UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS MESTRADO EM SOCIOLOGIA O rock e o sertanejo: antinomias da indústria cultural na conformação das preferências musicais de jovens de classe média urbana Autor: Emiliano Rivello Alves Orientador: Prof. Dr. Francisco Chagas Evangelista Rabêlo GOIÂNIA, 2007 EMILIANO RIVELLO ALVES O rock e o sertanejo: antinomias da indústria cultural na conformação das preferências musicais de jovens de classe média urbana Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação, da Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal de Goiás, como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Sociologia, sob a orientação do Prof. Dr. Francisco Chagas Evangelista Rabêlo. GOIÂNIA, 2007 2 EMILIANO RIVELLO ALVES O rock e o sertanejo: antinomias da indústria cultural na conformação das preferências musicais de jovens de classe média urbana Dissertação Submetida ao Programa de Mestrado em Sociologia como Atendimento Parcial às Exigências para a Obtenção do Título de Mestre em Sociologia. Banca Examinadora ________________________________________ Prof. Dr. Francisco Chagas Evangelista Rabêlo (orientador) - UFG ________________________________________ Prof. Dr. Jordão Horta Nunes Membro Interno - UFG ________________________________________ Prof. Dr. João Gabriel Lima Cruz Teixeira Membro Externo - UNB ________________________________________ Profª. Drª. Marta Rovery de Souza Suplente - UFG GOIÂNIA, 2007 3 AGRADECIMENTOS Aos professores Pedro Célio, Luiz Mello, Maria Cristina e Denise Paiva pela edificação de um projeto. Em especial, a professora Marta Rovery, que de modo gentil, aceitou a participar da qualificação. Ao professor Jordão Horta Nunes, presente nas diversas etapas da pesquisa, e sempre atento às questões singulares, minha gratidão. E ainda, ao professor João Gabriel Lima Cruz Teixeira pelo refinamento e rigor da análise na defesa de dissertação. Aos amigos Jonas Fernandes, Rafael Belmont, Diego Lucas, Túlio Augustus, José Luiz, Erik Túlio, Elder Dias, Carlos Marcelo, Dilma Pio, Jamile Branco e Aline Tereza pela confiança na realização do trabalho, principalmente, a Marcelo Ribeiro por todos os debates e as inegáveis contribuições no campo do amadurecimento teórico. Aos amigos, que mesmo não sendo citados por “capricho”; à distância torcem por nossas realizações. Sou grato também a todos os entrevistados, pois encararam a pesquisa de maneira cordial e respeitosa. Sem suas informações nada poderia concluir. Agradeço à Daniela pelo amor, dedicação, paciência, perseverança e companheirismo, mostrando nos momentos incertos da pesquisa a luz da tranqüilidade. Ao professor Francisco Rabêlo, que me acompanha desde a graduação em Ciências Sociais, a minha admiração. O exercício realizado é proveniente de uma ordem coletiva. Na verdade, “qualquer tom apresentado diz nós”. À FUNAPE pela bolsa de Mestrado. 4 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO - - - - - - - - 09 PARTE I – PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DO CAMPO SIMBÓLICO 1.1. O campo e o habitus - - - - - 20 1.2. Dialética do esclarecimento: primeiros passos - - - - 22 1.3. O conceito de indústria cultural - - - - - - 24 1.4. Música e indústria cultural - - - - - - 27 1.5. A sociologia da arte - - - - - - 35 - - - PARTE II – MÚSICA POPULAR BRASILEIRA E A CONSOLIDAÇÃO DO MERCADO DE BENS SIMBÓLICOS 2.1. Avanços preliminares sobre a história da música - - - 42 2.2. Formação da música popular brasileira - - - - - 47 2.3. Música popular e populismo - - - - - 49 2.4. A bossa nova e os conflitos simbólicos - - - - - 50 2.5. A explosão simbólica: o rock - - - - - 52 - - - - - 56 2.7. O estilo sertanejo e a consolidação do mercado de bens simbólicos - 60 2.8. O engajamento e o bom humor: do rap ao funk - - 64 - - 2.6. Ditadura, música e indústria cultural - - PARTE III – AS ANTINOMIAS DA INDÚSTRIA CULTURAL 3.1. As relações de poder e as disposições - - - - - 70 3.1.1. A illusio na pesquisa - - - - - - 78 - - - - - 80 - - - 84 3.4. As antinomias da indústria cultural: da autenticidade e inautenticidade 89 3.5. À porta ou aporte em Adorno - - - - - - 98 CONSIDERAÇÕES FINAIS - - - - - - 100 3.2. As identidades estruturadas - 3.3. A família, as relações afetivas e a indústria cultural 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - - - - - 103 ANEXOS - - - - - - - - - 110 APÊNDICES - - - - - - - - - 112 6 RESUMO Neste trabalho estudamos a indústria cultural levada a efeito pelos conceitos de habitus e campo de Bourdieu. Tomamos por base de reflexão os discursos orientadores da chamada cultura do entretenimento, considerando-os no contexto da modernidade. Este procedimento permitiu-nos cotejar a suposta influência da indústria cultural na constituição de disposições duráveis a partir das preferências musicais de jovens de classe média urbana em Goiânia. Em um primeiro momento, resgatamos os debates que giram em torno da indústria cultural e seus desdobramentos subjacentes, que fornecem o arcabouço teórico da pesquisa, trazendo à tona, por exemplo, a produção e reprodução do campo simbólico, a relação entre indústria cultural e música, a sociologia da arte. Posteriormente, utilizamos o corte temporal para reconstruir a formação da música popular brasileira, evidenciando os principais estilos e atores musicais que fizeram parte do contexto cultural, social, político e econômico do país, não se esquecendo de apontar, quando oportuno, os aspectos da indústria cultural que ajudaram a constituir certas práticas. Em seguida apresentamos a pesquisa empírica, realizada com jovens entre 15 e 24 anos por intermédio da entrevista. Na oportunidade, perguntávamos se a música tinha o poder de estruturar disposições, modelar atitudes, revigorar gestos, e, por conseqüência, incentivar diferentes linhas de ações para àqueles que a consumiam. O que estava em evidência era o gosto musical como fator constituinte de habitus singulares. A pesquisa, então, enfatizou dois estilos musicais: o rock e o sertanejo. Pôde-se captar que o consumo de música delimita, porque estrutura, disposições que são particulares ao universo musical. Consumir tanto o estilo sertanejo, como o rock, representou identificar: a) o habitus, b) a illusio, c) as identidades, d) o lugar da indústria cultural, e) o espaço das relações afetivas, f) as relações de poder que configuram as ações dos entrevistados. E mais, que esses estilos estão relacionados a antinomias que resultam em disposições ímpares: da autenticidade e inautenticidade. Palavras-chave: indústria cultural, música popular brasileira, autenticidade, inautenticidade. 7 ABSTRACT In this work we study the cultural industry took to effect by the concepts of habitus and field of Bourdieu. We took as the basis of reflection the oriented discourses from the named culture of entertainment, considering them in the context of modernity. This procedure has permitted us to compare the alleged influence of the cultural industry in the constitution of the durable disposition from the musical preferences of young people of urban middle class in Goiânia. In a first moment we recover the debate which is around the cultural industry and its under development that supplies with the theoretical field of the research, emerging, for example, the production and reproduction of the symbolic field, the relation between cultural industry and music, the sociology of art. Subsequently, we use the temporal cut to reconstruct the formation of the Brazilian popular music, evidencing the main stiles and musical actors who made part of the cultural, social, political and economical context of the country, not forgetting to point, when opportune, the aspects of the cultural industry that have been helped in certain practice. Next, we present the empirical research, carried out with young people from 15 to 24 years old through an interview. In the opportunity, we asked them if music had the power to structure dispositions, modulate attitudes, revive gestures, and, consequently, motivate different actions for those who used to consume it. The musical taste was in evidence as a constituent factor of the singular habitus. The research, so, emphasized two musical stiles: rock’n roll and sertanejo (a typical country music). We could grasp that the consuming of music limits, because it structures, disposition that is particular to the musical universe. To consume much the sertanejo stile, like rock’n roll, has represented identify: a) the habitus, b) the illusio, c) the identities, d) the place of the cultural industry, e) the space of the emotional relations, f) the relations of power that represent the actions of the interviewed people. And more, that these stiles are related to contradictions that result in unique disposition: of authenticity and non authenticity. Key-words: cultural industry, Brazilian popular music, authenticity, non authenticity. 8 “Para que a cultura desempenhe sua função de encantamento, convém e basta que passem despercebidas as condições históricas e sociais”. Bourdieu, O Amor pela Arte. APRESENTAÇÃO: A música parece constituir um dos principais campos artísticos consumido por uma pluralidade infinita de atores sociais. Transcende as fronteiras temporais e espaciais para adquirir significado ímpar na sociedade. Ela proporciona diferentes sentimentos e sensações: a calma, a emoção, a sublimação, a revolução, a liberdade, a euforia e a crítica presente nos diversos estilos musicais. Tem a música o poder de constituir disposições engajadas, críticas ou mesmo revolucionárias? Ou seria somente uma arte vista em sua forma contemplativa, sentimental e não menos conformista, propagada nas vozes cantadas por aqueles que a experimentam? Afinal, como destacava Adorno (1999), a música na modernidade estaria mais disposta a emudecer a consciência que libertá-la da razão instrumental. A pesquisa buscou traçar então, a relação estabelecida entre os jovens e a música, procurando entender como as disposições deste grupo estão orientadas quando a música é veiculada nos meios de comunicações, para a comercialização e propagação de um determinado produto ou idéia. Em resumo, o que está em evidência é a análise do gosto musical a partir da influência da indústria cultural sobre as disposições que fazem parte da rede de relações objetivas dos entrevistados. Neste empreendimento algumas questões foram freqüentes, como: a indústria cultural deixaria margem para o pensamento crítico daqueles que consomem música? Poderíamos falar em agentes sociais reificados sobre o prisma de um específico gosto musical? As preferências musicais dizem, modelam e estruturam disposições que se revelam em práticas corporais simbólicas? Depreende-se, assim, a possibilidade de captar a suposta influência da indústria cultural, assinalada pela construção e reconstrução de disposições que fazem parte das práticas dos agentes entrevistados sob a ótica exclusiva do gosto musical. Devemos lembrar antes, que a arte – a pintura, o grafite, a escultura, o teatro, a dança, o cinema, a música etc. – de uma forma ou de outra, esteve, por vezes, acompanhada do paradigma crítico. Produzir e consumir arte – a música – era sinônimo 9 de atitude, de contestação e, até mesmo, de revolução características muito presente no rock dos anos 60. E mais, a produção e o consumo então consciente e orientado a partir de um viés ideológico, percorriam em suas extensões simbólicas um público específico: o jovem. Pensemos nos festivais de música realizado nos Estados Unidos na década de 1960; o “Monterey Internacional Pop Festival” e o “Woodstock Festival” que atribuíam ao rock o instrumento de transformação em níveis simbólicos de um movimento marcado predominantemente pela atuação da juventude contra a guerra e a violência naquele país (Corrêa, 1989) e (Chacon, 1985). É das transformações de posturas percebidas no comportamento jovem, que se fala na incorporação do rock como argumento político nos ideais de contracultura. Pensemos na criação, no Brasil, da União Nacional dos Estudantes, a UNE, e posteriormente, a instalação do Centro Popular de Cultura, CPC, que propunha através da “UNE volante” percorrer o país propagando a idéia da intervenção estudantil na política universitária e na política nacional, incentivando reformas de base na busca da ruptura do subdesenvolvimento nacional (Ridenti, 2000). Relembremos ainda, a atuação da juventude na época da ditadura e as inegáveis formas de censuras que o aparato artístico brasileiro sofreu. A música de linha nacionalista, por exemplo, ressaltava o consumo e a invasão dos produtos e das empresas multinacionais no Brasil, ou a dinâmica da vida urbana que condenava as posições pouco engajadas da Jovem Guarda (Tinhorão, 1998) e (Napolitano, 2004). Nesse momento, a categoria juventude está atrelada à participação social. O jovem é encarado enquanto agente libertador das práticas arbitrárias do regime vigente. Foracchi (1965) o caracteriza da seguinte forma: O reconhecimento de que se trata de uma fase de vida, a constatação de sua existência como força social renovadora e a percepção de que vai muito além de uma etapa cronológica, para constituir um estilo próprio de existência e de realidade do destino pessoal. (...) Trata-se, assim, de expressão da virtude que mantém vivas as capacidades de resistência, de disputa e de renovação (Foracchi, 1965, p. 303 e 304). A juventude é, assim, identificada na forma mais próxima do engajamento e da revolta, contra um futuro previsível, seguro e linear. É encarada enquanto agente social delineador de histórias singulares, que interpreta o mundo e lhe confere sentido, que demarca sua posição, no e sobre o campo, na qual suas diferentes linhas de ações são 10 realizadas. Ser jovem, portanto, é ser percebido como agente produtor de ações ativas que, invariavelmente, está ligado a algum tipo de expressividade artística. Outra seria a imagem da juventude? Dayrell (2003) acredita que posterior a “explosão” do engajamento jovem que marcou o cenário político, econômico, social e cultural brasileiro nos anos 60 se formou aqui uma nova e vibrante juventude a partir da consolidação da indústria cultural. Diz ele: (...) é uma visão romântica da juventude que veio se cristalizando a partir dos anos de 1960, resultado, entre outros fatores, do florescimento da indústria cultural e de um mercado de consumo dirigido aos jovens, que se traduziu, em modas, adornos, locais de lazer, músicas, revistas etc. (...) Nessa visão, a juventude seria um tempo de liberdade, de prazer, de expressão de comportamentos exóticos (Dayrell, 2003, p. 41). Ortiz (2001) destaca que a vida cultural brasileira vivenciada nos anos 60 e 70 é marcada pelo volume e dimensão do mercado de bens simbólicos, pois ocorrera uma rápida expansão, nos níveis da produção, da distribuição e do consumo da cultura. Os exemplos são intermináveis: crescimento da produção de livros, de revistas, da indústria fonográfica e, sobretudo, o desenvolvimento da televisão que, conseqüentemente, propiciou o avanço da publicidade, marca “principal” da indústria cultural. E tudo isso, impulsionado pelo ritmo frenético das transformações tecnológicas. É um momento de franca ascensão das redes de informações em nível global que é coordenado pelo aparato das telecomunicações. Poderíamos perguntar: trata-se de um fenômeno eminentemente brasileiro? Castells (2003) acredita que o mundo moderno é caracterizado pela atuação do fluxo e da troca imediata das redes formadas pela informação, nos planos dos capitais acumulados socialmente que se delineia na chamada “comunicação cultural” percebido em esfera planetária. O fluxo de informação – social, político, econômico, cultural etc. – acaba por regular, pois, condiciona de uma só vez, aquilo que é produzido e consumido. Afirma: (...) os produtos das novas indústrias de tecnologia da informação são dispositivos de processamento de informação ou o próprio processamento das informações. Ao transformarem os processos de processamento da informação, as novas tecnologias da informação agem sobre todos os domínios da atividade humana e possibilitam o estabelecimento de conexões infinitas entre diferentes domínios, assim como entre os elementos e agentes de tais atividades (Castells, 2003, p. 119-120). 11 O que essas transformações nos níveis tecnológicos e, é claro, nas práticas da produção e consumo cultural significaram para a juventude brasileira? Representaram, entre outras coisas, o consumo dos produtos culturais, aqui mais precisamente a música, orientados a partir da formulação propagandista da indústria cultural. Se antes, como vimos, a arte musical era consumida como símbolo de resistência, de engajamento e protesto por jovens, agora, o consumo de música adquire novo sentido. Porque “A implementação da indústria cultural modifica o padrão de relacionamento com a cultura, uma vez que definitivamente ela passa a ser concebida como um investimento comercial” (2001, p. 144). Fala-se de uma juventude mais comprometida com valores estéticos dirigidos pela indústria cultural (Dayrell, 2003). A discussão deste trabalho foi polarizada em torno do rock e do sertanejo. E ainda, o primeiro estilo foi visto enquanto arte musical particularmente comprometida com a contestação social que não se relacionava, a priori, com disposições simbólicas do corpo encorajadas pelo conformismo (Chacon, 1985) e (Hobsbawm, 2004). Já o estilo sertanejo ficou situado no pólo diametralmente oposto, enquanto estilo que expressa, em sua linguagem musical, práticas sentimentais, emotivas e contemplativas distantes, por conseqüência, de disposições críticas (Caldas, 1987 e 1979). A pesquisa empírica ocorreu nos meses de agosto e setembro do ano de 2006. Teve como base a formação de três grupos de entrevistados, composto por jovens, entre 15 e 24 anos, dos mais distintos estratos sociais que estavam cursando o ensino médio ou a universidade. 1 Ao todo foram entrevistados onze jovens que afirmaram ter pelo menos uma preferência musical que contemplasse, necessariamente, o estilo sertanejo ou o rock. A tabela abaixo expõe esquematicamente as preferências musicais dos entrevistados. Estilos musicais Masculino Feminino Rock 4 1 Sertanejo 2 4 Total 6 5 Total Geral 11 Tabela 1.1 1 Sabendo da dificuldade da delimitação etária no que tange a juventude, optamos por utilizar o termo em referência ao período que se estende até os 24 anos. (Augusto, 2005) e (Foracchi, 1965). 12 Por que entrevistar apenas jovens? Por que não percorrer diferentes faixas etárias, perguntaríamos? Afinal, a música tal como percebemos, extrapola qualquer fixação por idade. Está claro para nós e, sobretudo, para aqueles autores que deram consistência ao referencial teórico, para citar Adorno (1999), sempre objetivaram a influência da indústria cultural em toda a extensão da sociedade. Longe de uma faixa etária, de uma classe social, ou ainda, de um território específico, a indústria cultural estaria sempre atuando nas consciências de todos os atores sociais nos mais variados campos. É bem verdade, e precisamos reconhecer ou pelos menos acreditar, que existem disposições que são mais susceptíveis de serem incorporadas na juventude, como vimos anteriormente. Em uma fase na qual os aspectos suntuosos da indústria cultural se mostram mais evidentes para aqueles que começam a “descobrir-afirmando” uma identidade através de uma ou várias preferências musicais. O critério, aqui, talvez seja puramente prático. Mas o termo prático deve ser sensibilizado. Não se trata de negligenciarmos outras possibilidades da pesquisa empírica. É sim, uma maneira de encararmos o início de uma atividade de consumo de bens simbólicos de maneira rigorosa e intencional. Se pensarmos em Hobsbawm (2004), perceberíamos que o público que consome o rock é marcado tradicionalmente por jovens – que transitam da primeira mesada ao primeiro emprego. Seriam os outros estilos diferentes? Provavelmente não. A entrevista foi estruturada mediante perguntas abertas. O roteiro procurava captar através da fluidez das respostas qual seria a atitude geral ante uma pergunta, concentrando-se na flexibilidade da interação do pesquisador com seus entrevistados. Pelo contato mais próximo, procurava-se captar as emoções, as dúvidas, os momentos descontraídos, ou os conflitos que normalmente fazem parte desse universo relacional. Algumas foram do tipo sugestivas, como: “Diga o que a música representa para você”? Esperando dar a oportunidade, ao entrevistado, de se expressar de maneira mais livre, distante de alternativas de escolhas já decididas de antemão. Não obstante, uma dissertação, concebida nestes parâmetros, está longe de atingir o limiar da representatividade matemática. O cálculo que fazemos não é se mais de 33 mil pessoas entre 15 e 24 anos ouvem rock em Goiânia diariamente, ou se aproximadamente 44 mil jovens na mesma faixa etária escutam o estilo sertanejo, mas sim, qual a relação das práticas de consumo simbólicas de estilos musicais e as disposições incorporadas que se revelam em práticas corporais daqueles que a 13 experimentam. A estatística daria conta por si só da universalização dos dados em um ambiente de pesquisa. 