Quando eu mudei para Goiânia eu
tinha 10 anos, mas gostava do mesmo estilo. Quando entrei na escola e com
outras pessoas eu acabei mudando o meu estilo, talvez em função do grupo;
para eu poder me identificar um pouco mais com o grupo mesmo. Depois que
mudei para faculdade eu vejo que mudou também. Não sei se foi o grupo ou
se é o estilo da faculdade. E acabo gostando mais desse estilo que é geral
daqui.
* Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter
sofreram influência de quem/ ou do que (família, religião, amigos,
televisão)”?
Não é que eu seja influenciado. É porque eu cresci na fazenda escutando
música sertaneja, mas nas férias me apresentaram um tipo de música nova, o
rock, e estou gostando. Eu sou meio “caipirão”. Não tenho vergonha de falar
para ninguém das coisas que eu estou ouvindo.
* Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter
sofreram influência de quem/ ou do que (família, religião, amigos,
televisão)”?
As pessoas têm muito daquele negócio de interpretação, tipo assim... Eu
deixo estampar que gosto mais de ouvir sertanejo, muita gente olha pra mim e
121
fala: nossa! aquele menino lá é um burro, sabe? Sai com cara de burro, não
dá nada pra gente, sabe? Não sabe o que a gente faz quando está em casa, não
sabe que tipo de coisa a gente assiste. Eu direto vou a locadora.
Renato
* Questão: “Qual estilo de filme vocês mais assistem e o que procuram no
cinema”?
O que eu teria para falar é a mesma coisa que todos falaram.
61
Renato
* Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter
sofreram influência de quem/ ou do que (família, religião, amigos,
televisão)”?
Eu concordo com os três (entrevistados) em tudo.
¨62
Renato
* Questão: “O que vocês procuram na música”?
O meu critério é o mesmo que ele falou.
63
Renato
* Questão: “Existe algum estilo de música que vocês não gostam? Por que”?
Eu também concordo com você.
60
64
Renato
65
Renato
* Questão: “Se houvesse a necessidade de precisarmos em uma única palavra
qual o significado que a música tem para vocês qual palavra melhor
expressaria esse significado”?
Minhas palavras seriam mais ou menos igual a dele (Juliano) que seria
origem. Se não tivesse existido o sertanejo antigo, com certeza não existiria
toda essa subdivisão: Bruno e Marrone, Edson e Hudson. Todos vieram do
sertanejo antigo.
* Questão: “Como vocês definiriam o estilo musical sertanejo”?
Uai, todo mundo aqui está falando mais ou menos a mesma coisa. Se a letra
não falar nada eu não gosto da música. Sempre você tem que olhar a música,
se ela for estrangeira você procura a tradução para ver se a música não é
vazia, né?
* Questão: “Que critérios vocês atribuem a um determinado estilo musical as
características de bom ou ruim”?
Música pra mim é a mesma coisa também. Do que estava falando mesmo?
Tudo o que eles falaram. Eu não sou muito persuasivo não. Eu assumo. Eu
tenho o meu “mundinho” fechado para mim mesmo, mas eu sempre abro para
meus amigos em um debate – igual a gente está aqui – por estar falando o que
eu sinto, o que eu faço.
66
Renato
67
Renato
* Questão: “Qual a melhor palavra para definir a publicidade”?
Eu não tenho nada para falar.
Renato
* Questão: “Se em uma representação hipotética imaginássemos os estilos
musicais sendo categorias de filme (drama, suspense, terror, comédia) como
vocês enquadrariam a atual produção musical brasileira”?
Eu não tenho nada para falar.
68
* Questão: “Dos artistas brasileiros ou estrangeiros, quais estão relacionados
a algum movimento político-social que visa assegurar ou propiciar uma visão
mais ampla acerca das questões vitais que devem ser debatidas pela
sociedade”?
122
APÊNDICE III:
FILMES MAIS VISTOS NO CINEMA
A Era
do Gelo
2
-
O código
Da Vinci
Se eu
fosse você
X-Men – O
Confronto
Final
X
Juliano
X
(Rock)
Alessandra
X
X
X
X
(Rock)
Tiago
X
X
X
(Sertanejo)
Pedro
X
X
(Rock)
Renato
X
X
(Sertanejo)
Lívia
X
(Sertanejo)
Caio
X
(Rock)
Débora
X
(Sertanejo)
Rafaela
(Sertanejo)
Bento
X
X
(Rock)
Cláudia
X
X
X
X
(Sertanejo)
Fonte: Disponível em: www.terra.com.br, acesso em 25/08/2006.
Priratas do
Caribe 2
Carros
As Crônicas de
Narnia
Superman –
O retorno
Os SemFloresta
Missão
Impossível 3
-
-
X
X
-
-
X
-
X
X
-
X
X
-
X
X
-
-
-
-
-
-
-
-
X
-
-
-
-
X
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
X
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
X
X
X
X
X
-
-
X
X
X
-
-
X
APÊNDICE IV:
CD’S ADQUIRIDOS PELOS ENTREVISTADOS A PARTIR DA LISTA DOS MAIS VENDIDOS
Belíssima
Ivete
Sangalo
Leonardo
Caio
Mesq
Daniel
Juliano
(Rock)
Alessandra
(Rock)
Tiago
X
X
(Sertanejo)
Pedro
(Rock)
Renato
X
(Sertanejo)
Lívia
X
X
(Sertanejo)
Caio
(Rock)
Débora
(Sertanejo)
Rafaela
(Sertanejo)
Bento
(Rock)
Cláudia
X
X
X
(Sertanejo)
Fonte: Disponível em: www.edglobo.com.br, acesso em 03/07/2006.
Marisa
Monte
Edson
&
Hudson
RBD
Paralamas
do
Sucesso
Aviões
do
Forró
Kid
Abelha
Calypso
Jota
Quest
X
Ana
Carolina
e
Seu
Jorge
-
X
-
-
-
-
-
-
X
-
-
X
-
X
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
X
-
-
-
-
-
-
-
-
X
-
-
X
-
-
X
-
-
-
-
X
-
-
-
-
-
-
X
-
-
-
-
-
-
X
-
-
-
-
-
-
-
X
-
X
-
-
X
-
-
X
-
-
X
X
-
X
-
X
X
X
X
124
APÊNDICE V:
DVD’S ADQUIRIDOS PELOS ENTREVISTADOS A PARTIR DA LISTA DOS MAIS VENDIDOS
RBD
Ivete
Sangalo
Xuxa
Roupa
Nova
Zé
Geraldo
Juliano
(Rock)
Alessandra
(Rock)
Tiago
(Sertanejo)
Pedro
(Rock)
Renato
(Sertanejo)
Lívia
(Sertanejo)
Caio
(Rock)
Débora
(Sertanejo)
Rafaela
(Sertanejo)
Bento
X
(Rock)
Cláudia
(Sertanejo)
Fonte: Disponível em: www.edglobo.com.br , acesso em 03/07/2006.
Vários,
Rap
RBD,
live
Tradição
Bee
Gees
Ney
Mato
grosso
Gino
&
Geno
Calypso
Hilary
Duff
Top
do
Forró
-
Ana
Carolina
e
Seu
Jorge
-
-
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X
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X
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X
X
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X
X
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