2 Foi possível realizar essa abordagem, evidentemente, tendo como fio condutor o conceito de indústria cultural de Adorno e Horkheimer (1985) que visava através da razão crítica desmistificar os cenários constitutivos da práxis humana. A abordagem crítica é essencialmente relacional, pois procura investigar o que ocorre nos grupos e instituições políticas relacionando as ações humanas com a cultura, na tentativa de compreender como as redes de poder são produzidas, mediadas e transformadas. Mas não é menos verdade, que a análise das práticas dos atores entrevistados, nesta dissertação, a partir do conceito de indústria cultural, foi levada também a efeito pelos conceitos de habitus e campo de Bourdieu (1989) que possibilitaram detectar as relações de poder que sustentam a natureza das práticas que se inscrevem no problema proposto. Bourdieu (1983) afirma que a sociologia da arte deve tomar como objeto o conjunto das relações entre o artista e os outros artistas e, além disso, o conjunto dos agentes envolvidos na produção da obra de arte. Isso auxilia ao pesquisador a perceber que se deve realizar uma análise crítica do campo de produção cultural, inseparavelmente, da relação entre o campo de produção e o campo dos consumidores. Disto resulta que a autonomia do campo de produção é uma autonomia parcial que, em nenhum momento, pode excluir a dependência. O sujeito da obra de arte não é visto enquanto artista singular, mas sim, o campo de produção artístico em seu conjunto que mantém uma relação de autonomia relativa com os grupos onde se estabelecem as ações e relações sociais mantidas pelos agentes que têm “(...) ligação com a arte, que se interessam pela arte, que vivem da arte para a arte (...) conclui-se que, o sujeito da obra de arte, é, portanto, um habitus em relação a uma função, isto é, um campo” (1983, p. 166 e 172). Nesta medida, a história do campo relativamente autônomo, dos métodos, das técnicas e da linguagem faz com que o campo que buscamos analisar jamais seja o reflexo direto das coerções ou demandas externas, mas uma expressão simbólica refratada pela lógica própria do campo. O ponto fundamental para o início de nosso trabalho, seguindo a orientação da prática cognoscente, foi realizar uma longa e complexa revisão, para não dizer levantamento, da literatura consagrada que nos possibilitasse o domínio teórico do tema, identificando-se, aí, os fundamentos de poder da(s) dimensão(ões) simbólica(s). O que 2 Ver pesquisa Serpes sobre audiência das rádios de Goiânia no anexo. 14 se mostrava evidente na perspectiva de Bourdieu (1989) era a construção do objeto, possibilitando construir ou reconstruir os objetos socialmente significantes, transformando-os em objetos sociológicos. Esta pesquisa evidencia a liberdade plena para se realizar tal tarefa e tem, como contrapartida, uma extrema vigilância das condições de utilização das técnicas, da sua adequação ao problema e as condições de seu emprego. Estivemos ainda, atentos aos pormenores de procedimento da pesquisa cuja dimensão propriamente social não é a menos importante. É uma condição de prevenção contra o fetichismo dos conceitos e da teoria, que nasce da propensão para considerar os instrumentos teóricos, habitus, campo, capital, em si mesmos, em vez de fazê-los funcionar, de pô-los em ação. Esta discussão reside no fato de que a noção de campo e habitus orientaram todas as opções práticas da pesquisa. Com isso, não estaremos inclinados a pensar este fenômeno social de maneira substancialista, acima de tudo, a pesquisa precisa pensar relacionalmente. Dito de outra forma, o objeto deve ser visto sob um complexo de relações. Na visão de Bourdieu (1983) o habitus é compreendido como: (...) um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas (Bourdieu, 1983, p. 65). O conceito de habitus é visto como um instrumento conceitual que auxilia a pensar a relação, a mediação entre os condicionamentos sociais exteriores e a subjetividade dos sujeitos. Habitus é uma noção que irá auxiliar a pensar, por exemplo, as características de uma identidade social, de um sistema de orientação ora consciente, ora inconsciente; a apreensão de uma certa homogeneidade nas disposições, nos gostos e preferências musicais de grupos e/ou indivíduos produtos de uma mesma trajetória social. O conceito de habitus propõe-se identificar a mediação entre indivíduo e sociedade que, grosso modo, obedeceu a um amadurecimento teórico que se expressou, sobretudo, na conciliação de duas leituras do social até então vistas como antagônicas e contraditórias. Habitus surge, então, como um conceito capaz de conciliar a oposição aparente entre realidade exterior e as realidades individuais, capaz de expressar o diálogo, a troca constante e recíproca entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo das individualidades. Em síntese, habitus é aqui constituído de disposições estruturadas e 15 estruturantes nas mentes, adquirido na e pelas experiências práticas, constantemente orientadas para funções e ações do agir cotidiano. Bourdieu (1983) faz a ressalva de que o ajustamento imediato entre o conceito de habitus e campo é apenas uma forma possível de ajustamento. O conceito de campo traduz o espaço de relações entre grupos com distintos posicionamentos sociais, espaço de disputa e jogo de poder. Segundo o autor, a sociedade é real e estruturada por vários campos, vários espaços dotados de relativa autonomia, mas regido por regras próprias. Em essência, estes conceitos, sobretudo o de habitus, buscam recuperar a noção ativa dos agentes como produtos da história de todo campo social e de experiências acumuladas no curso de uma trajetória individual. Destaca Bourdieu: Desde que a história do indivíduo nunca é mais do que uma certa especificação da história coletiva de seu grupo ou de sua classe, podemos ver nos sistemas de disposições individuais variantes estruturais do habitus de grupo ou de classe (...). O estilo pessoal, isto é, essa marca particular que carregam todos os produtos de um mesmo habitus, práticas ou obras, não é senão um desvio, ele próprio regulado e às vezes mesmo codificado, em relação ao estilo próprio a uma época ou uma classe (Bourdieu, 1983, p. 80-81). Segue a esta linha de raciocínio a necessidade de pensarmos relacionalmente, pois é preciso situar o objeto da pesquisa em um campo de estruturas de relações objetivas que, por sua vez, possibilitam estabelecer homologias estruturais entre o campo da música, o da mídia, o campo em que estão inseridos os jovens pesquisados – a partir da indústria cultural – com os demais campos. Ainda, neste horizonte, sempre teremos a consciência que o limite de um campo é o limite dos seus efeitos, assim como, pesaremos o jogo de relações objetivas estabelecidas no campo em que nós, enquanto pesquisador, estamos também situados. O raciocínio analógico que permeia esta análise, apoiando-se na intuição racional das homologias é uma importante ferramenta de construção de nosso objeto. Trata-se de construir um sistema coerente de relações que deve ser posto a prova como tal. Este modo de pensamento realiza-se de maneira perfeitamente lógica pelo recurso do método comparativo, que permite pensar relacionalmente o caso particular constituído em caso particular do possível, tomando-se como base de apoio as homologias estruturais entre o campo da música e da mídia, dos consumidores e produtores, ou entre estados diferentes do mesmo campo. Em outras palavras, por exemplo, estariam os entrevistados da música sertaneja mais expostos a influência da indústria cultural que os do rock? 16 A dúvida radical colocará em suspenso todos os pressupostos inerentes ao trabalho da música, haja vista, a prática científica em evidência nesta pesquisa buscará objetivar o objeto e não ser objeto dele. A existência de um pensamento autoritário não se projetará, ao contrário, não aceitaremos uma “categoria”, um “conceito” sem antes passar pelo exame crítico. Espera-se com isso superar a tradição douta. Este fato revela a pedagogia de pesquisa que está no âmago deste trabalho. “Uma conversão do olhar”, “um olhar sociológico”, diria Bourdieu. O rompimento radical com o senso comum, atrelado à construção social do problema de pesquisa, possibilitará uma abordagem que contemple de forma objetiva aquilo que se quer pesquisar. Para tanto, é necessário lembrar que a história do campo é a história de sua essência. A gênese do campo explícita nesta frase nos ajudará a identificar os agentes que se destacam no complexo de relações presentes na pesquisa. Sob esta ótica é escusado dizer que a reflexividade obsessiva é a condição de uma prática científica rigorosa. Nessa etapa, procurar-se-á reconstruir a história das práticas que permeiam o campo que estudamos. Far-se-á necessário reconstruir como foi o surgimento da indústria cultural no país, de forma que possibilite mostrar os fundamentos do poder e as dimensões simbólicas que marcam as interações do campo. A objetivação, aqui presente, é a objetivação de uma relação. Admitindo esses pressupostos, devemos perceber os interesses econômicos que atravessam esse campo, perceber a rede de relações objetivas entre posições e tomadas de posições, identificando a partir dos agentes, o espaço dos produtores e dos consumidores e, por fim, captar ou apreender a “illusio” do campo e o modo como regulam as práticas e a representação dos agentes. “Illusio” ou interesse é aqui entendido como uma motivação inerente a todo indivíduo dotado de um habitus em determinado campo. Pois, como menciona Bourdieu, “(...) todo campo, enquanto produto histórico gera interesse, que é a condição de seu funcionamento” (1990, p. 128). É inegável, nesta abordagem, que as estruturas de interações objetivas serão captadas ou apreendidas pelo habitus – as disposições, as perspectivas, as sensibilidades, ou ainda, um haver, um capital – que está na base das ações dos agentes que derivam de sistemas simbólicos. Finalmente, não cabe perguntarmos se o que estamos pesquisando é enquadrado sob uma ótica que contemple o geral ou o particular, se o objeto tem grandes dimensões ou não, se é simples ou complexo, porque sempre iremos perceber questões singulares, comuns e invariáveis. 17 O problema teórico caracterizado nesta dissertação se destina a sua conversão em uma “discussão” que se volte para a prática, já que, para Bourdieu, o ofício do sociólogo é o ofício da prática. A análise empírica identificará as posições dos jovens no campo em que estão inscritos, da mídia - televisão, rádio, cinema, meios de comunicações de uma forma geral – os espaços dos consumidores e produtores, e as tomadas de posições no campo – jovens, empresários dos meios de comunicações, artistas, a música etc. – procurando as configurações das práticas que dominam cada posição. Para tanto, a dissertação foi estruturada em três partes. A primeira parte trata da construção do referencial teórico dando ênfase a indústria cultural e as discussões subjacentes ao conceito. Na segunda parte utilizamos o corte temporal para reconstruir a formação da música popular brasileira, evidenciando os principais estilos e atores musicais que fizeram parte do contexto cultural, social, político e econômico brasileiro, não se esquecendo de apontar, quando oportuno, os aspectos da indústria cultural que ajudaram a constituir certas práticas. A terceira e última, refere-se propriamente a pesquisa empírica, onde se realiza a interação teoria e metodologia, para em seguida, chegarmos às considerações finais. 18 PARTE I: PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DO CAMPO SIMBÓLICO 19 “Só são verdadeiros os pensamentos que não conseguem entender-se a si mesmo”. Adorno, Minima Moralia. 1.1. O campo e o habitus: O exercício que Bourdieu (1996) realiza em referência as ciências das obras culturais supõe, claramente, três operações ligadas a três esferas da realidade. A primeira trata da análise da posição do campo literário, enraizado no centro do campo de poder e de sua evolução ao longo do tempo; a segunda diz sobre a estrutura interna do campo literário composto pelas suas próprias leis de funcionamento e de transformação – a estrutura de relações objetivas entre as posições que ocupam os agentes – aqui de maneira especial, os jovens e os integrantes da indústria da música, resultando finalmente, na análise da gênese dos habitus dos ocupantes dessas posições, ou seja, os sistemas de disposições, entendido como o produto de uma trajetória social que ocupa uma posição no interior do(s) campo(s). O campo de poder que analisamos neste trabalho se configura no espaço das relações de forças entre agentes ou instituições que têm em comum a capacidade de possuir capital necessário para ocupar posições dominantes nos diferentes campos (econômico e/ou cultural, principalmente). Em razão da hierarquia que se estabelece nas relações entre as diferentes espécies de capital e entre seus detentores, os campos de produção cultural ocupam uma posição singular e temporalmente realizada no centro do campo de poder. Diz Bourdieu: Por mais livres que possam estar das sujeições e das solicitações externas, são atravessados pela necessidade dos campos englobantes a do lucro econômico e político. (...) Quanto maior a autonomia, mais a relação de forças simbólicas é favorável aos produtores mais independentes da demanda e mais o corte tende a acentuar-se entre os dois pólos do campo, isto é, entre o subcampo de produção restrita, onde os produtores têm como clientes apenas os outros produtores, que são também seus concorrentes diretos, e o subcampo de grande produção, que se encontra simbolicamente excluído e desacreditado. Isto desemboca no princípio de hierarquia externa (...) que está em vigor nas regiões temporalmente dominantes do campo do poder, ou seja, segundo o critério do êxito temporal medido por índices de sucesso comercial, tais como: a tiragem dos livros, o número de representações das peças de teatro etc., ou de notoriedade social (...) enquanto o princípio de hierarquização interna se refere ao grau de consagração específica conhecidos e reconhecidos por seus pares e unicamente por eles (Bourdieu, 1996, p. 246-47). Podemos completar que o grau de autonomia do campo e o estado das relações de forças que estão aí presentes são proporcionais ao capital simbólico acumulado no 20 transcorrer do tempo pela ação das gerações que se sucederam. O poder simbólico que é adquirido na complacência das regras de funcionamento do campo, pois não é reconhecido como tal, opõe-se a todas as formas de poder heterônomo, isto é, a aceitação das regras do campo nunca é interiorizada e transportada para a prática social de maneira absoluta. Percebemos que o grau de autonomia do campo é sempre afirmado por uma autonomia relativa. As disputas em torno do controle da definição do modo de produção cultural legítimo ajudam na reprodução de forma contínua na crença no jogo, o interesse, a “illusio”, da qual são também os produtos. Bourdieu (1996) acredita que cada campo produz sua forma específica de “illusio”, porquanto é a condição indispensável para o funcionamento do “jogo”. Destacamos, então, que a forma particular que procuramos captar o “interesse” é constituído e, ao mesmo tempo, institucionalizado pela lei básica da maximização do lucro econômico. Devido a isso, o campo de nossa análise oferece aos agentes nele contidos, uma forma legítima de realização de seus desejos, baseada em uma forma particular de “illusio”. Outro ponto que nos chama bastante atenção diz respeito à crença do criador “incriado”. Bourdieu pode explicar: O produto do valor da obra de arte não é o artista, mas o campo de produção enquanto universo de crença que produz o valor da obra de arte como fetiche ao produzir a crença no poder criador do artista. Sendo que a obra de arte só existe enquanto objeto simbólico dotado de valor se é conhecida e reconhecida, ou seja, socialmente instituída como obra de arte por espectadores dotados da disposição e da competência estética. (...) a ciência das obras tem por objetivo não apenas a produção material da obra, mas também a produção do valor da obra ou, o que dá no mesmo, da crença no valor da obra (Bourdieu, 1996, p. 259). A ciência que se exercita leva em consideração, portanto, não somente os produtores diretos da obra em sua forma material, mas também, o conjunto dos agentes e das instituições que participam da produção do valor da obra através da produção da crença no valor da arte em geral e no valor distinto de determinada obra. A crença coletiva na “illusio” da música e da indústria cultural, no valor “místico” de suas aceitações é, ao mesmo tempo, a condição e o produto do funcionamento da “illusio”; é ela que está no princípio de consagração e contemplação que permite aos artistas consagrados constituir certos produtos, como destaca Bourdieu, pelo milagre da assinatura ou mesmo da coleção de discos encomendados. 21 A homologia entre o espaço dos produtores e o espaço dos consumidores, ou seja, o campo da música e o campo de poder fundam o ajustamento não intencional entre a oferta e a procura. O ajustamento à demanda nunca é completamente o produto de uma transação consciente entre produtores e consumidores. Uma obra apreciada por um determinado público, uma canção sertaneja, por exemplo, é o resultado de uma coincidência, de um encontro entre séries causais derivado do produto da busca do ajustamento das expectativas do cliente e/ou às sujeições da demanda. O espaço de produção e o espaço de consumo estão no princípio de uma dialética que perfaz os mais diversos gostos encontrarem as condições de sua satisfação nas obras oferecidas e, além disso, os campos de produção asseguram um mercado para seus diferentes produtos. Basta dizer que, “(...) os lucros econômicos crescem quando se vai do pólo “autônomo” ao pólo “heterônomo”, ou seja, se se quiser, da arte “pura” à arte “burguesa” ou comercial, enquanto os lucros específicos variam em sentido inverso” (1996, p. 283). Na esfera do consumo, as práticas e os consumos culturais que são observados ao longo do tempo, são para Bourdieu (1996), os produtos do encontro entre duas histórias, quais sejam: a dos campos de produção que possui leis próprias; e a do espaço social em seu conjunto, que determina, especialmente, a preferência a um específico estilo musical, por exemplo, através dos condicionamentos sociais relacionado, é claro, as condições materiais de existência na estrutura social. Ora, trata-se da produção e da circulação das obras ditas culturais que existem a uma só vez em estado objetivado nas estruturas constitutivas do campo da indústria cultural, e em estado incorporado, nas estruturas mentais e nas disposições constitutivas do habitus, que se revelam em práticas corporais, afirmando continuamente o modo de produção cultural na qual se impõe a todos os produtos. 1.2. Dialética do esclarecimento: primeiros passos Mas, situar esta pesquisa sob a perspectiva metodológica da confluência dos conceitos de campo e habitus de Bourdieu, significa também perceber que a indústria cultural faz parte de uma sofisticada e complexa linha conceitual que, na sua raiz, está a sociedade capitalista. Desvelar as formas e os espaços de consumo dos produtos ditos culturais é, antes de qualquer coisa, percorrer inevitavelmente a modernidade. Octávio Ianni (1989) nos ajuda a compreender as contingências que estão na essência da modernidade. Para Ianni o pensamento místico e contemplativo – a tradição 22 – cedera lugar à razão. Através das faculdades científicas o homem despoja a religião e é obrigado a assumir seu próprio destino. Diz ele: A crescente intelectualização dos indivíduos e a contínua racionalização das organizações pareciam “despojar de magia o mundo”, desencantá-lo. O homem e a sociedade pareciam conquistar o controle de seus atos, do seu presente, emancipados do passado. O mundo iluminava-se de outras cores. As ciências conferiam a muitos a ilusão do progresso, da resolução dos problemas materiais e espirituais. (...) Está em curso a secularização da cultura e do comportamento, [a] industrialização e urbanização, a divisão do trabalho social e a mercantilização (Ianni, 1989, p. 19 e 21). Giddens (1991) acredita que o pensamento iluminista e a própria cultura emergiram da tradição religiosa. Para ele: Não é de forma alguma surpreendente que a defesa da razão desagrilhoada apenas remodele as idéias do providencial, ao invés de removê-las. Um tipo de certeza (lei divina) foi substituído por outro (a certeza de nossos sentidos, da observação empírica), e a providência divina foi substituída pelo progresso providencial. Além disso, a idéia providencial da razão coincidiu com a ascensão do domínio europeu sobre o resto do mundo (Giddens, 1991, p. 54). Já Adorno e Horkheimer (1985), ao empreenderem o estudo da modernidade concentram-se na análise do mundo moderno captado pelo uso irrestrito da calculabilidade técnica, ou até, do emprego da razão instrumental. Porém, é o resultado de tal diagnóstico que se mostra dissonante quando relacionado às citações passadas. Para os “frankfurtianos” é o iluminismo que provoca a eliminação do último resto da autoconsciência. Por mais que a racionalidade tivesse empreendido esforços para libertar o homem do pensamento mítico, este permanecera preso ao nexo da própria racionalidade. Adorno e Horkheimer (1985) explicam: No trajeto para a ciência moderna, os homens renunciaram ao sentido e substituíram o conceito pela fórmula, a causa pela regra e pela probabilidade. O que não se submete ao critério da calculabilidade, para não dizer da técnica, e da utilidade torna-se suspeito para o esclarecimento. Cada resistência espiritual que ele encontra serve apenas para aumentar sua força. Isso se deve ao fato de que o esclarecimento ainda se reconhece a si mesmo nos próprios mitos. Mas os mitos que caem vítimas do esclarecimento já eram o produto do próprio esclarecimento. O mito queria relatar, denominar, dizer a origem, mas também, expor, fixar, explicar (Adorno e Horkheimer, 1985, p. 23). O esclarecimento havia produzido, inadvertidamente, seu oposto por duas razões, como nos lembra Martin Jay (1988): 23 Em primeiro lugar, a razão instrumental estava intimamente ligada ao princípio da troca, nos termos do qual tudo era reduzido a um equivalente abstrato de tudo, a serviço da troca universal. (...) A segunda fonte do efeito destrutivo involuntário da razão instrumental era sua vinculação com o domínio da natureza. Na medida em que o mundo natural foi reduzido a um campo de entidades fungíveis, cujas diferenças qualitativas se perderam em nome do controle científico, o domínio subjetivo dos objetivos preparou o caminho para o domínio equivalente dos sujeitos através da reificação. A ciência, em lugar de revelar-se uma força colocada inequivocamente a serviço do aperfeiçoamento humano, mostrou ser o continente das sementes de uma nova forma de desumanização (Jay, 1988, p. 36 e 37). Assim, sem dúvida, para Adorno e Horkheimer (1985), o esclarecimento é sempre visto enquanto sistema totalitário, haja vista, sua inverdade se baseia nos processos decididos de antemão. A única alternativa que sobra aos indivíduos é, então, converter-se em singelos seres genéricos, iguais uns aos outros, pelo isolamento que a força destrutiva da modernidade governa. Por isso concluirão: Enquanto órgão de semelhante adaptação, enquanto mera construção de meios, o esclarecimento é tão destrutivo como o acusam seus inimigos românticos. Ele só se reencontrará consigo mesmo quando renunciar ao último acordo com esses inimigos e tiver a ousadia de superar o falso absoluto que é o princípio da dominação cega. (...) Mas, em face dessa possibilidade, o esclarecimento se converte, a serviço do presente, no total mistificação das massas (Adorno e Horkheimer, 1985, p. 52). 1.3. O conceito de indústria cultural: Não é menos verdade que o conceito de indústria cultural surgido ainda nos anos 40 é entendido como a extensão traumática do esclarecimento. Através deste conceito, Adorno (1985) acreditava que a consciência das massas teria sido tão manipulada e distorcida que ameaçou a extinção do pensamento crítico. O conceito agiria na denúncia das formas insidiosas pelas quais os espetáculos populares burlavam e inferiorizavam seus consumidores. Ou seja, a padronização e a pseudo-individualização negavam as alegações da cultura de massa de que satisfazia os gostos individuais. O “mundo administrado” termo recorrente em Adorno, protótipo do que Marcuse chamaria de “sociedade unidimensional”, intermediado pela ideologia, eliminaria qualquer resistência à indústria cultural. O conceito de indústria cultural, segundo Maar (2003), procura ressaltar o mecanismo pelo qual a sociedade como um todo seria construída sob a égide do capital, reforçando as forças dominantes vigentes. Os indivíduos seriam semiformados, afirmativamente, para confirmar a reprodução continuada do vigente como cópia pela 24 indústria cultural. A deformação ou semiformação não se trata objetivamente do complexo traumático que inferioriza a liberdade dos indivíduos, mas antes de tudo, da própria sociedade. Em outras palavras, semiformação se refere ao espírito deformado humano, entregue sem oposição ao caráter fetichista da mercadoria. Em uma citação bastante discutida, Adorno explica os motivos que os levaram (a ele e Horkheimer) cunhar o pesado termo “indústria cultural” e não cultura popular ou mesmo cultura de massa. Relembra: Em nossos rascunhos, falamos de “cultura de massa”. Substituímos essa expressão por “indústria cultural”, com o fito de excluir, desde início, a interpretação agradável aos seus defensores: a interpretação segundo a qual trata-se de algo parecido como uma cultura que surge espontaneamente do seio das próprias massas, a forma contemporânea de arte popular. Desta última, a indústria cultural deve ser distinguida de forma extrema (Adorno apud Jay, 1988, p. 109). Ao contrário, as mensagens veiculadas nos meios de comunicações são fabricadas mediantes produtos “não-culturais” e visam, evidentemente, o consumo. Destarte, uma das principais queixas que se pode abstrair de Adorno e Horkheimer (1985) sobre a indústria cultural refere-se a sua deliberada função mistificadora, porque o espectador não deveria ter necessidade de nenhum pensamento próprio. O produto, em si, diz sobre toda e qualquer reação que os consumidores devam ter. Adorno e Horkheimer dizem: “(...) toda ligação lógica que pressuponha um esforço intelectual é escrupulosamente evitada” (1985, p. 128). Basta lembrarmos nos anúncios publicitários recentes. Nos meses de janeiro e fevereiro de 2007 foi criado um namoro fictício entre uma atriz e um conhecido “garoto-propaganda” de uma marca de cerveja para alavancar as vendas. Depois de algumas centenas de inserções na mídia se “desfez” o namoro, com o intuito de se atribuir uma nova, e também atriz, à trama dos comerciais. Poder-seia então concluir: com Kaiser sua vida afetiva alavanca! 3 Bourdieu (1997), neste aspecto, parece ir ao encontro das “teses” de Adorno e Horkheimer (1985). O autor francês faz o seguinte comentário a respeito dos programas de televisão concebidos a partir da “mentalidade-índice-de-audiência”: Os fatos-ônibus são fatos quem como se diz, não devem chocar ninguém, que não envolvem disputas, que não dividem, que formam consenso, que interessam a todo mundo, mas de um modo tal que não tocam de nada de 3 Para Debord o espetáculo é mais que anexo da realidade, como seria a propaganda, a publicidade ou as informações presente na mídia. É “(...) um processo de alienação que se formula, em um primeiro momento, na passagem do “ser” para o “ter”, para traduzir-se, no contexto de uma sociedade espetacular, em um estágio que leva do “ter” para o parecer” (Debord, 1997, p. 90). 25 importante. (...) são empregados para dizer coisas tão fúteis; é que essas coisas tão fúteis são de fato muito importante na medida em que ocultam coisas preciosas (Bourdieu, 1997, p. 23). Passado meio século do surgimento do conceito que traços contemporâneos poderíamos perceber? O conceito de indústria cultural tem um caráter conjuntural, porquanto marca o desenvolvimento de uma época a partir de tendências relacionadas com o processo de transformação social, político, econômico e cultural, privilegiando o exercício crítico da razão. Aliás, o conceito de indústria cultural procura desmistificar a noção de história no sentido de demonstrar que esta não é só avanço linear, pelo contrário, envolve intrinsecamente a possibilidade da regressão. Olgária Matos (1989) afirma: “O enigma da história se resolve por uma dialética que é negativa, que não promete síntese e sim ruptura; não é superação que conserva, mas que reprime” (1989, p. 274). Na indústria cultural o que se relaciona à cultura, circula como mercadoria. Verifica-se a perda da áurea, do “espírito”, do halo artístico, já que, as artes, em suma, a cultura, são produzidas e difundidas como mercadorias. O que está em cena na indústria cultural é o sentido trágico do cotidiano; incêndios, inundações, catástrofes, assassinatos, programas que fabricam sucessos musicais – variedades – que resultam na uniformização e na banalização da vida social. Em Bourdieu, encontramos a seguinte afirmação que sintetiza o assunto: “Flaubert dizia, é preciso pintar bem o medíocre” (1997, p. 27). Para Gabriel Cohn (1998) o conceito serve para caracterizar processos de transformações sociais que devam ser percebidos e, por isso, entendidos, a partir de dois pontos cruciais. O primeiro trata o conceito enquanto um sistema, pois “(...) remete à idéia de uma articulação crescente entre todos os ramos de um empreendimento produtor e difusor de mercadorias simbólicas sob o rótulo da cultura” (1998, p. 20). E o segundo, percebe o processo cultural assumindo uma infinidade de possibilidades de atuação na prática social – é multidimensional. Afirma ele: “(...) os produtos da indústria cultural são entidades organizadas em múltiplos níveis de significado, na dimensão dos efeitos” (1998, p. 25). A indústria cultural, na perspectiva de Gabriel Cohn, se converteu em subsistema mais amplo das redes informáticas, o que, dessa forma, implicou em uma diminuição do alcance de explicação do conceito. Zuin (2001) acredita que a essência do conceito de indústria cultural permanece atual, e é relevante para a crítica das 26 condições sociais que fundamentam a totalidade da semiformação. Ainda, pode fornecer subsídios iniciais para uma práxis de resistência ao processo de debilitação da individualidade, sobretudo, passando por uma concepção educacional pautado na reapropriação da capacidade de autocrítica presente no pensamento de Adorno. É por isso, que quanto mais firmes se tornam as posições da indústria cultural, mais prontamente ela pode proceder com as “necessidades” dos consumidores, “produzindo-as, dirigindo-as, disciplinando-as e, inclusive, retirando a diversão”. O termo diversão em Adorno e Horkheimer (1985) significa estar de acordo. A liberação prometida pela diversão é a liberação do pensamento como negação. Diante desta afirmação os autores serão categóricos em afirmar: A indústria cultural realizou maldosamente o homem como ser genérico. Cada um é tão-somente aquilo mediante o que pode substituir todos os outros: ele é fungível, um mero exemplar. Ele próprio, enquanto indivíduo, é o absolutamente substituível, o puro nada, e é isso mesmo que ele vem a perceber quando perde com o tempo a semelhança (Adorno e Horkheimer, 1985, p. 136). O inimigo que se tenta combater já é o inimigo aniquilado: não o indivíduo, mas antes de tudo a sociedade administrada. A felicidade só pode ser atingida se toda a sociedade renunciar a própria pretensão de felicidade, comentaria Adorno, ironicamente. Neste conceito o indivíduo parece ser ilusório, porque se liquidou a individualidade pela produção do sempre igual. Em tom melancólico arrematam: É só porque os indivíduos não são mais indivíduos, mas sim, meras encruzilhadas das tendências do universal, que é possível reintegrá-los totalmente a universalidade. É só por isso que a indústria cultural pode maltratar com tanto sucesso a individualidade, porque nela sempre se reproduziu a fragilidade da sociedade (Adorno e Horkheimer, 1985, p. 145). 1.4. Música e indústria cultural: Não seria um equívoco captar tais citações, ou mesmo a totalidade do pensamento frankfurtiano em um estrondoso pessimismo. Horkheimer, citado por Olgária Matos (1989), já falava dos motivos que o levava a percorrer o pensamento negativo. Explica ele: Jamais se poderá indenizar a injustiça passada. Nada jamais compensará os sofrimentos das gerações desaparecidas. (...) O pessimismo apenas como uma 27 função crítica, que exprime o protesto do indivíduo em nome do sofrimento presente, contra sua opressão pela racionalidade burguesa; trata-se aqui de um pessimismo de método, posicionado, quanto ao futuro, como otimismo evidente (Horkheimer apud Matos, 1989, p. 13). Podemos dizer que desprovida de qualquer nível de otimismo em torno das concepções de mundo que delimitam a sociedade administrada, a Teoria Crítica adota um pessimismo de método como uma forma antiidealista que barra a resignação do curso da história. Ser pessimista não é resignar-se pela Guerra, pelo holocausto, mas perceber a dor dessas injustiças como um trauma, um drama da vida moderna. Olgária Matos ratifica: os traumas “(...) impedem o adormecimento nas falsas certezas das esperanças infundadas, promovendo o despertar da razão de sua letargia mortal no mundo administrado” (1989, p. 254-55). O pessimismo que chamamos de método é encontrado nas diversas análises empreendidas pela Teoria Crítica. Assim como a indústria cultural se manifesta na totalidade da sociedade, o não “resignar-se”, está presente nas diversas esferas da existência. A música é uma delas. Mas que música é essa? Devemos falar de uma música que expressa o pessimismo de uma época? O desenvolvimento da indústria cultural levou à predominância do efeito, do toque óbvio e previsto sobre a própria obra de arte que antes externalizava uma idéia, mas que fôra liquidada. O fetichismo na música é a tônica desse processo. Adorno (1999) acredita que o lado inferior do fetichismo na música é a regressão da audição, cujo significado é uma crescente incapacidade de concentração em qualquer coisa, exceto, evidentemente, nos aspectos banais e truncados de uma composição. O resultado disso, só poderia ser catastrófico. Os ouvintes são programados para aceitar uma música que rejeita todo desenvolvimento coerente e que apresenta, em vez disso, a produção espacial do sempre igual servindo tão simplesmente para reforçar a dominação simbólica e, por tabela, retirar a individualidade. A trajetória da massificação é inescapável, porque como sugeria Adorno em Minima Moralia: “(...) a liberdade não consiste em escolher entre branco e preto, mas em escapar a toda a alternativa préfabricada” (2001, p. 134). Jay nos ajuda a entender melhor: (...) a fetichização assume muitas formas no atual estágio musical; o culto a maestros-estrelas e a músicos-estrelas, a obsessão com a perfeição técnica dos equipamentos de alta-fidelidade e o empobrecimento da audição daqueles que não conseguem entender nada além de melodias famosas (Jay, 1988, p. 111). 28 Já Edward Said (2003) em um conhecido debate travado com o maestro israelense Daniel Barenboim exemplifica: Adorno diz que a música deixa de ser uma representação da sociedade, como em Beethoven, por exemplo, a burguesia triunfante, como se vê no toque da trombeta do Fidélio, quando se chega a Schoenberg e ao sistema dodecafônico, que é uma representação da incapacidade da música de funcionar dentro da sociedade. (...) Adorno afirma que a música se tornou tão difícil e inacessível porque representa uma espécie de ossificação da sociedade, o que a impede inteiramente de ser a) executada, b) compreendida e c) ouvida (Barenboim e Said, 2003, p. 138). Podemos, então, fazer a seguinte indagação: para quem a música de entretenimento serve ainda como entretenimento? Para Adorno (1999) a resposta é emblemática. Ao invés de entreter, a música propagada pela indústria cultural contribui para o emudecimento do indivíduo já deformado, à morte da linguagem, à impossibilidade de comunicação. Afirma ele: “(...) a música de entretenimento preenche os vazios do silêncio que se instalam entre as pessoas deformadas pelo medo, pelo cansaço e pela docilidade de escravos sem exigências” (1999, p. 167). O ouvinte danificado é somente o consumidor passivo que se realiza através dos anúncios publicitários, porque já não resta alternativa a não ser, capitular aquilo que a indústria cultural veicula como cultura, mas externalizada enquanto mercadoria simbólica de opressão. Merton e Lazarsfeld (2000) acreditam que: A publicidade é dirigida especialmente para canalizar padrões ou atitudes de comportamento preexistentes. Ela raras vezes procura incutir novas atitudes ou criar novos padrões de comportamento. (...) uma vez que os maiores modelos de comportamento ou de atitudes genéricas tenham sido estabelecidos é fácil canalizá-los numa direção ou outra. A resistência é pouca (Merton e Lazarsfeld, 2000, p. 128). Segundo Baudrillard (1995) a realidade publicitária é a produção de um âmbito imagético que tem também força mítica, através da manipulação técnica de um conjunto de imagens, de signos, que ganham “autonomia” a partir do próprio meio em que são produzidos, e que são avaliados, não por sua referência ao real histórico, conflituoso, mas pela técnica de sua estruturação. Como o pesquisador deveria captar tais tendências, então? Para Adorno (1983), a sociologia da música deveria, sobretudo, se concentrar na busca de um método eficaz que possibilitasse uma análise “livre” de um pensamento sistemático. Seguindo um hábito científico, “(...) seria preciso delimitar o seu campo, dividi-lo em áreas, fazer a 29 resenha dos problemas, das teorias e dos principais resultados a que chegou a pesquisa, para ao final tentar uma sistematização” (1983, p. 259). Adorno nos proporciona a visualização da recusa de uma “separação entre método e objeto”, haja vista, que o método não é fixo, não é invariável em relação ao objeto. Isto resulta que os campos de pesquisa não se dividem em comportamentos coordenados e subordinados, e devem ser colocados em sua relação dinâmica. Diz ele: Mesmo a distinção plausível entre as esferas de produção, reprodução e consumo é produto social, e deve ser deduzida pela sociologia muito mais do que aceita. Orientada assim, a sociologia da música tem uma dupla relação com seu objeto, que será tomado por dentro e por fora. A significação social que habita a música em si mesma não é idêntica à sua posição e função social. (...) A grande música, a música íntegra, outrora consciência adequada, pode tornarse ideologia, aparência socialmente necessária (Adorno, 1983, p. 259). Essa afirmação, até certo ponto de vista valorativa, principalmente com a utilização das expressões “grande música” e “música íntegra” serve para Adorno como uma espécie de procedimento científico; como o estudo da música deve ser travado. Por mais que tenha distinguido entre alta cultura e cultura de massa, Adorno não esqueceu que “(...) toda cultura compartilha a culpa das sociedades” (1998, p. 26). O pensador alemão trata as questões inerentes à música como ideologia, mas não só como ideologia. Nota-se aí, a preocupação em afirmar que a música enquanto ideologia se caracteriza quando se torna objetivamente falsa, ou mesmo, é revelada suas contradições entre seu valor essencial e sua função. Diante da esfera administrativa da vida humana – a política – a música é capaz de produzir a ilusão do imediato, pois na essência da sociedade reificada e alienada “(...) o mundo racionalizado, que, no entanto, permanece irracional, necessita cuidar do inconsciente para se ocultar” (1983, p. 260). Por um lado, dado o processo de sofisticação da calculabilidade técnica das práticas capitalistas, a música é mera ideologia e, de outro, ela não é ideologia enquanto recurso imediato da dominação, mas sim, como forma de falsa consciência. É devido a isso, que a sociologia da música depende da utilização e reflexão dos métodos de análise e de sua relação com o conteúdo espiritual, mediante categorias técnicas. Jay (1988) acredita que o único campo no qual Adorno projetava algum vislumbre de esperança era a arte, à qual fez referências que pelo menos eram reconhecidamente ilusórias. Jay escreve: A arte, mesmo em suas formas mais elevadas, é aparência; mas sua aparência, sua parte irresistível, é dada por algo que não é aparência. A arte, notadamente 30 a arte depreciada como niilista, diz, ao abster-se dos julgamentos, que nem tudo é simplesmente nada. Se tudo fosse nada, o que quer que existisse seria pálido, incolor, indiferente. Toda luz que se projeta sobre os homens e as coisas reflete a transcendência. Não é possível apagar, da resistência ao mundo fungível da troca, a resistência do olho que não deseja que as cores do mundo se esvaiam. A aparência é a promessa da não-aparência (Jay, 1988, p. 50-51). De forma decisiva, Adorno não esquece para o estudo da sociologia da música, o processo de racionalização outrora percebido por Max Weber (1995). Em sintonia com o autor de “Os fundamentos racionais e sociológicos da música”, Adorno ressalta que a história da música é uma progressiva racionalização mesmo contrariando o irracionalismo reinante. Mais uma vez, diz ele: No interior da evolução total de que participou através da progressiva racionalidade, a música foi também, (...) a voz do que ficara para trás no caminho dessa racionalidade, ou do que fôra. Esta é a contradição social que está no centro da música dela mesma, e, é também a tensão de que até aqui a produtividade musical se tem alimentado. Por seu puro material a música é a arte em que os impulsos pré-racionais e miméticos se afirmam irredutivelmente, entrando ao mesmo tempo em constelação com as tendências ao progressivo domínio da natureza e dos materiais (Adorno, 1983, p. 262). Podemos perceber que o campo delimitado e cultivado da irracionalidade em meio ao processo de racionalização é produzido e administrado pela indústria cultural. Afinal, racional é o cálculo ao extremo dos atos de se planejar, produzir e administrar os empreendimentos econômicos. É importante frisar, segundo Jay (1988), que o conceito de produção tão intrínseco ao pensamento de Adorno, não deve ser posto como absoluto, ou tampouco, identificado à produção social de bens culturais. Atrelado a este conceito está a autonomia do sujeito de um lado, e a independência da mercadoria e do valor de troca, por outro. Note que esta autonomia é sempre uma autonomia parcial, pelo simples fato de as leis de produção expressiva do produto se distinguirem daquelas orientadas para a lógica do mercado. Reside aí, uma tensão permanente entre estes dois momentos. O que a música reflete são as tendências e contradições da sociedade como um todo. Seria duvidoso perceber a produção musical a partir da substância coletiva derivada de uma classe específica. Para Adorno, 4 a música é toda ela burguesa, porque 4 A idéia de Adorno é basicamente a mesma do trabalho de Elias (1994) que trata de Mozart. Para Adorno, “(...) o compositor não só está preso as condições sociais objetivas da produção, como sua façanha mais pessoal, uma espécie de síntese lógica de natureza particular, é nela mesma social. O sujeito da composição não é individual, mas coletivo. Toda música que seja a mais individualista pelo estilo, tem uma substância irredutivelmente social: qualquer tom diz nós” (Adorno, 1983, 265). Schoenberg diria mais, “(...) a fim de compreender a própria essência da criação, é preciso lembrar do fato de que não havia 31 de uma maneira geral, está se falando de uma sociedade que congrega valores burgueses. E aí reside a sociologia da música. Jay (1988) destaca: (...) a sociologia não deve questionar o modo como a música funciona, mas o modo como ela se posiciona diante de antinomias sociais fundamentais; tratase de verificar se ela se dispõe a dominar essas antinomias ou se lhes permite permanecer ou até mesmo as escamotear (Jay, 1988, p. 122). Sem embargo, mesmo não adjudicando a produção musical a interesses ou tendências sociais particulares, não impede de se reconhecer características sociais específicas, características essas, por exemplo, que alteram sua relação com o valor de uso, e passa a ser percebido meramente pelo seu valor de troca. Neste trabalho o que se evidencia sobre a verdade social da música é dado pela contradição entre as suas diversas substâncias que estão ligadas à sua própria constituição. Em exercício está o emprego de uma sociologia crítica. Adorno faz uma bipartição da música, em “séria e leve”, “arte alta e baixa” como já observamos, que deve ser socialmente interpretada em seus vários níveis. De forma valorativa, esta interpretação para ele, se torna duvidosa quando a música é “simplória”, “regressiva” ou “nula”. Diz ele: “(...) é mais difícil determinar as razões do sucesso de um “hit” comparado a outro, do que diferenciar, digamos, o apelo social das várias obras de Beethoven” (1983, p. 267). Neste ponto é necessário esclarecer. Em Dwight MacDonald (2000) encontramos a bipartição da outrora chamada “cultura popular” em cultura de massa e cultura média – “masscult” e “midcult”. O termo “masscult” é carregado de negativismo. Parece não haver criação, tampouco personalidade criativa porque já fôra liquidado o indivíduo. Por outro lado, para satisfazer as necessidades de um público intermediário, que vagueia entre o refinado e o massificado é necessário a produção de uma “cultura média”. Ecléa Bosi (1986) explica: “(...) a “midcult” tem-se por séria e digna. Ela cultua certos valores: a aparência bem composta e, sempre que possível, brilhante; desdenha o grosseiro, embora ame o pitoresco, o picante” (1986, p. 77). Já para Umberto Eco (2004), o “kitsch” é percebido como uma técnica que satisfaz a luz antes que o senhor dissesse: “Faça-se a luz”! E visto que ainda não havia luz, a onisciência do Senhor teve uma visão que apenas sua onipotência podia realizar. Nós, seres humanos, quando fazemos alusão a um desses espíritos que chamamos criadores, não deveríamos jamais esquecer do que é, na verdade um criador. Um criador tem uma visão de algo que não existe antes dessa visão. E o criador tem o poder de dar vida a essa visão, o poder de realizá-la” (Schoenberg Apud Moraes, 1983, p. 75). 32 ideologia e as aspirações emotivas de um público também médio, como o “midcult”, mas captado pela pré-fabricação e imposição de efeitos nas práticas de consumo. Por acreditarmos na existência de certas desconformidades no uso de expressões como música séria e música ligeira, alta e baixa cultura, e diversos outros termos hierarquizantes, não buscamos, em essência, estabelecer critérios valorativos diferenciadores nesta pesquisa. Não negligenciamos, portanto, a “masscult”, a “midcult” ou o “kitsch”, mas sim, optamos por percorrer outro caminho. Trata-se de um trabalho que procura apontar analiticamente a forma na qual a indústria cultural opera e sistematiza a sua racionalidade técnica nas disposições dos agentes. Discutir a música – a arte – de uma forma geral, estabelecendo critérios valorativos diferenciadores estaríamos caindo no erro, ou pelo menos, evidenciando o preconceito de classes. O fato é que a música é nivelada pela administração da produção de mercado que se justifica pela vontade já manipulada e reproduzida, convergindo aqueles que a consomem a meras encruzilhadas de tendências que, como diz Adorno: (...) a unidade da cultura musical contemporânea, como parte da indústria cultural, é a auto-alienação total. O que estaria perto, a “consciência das necessidades”, torna-se insuportavelmente estranho. E o mais alheio, entretanto, que não contém mais nada dos homens, é metido neles a força de repetição pela maquinaria, achegando-se ao seu corpo e ao seu espírito: é o que está indiscutivelmente mais próximo (Adorno, 1983, p. 268). E neste contexto como estaria situada a crítica cultural? Para Adorno (1988), a priori, aquele que se proclama crítico da cultura normalmente não está satisfeito com a cultura, e sua insatisfação reside exatamente pelo estado historicamente dado em que ela se encontra. Procurando desmistificar a idéia de “cultura isolada”, “inquestionada” e “dogmática”, Adorno faz uma crítica da crítica da cultura, revelando através de uma abordagem dialética, tão presente em seu pensamento, que os próprios “críticos” da cultura no estágio atual que escrevia ajudavam a “tecer o véu” a favor do pensamento dominante. Diante disto, a crítica deveria ser um elemento inalienável. Comprova Adorno que: A cultura só é verdadeira quando implicitamente crítica, e o espírito que se esquece disso vinga-se de si mesmo nos críticos que ele próprio cria. (...) A crítica não é injusta quando destrói – esta ainda seria sua melhor qualidade – mas quando, ao desobedecer, obedece. A cumplicidade da crítica cultural (...) é ditada, sobretudo pela relação do crítico com aquilo de que trata. Ao fazer da cultura o seu objeto, o crítico torna a objetivá-la (Adorno, 1998, p. 11). 33 Em resumo, a cultura da qual Adorno nos fala é aquela que se entrega às determinações do mercado, “cultura burguesa” termo empregado livremente por Adorno, entrelaçada, para o bem ou para o mal que se revela em renovação para a produção do sempre igual. Revelando seu lado pessimista, Adorno acredita que uma definição objetiva da cultura não pode deixar de lado, a gravitação do fetichismo em torno dela, bem como, sua postura neutralizada e reificada. A crítica que este trabalho procura sistematizar é influenciada evidentemente pelo pensamento adorniano; busca se opor, por mais difícil ou improvável que pareça, da divisão entre alta cultura ou mesmo, cultura popular. A crítica que é construída é também colocada na própria suspensão. Decifrar quais elementos da tendência geral do público que estamos analisando, por meio dos quais se efetivam os interesses mais poderosos é o fundamental, pois, “(...) quando mais o todo é despojado de seus elementos espontâneos e socialmente mediado e filtrado, quanto mais ele é “consciência”, tanto mais se torna cultura” (1998, p. 21). Vista sob a perspectiva de Adorno, a crítica cultural se concentra em destacar, do lado das “funções” negativas, a tendência para a produção da alienação do homem através do reforço de normas sociais, do encorajamento do conformismo social e da marginalização do debate sobre as questões vitais da sociedade. Nesse quadro, a cultura feita em série, industrialmente, passa a ser vista não como instrumento de crítica e conhecimento, mas como produto trocável pelo capital econômico e que deve ser consumido como se consome qualquer coisa. É produto feito de acordo com as normas gerais em vigor: produto padronizado. Adorno e Horkheimer apontam: A arte fornece a substância trágica que a pura diversão não pode por si só trazer, mas da qual ela precisa para manter o princípio da reprodução exata do fenômeno. O trágico torna interessante a insipidez da felicidade que passou pelo crivo da censura e põe ao alcance de todos o que é interessante. [Assim], (...) rimos do fato de que não há nada de que se rir (...) no fundo, no fundo se trata do homem que escarnece de si mesmo (Adorno e Horkheimer, 1985, p. 131 e 143). Para Adorno a ideologia, ou seja, a aparência socialmente necessária seria a própria sociedade real, na medida em que substitui o sentido por ela mesmo determinado. Assim, quanto mais totalitária for a sociedade tanto mais será também o espírito. Por isso, a crítica cultural encontra-se diante do estágio final da dialética entre 34 cultura e barbárie. Melancólico, característica Frankfurtiana, como destaca Matos (1989), Adorno categoricamente finaliza: (...) escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro, e isso corrói até mesmo o conhecimento de por que hoje se torna impossível escrever poemas. Enquanto o espírito crítico permanecer em si mesmo em uma contemplação auto-suficiente, não será capaz de enfrentar a reificação absoluta, que pressupõe o progresso do espírito como um de seus elementos, e que hoje se prepara para absorvê-lo inteiramente (Adorno, 1998, p. 26). Contudo, seria exagero acreditar que a música não possa transcender este estado de coisa. Para Jay (1988) a música pode transcender, em lugar de simplesmente refletir a sociedade existente. Isto é algo que Adorno não duvidava, mas, segundo ele, só poderia ocorrer se a música se recusasse a manter-se presa em suas contradições. Em uma passagem bastante citada, diz Adorno: A música será tanto melhor quanto mais profundamente for capaz de expressar – nas antinomias de sua própria linguagem formal – a exigência da situação social, e de conclamar a mudança através de sua linguagem codificada de sofrimento. A música não deve olhar a sociedade com um horror desesperado. Ela cumpre sua função social, de modo mais preciso, através do seu próprio material e de acordo com suas próprias leis formais; problemas que a música contém em si mesma, nas células mais íntimas de sua técnica (Adorno Apud Jay, 1988, p. 123). 1.5. A sociologia da arte: Boa parte da música torna-se, de fato, mercadoria produzida apenas para a venda no mercado e é, por conseguinte, parte da indústria cultural. Mesmo que alguma música seja capaz de lutar contra esse destino, seu conteúdo tem de refletir a triste situação, como lembra Adorno, “(...) de produzir a divisão entre arte e vida, divisão que não pode ser corrigida na música, mas apenas na sociedade” (1988, p. 123). Benjamin (1983) encara o fenômeno da industrialização da arte, propenso a modificar a própria noção de arte, seus trabalhos, aqui mais precisamente, “A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução”, se volta à renúncia do uso de noções tradicionais, tais como: “poder criativo”, “genialidade”, valor de “eternidade” entre outros, utilizáveis no sentido de formular as exigências revolucionárias dentro da política da arte. Para Benjamin a obra de arte sempre foi passível de reprodução, mas diferentes eram as técnicas de reprodução, uma vez que, se tratavam de um fenômeno recente que 35 nasceram e se desenvolveram no curso da história. Com o advento do século XX, as técnicas de reprodução atingiram um nível tão sofisticado que, em decorrência, ficaram em condições não apenas de se dedicar às obras de arte do passado e de modificar de modo profundo os seus meios de influência, mas de elas próprias se imporem, como formas originais de arte. A tônica dessa afirmação é a destruição do “halo” que supostamente envolveria as obras de arte. Com o progresso das técnicas de reprodução, sobretudo do cinema, a aura acabava por se diluir nas inúmeras reproduções da obra original, destituindo da obra de arte o seu valor de raridade. Benjamin acreditava que mesmo a mais perfeita e sofisticada reprodução de uma obra de arte faltava-lhe sempre o “hic et nunc”, que se constituía naquilo chamado de autenticidade. Ou seja, a reprodução tecnológica desbanca a singularidade do halo autêntico da arte. Via indústria cultural, como lembra Jay, a reprodução tecnológica: (...) emprega uma pseudo-aura para dar àquilo que na realidade são mercadorias completamente padronizadas, o efeito de individualidade (...) fornecendo um pseudo-individualismo que mascara o poder da troca para minar o não-idêntico no mundo administrado (Jay, 1988, p. 112). Adorno parece não ter nenhum traço de confiança no potencial emancipatório da tecnologia que inspirou Benjamin. Como bem diz, em “Filosofia da nova música”, “(...) talvez a arte só venha a ser autêntica quando se tiver tornado completamente livre da idéia de autenticidade – do conceito de ser assim e não de outro modo” (2002, p. 26). A autenticidade percebida por Benjamin se refere a originalidade transmissível da arte, desde sua duração material até seu poder de testemunho da história. Na época das técnicas de reprodução, o que é atingido na obra de arte é a sua aura, e seu agente mais eficaz é o cinema, na qual a “massa” é convidada a uma liquidação geral do drama social. Diz ele: (...) com efeito dentro das massas, duas tendências igualmente fortes: exigem de um lado, que as coisas se lhe tornem, tanto humana como espacialmente, “mais próximas”, de outro lado, acolhendo as reproduções, tendem a depreciar o caráter daquilo que é dado apenas uma vez (...) despojar o objeto de seu véu, destruir a sua aura, eis o que assinala de imediato a presença de uma percepção, tão atenta àquilo que “se repete identicamente pelo mundo”, que, graças à reprodução, consegue até estandardizar aquilo que existe uma só vez (Benjamin, 1983, p. 9). Aldous Huxley (2001) já sabia que os progressos técnicos tinham o poder de conduzir a sociedade a uma vulgarização exacerbada da vida social. Em sua obra 36 encontramos a seguinte passagem: “(...) mais vale dar fim que consertar. Quanto mais se remenda menos se aproveita. (...) a volta à cultura. Isto mesmo, à cultura. Não se pode consumir muita coisa se ficar sentado lendo livros” (2001, p. 64). E Benjamin não obstante, tinha claro e evidente, que tal “progresso técnico” em todas as artes ocasionaria a produção intensa do fracasso artístico devido ao consumo inconteste de textos, imagens e discos realizado pelas massas. Mas Benjamin situa-se em posição teórica distante, em muitos aspectos, a de Adorno. Sendo o expoente da “Escola de Frankfurt” mais inspirado na dialética marxista, Benjamin confere a massa, “antes” descaracterizada do pensamento crítico, a matriz de onde brotaria um fio de esperança em relação a arte. Acreditava que mesmo a massa procurando a diversão onde na verdade se exigiria a concentração, a arte, sobretudo o cinema, se tornaria portador de uma extraordinária esperança histórica desde que se pudesse mobilizá-la em torno de uma renovação eficaz das estruturas sociais. Assim, na esperança de uma politização da arte, diz ele: “O público das salas obscuras é bem um examinador, porém um examinador que se distrai” (1983, p. 27). 5 Jay destaca: Enquanto Benjamin afirmava com otimismo, que a invasão da produção estética pela reprodução tecnológica havia criado a possibilidade de uma arte de massa politicamente progressista, Adorno replicava que havia um potencial emancipatório mais genuíno no desenvolvimento interno da técnica artística no interior das obras de arte aparentemente autônomas (Jay, 1988, p. 113). A postura de Benjamin frente à possibilidade revolucionária do cinema e suas contribuições no campo da estética da arte, não impediram Adorno de apontar “equívocos” presentes no pensamento do sociólogo frankfurtiano mais influenciado pelo marxismo. Segundo Adorno passou despercebido a Benjamin que a técnica se define em dois níveis: primeiro, “(...) enquanto qualquer coisa determinada intraesteticamente” [e, segundo] “enquanto desenvolvimento exterior às obras de arte” (Kothe, 1979). Em outra citação e muito discutida, Adorno esclarece que: A vida real vem se tornando indistinguível dos filmes. O filme sonoro, que ultrapassa em muito o teatro da ilusão, não deixa espaço para a imaginação ou reflexão por parte da platéia (que é incapaz de responder dentro da estrutura do filme), desviada do detalhe preciso do filme sem perder o fio condutor da trama; assim sendo, o filme força suas vítimas a equacioná-lo diretamente com a realidade (Adorno, 1985, p. 126). 5 Para Jim Morrison, vocalista da banda de rock “The doors”, que fez parte da “geração Woodstock”, os “(...) espectadores de filmes são vampiros silenciosos” (Muggiati, 1985, p. 22). 37 Não só o cinema, mas também o rádio, para Adorno, não deveria ser percebido como arte, posto, trata-se de negócios; negócios estes, que devido à sistemática programação da exploração dos bens ditos culturais, revelaram-se na indústria cultural. Mas neste ponto é preciso ter atenção redobrada, pois o pensamento dialético sempre busca alternativas. Como já se falou, o pessimismo é referente ao método, pois é recorrente a “(...) necessidade de dar voz ao sofrimento [como] condição de toda verdade” (1988, p. 142). Então é justo reconhecer, e Adorno admite, que a própria ideologia da indústria cultural passa a ser internamente antagônica. Essa mesma ideologia contém o antídoto para a sua própria cura. Deixemo-lo falar: O cinema enfrenta o dilema de encontrar um procedimento que não decai, tornando-o arte industrial, nem leve a assumir uma aparência mais próxima do documentário. (...) a integração entre consciência e lazer não é evidentemente, bem sucedida em sua totalidade. Os interesses reais dos indivíduos ainda são fortes o suficiente, nas margens, para resistir ao controle absoluto (Adorno Apud Jay, 1988, p. 116). Enquanto Adorno e Benjamin percorrem tais caminhos, Marcuse (2000) parte do pressuposto de que toda a sociedade perdeu a direção. Sua tentativa é iluminar possíveis caminhos alternativos. Em uma sociedade danificada pela técnica, a arte em sentido genérico – literatura, música, etc. – também é a expressão da barbárie do progresso humano. Como a ponta de um “iceberg”, a arte responderia à crise da sociedade. Marcuse (1978) enfatiza: “(...) a dessublimação repressiva manifesta-se em todas as formas de divertimento, de descontração e de sociabilidade, que exercem a destruição da privacidade, o desprezo pela forma, a incapacidade de tolerar o silêncio e a exibição orgulhosa de rudeza e de brutalidade” (1978, p. 37). Por esse diagnóstico não teríamos outra saída senão, rebelarmos-nos contra a repressividade instalada nos discursos da modernidade. Para o autor, o caminho da esperança seria percorrido através da arte de vanguarda, com uma clara linguagem revolucionária privilegiando a construção de um novo indivíduo. Diz ele: A arte pode cumprir sua função revolucionária interna somente se ela própria não se torna parte de qualquer “establishment”, inclusive o “establishment” revolucionário. (...) isso significa que a arte deve encontrar a linguagem e as imagens capazes de comunicar essa necessidade como sua própria. Pois é impossível imaginar que as novas relações entre homens e coisas jamais possam surgir se os homens continuam a ver as imagens e a falar a linguagem da repressão, da exploração e da mistificação. (...) não uma arte política, não a 38 política como arte, porém a arte como arquitetura de uma sociedade livre (Marcuse, 2000, p. 261, 263 e 270). Jay (1988) e Matos (1989) acreditam que Adorno jamais abandonou por completo a esperança de que a mudança radical ainda fosse possível. Por mais que tenha sido a freqüência com a qual caracterizou o mundo como um sistema marcado pela desilusão, ele se recusava a torná-lo absolutamente insensível a negação. Mesmo enfatizando o poder do “sempre-igual”, tinha esperança no futuro, porque “Só quem conhece o mais recente como tal poderá servir ao diferente” (1988, p. 99). Enquanto Matos (1989) sugere que: “(...) a Teoria Crítica é um querer-viver que procura reparar as ruínas da história, que deseja realizar suas promessas com relação a humanidade decepcionada” (1989, p. 273). Na verdade a aposta é na decifração da falsa promessa totalitária, da crítica a objetividade. É uma busca a individualização do conhecimento por uma individuação da resistência. Trata-se de colocar a emancipação como problema, através da crítica da liberdade. E assim, uma possível saída do complexo traumático que danifica a mente humana via indústria cultural seria admitido. Em “Educação e emancipação” (1995) Adorno finaliza: Penso, sobretudo, em dois problemas difíceis que é preciso levar em conta quando se trata de emancipação. Em primeiro lugar, a própria organização do mundo em que vivemos é a ideologia dominante – hoje muito pouco parecida com uma determinada visão de mundo ou teoria – ou seja, a organização do mundo converteu-se a si mesma imediatamente em sua própria ideologia. Ela exerce uma pressão tão intensa sobre as pessoas que supera toda educação. (...) No referente ao segundo problema (...) emancipação significa o mesmo que conscientização, racionalidade (...) A educação seria impotente se ignorasse a adaptação e não preparasse os homens para se orientarem no mundo. Porém, seria questionável se ficasse nisto, produzindo nada além de “well adjusted people”, em conseqüência do que a situação existente se impõe no que tem de pior. (...) a única concretização efetiva da emancipação consiste em que aquelas poucas pessoas interessadas nesta direção orientem toda a sua energia para que a educação seja uma educação para a contradição e para resistência. (Adorno, 1995, p. 143 e 183). Alternativa diferente é assinalada por Bourdieu, sem, contudo, distanciar-se do objetivo comum. Afirma ele: (...) é preciso defender as condições de produção que são necessárias para fazer progredir o universal, e ao mesmo tempo, é preciso trabalhar para generalizar as condições de acesso ao universal, para fazer de maneira que cada vez mais pessoas preencham as condições necessárias para apropriar-se do universal. 39 (...) é preciso que os produtores que estão em sua pequena cidadela saibam sair dela e lutar, coletivamente; lutar em união com os docentes, com os sindicatos, as associações etc., para que os receptores recebam uma educação visando elevar seu nível de recepção (Bourdieu, 1997, p. 95). Sem procurar cair em uma espécie de elitismo cultural, como fôra acusado Adorno, lembremos de seu desprezo declarado ao jazz, ou na demagogia, Bourdieu defende então, a manutenção e mesmo a elevação do “direito de entrada nos campos” marcados pela indústria cultural, concomitante ao reforço do “dever de sair” dos campos de produção e consumo. Tal afirmação tem explicação. É uma forma de propor a acumulação do capital simbólico necessário que resguarde uma certa dose de autonomia na recepção e reprodução das mensagens simbólicas veiculadas pela indústria cultural. É, em outras palavras, o exercício da prática social verificado nas disposições dos agentes, assegurando o direito de consumir um determinado gênero musical, por exemplo, sem perder o dever de recusar o que lhe é ofertado. Produção e reprodução dos bens culturais, logo, a ótica contingente das diferentes linhas de ações. 40 PARTE II: MÚSICA POPULAR BRASILEIRA E A CONSOLIDAÇÃO DO MERCADO DE BENS SIMBÓLICOS 41 “Só os conceitos que não tem história podem ser definidos”. Adorno, Minima Moralia. 2.1. Avanços preliminares sobre a história da música: A música desde a China antiga até o Egito, da distante Índia até a idade áurea da Grécia, ou mesmo Roma, sempre exerceu influência decisiva na sociedade. Acreditavam os antigos, que a música tinha o poder de envolver ou degradar completamente a alma dos indivíduos e, deste modo, fazer ou desfazer civilizações inteiras. Supunha-se que o indivíduo era capaz de interiorizar a música, o que significava que ela determinava o tipo de nossos pensamentos e atos; magnetizava a sociedade adequando-a consigo mesma. Assim, se a música de uma civilização se caracterizasse por ser romântica então, a própria sociedade a seria. Na verdade, o que se postula é a conexão entre música e sociedade. Aliás, para Wisnik (1999), só podemos perceber uma sociedade se esta tiver a capacidade de produzir música; de estruturar sua própria expressividade artística. David Tame (2003) não é diferente. Resgata esses pressupostos e ressalta a função da música na antiguidade. Segundo ele, os “antigos” acreditavam, por exemplo, que a música era a expressão exata da sociedade, do povo; ela nas mãos dos maus músicos ou de governos totalitários (lembramos do tempo histórico em que escrevia Adorno) levaria a civilização à ruína inevitavelmente. Por isso, o som organizado inteligentemente representava, a mais elevada de todas as artes. Aristóteles elucida: Através da música (...) o homem se acostuma a experimentar as emoções certas; tem a música, portanto, o poder de formar o caráter e os vários tipos de músicas, baseados nos vários modos, distinguem-se pelos seus efeitos sobre o caráter – um, por exemplo, operando na direção da melancolia, outro na da efeminação, um incentivando a renúncia, outro o domínio de si, um terceiro o entusiasmo, e assim por diante, através da série (Aristóteles apud Tame, 2003, p. 19). Porém, com o transcorrer da história, perderam-se toda a crença na música como força simbólica capaz de mudar o indivíduo e a sociedade. Paradoxalmente a falta de preocupação com a natureza e os efeitos reais da música, verificou-se no século XX, um avassalador crescimento da disponibilidade e da variedade dos estilos musicais. Para Tame (2003) o século XX notabiliza-se pela espantosa variedade de sons disponíveis e pelas formas musicais serem destituídas de genuíno calor espiritual. Esta idéia é 42 bastante próxima, como vimos, a de Adorno (1999), pois resulta que o “(...) ideal é não haver ideais, e a regra é não existirem regras” (2003, p. 76). Já Weber (1995), procura demonstrar como a música que se desenvolveu no ambiente histórico europeu é diferente de qualquer outra e, com isso, se ajusta a certas tendências centrais da modernidade européia. Grosso modo, a obra de Weber é um estudo comparativo entre a sociedade ocidental e oriental. As relações entre as formas assumidas pela música ocidental e o processo que o autor designou por racionalização era o traço específico da modernidade. A racionalização que Weber nos fala refere-se à ação. Diz ele: “(...) a racionalização é o processo que confere significado à diferenciação de linhas de ação” (1995, p. 17). Isto significa que as dimensões da vida social, em determinadas condições do seu desenvolvimento, suscitam ações sociais racionalmente orientadas. Não interessou para esse estudo demonstrar a análise que Weber fez sobre a religião, mas sim, o modo como ela se relaciona com a arte. Novamente afirma: (...) se a religião esteve dedicada à sistematização e racionalização do modo de vida, da conduta dos seus crentes, a música de certa maneira muito mais endógena, operou a sistematização e racionalização do seu próprio material e de seus próprios meios (Weber, 1995, p. 27). A arte constitui-se então, como um “cosmo” de valores próprios sempre conscientes, abrangentes e autônomos. 6 Nesta perspectiva, podemos destacar dois momentos distintos no processo de racionalização: a ingenuidade original e o intelectualismo. O primeiro corresponde a um “mundo uno”, não desencantado e não racionalizado, em que as relações entre arte e religião podem perfeitamente se encaixar, desde que a arte sirva de acessório à religião, contribuindo e reiterando os valores religiosos. O intelectualismo, por sua vez, diz respeito à moderna sociedade ocidental, altamente racionalizada em todas as esferas da existência – sendo o modo e a intensidade diferente e variável – e, completamente, desencantada. Segundo Weber, “(...) quanto mais autonomizada for a arte, maior será sua tensão com a religião” (1995, p. 31). 6 Comparando música e pintura, diz Leonardo Da Vinci: “A superioridade da pintura sobre a música existe pelo fato de que, a partir do momento em que ela é convocada para viver, inexiste motivo para que venha a morrer, como ao contrário, é o caso da música. (...) A música se evapora depois de ser tocada; perenizada pelo uso do verniz, a pintura persiste” (Da Vinci Apud Benjamin, 1983, p. 21). Diferentemente de Schopenhauer que “(...) coloca a música no topo da hierarquia das artes, como objetivação imediata da vontade” (Schopenhauer Apud Adorno, 1983, p. 262). 43 Max Weber trabalha com a idéia de que na sociedade ocidental a música foi racionalizada harmonicamente através da técnica. Enquanto, no oriente a música foi racionalizada de modo não-harmônico, isto é, melodicamente. De modo que, a racionalização do material sonoro se deu basicamente por duas vias: o processo de formação dos intervalos e o processo de formação das escalas. Assim, nas sociedades orientais, tanto as escalas, como os intervalos musicais, estavam baseados em critérios extramusicais. Isto indicava que a esfera artística ainda não possuía uma legalidade própria, pois fôra guiada por uma racionalidade que não lhe era própria. A arte nas sociedades primitivas, na argumentação do autor, estava atrelada a fins práticos, porque não possuía autonomia e, dessa forma, “estava a serviço” de outros valores como, por exemplo, da religião. Na sociedade ocidental, a arte se autonomiza, com isso se liberta das finalidades práticas, possibilitando o início da “verdadeira racionalidade”. A autonomia significa para Weber, que a arte se desdobra de acordo com suas leis próprias. Como lembra Tame (2003), durante toda a Idade Média a música dita “séria”, fôra sustentada pela lógica da tradição religiosa. Exemplo desta relação é a arte dos grandes compositores da era clássica da música, como: Mozart, Bach e Haydn. Norbert Elias (1994) descreve um ambiente conflituoso entre o artista Mozart e a sociedade cortesã. Elias demonstra o processo de surgimento, desenvolvimento e, por fim, emancipatório do compositor erudito Wolfgang Amadeus Mozart. O artista “genial” fôra criado sob o modelo de dominação vigente naquela sociedade; sob o paradigma da sociedade cortesã. As potencialidades inerentes à criatividade de Mozart foram canalizadas no sentido de ir ao encontro aos anseios e demandas da nobreza de corte. Em pauta na discussão de Elias está, entre outras coisas, a desmistificação da idéia do gênio criador. 7 O gosto musical de Mozart ficava confinado aos sentimentos gestados pela sociedade aristocrática definindo o padrão musical a ser compartilhado entre os indivíduos mais abastados. Norbert Elias destaca que a capacidade criativa de Mozart estava presa à estrutura de poder que conferia a nobreza de corte precedência sobre todas as classes, determinando que tipo de música um artista burguês pudesse tocar nos 7 Adorno diz algo semelhante: “A parte da obra que “pertence” ao compositor, como a qualquer artista produtivo, é incomparavelmente menor do que supõe a opinião vulgar, orientada ainda pela noção de gênio. (...) Mesmo o conceito de talento não deve ser um dado natural para a sociologia da música. As épocas e estruturas sociais tendencialmente produzem os talentos que mesmo em linha crítica estão na sua medida (Adorno, 1983, p. 264 e 267). 44 círculos cortesãos e até que ponto suas inovações poderiam ir. Em suma, “(...) a função primária de Mozart era agradar aos senhores e senhoras elegantes da classe dominante” (1994, p. 68). 8 Essa discussão serve para expor que a fantasia pessoal de Mozart, no momento da criação musical, estava subordinada a um padrão social de produção artística consagrado pela tradição e garantido pelo poder de quem consumia arte, negligenciando em um primeiro momento na obra do artista, elementos de autoquestionamento e de individualização, que só em outro momento da história poderia se consolidar. 9 Os estilos tradicionais se mantinham, simplesmente, por um consenso sobre o que devia ou não ser produzido. Todavia, a série mais significativa de inovações da música ocorreu no século XX, conhecida como “nova música”. Foi a gradativa evolução da harmonia que possibilitou as mudanças no emprego da tônica. Uma revolução técnica que girou em torno da harmonia, ritmo, forma, timbre e escala (Tame, 2003). Esta revolução também acarretou mudanças no próprio comportamento dos ouvintes de música. O ouvinte teve a sua atenção atraída pela “nova música” do século XX, em níveis que não eram espirituais, mas, apenas mentais e emocionais. O compositor dito moderno, por conseguinte, não mais usa as “amarras da tradição” para impeli-lo de avançar em um mundo profano. A orquestra que anteriormente marcava o cenário musical foi substituída pela engenhosidade do século XX, porque: A nova música possibilitada pelos novos instrumentos e procedimentos não serão menos nem mais válida – será diferente. (...) O elemento musical será estabelecido por um sintetizador eletrônico alimentado com uma partitura em forma de programa de computador. Os instrumentos musicais ter-se-ão transformado num eletrodo clínico aplicado ao antebraço (Tame, 2003, p. 123). Tame (2003), “julga” que a nova música, sobretudo o rock, deixaria de ser considerada arte destinada a elevar e emancipar espiritualmente a humanidade, para converter-se numa indústria que esvaziaria o comportamento humano de propósitos 8 Curiosa é a afirmação de Schoenberg: “Creio que um compositor digno desse nome escreve sua música pela única razão de que ela lhe agrada. Aqueles que compõem com o desejo de agradar aos outros e que pensam apenas no seu público não são verdadeiramente artistas. Não são inspirados (...) são apenas diletantes mais ou menos hábeis, que renunciariam à composição, se não estivessem certos de encontrar ouvintes” (Schoenberg Apud Moraes, 1983, p. 74). 9 O próprio pensamento de Bourdieu está em consonância a de Elias (1994) e Adorno (1983); claro que, cada um a seu modo. Se para Elias a vida de Mozart serve para descaracterizar a idéia da crença no “gênio criador”, Bourdieu ilustra sua perspectiva, por exemplo, na vida de Flaubert, percebendo que a “(...) autonomia do artista encontra seu fundamento não no milagre de seu gênio criador, mas no produto social da história social de um campo relativamente autônomo. Os limites do pensável faz com que aquilo que se passa no campo jamais seja o reflexo direto das coerções ou demandas externas, mas uma expressão simbólica, refratada pela lógica total própria do campo” (Bourdieu, 1983, p. 170). 45 políticos. A música boa – a clássica – teria por escopo expandir a consciência em uma atividade que exigiria tanto um estado de relaxação quanto uma atitude de tensão crítica. O ouvinte deveria ter voz ativa e não passiva, afinal a música “séria” ocidental foi levada a cabo e a fonte de criatividade e beleza autêntica quase secou diante da lógica do sistema capitalista. Esquematicamente, o estudo de Tame opera em dois pólos: no primeiro está às concepções de arte (a música) para os antigos e tradicionalistas; impregnada na tese de que a música afeta o caráter e a sociedade e, por isso, a arte deveria ser responsavelmente moral. No segundo pólo encontramos as considerações referentes ao paradigma “materialista”, que objetivamente nega a responsabilidade e a necessidade de julgamentos de valor. Neste campo estariam os músicos populares culturalmente significantes do jazz e do rock. O autor nega o pensamento dito materialista, por acreditar que a música tem o poder de proporcionar sentimentos, de certo ponto de vista, simplórios, tais como: de alegria, energia, melancolia, violência, sensualidade, calma, devoção, entre outros, que constituiriam as experiências necessárias que molda de forma vital o caráter humano, sobretudo, da juventude. A música transmitiria a própria essência emocional ou da realidade da informação. Ora, neste sentido, a música se constituiria como a “linguagem das linguagens”, porque nenhuma outra moveria vigorosamente a consciência como a arte musical. Diante da dicotomia nova música ou música de essência religiosa, podemos perguntar afinal, onde termina a música romântica ou mesmo, onde começa a música moderna? Consideramos as primeiras décadas do século XX como produtor de uma música que se insere na modernidade. Quem afirma é Moraes (1983) que destaca: A caracterização geral é o que confere a cada momento histórico algo que pode ser daí deduzido enquanto “estilo de época” ambos se entrecruzam, trocando-se informações. E se em ambos podemos encontrar características “românticas” (individualismo, lirismo, predomínio da emoção sobre a razão), também podemos localizar neles traços de “modernismo” (ruptura com as tradições acadêmicas, liberdade de criação e pesquisas estéticas) (Moraes, 1983, p. 12). O espaço da modernidade é caracterizado simultaneamente, pela riqueza e pela diversidade da atividade musical, em que os grandes centros culturais proporcionam o surgimento de um número enorme de estéticas diferentes. Ou seja, a modernidade não é definida como “um período” de único estilo geral que caracterizaria uma época. É um 46 espaço com a presença de vários estilos e, em algumas instâncias, o de várias linguagens. A nova música, portanto, tem na experimentação o traço marcante da modernidade: “(...) pôr à prova, de ensaiar, mas de buscar o novo (...) ousando ultrapassar os limites do seu código, propondo novas ordenações internas do código ou, ainda, criar códigos novos, jamais pensados anteriormente” (1983, p. 15). 2.2. Formação da música popular brasileira: A música popular consolidou-se ao longo do século XX, como uma manifestação da cultura brasileira ligada a indústria do divertimento. José Roberto Zan (2001) pensa que a partir da invenção do fonógrafo por Thomas Edison, no ano de 1877, serviu para a cristalização de um singular ramo da indústria cultural, qual seja: a indústria fonográfica que passou a perceber na música popular um produto bastante rentável. Porque como já antecipava Simon Frith, na citação de Zan, “(...) a música popular do século XX significa o disco popular do século XX” (2001, p. 105). Tinhorão (1981) e Zan (2001) partindo então, do que poderíamos chamar de essência da formação da música popular produzida em escala no Brasil, afirmam que o marco que constitui a indústria fonográfica foram as inéditas gravações em cilindros feitas por Frederico Figner, no distante ano de 1887, na cidade do Rio de Janeiro. Figner atuara como uma espécie de produtor/empresário do incipiente meio musical, passando a contratar músicos como Manuel Pedro dos Santos (o Baiano), Antônio da Costa Moreira, conhecido como “Cadete”, e até mesmo a Banda do Corpo de Bombeiros, regida por Anacleto de Medeiros, registrando em cilindros as famosas modinhas, valsas, polcas, maxixe, tango e lundus. Já em março de 1900, vislumbrando certa dose de prosperidade em seus negócios Figner “(...) fundou a Casa Edison, destinada a comercializar fonógrafos, gramofones, cilindros, discos importados e fonogramas gravados por ele próprio” (2001, p. 107). Mas, Vasconcelos (1997) alerta: (...) a produção racional da música para o mercado teria que se acomodar ao roubo do direito autoral, ao plágio, à compra de música de compositores desconhecidos por parte de cantores famosos, ao suborno das estações de divulgação (...) a começar pelo pioneiro Frederico Figner. (...) samba é igual a passarinho. É de quem pegar primeiro (Vasconcelos, 1997, p. 508). 47 Desde então, floresceu um promissor mercado de música no país. Gêneros como o samba, a marcha e o choro se destacavam nas preferências musicais daqueles que consumiam e produziam música, sobretudo, no Rio de Janeiro. Como destaca Zan: “(...) a partir de 1904, passaram a predominar no Brasil as gravações de disco. Trata-se de um sistema desenvolvido pelo alemão, radicado nos Estados Unidos, Emile Berliner, que possibilitava a produção de matrizes para a tiragem em milhares de cópias” (2001, p. 108). 10 O crescimento do mercado fonográfico provocou também a entrada no país de diversas gravações estrangeiras de gêneros muitas vezes distantes da realidade local. A essa hibridização da música produzida aqui e aquela vinda de fora, Tinhorão (1980) destacou a proeminência de alguns estilos, tais como: o “fox-trots”, “one-steps”, “ragtime”, “charleston”. Na verdade, é um momento de transformação. Um período marcado pelos primeiros ajustes técnicos da música popular às recentes condições de produção como a padronização do tempo de duração das músicas gravadas. Já nos primeiros anos do século XX estava se formação no país uma cultura de música popular de massa. 11 Poder-se-ia questionar, então: a gênese da música popular brasileira se deu a partir de um ambiente estável; na ordem e no progresso? Vasconcelos (1997) acredita que a música popular brasileira nasce nas oscilações da ordem e da desordem; da miséria e do desenvolvimento urbano-industrial. E mais do que isso, a música popular aflorava parceira do sereno e da preguiça. Pensa ele, que a tônica da música popular fôra a malandragem. Vejamos os versos de “O creoulo” de Eduardo das Neves, o mesmo que reivindicara os primeiros direitos autorais de suas obras: 12 Fui crescendo, fui aprendendo Fui me metendo na malandragem Hoje sou cabra escovado, Deixo os mestres na bagagem 10 O samba, por exemplo, que já estava no catálogo das gravadoras da época, com a prestigiada música “Pelo telefone” de Donga e Mauro Almeida ganhou repercussão impulsionado pelo lançamento na Casa Edison em 1917. É apontado como o primeiro samba a ser gravado em disco (Vasconcelos, 1997) e (Tinhorão, 1981). 11 O compositor de lundus e palhaço Eduardo das Neves foi o pioneiro na luta em favor da defesa dos direitos autorais dos artistas (Zan, 2001). 12 Citado em Vasconcelos (2001, p. 507). 48 A música popular como quer Vasconcelos requer uma recusa constante ao mundo do trabalho, porque a felicidade só poderia ser alcançada pelas vias transcendentes as organizações industriais. A sua insígnia é a malandragem, cantando os prazeres da vida distante da finalidade moral ou prática do trabalho. Saber viver pela arte da dissimulação em uma sociedade que não admitia o ócio. Cantar a malandragem, mas pagar o preço alto da falta de uma posição estável. Viver pelo reconhecimento do público, do prestígio e da afirmação social. A canção “Senhor delegado” de Antonilho Lopes e Jaú, completa: 13 Senhor “douto” Delegado Seu auxiliar está muito equivocado comigo Acontece que eu já fui malandro, “douto” Hoje estou regenerado (...) Sou rapaz honesto, trabalhador (...) Se eu vivo alinhado É porque gosto de andar na moda 2.3. Música popular e populismo: Da década de 30 até meados dos anos 50, os meios de comunicação, estabelecidos no Brasil, não apresentavam um patamar de sofisticação sistêmica que permitisse afirmar que suas bases já se encontravam nos propósitos da indústria cultural. A fraca industrialização, caracterizada, é claro, por um baixo crescimento da economia, não despertava ainda, uma consciência consumista, base da cultura de massa, como nos lembra Renato Ortiz (2001). A entrada do sistema elétrico para os registros sonoros se configura no marco para a melhoria da qualidade da produção e reprodução musical. Paralelo a esse processo, o rádio se expande, tornando-se o principal meio de comercialização da música popular. Todavia, seria um erro achar que a expansão do rádio representava também uma maior pluralidade de gravadoras. Zan esclarece: “(...) de 1933 até o final da Segunda Guerra, a produção fonográfica brasileira esteve, em sua quase totalidade, controlada por três grandes empresas: a Odeon, a RCA Victor e a Columbia” (2001, p. 110). Revestido deste contexto, o samba que décadas atrás estava confinado ao “gueto”, passou a percorrer os diversos ambientes da vida social, incentivado por um maior dinamismo das gravadoras e de seus próprios pares. Compositores como: Noel 13 Idem ibidem, p. 514. 49 Rosa, que cantara a malandragem, Custódio Mesquita, Almirante e Ary Barroso tiveram atuação decisiva para essa circulação. Da malandragem, visto em Vasconcelos (1997), o samba sai paulatinamente, para ascender aos ambientes mais refinados e intelectualizados da época e se transforma em símbolo nacional. 2.4. A bossa nova e os conflitos simbólicos: Porém, o cenário que a música percorre é sempre marcado por um ritmo frenético de transformações. Se o samba se torna expressão da nacionalidade brasileira, consumido e discutido pelos mais diferentes estratos da população, já na década de 50, o ambiente é outro. Tratava-se da crise do modelo populista de formação da cultura de massa. Como enfatiza Zan (2001): Os auditórios das emissoras de rádio passavam, cada vez mais, a ser freqüentados pela população mais humilde dos subúrbios que buscava contatos mais próximos com os seus ídolos. (...) o comportamento do público dividia-se entre aplausos, gritarias e vaias de fãs, estimulados pelo clima de rivalidade entre artistas, fomentados pelos próprios agentes do rádio (Zan, 2001, p. 112). É contra esse clima de popularização dos bens simbólicos, para não dizer massificação, conduzido pela profunda segmentação do mercado fonográfico brasileiro – a guarânia, o tango, a música sertaneja, o baião e as marchinhas carnavalescas – que gerou reações elitistas contra a “decadência” da música popular brasileira comercial. 14 Levantaria-se nos fins da década de 1950 um movimento boêmio e formado por jovens representantes das classes médias emergentes do pós-guerra. Esse movimento nascido nos bairros mais sofisticados da cidade do Rio de Janeiro, desligado da tradição popular e, por isso, “da música do povo”, fôra influenciado pelo jazz, pela música erudita e pela música popular brasileira. Naves (2000) acrescentaria uma quarta influência; o bolero, derivado da experiência mexicana, com Lucho Gatica. A tudo isso se convencionou chamar de Bossa Nova. 15 Intérpretes e compositores como; Tito Madi, Nora Ney, Antônio Maria, Lúcio Alves, Dóris Monteiro, Johnny Alf, João Gilberto, Carlos Lyra, Nara Leão, entre outros, fizeram parte do cenário musical. 14 Destacaram-se neste momento: Anísio Silva, as duplas Jararaca e Ratinho, Cascatinha e Inhuana; ainda, Nelson Gonçalves, Ângela Maria e Cauby Peixoto (Zan, 2001). 15 Enquanto Zan (2001), considera a gravação samba-canção “Copacabana”, de João de Barro e Alberto Ribeiro, por Dick Farney, o início de um repertório mais próximo às preferências musicais dessa nova boêmia intelectualizada, Naves (2000) acredita que as músicas inaugurais aparecem na parceria entre Tom Jobim e Newton Mendonça; “Desafinado” (1958) e “Samba de uma nota só” (1960). 50 Como lembra Tinhorão (1998), a juventude universitária percebendo as dificuldades do Governo de JK em promover políticas desenvolvimentistas que garantissem o acesso dos profissionais de nível superior ao mercado de trabalho e a falta de perspectiva de ascensão profissional levou os estudantes a uma atitude de participação no campo político. A bossa nova representava, na verdade, as expectativas de um Brasil moderno, visto pela ótica da classe média nacional. A própria criação da União Nacional dos Estudantes (UNE) traduz o sentimento da juventude quanto às insatisfações políticas. Os objetivos da UNE, por intermédio do Centro Popular de Cultura (CPC), criado no início da década de 1960 eram: (...) discussões políticas, a produção e divulgação de peças de teatro, filmes e discos de música popular. Como também (...) deslocar o sentido comum da música popular, dos problemas puramente individuais para um âmbito geral: o compositor se faz o intérprete esclarecido dos sentimentos populares, induzindo-o a perceber as causas de muitas das dificuldades com que se debate (Tinhorão, 1998, p. 314). E Ridenti (2000) exemplifica: O sucesso do CPC generalizou-se pelo Brasil, a partir da organização da “UNE volante”, em que uma comitiva de cerca de 25 dirigentes da entidade e integrantes do CPC percorreu os principais centros universitários do país, no primeiro semestre de 1962, levando adiante suas propostas de intervenção dos estudantes na política universitária e na política nacional, em busca das reformas de base, no processo da revolução brasileira, envolvendo a ruptura com o subdesenvolvimento e a afirmação da identidade nacional do povo (Ridenti, 2000, p. 108). Como lembra Santuza Naves (2000), o procedimento que definiria o movimento bossa-novista seria marcado pela ruptura com as tradições anteriormente presentes na música popular brasileira. Naves acredita que “(...) os músicos da bossa nova, notadamente João Gilberto, pautariam o seu trabalho pela rejeição dos sambas-canções e dos boleros melodramáticos do período anterior, e da maneira operística de interpretar estas canções, ao estilo de Dalva de Oliveira” (2000, p. 42). Nessa linha, tentou-se estabelecer parcerias entre os “criadores” musicais das camadas menos favorecidas e os grandes expoentes da bossa nova. Tal atitude se mostrou contraditória, pelo simples fato da linguagem musical utilizados no samba de raiz e a bossa nova serem dissonantes da realidade que cada movimento buscava retratar. Era mais uma imposição do estilo bossa-novista as camadas mais baixas que propriamente uma parceria, como demonstrou Tinhorão (1981). 51 A impraticabilidade da aliança popular para fins de protesto contra as injustiças sociais por meio de canções possibilitou a outro grupo de compositores presos a mesma formação bossa-novista lançar os chamados sambas de participação ou samba de protesto, rompendo com o estilo individualista e americano, passando a cantar as belezas do futuro. Edu Lobo, Chico Buarque, Carlos Lyra, Baden Powell, são exemplos de alguns deles. Walnice Galvão (1968) nos explica: (...) destaca-se o dia que virá, cuja função é absorver o ouvinte de qualquer responsabilidade no processo histórico. Está presente num grande número de canções, onde aparece ora como dia que virá, ora como o dia que vai chegar, ora, como o dia que vem vindo (Galvão, 1968, p. 19). A preocupação política, mas idealista, da bossa nova, em abolir as fronteiras de classe para se aproximar das camadas excluídas, além de dividir o movimento – singularizado pelo intimismo, pela concisão, pela racionalidade e pela objetividade, de um lado, e de outro, a nova tendência ao regional e a participação política – conduziu a música da classe média ao impasse. Além de perder sua substância de música de minorias, não conseguiu a aproximação esperada a maioria da população. 2.5. A explosão simbólica: o rock A ascensão da bossa nova não aconteceu em um cenário livre de outros movimentos musicais, pelo contrário, fervilhavam no Brasil e no exterior novas formas de cantar o mundo. A tropicália, para citar, apareceria em certa medida, pelas influências abstraídas do movimento bossa-novista. Ainda marcada pelo singelo traço da indústria cultural na metade dos anos 50, a música brasileira se defrontava com as questões inerentes a sua própria estética, mas também, pelo surgimento e consolidação de um dos maiores símbolos da cultura de massa: o rock and roll. Corrêa (1989) atribui ao rock as transformações em níveis simbólicos de todo um movimento de resistência à guerra e à violência ocorrida nos Estados Unidos desde os anos 1950. Para ele o movimento “hippie” foi o primeiro a produzir grandes transformações de posturas, as quais se evidenciavam no comportamento. E é a partir dessa nova postura que torna possível incorporar ao rock um argumento político nos ideais de contracultura ou contra sistema. 52 O rock, assim como o movimento “hippie”, foi precisamente a força que produziu a ruptura dos padrões musicais, como também, rompeu com as convenções sociais que os cercavam. Se de um lado, o rock tem a facilidade de ruptura em si mesmo, que o aproxima das gerações mais jovens, por outro, é o contato com essas gerações que o aproxima dos interesses da indústria cultural, tornando-o um estilo adequado à divulgação de produtos jovens. Mediante o auxílio da publicidade, o rock envolvido na estimulação do consumo, também contribuiu para adoção de novos hábitos relacionados com o vestir-se, fazendo incorporar novos estilos de roupas e produzindo com isso uma forma de articulação entre música e a moda, por exemplo. Mas qual é a sua origem? Para Carl Belz, como ressalta Chacon (1985), o rock aparece como símbolo de uma época nos Estados Unidos, permeado dos mais variados gêneros e estilos de música. Podem-se considerar basicamente três influências fundamentais para sua constituição: a “pop music”, o “rhythm-and-blues” e o “country and western music”. A música “pop” representaria a herança da música branca, conservadora e kitsch dos anos 40. Reafirmando uma proposta de vida nos moldes do “american way of life” que, por sua vez, daria um viés comercial ao rock. Referências desse gênero seriam: Perry Como, Eddie Fisher, Kay Starr e, especialmente Frank Sinatra, como lembra Chacon (1985). O “rhythm-and-blues” contribuiria com ritmo dançante e sensual da cultura negra. Destacaram-se: John Lee Hooker, Muddy Waters e, principalmente, B. B. King. O “country and western music” reforçaria a cultura branca camponesa do oeste americano, como em: Woody Guthrie. Hobsbawm (2004) acrescentaria uma quarta influência: o jazz. Para o autor de “A era dos extremos”, só podemos perceber as carreiras de Bob Dylan e, até mesmo, dos Rolling Stones, se, e somente se, visualizarmos essas trajetórias ao lado do jazz que se desenvolvera no sul dos Estados Unidos décadas antes. Chacon define o rock: Absurdamente polimorfo, ele parece variar mais no tempo e no espaço como fazia, por exemplo, o barroco na idade média. (...) O rock é muito mais do que um tipo de música: ele se tornou uma maneira de ser, uma ótica da realidade, uma forma de comportamento. O rock é e se define pelo seu público (Chacon, 1985, p. 11 e 18). Então, quem o consome? Hobsbawm (2004) acredita que o rock se tornou o meio universal de expressão de desejos, instintos, sentimentos, atitudes e aspirações do público entre a adolescência e aquele momento em que as pessoas se estabelecem em 53 termos convencionais dentro da sociedade, na família ou na carreira profissional: “(...) a voz é a linguagem de uma juventude e de uma cultura jovem conscientes de seu lugar dentro das sociedades industriais modernas” (2004, p. 17). Parece não haver polêmica na primazia de “Bill Haley and his Comets” como o primeiro grupo de rock’n roll a se formar, ganhando notoriedade com a música “Rock around the clock”. 16 Mas é inegável que quem mais se notabilizaria através das repercussões do rock por todo o mundo seria Elvis Presley. Representaria a vanguarda de um movimento que consumiria milhões de fãs e geraria lucros astronômicos. 17 Os anos finais da década de 60 são fundamentais, pois demonstraram as constantes e profundas transformações ocorridas na música e na sociedade. De modo que não se pode entender o poder da juventude sem a associação ao rock; a música que deu ritmo aos movimentos sociais de protesto. O “Monterey Internacional Pop Festival”, cujo lema era “Música, amor e flores” acontecido em 1967 e o “Woodstock Festival” ocorrido em 1969, consolidam figuras importantes do cenário rock mundial: Janis Joplin, Jimi Hendrix, The Doors, The Beatles, Rolling Stones, entre outros. Mais que o aparecimento de ícones da música, é uma fase de franca consolidação da indústria cultural. No início dos anos 70, o rock havia se tornado o estilo de vida predominante na sociedade americana, fato que se verificava na euforia de vendas da indústria fonográfica. Quanto mais era apropriado pela indústria cultural, deixava de ser um estilo musical para tornar-se um produto. O rock que nos anos 60 aparecia como entidade monolítica, com sua linguagem própria, fragmentava-se em inúmeros estilos que se imporiam ao longo da década pela avassaladora injeção de capital da indústria musical. 18 O rock progressivo do Pink Floyd com seu som de estúdio; o Heavy Metal de Iron Maiden, Black Sabbath, Kiss e AC/DC – consumido ao vivo e em grandes espaços; Alice Cooper e David Bowie cantando o rock andrógino, conhecido como “glitter” nos Estados Unidos e “glam” na Grã-Bretanha; o punk de Lou Reed do experimentalismo do Velvet Underground, Ramones e Sex Pistols – considerado o grupo que mais 16 Grupos como: Rocket’88, nos anos de 1951 e Sh-Boom, em 1954, reivindicaram seus direitos quanto ao primeiro grupo de rock da história (Chacon, 1985). 17 Os dados de Hobsbawm (2004) mostram que de 1955 a 1959, as vendas de discos norte-americanas cresceram 36 por cento a cada ano. Já em 1963, impulsionada pelos Beatles, subiram de U$ 227 milhões em 1955 para U$ 2 bilhões no início dos anos 70. Os gastos per capita com discos eram: EUA, Suécia, Alemanha Ocidental, Holanda e Grã-Bretanha entre U$ 7 e U$ 10 dólares. O Brasil gastava U$ 0,66. 18 Hobsbawm (2004) aponta três inovações fundamentais realizadas pelo rock: a) a inovação tecnológica, por exemplo, o uso de guitarras; que influenciaria a tropicália anos depois; b) a criação de conjuntos, constituindo uma unidade coletiva – diferente do jazz onde os músicos procuravam se destacar entre seus pares e c) a criação de um ritmo “insistente e palpitante”. 54 contribuiu para a ascensão do estilo punk junto à indústria cultural (Chacon, 1985). E com o declínio das discotecas nos fins dos anos 70 apareceria o “New wave” de Yoko Ono. Percebemos, assim, que o rock sofreu diversas transformações. As tradições foram rompidas e, por conseguinte, modificadas. É um período marcado por uma enorme excitação do terreno da música que demonstrou um enorme potencial a ser explorado pela indústria cultural. Surgido como ideal político-libertário, dirigido à separação racial, como protesto contra a discriminação imposta pela cultura branca aos negros, de dominação e de proscrição a que foi submetida desde sua chegada em território americano, terminaria na melancólica e já muito citada frase de John Lennon: “o sonho acabou”. Um divisor de águas, pois serve para determinar o “fim” do grande movimento político e musical da juventude em todo o mundo; na transformação da música em elemento de consumo, renegando o seu conteúdo ideológico. 19 A indústria cultural neutralizaria todas as formas de protesto, transformando-as em peças de consumo identificado na música e nos diversos produtos derivados de suas potências simbólicas. 20 Rat Scabies, componente do grupo punk “Damned” dizia na época: Todos os grandes conjuntos do rock enriqueceram e renegaram suas origens. Já se esqueceram de como é duro ter que batalhar por uma série de coisas, por exemplo, pagar a passagem de ônibus. Tudo o que fazem agora é apresentar caretices cor-de-rosa para as “criancinhas felizes”. Voltaram a gravar “My Generation”, simplesmente porque foi sucesso há muito tempo. Em resumo, não retribuíram em nada aquilo que os jovens fizeram em seu favor. Johnny Rotten do Sex Pistols não é diferente: os velhos roqueiros estão com medo de nós. Não querem que a mudança se materialize porque essa transformação os tornaria irrelevantes (Scabies apud Muggiati, 1985, p. 75). E a experiência brasileira? O rock tinha chegado até as prateleiras de nossas lojas? Para Zan (2001), a gravação de “Rock around the clock” de Bill Haley, interpretada por Nora Ney, em 1955, pela gravadora Continental, representou a chegada do rock no país. Já no ano de 1957, seria gravado o primeiro rock nacional. A música se 19 Efeito disso e do próprio estado do consumo dos produtos culturais seria a frase proferida por Mick Jagger, vocalista dos “Rolling Stones”, em 1981. Diz ele: “Nós andamos atrás das cabeças, e assim andam quase todos os grupos novos” (M. Jagger apud Tame, 2003, p. 166). 20 Mesmo Jimi Hendrix iria dizer: “Comecei a pensar no futuro e senti que esta revolução musical desencadeada pelos Beatles tinha chegado ao fim. (...) Vamos ficar quietos por algum tempo e juntar tudo o que aprendemos musicalmente nos últimos anos, e vamos misturar as idéias que vingaram, numa nova forma de música. Quero uma grande orquestra (...) com esta música, pintaremos imagens da terra e do céu que conduzem o ouvinte a novos espaços. Gosto de Strauss e de Wagner são caras legais e acho que vão formar a base da minha música” (Hendrix apud Muggiati, 1985, p. 19). 55 chamava “Rock and roll em Copacabana”, do compositor Miguel Gustavo, cantado por Cauby Peixoto. Coube a gravadora RCA a produção. Porém, quem mais ganhou projeção no cenário musical foram os irmãos Tony e Celly Campelo, com a conhecida música e de muito sucesso “Estúpido cupido”. Com o passar dos anos surgiram diversos cantores, dentre eles: Ronnie Cord cantando, como nos lembra Chacon (1985), “Rua Augusta”; Demétrius, Sérgio Murilo, Carlos Gonzaga – cantando diversos sucessos internacionais. Os grupos musicais, Trio Esperança e os Golden Boys. Ainda, Os Incríveis, Os Vips e os Jordans. 2.6. Ditadura, música e indústria cultural: A partir das décadas de 1960 e 70 a indústria cultural ganha fôlego e passa a se consolidar concretamente na sociedade brasileira. Quem nos diz isso é Renato Ortiz (2001), trazendo à tona a televisão como veículo de massa, o cinema, a indústria do disco, editorial, a publicidade e etc. E é no cenário cristalizado da indústria cultural que floresce a Jovem Guarda. O programa musical “Jovem Guarda” da TV Record – contemporâneo do Ato Institucional nº 2 – representou o maior empreendimento de marketing da época, indo ao ar pela primeira vez, em 1965, como lembra Zan (2001). Idealizado pela empresa Magaldi, Maia & Prosperi, consolidou os nomes de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e de Vanderléia na música brasileira. O rock que na sua origem era visto como ideologia de contracultura, na verdade, transformava-se no “iê, iê, iê”; na balatização do rock cantado pela Jovem Guarda. A mobilização da “massa” composta por jovens, em torno do culto frenético aos ídolos fabricados pela indústria cultural, revelava-se a calhar aos interesses militares. A criação, como lembra Tinhorão (1998), de uma categoria “jovem”, baixaria a idade de ingresso nas práticas de consumo, além de produzir um público não politizado. O lançamento do 4º LP de Roberto Carlos em 1964 teria como título: “Roberto Carlos canta para a juventude”. Assim, o espaço foi aberto à comercialização da produção fonográfica de artistas e shows, como também, a venda de camisetas, calças, blusas, saias, botas, sapatos e até artigos escolares sob a marca registrada de “Calhambeque”. 56 O movimento à margem aos princípios políticos do ambiente universitário poderia ser descrito basicamente pela seguinte entrevista de Roberto Carlos ao jornal “Última Hora” de São Paulo, 21 citado por Tinhorão (1998): UH – Mas existem outras responsabilidades (...). A definição política, por exemplo. RC – Eu nunca quis saber de política. Não gosto de falar do que não conheço. Meu negócio é a música. UH – Mas é impossível que você nunca tenha pensado em política? RC – Quando estou com meus amigos, às vezes discutimos política e até brigamos por causa dela. UH – E nestas discussões com amigos, qual é a sua posição política: direita ou esquerda? RC – Direita, é claro. A dominação da indústria cultural, visto em Ortiz (2001), naquele momento chegava ao ponto mais alto da curva de crescimento da indústria do som e de instrumentos eletro-eletrônicos o que facilitava a estandardização nas mentes coletivas a idéia do consumo indiscriminado. Dominado, o mercado de música popular no Brasil pelos ritmos periodicamente colocados em voga pelas modas culturais, as “criações” de culturas regionais perdem espaço e praticamente passam a ser uma atividade à margem. Enquanto a música de linha nacionalista – música de protesto – politicamente preocupada com as invasões dos produtos e das empresas multinacionais no Brasil, procurava exprimir em suas canções a realidade rural (Edu Lobo e Geraldo Vandré) ou a dinâmica da vida urbana (Chico Buarque), condenavam as posições pouco engajadas da Jovem Guarda (Tinhorão, 1998). Aliás, essa era a tônica da música de protesto que se concentrava como destaca Favaretto: “(...) falar do país, denunciar a miséria, a exploração de grupos econômicos, a dominação estrangeira, o autoritarismo político, a repressão; falar por aqueles que não podiam – os pobres da cidade e do campo (2000, p. 145). Já os músicos que faziam parte da tropicália renunciaram a qualquer tomada de posição ideológica de resistência. Surgido na cidade de São Paulo, como lembra Tinhorão (1998), o tropicalismo tentava criar uma linguagem musical inspirada nos 21 Entrevista concedida por Roberto Carlos ao repórter Tato Taborda, publicado sob o título “Enfim: o rei se define!”, In: jornal “Última Hora”, de São Paulo, de 14 de junho de 1970, p. 8 e 9 apud Tinhorão, 1981). 57 instrumentos eletrificados do rock. Assim como a bossa nova está para o jazz, a tropicália representava o lado universal do rock na linguagem musical brasileira. 22 Caetano Veloso um dos fundadores do movimento, ao lado de Gilberto Gil, explicaria na época: Eu e Gil estávamos fervilhando de novas idéias. Havíamos passado um bom tempo tentando aprender a gramática da nova linguagem que usaríamos, e queríamos testar novas idéias, junto ao público. Trabalhávamos noite adentro, juntamente com Torquato Neto, Gal, Rogério Duprat e outros. Ao mesmo tempo, mantínhamos contatos com artistas de outros campos, como Glauber Rocha, José Celso Martinez, Hélio Oiticica e Rubens Gerchman. Dessa mistura toda nasceu o tropicalismo, essa tentativa de superar nosso subdesenvolvimento partindo exatamente do elemento “cafona” da nossa cultura, fundido ao que houvesse de mais avançado industrialmente, como as guitarras e as roupas de plástico. Não posso negar o que já li, nem posso esquecer onde vivo (Caetano Veloso apud Favaretto, 2000, p. 27-28). Diante disto, foram em direção a realidade da dominação do rock (que já exercia bastante influência, sobretudo, com a explosão avassaladora dos Beatles) e seus modernos instrumentos, tendo a contribuição ampla dos meios de comunicações para a sua divulgação. 23 Para Souza o tropicalismo rompeu (1999): Diretamente com a dicotomia participação/alienação que caracterizava o debate intelectual daquele momento histórico, direcionando o potencial crítico da canção para as novas técnicas de produção musical, que se tornaram fundamentais para a manifestação de sua própria estética (Souza, 1999, p. 51). É bem verdade que o inconformismo presente nas músicas do movimento tropicalista, apenas expressava o sentimento de frustração das idéias de desenvolvimento econômico e social. Ridenti (2000) acredita que o tropicalismo não foi uma ruptura radical com a cultura cantada naqueles anos; é visto como uma entidade modernizadora dentro da cultura político-romântica da época, centralizada no abandono do subdesenvolvimento da nação, na busca frenética de uma identidade brasileira relacionada às posições ideológicas de artistas e intelectuais. O tropicalismo indicaria então, “(...) o desdobramento do império da indústria cultural na sociedade brasileira, que transformaria a promessa de socialização em massificação cultural” (2000, p. 269). 22 Atribui-se o termo “tropicália” ao artista plástico Hélio Oiticica, originalmente um projeto focalizado em aspectos ambientais (Ridenti, 2000). 23 O próprio LP “Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band” dos Beatles exerceria influência direta nas composições tropicalistas de Caetano Veloso (Chacon, 1985). 58 Sem embargo, a não reação militar à tropicália constituiria um apaziguamento nas relações da música e do protesto, viabilizando a propagação comercial desse movimento – nota-se aí, a influência da música pop, sucesso mundial – por um lado e, por outro, a intensificação do controle político militar. É um tempo em que a indústria cultural adquire força e faz com que os produtos simbólicos anunciados na televisão, rádios, jornais e revistas, traduzam o “gosto” das minorias dominantes. As mensagens publicitárias desta forma passariam a propagar as informações e os estilos de entretenimento. Seria ingênuo achar que as manifestações musicais não tiveram repercussões atentas por parte dos militares; que as formas de narrar pela expressividade musical a realidade urbana e/ou rural da sociedade brasileira estivessem distantes do regime político vigente. 24 Napolitano (2004) mostra claramente, qual era atitude dos militares a respeito das músicas produzidas por artistas enquadrados na música popular brasileira, por exemplo. Explica: (...) o campo musical destacava-se como alvo da vigilância, sobretudo os artistas e ventos ligados a MPB, sigla que desde meados dos anos 60 congregava a música de matriz nacional-popular (ampliada a partir de 1968, na direção de outras matrizes, como o pop), declaradamente crítica ao regime militar. A capacidade de aglutinação de pessoas em torno dos eventos musicais era uma das preocupações constantes dos agentes da repressão. (...) todas as ações e declarações que se chocassem contra a moral dominante, a ordem política vigente, ou que escapassem aos padrões de comportamento da moral conservadora, eram vistos como suspeitos (Napolitano, 2004, p. 105). Mas se na música cantada no molde intimista da bossa nova poderíamos identificar um modelo de contenção tanto na linguagem musical, quanto na expressividade corporal, como quer Naves (2000), o tropicalismo recorre ao pólo diametralmente oposto, ao excesso. Significa dizer então, que o movimento inaugura uma relação musical com a diversidade cultural brasileira, “(...) como o brega e o cool, o nacional e o estrangeiro, o erudito e o popular, o rural e o urbano, e assim por diante” (2000, p. 43). 24 A própria consolidação da indústria cultural em nosso país se dá com o advento do golpe militar. Para Ortiz (2001), o embate acontece em dois pólos: o político e o econômico. No aspecto político encontraríamos a repressão, a censura, as prisões, os assassinatos, os exílios. No aspecto econômico, estaria o momento de reorganização da economia brasileira que paulatinamente se inseria no processo de internacionalização do capital; “(...) o Estado autoritário permite consolidar no Brasil o capitalismo tardio (...) fortalecendo-se o parque industrial de produção de cultura e o mercado de bens culturais” (2000, p. 114). 59 2.7. O estilo sertanejo e a consolidação do mercado de bens simbólicos: É neste ritmo de transformação social e musical que chegamos à década de 1970. Agora, a música popular brasileira é reconhecidamente um segmento legítimo e porque não, hegemônico a ser explorado pelo mercado fonográfico. 25 Herdeira da tradição crítica da década precedente mantém o espírito intelectualizado no cenário da ditadura. Compositores, como Chico Buarque, João Bosco, Geraldo Vandré, Milton Nascimento, Gonzaguinha, Aldir Blanc e outros, destacam-se por repertórios que, por assim dizer, revelam vestígios do “romantismo revolucionário” junto à resistência ao regime militar. 26 Contudo, a música de protesto não se esboçava singularmente na produção cultural brasileira. Paralelo, estava uma nova tendência do rock mais próxima daquela faceta pop vista na tropicália. Os Mutantes, Secos & Molhados, Terço e 14 bis, propagavam uma recente e moderna forma de cantar o Brasil. Dapieve (1996), e o seu “Brock” já percebia a onda maciça de surgimento de grupos de rock dos mais distantes lugares do país. Esse movimento receberia o nome de “Rock Brasil”. Legião Urbana, Blitz, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Titãs, Ultraje a rigor, ou mesmo, intérpretes como, Rita Lee, Raul Seixas e Ney Matogrosso, traziam um toque de irreverência e rebeldia já no fim do período militar. Mas não só isso: Refletia a consolidação da cultura de massa no Brasil, associada à intensa urbanização, à formação de uma sociedade de consumo, à expansão da indústria cultural e à inserção do país no processo de mundialização da cultura (Zan, 2001, p. 116-17). Por conseguinte, as décadas de 80 e 90 sinalizam com o advento de novas tecnologias na produção musical, contribuindo para a minimização dos custos. Surgem inúmeras gravadoras, de pequeno (Indies) ou de grande (Majors) porte, novos selos e artistas independentes. 27 O país integra-se a produção cultural mundial que seria sentido em novos segmentos da indústria da música. Trata-se, por exemplo, do sertanejo 25 O setor fonográfico se reestrutura em torno da indústria do disco com viés mais profissional, criando departamentos de marketing nas gravadoras e pela instalação de grandes estúdios. Para lembrar, é em 1972, construído o estúdio Eldorado, em São Paulo, de propriedade do grupo que controla o jornal “O Estado de São Paulo”, único do país com 16 canais e o maior da América Latina (Zan, 2001). 26 Em um período de dez anos foram vetadas pela ditadura mais de mil músicas (Zan, 2001). 27 Destaca Zan: “Para as classes menos favorecidas a indústria cultural encontraria um filão a ser explorado a partir de cantores que não obtiveram êxito na Jovem Guarda, ou se tiveram, não se sobressaíram no período posterior. Jerry Adriani, Antônio Marcos, Wanderley Cardoso, Reginaldo Rossi, Odair José, Luiz Ayrão cantavam a música que ficaria conhecida como brega” (2001, p. 117). 60 romântico ou neo-sertanejo que já dava seus primeiros passos com as duplas Leo Canhoto e Robertinho, Milionário e José Rico, Ringo Black e Kid Holliday no início dos anos 80. Que estilo de música é esse? Sua origem data dos anos 80? Quem seriam seus primeiros intérpretes? Esses questionamentos talvez fossem aqueles feitos de antemão. A música sertaneja, tal como ouvimos hoje, não é mais aquela de tempos remotos. Ela mudou. E só será possível compreender essa transformação se voltarmos à história. Retornar na “distante” música caipira. A música caipira sempre teve um papel marcante na vida rural. Sempre percebida pela sua função lúdica e de lazer. Destacava-se também no ritual conhecido como “mutirão”; no rito de ordem religiosa das festividades tradicionais, que servia como elo agregador dos valores rurais. No mutirão, como afirma Waldenyr Caldas (1987), as canções davam o ritmo no trabalho na roça. 28 Tratava-se de uma atividade coletiva que visava realizar tarefas do cotidiano do mundo rural; limpar a roça, o pasto ou realizar a colheita. Como define Carlos Rodrigues Brandão (1995): O mutirão é uma modalidade de prática comunal camponês que associa o trabalho produtivo e a convivência solidária, o serviço e a festa, o resultado eficaz e a arte, a demonstração ritual do dever do afeto e a possibilidade. (...) A sua fórmula é simples e contém todos os elementos do Dom: dar, receber, retribuir (Brandão, 1995, p. 247). Notamos aqui, que a música sertaneja se desenvolveu nas mesmas áreas geográficas já marcadas pela música caipira, ou seja, em Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná e São Paulo. 29 Por conseguinte, o seu público era o mesmo da música caipira. Se notadamente a música caipira percorria o cenário rural, a música sertaneja, por sua vez, foi produzida em um ambiente urbano-industrial. Caldas (1987) acredita que, em certa medida, seu canto é de ordem profana, porque fala de amor, dos relacionamentos interpessoais, da política, da dinâmica da vida na cidade, diferentemente da música caipira, que é estruturada pela manifestação da religiosidade, própria do mundo rural. 28 Em São Paulo o mutirão era acompanhado pelo “brão” como afirma Brandão (1995). Diz ele: “Nos momentos de chegada, durante o almoço e o jantar e na hora da despedida as pessoas podem em duplas entoar saudações. (...) No brão onde se trabalha sem dançar, o segredo do canto é um enigma, a “linha” que, cantando, uma dupla propõe às outras e que, cantando, as outras devem decifrar (Brandão, 1995, p. 251 e 253). 29 Já a “traição” é uma modalidade de mutirão particular do Estado de Goiás. Não há canto no trabalho rural. Trata-se, de um serviço feito na casa ou em terras de uma pessoa necessitada sem o seu consentimento (Brandão, 1995). 61 Segundo Caldas (1987), a música sertaneja tem origem em 1929, com o jornalista e violeiro Cornélio Pires, em São Paulo, compondo o grupo, “Turma Caipira Cornélio Pires”. Apresentava-se profissionalmente cantando modas de viola, cateretês e cururus introduzindo um novo tipo de som, semelhante a música caipira, criada especialmente para o lazer. Vale lembrar que nesta época o que predominava, como vimos, era o samba de Noel Rosa, os choros de Pixinguinha e as conhecidas marchas de carnaval. Caldas elege os anos de 1929/30 como o período em que a música sertaneja sairia do estágio artesanal e semiprofissional, para se tornar um produto industrial com o incentivo da gravadora “Columbia do Brasil”. Era no meio urbano e não somente no interior, que a música sertaneja se transforma em um novo produto da indústria cultural.30 É necessário perceber que a euforia do crescimento da música sertaneja contou com o auxílio do cinema, com suas produções que refletiam os valores rurais em transformação: “Sertão em festa” (1931), “Coisas Novas” e “Acabaram-se os otários” de (1934) e “Fazendo Fita” (1935). A partir da década de 70 a música sertaneja começa a sofrer transformações significativas acentuadas com Leo Canhoto e Robertinho, como lembra Caldas. Quando substituíram a tradicional viola e o berrante pela guitarra elétrica, acabaram por introduzir a figura do cowboy no espaço urbano-industrial (Caldas, 1987). Por extensão, a temática das canções foi alterada; fugindo dos temas tradicionais da música sertaneja, como a terra e o amor, dando ênfase ao tema da violência. Para Caldas estas transformações provocaram uma verdadeira cisão na música sertaneja. Diz ele: De um lado, está a chamada ala saudosista, que faz questão de manter os elementos formais da música sertaneja (melodia e poesia). Fazem parte desse grupo; Tonico e Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho. Do outro lado, está o grupo moderno, ou seja, toda uma geração de duplas e cantores da moderna música sertaneja. Eles usam guitarra, a bateria, enfim, inúmeros instrumentos utilizados pelos jovens bandas do rock do Brasil. A dupla Milionário e José Rico é uma das representantes desse grupo (Caldas, 1987, p. 75). Da década de 80 até hoje, inúmeras duplas apareceram, como: Chitãozinho e Chororó, Leandro e Leonardo, Zezé de Camargo e Luciano, Gian e Giovane, Rick e Renner, Bruno e Marrone, Rio Negro e Solimões, Edson e Hudson, César Menotti e 30 Pereira (2002) acredita que a cidade de Goiânia é, reconhecidamente, um espaço marcado pela identidade cultural sertaneja. Para o autor, a identificação com a música sertaneja no espaço goianiense revela traços da modernidade. Essa preferência musical é então, estruturada pela síntese de dois fatores fundamentais: a) devido a herança rural e b) motivada pela ação inconteste da indústria cultural. 62 Fabiano rivalizam-se no mercado fonográfico brasileiro marcado pelas disputas de gravadoras estrangeiras como a Polygram, Sony Music, Warner e BMG-Ariola (Zan, 2001). A música sertaneja é um fenômeno urbano. Seu público está localizado no meio urbano-industrial e no interior do Brasil. A rigor é um estilo musical que se incorpora na música popular brasileira, produzida e consumida nos mais distantes confins do país. Mas considerar a música sertaneja como música popular brasileira causa polêmica. Um conflito entre ideologias. Caldas (1979) alerta: Por sua configuração estética deformada pela indústria cultural, ao transformála em pretensa arte de massa, e principalmente por ser uma modalidade musical dirigida ao proletariado, a alta burguesia nega-se terminantemente a aceitar a música sertaneja (...) não é permitido, de acordo com sua ideologia – aliás, seria degradante ao seu meio social – consumir aquilo que não enriqueça seu status de classe dominante (Caldas, 1979, p. 63). Ora, a indústria cultural transformou a música sertaneja, antes percebida como música proletária, em mercadoria consumida por todos. Transformou a “pretensa arte”, numa indústria do divertimento emotivo, seja no âmbito urbano ou rural. Mas só se torna pretensa arte ou música massificada, por ser peça de consumo e, além disso, principalmente, manifestar-se enquanto poder simbólico para o controle social. 31 A televisão e, sobretudo, os apresentadores de programas de auditório recebem a crítica. Em sintonia com Bourdieu (1997), Caldas (1979) explica e condena: São os convictos porta-vozes da barbárie que se alastra sobre as massas através do vídeo. São eles que, com sua inestimável influência sobre o público, alienam ainda mais uma sociedade que, pelas condições históricas, já nasceu alienada. (...) ainda que os comunicadores – ou pelo menos um – resolvessem abdicar dos valores inerentes a ideologia da sociedade burguesa, não mais divulgassem nem reafirmassem esses valores através da televisão, não há o que pensar: cairiam em desgraça; seriam banidos do vídeo (Caldas, 1979, p. 97). Pode-se dizer que a produção sertaneja moderna expressa a própria modernização do mundo rural brasileiro, o que corresponde na transformação do caipira em country; na mistura dos aspectos da música caipira, do brega e do pop internacional. 31 O próprio personagem “Chico Bento” de Maurício de Souza é uma visão estereotipada do mundo rural alienado. Como destaca Cristina Silva (1996), “(...) não é uma publicação que procura discutir ou apresentar problemas rurais, conflitos sociais e miséria humana. Não é uma revista ou um personagem revolucionário, mas são ideológicos, no sentido de veicular um estereótipo rearticulado do homem do campo” (Silva, 1996, p. 14-5). 63 Na metade dos anos 90, o sertanejo mostra sinais de saturação. Passa a conviver com novos estilos, como: o pagode. Zan (2001), acredita que o pagode ou neo-pagode, é marcado pelo sincretismo que se funde nas baladas românticas da Jovem Guarda, do sertanejo e até da música da cultura negra americana. A expansão desse estilo acontece, a princípio, com a produção de pequenas gravadoras como a “JWC”, “TNT”, “Kaskatas”, entre outros. Com o sucesso e a multiplicação dos grupos – Negritude Júnior, Raça Negra, Molejo e outros, todos cantando a afirmação da identidade negra – acabam contratados pelas grandes gravadoras internacionais. Concomitante ao sucesso do pagode, o axé music ganha terreno. Inicialmente, concentrado em Salvador, Bahia, passa a fazer parte do cenário musical brasileiro mesclando o samba baiano e o reggae. Muitas formações aparecem como, por exemplo, Asa de Águia, Chiclete com Banana, Netinho, Harmonia do Samba, É o tchan, e muitos outros. 2.8. O engajamento e o bom humor: do rap ao funk Na contramão da indústria cultural parece estar o rap. Com temáticas que exploram os problemas inerentes a violência urbana nas favelas das grandes metrópoles, afirma um estilo próprio da cultura negra. A mensagem quase sempre é voltada para o jovem marginalizado, seja por sua condição econômica, social, política e, como destaca o estudo de Sposito (1993), educacional. Na verdade, a juventude não encontraria nas escolas possibilidades de assimilação do conhecimento e, por conseqüência, não construiriam expectativas de ascensão social por intermédio do ensino. O fato é que o processo de socialização da juventude, visto sob o prisma da escola, formula um novo ordenamento de relações marcadas pelo conflito. Mas que relação podemos abstrair do mundo educacional e a música cantada pelo rap? A escola para os membros dos grupos de rap é o espaço institucional que possibilita o uso de suas dependências para reuniões, ensaios e debates; capaz de garantir as atividades artísticas. O rap, “rhythm and poetry”, é percebido conjuntamente com o “break” (dança de rua) e o grafite, estruturando um movimento maior: o hip-hop, como forma de análise da sociabilidade juvenil. Esse estilo apareceu nos meios de comunicações e se tornou objeto de consumo cultural nos anos 80. Mas, é a partir dos anos 90, que deixa os círculos negros ou populares para compor o campo de preferências dos jovens de classe média dos centros urbanos. O rap é examinado no trabalho de Sposito como expressão das ruas dos bairros 64 periféricos das grandes cidades, capaz de mobilizar jovens excluídos em torno de uma identidade particular. Diz ela: É preciso falar sobre o que se passa, contar a vida das ruas, seus dilemas, denunciar ou ridicularizar o que ocorre na sociedade, fazer a crítica dos costumes. Esta é uma tônica predominante na produção musical dos rappers, podendo ser traduzido em expressões variadas, pois cada grupo que se forma desenvolve o seu estilo peculiar acentuando o humor ou a sátira, a denúncia política ou o romantismo (Sposito, 1993, p. 168). Nascido no interior do mundo da exclusão, o rap congrega em sua essência questões específicas que afligem a população negra e, por isso, expressa em seus movimentos a denúncia das condições de vida da população urbana, apontando para as dificuldades para se ter acesso ao mercado de trabalho. Em síntese, sua linguagem expressiva combina a condição de ser negro, jovem e excluído. Este fato traduz o esforço de informar aos jovens para as questões fundamentais. Buscar o conhecimento proveniente da música como fonte necessária para sobreviver, despertando uma interpretação dos acontecimentos políticos, econômicos e sociais. Para Shusterman (1998), os “(...) rappers repetem constantemente que seu papel enquanto artistas e poetas é inseparável de seu papel enquanto investigadores atentos da realidade e professores da verdade” (1998, p. 160). 32 E neste horizonte, as músicas que narram os sentimentos do mundo dos rappers recebem, quase sempre, uma conotação política. São porta-vozes do ambiente degradante da favela e da sociedade. Como lembra Salles (1998), “(...) percebe-se esta característica tanto por sua constante enunciação de uma identidade disruptiva, quanto pelo caráter combativo das falas e atitudes dos rappers, voltados contra uma ordem social que consideram racista e opressiva” (1998 p. 94). Os rappers, assim, disputam a possibilidade de entrar no círculo do consumo de bens culturais, buscando alcançar o grande público; o jovem excluído. Lembrando Corrêa (1989), comercializam as roupas típicas, bonés, tênis de cano alto, bermudas ou calças largas etc. A indústria cultural é percebida como uma poderosa adversária à constituição de uma via alternativa de informação, mas cabe a esse movimento, a interpretação e de produção de significados que são antagônicos a ela. Existe, por um lado, a interação parcial com a indústria cultural, quando das potencialidades de consumo por uma gama de jovens, por outro, o rap não é desterritorializado. Conserva, 32 A sigla “MV”, que aparece sempre antes do nome de um rapper, como MV Bill, significa “mensageiro da verdade” (Salles, 2004). 65 em essência, a dimensão específica do nacional. As músicas são cantadas em português, fala de violência urbana, ausência dos direitos humanos e de cidadania; imagens do cotidiano (Sposito, 1993). Stuart Hall (2003) nos ajuda a entender esse fenômeno. Afirma ele: (...) quanto mais a vida social torna-se mediada pelo marketing global de estilos, lugares e imagens, pelos trânsitos internacionais, por imagens de mídia e sistemas de comunicações em redes globais, mais as identidades tornam-se descartáveis – desconectadas – de tempo, lugares, histórias e traduções específicas, parecendo estar à deriva (Hall, 2003, p. 59). Já Micael Herschmann (2005) pensa o funk no Rio de Janeiro e o hip-hop em São Paulo, como uma importante manifestação da expressão juvenil urbana. Para o autor, o conteúdo e o ritmo do funk, no Rio de Janeiro, convergiu em uma música mais dançante, divertida e, não necessariamente politizada, enquanto em São Paulo, o hiphop foi afirmado com base no discurso político referente às questões reivindicatórias dos excluídos. Na medida em que o funk e o hip-hop se popularizam nacionalmente nos anos 90, funkeiros e “b-boys” se distanciam criando a dicotomia entre “alienados” e “engajados”. Diz ele: Não é difícil perceber um certo clima de hostilidade em relação ao funk enquanto gênero musical, que mais parece na visão do movimento hip-hop estar relacionado a não conscientização dos indivíduos quanto a sua condição social ou racial. Por isso, o próprio termo hip-hop tem buscado a partir dos bboys a tentativa de demarcar uma fronteira mais claro com o funk. (...) enquanto o funk produz eventualmente alguma crítica social permeada pelo bom humor e a ironia, as músicas produzidas pelo hip-hop são quase sempre marcadas pelo tom de protesto, politicamente mais engajado, dramáticas e agressivas, explicitando uma indignação não necessariamente presente no funk. Além disso, as letras dos rappers são mais extensas do os funkeiros, fato que tem dificultado sua presença no formato dos programas de (televisão), rádio comerciais (Herschmann, 2005, p. 200). O funk e o hip-hop, ao construírem trajetórias que caminham entre a exclusão e a integração, buscam traçar novos limites socioculturais, pois possibilita o encontro de diversos segmentos sociais através dos seus eventos e, sobretudo, se articulam a cultura institucionalizada e ao mercado. A partir destes dois estilos musicais os jovens sintetizam valores, sentidos, identidades e afirmam certo localismo (Sposito, 1993), e, ao mesmo tempo, se integram a todas as potencialidades do mundo globalizado. Isto é, trata-se da estética “pegue e misture”. Ora, o funk e o hip-hop se apropriam do capital cultural existente, mas com um detalhe, é uma apropriação marcada pela contínua 66 negociação e tensão; por conseguinte, realiza uma espécie de resistência à lógica da indústria cultural. Assim, Herschmann ressalta que “(...) ninguém seria dono de um ritmo ou de um som. Pega-se, usa-se e devolve-se às pessoas numa forma ligeiramente diferente” (2005, p. 223). Herschmann afirma, então, que os mercados do funk e do hip-hop se desenvolveram a “margem ou nos interstícios” da indústria cultural, pois esses estilos musicais como expressões culturais, mantiveram-se em uma condição periférica e central em relação ao mercado e a cultura urbana. Trabalho parecido ao de Herschmann é realizado por Percílio (2004). Ao contrário do funk e do hip-hop analisado por aquele, esta analisa o rock, mais especificamente, o “inde-rock” na cena independente de Goiânia. Para Percílio, o movimento inde-rock caracteriza-se pela sua homogeneidade, mas ao contrário do que se pensa, é significado coletivamente. Seu consumo, sobretudo, realizado por jovens, opera em nível ativo e não passivo, à margem da indústria cultural. Inspirada em Bourdieu, acredita a autora, que a construção de sistemas simbólicos provenientes das práticas daqueles que consomem o “inde-rock”, permite a significação das ações, matizadas pela irreverência e a contestação. Diz ela: (...) agora fica definitivamente claro que esse movimento se constitui da conjunção entre artistas e público, é adequadamente egoísta, estrategicamente rebelde, suficientemente adequado. Mais é extremamente significativo e significado, orientador das ações, manifestando-se objetivamente no campo da música popular (Percílio, 2004, p. 136). Desta forma, os “inde-rockers” são detentores de um capital “rocker”, haja vista, consomem um estilo musical significado coletivamente no espaço urbano. Tratase de um estilo de vida, diria a autora, fomentado por disposições engajadas, sem perder, contudo, a dose exata da diversão. Mas, se aceitamos a tese de Herschmann (2005) e de Hall (2003) não podemos negar que a indústria cultural se apresenta administrada em toda música global. Mesmo a música que tenta ser divergente, como diria Adorno (1983), do mercado de bens simbólicos só pode subsistir pela centralização da indústria cultural. Bourdieu (1996) confirma: A rotinização da produção, sob o efeito da ação dos epígonos e do academicismo, ao qual os próprios movimentos de vanguarda não escapam, e que nasce do emprego repetido e repetitivo de procedimentos provocados, da 67 utilização sem invenção de uma arte de inventar já inventada. Além disso, as obras mais inovadoras tendem, com o tempo, a produzir seu próprio público ao impor suas próprias estruturas, pelo efeito da familiarização, como categorias de percepção legítimas de toda obra possível. (...) a divulgação das normas de percepção e de apreciação que elas tendiam a impor acompanha-se de uma banalização dessas obras ou, mais precisamente, de uma banalização do efeito de desbanalização que puderam exercer (Bourdieu, 1996, p. 286). E assim, podemos considerar que o “círculo se fechou”. Porque traçamos ao longo da história da música popular brasileira suas transformações; seus dilemas; seus traumas e suas conquistas. Os campos que achamos relevantes da música foram explorados. A estrutura de relações objetivas explicitada. As disposições incorporadas nas práticas sociais analisadas. Chega a hora de revelar o que a pesquisa captou. 68 PARTE III: AS ANTINOMIAS DA INDÚSTRIA CULTURAL 69 “A música não deve olhar a sociedade com um horror desesperado”. Adorno, On the Social Situation of Music. 3.1. As relações de poder e as disposições: Algumas questões surgem de início. Como captar a possível influência da indústria cultural sobre a “vaga” e “inexistente” consciência juvenil? A fruição dos valores simbólicos dos entrevistados é moldada, direcionada e danificada pela indústria do divertimento? Existe uma relação íntima entre música e pensamento transcendental? Tais dúvidas têm explicação e Adorno foi um dos primeiros a reconhecê-las. Martin Jay (1988) lembra que Adorno descobriu ser improvável testar suas percepções de caráter puramente científico a respeito da reificação, do fetichismo da mercadoria e ainda, da falsa consciência com a utilização de questionários ou entrevistas dirigidas às “vítimas” do fenômeno da indústria cultural. Para Jay: (...) embora as técnicas empíricas pudessem registrar algumas verdades limitadas a respeito de, digamos, reações dos ouvintes a determinados tipos de música, elas jamais poderiam revelar as implicações subjacentes da própria música (Jay, 1988, p. 48). Merton e Lazarsfeld (2000), também demonstraram preocupação a respeito. Afinal, “(...) o fato de se conhecer o número de horas que as pessoas utilizam o rádio nada nos indica sobre os efeitos daquilo que ouvem” (2000, p. 113). E essa foi a tônica da pesquisa. Como perceber certas tendências quando os entrevistados afirmam categoricamente que não são influenciados por ninguém? Sempre reafirmando com energia, que são eles que decidem o que ouvir, sem nenhuma persuasão publicitária incidindo em seu comportamento. Quando dizem: “Ninguém consegue me influenciar sobre o meu gosto de música; [e] gosto de nada! Se eu gosto, eu gosto. Eu gosto dessas músicas que têm, porque eu ouvi nas festas e pronto; aí eu gostei”. 33 O panorama parece brotar em um cenário dramático e por muitas vezes ambíguo, visto que, de um lado, estão os processos simbólicos já assinalados exaustivamente por Adorno, via indústria cultural, e, de outro, uma suposta atitude autônoma frente ao consumo de bens simbólicos. Como sair ou entrar nesse estado de 33 Entrevista nº 1, Apêndice II. 70 coisas? Talvez uma resposta para nos acalmar, momentaneamente, resida nas homologias estruturais do(s) campo(s) que estudamos. De fato, a indústria cultural chega aos entrevistados através dos mais variados meios. O rádio, a televisão, o cinema e a Internet, predominam nas respostas. Estão em contato direto e diário com o universo musical. 34 É, sobretudo, no tempo livre e de lazer, afirmam eles, que edificam suas normas e experiências, identidades e expressões culturais. Em Tame (2003) tivemos amostras do quanto é importante a atividade musical na sociedade e quais suas influências na vida cotidiana. A música seja ela percebida pela orientação sertaneja ou não, é consumida indiscriminadamente em excesso pelos jovens. Escutam, compram e repassam experiências musicais que se revelam na totalidade em práticas simbólicas que formam uma identidade. Mas o que a música significa para os jovens? O que ela representa? A seguinte resposta nos ajuda a entender: 35 A música para mim é como um estilo de vida (...) geralmente as letras são aquilo que eu faço, aquilo que eu acredito, aquilo que acontece. Então eu tiro da música uma inspiração para fazer as minhas ações, medir as minhas palavras e até o jeito que eu me visto. Os lugares que freqüento e as minhas amizades são influenciados pela música. Para mim a música tem influência muito grande. É verdade, a música percebida como um estilo de vida, uma forma de encarar com resistência a vida cotidiana é descrita intencionalmente por diversos entrevistados. Mas essa afirmação só pode ser generalizada ao universo simbólico do rock. Esse foi o diagnóstico. A homologia que estrutura as práticas do rock se refere a todos aqueles que se declaram fãs de rock e percebem certo desconforto em relação ao excesso de produtos ofertados pela mídia. Os exemplos são intermináveis: “minha vida é baseada em música”; “as minhas conversas são muito influenciadas por letras de música”; “filosofia, aquilo que você acredita e aquilo que você segue”. 36 Isso acontece somente quando o rock fala; quando afirmam que precisam de música – do rock – para escaparem da multiplicação de bandas e estilos musicais que agridem seus ouvidos. O seguinte relato de um entrevistado do rock enfatiza: 37 34 Os dados sobre consumo de cd’s, dvd’s, livros e cinema por parte dos entrevistados encontram-se no anexo ou no apêndice. 35 Entrevista nº 4, Apêndice II. 36 Entrevistas nº 5, 10 e 11, Apêndice II. 37 Entrevista nº 12, Apêndice II. 71 Eu estava muito desesperado com a música brasileira. Eu achei que já estava no fundo do poço, [quando] descobri algumas bandas. (...) Percebi que não tinha só a mídia; que era [onde] me baseava quando estava desesperado. Eu descobri uma coisa em baixo, que é muito melhor do que a mídia está mostrando. Os selos alternativos (...) para poderem lançar seus cds, tipo: [os] selos Mostro, a Foster que lançou agora. Isso você vê que são músicas verdadeiras porque eles sabem que não vão ganhar dinheiro pelo menos nos próximos cinco anos. Eles estão fazendo a música pela música. E não a música pela fama. Atualmente eu estou bem tranqüilo [a respeito do] cenário musical brasileiro. Já os entrevistados que se declaram fãs do estilo sertanejo situam a música em outra perspectiva. Longe de uma lembrança reformista da realidade que faz do rock um ponto de refúgio ao “caos” cultural, os entrevistados da música sertaneja afirmam disposições contrárias. A música é, antes de tudo, uma forma para a redenção do amor, dos sentimentos, dos relacionamentos interpessoais; de uma história que parece sempre se repetir pela expressividade da canção. Uma entrevistada que se declara fã da música sertaneja comprova: 38 Eu acho que a música tem muita importância na minha vida. A letra expressa meus sentimentos. Sentimentos que tocam lá no fundo. Quando a gente escuta lembra do namorado, dos relacionamentos passados; de momentos bons. É o sentimento, a lembrança, uma vida na forma de canção. Esses depoimentos parecem não contrariar o que já havia sido expresso na gênese dos estilos musicais, para citar Caldas (1979 e 1987) e Chacon (1985). Pelo lado do rock, se afirma uma posição centralizada na música como arte desmistificadora; o porto “seguro” para os problemas que a padronização cultural projeta, enquanto no lado da música sertaneja, serve como embalo emocional para vida marcada pela própria emoção. É, em outras palavras, a narração de uma história de vida marcada pelos enlaces sentimentais. Mas não é só isso. A definição dos estilos musicais por parte dos entrevistados também coordena a trama das relações ditas simbólicas. Para os entrevistados sertanejos, o seu estilo musical é sempre percebido como: “o amor”, “amor e saudade” ou mesmo “amor e dor”. 39 Essas são as suas definições muitas vezes estereotipadas. Enquanto os entrevistados que visualizam no rock seu principal estilo musical, identificam na música que consomem a “revolta”, a “crítica”; a “revolução”. 40 Mais uma vez os dois estilos estruturam lados opostos. 38 Entrevista nº 21, Apêndice II. Entrevista nº 33, Apêndice II. 40 Entrevista nº 39, Apêndice II. 39 72 Não obstante, o cinema parece refratar as mesmas disposições encontradas na música, tanto para o rock, quanto para o sertanejo. Um entrevistado do rock afirma: “Assisto muito filme que fica na parte “cult” da locadora, que são filmes não comerciais, como a música que escuto; eles fazem o filme pelo filme”. 41 E um entrevistado da música sertaneja assinala: “Eu procuro no filme romântico a realidade das pessoas, os sentimentos verdadeiros; amor proibido”. 42 A própria imagem da publicidade parece acompanhar esta tendência. Enquanto para os sertanejos os anúncios publicitários exprimem a “inteligência”, a “criatividade” ou a “imaginação” daqueles que a produziram, os fãs de rock discutem e estruturam disposições com expressões relativamente mais críticas. Dizem eles: “Consiste em lavagem cerebral de diferentes formas. Essa é a idéia. Você vai comprar o produto e precisa gostar dele”. 43 As homologias parecem distanciar-se passo a passo. Outro é decisivo: 44 Estou meio em dúvida em defini-la entre manipulação ou massificação. Se a gente coloca sob o ponto de vista da manipulação temos que levar para outras esferas; são todas manipulativas. Todas trazem uma carga (...) de ideologia, tudo nos guia para alguma coisa, para fazer alguma coisa. Então não dá para taxá-la pelo menos negativamente, como manipulação. Agora massificação é com certeza. Tem que vender o produto. Poderíamos perguntar, então: se o estilo rock é visto por seus fãs como arte que congrega um espírito crítico e a música sertaneja é associada aos aspectos sentimentais, como os entrevistados definiriam os estilos dos outros? Como os entrevistados do rock definiriam o sertanejo e vice-versa? Aqui encontramos uma situação interessante. O estilo rock, mesmo visto aos olhos dos fãs de música sertaneja é exteriorizado como: “satisfação”, “sentimento forte” e, sobretudo, “emoção”. 45 Os fãs sertanejos intempestivamente transferem sua estrutura cognitiva para a explicação da prática social de outro fenômeno musical. Agora, quando o sertanejo é apreendido pelas disposições incorporadas nas práticas simbólicas dos fãs de rock ganha outra linguagem; uma linguagem estereotipada, recheada por preconceito e intolerância. A música sertaneja é referente a: “música para adestrar macaco”, “dor- 41 Entrevista nº 13, Apêndice II. Entrevista nº 22, Apêndice II. 43 Entrevista nº 14, Apêndice II. 44 Entrevista nº 31, Apêndice II. 45 Entrevistas nº 34 e 50, Apêndice II. 42 73 de-cotovelo” ou “sofrimento de corno”. 46 Comprova-se as teses de Adorno e Horkheimer sobre a “personalidade autoritária”. Como lembra Ianni (1999): O intolerante sempre engendra o objeto de sua intolerância. (...) Aos poucos estas diversidades são transformadas em marcas, estereótipos. Os preconceitos ou intolerâncias alimentam-se das diferenças transformadas em desigualdades, hierarquias, marcas, estereótipos, estigmas, ideologias. E este é um processo tanto mais acentuado quanto a alienação que se produz e reproduz no jogo das relações sociais, tensionando as mais diversas formas de sociabilidade, de ser, pensar, sentir e agir (Ianni, 1999, p. 156). O campo da música é atravessado e revestido por relações de poder simbólicas, como já afirmou Bourdieu (1989). As práticas sociais afirmadas e negadas por esses atores são pautadas pelo capital que cada campo dispõe. Trata-se de disputar posições nos campos, seja ele, cultural, social, musical ou político, de tal modo, que acabamos por reconhecer a existência de um capital simbólico mais constituído no campo do rock. Queremos dizer que os caminhos que fazem do rock um estilo musical estão mais delineados, projetados e visualizados. Os fãs do estilo sertanejo sempre conseguiriam dizer quem são as bandas, ou os cantores de rock do momento. E os entrevistados do estilo rock, o que responderiam? Nas entrevistas utilizamos algumas músicas com o intuito de: “Qual a primeira associação que vocês fazem ao escutar essa música”. Uma delas foi “Sunday Bloody Sunday” do U2 que canta os conflitos entre católicos e protestantes na Irlanda. Os entrevistados do estilo sertanejo, assim que terminaram de ouvir a canção afirmaram: 47 Eu conheço a música. (...) Eu acho que é [da década] de 80. Mas é uma música que tem um gostinho nostálgico. Não pela minha vivência, mas eu acho que as pessoas que gostam desse estilo parecem ter um “gostinho” nostálgico. (...) Representa uma época. Eu acho que é uma época em que as pessoas queriam viver o presente; viver cada emoção do seu tempo. Outra foi “Leilão”, de César Menotti e Fabiano. Após ouvi-la o entrevistado do rock respondeu: 48 Eu não conheço; desconheço o sertanejo. Quando escuto essa música não vem nada na minha cabeça, eu não associo a nada, não sei quem canta e não tenho nada para falar dessa música. Não saberia um nome sertanejo para afirmar; não conheço o suficiente. 46 Entrevistas nº 32 e 54, Apêndice II. Entrevista nº 55, Apêndice II. 48 Entrevista nº 6, Apêndice II. 47 74 Caldas (1979) mostrara quão degradante era consumir e aceitar a música sertaneja como expressão de arte por parte da “alta burguesia”. Era uma forma de deturpar ou esfacelar o capital de classe dominante, visto que, sua estética fôra danificada pela indústria cultural. Para o universo do rock, aceitar a música sertaneja seria uma forma de mascarar suas pretensões enquanto atores conscientes, pois as redes de interações simbólicas são constituídas pela medida do engajamento e da crítica. É antes de tudo afirmar quando ouvem música sertaneja o seguinte: “Ah! Ônibus lotado! Eu naquele sofrimento e essa música no meu ouvido; me enche o saco. É irritante, porque associa aquela multidão, não que o povo fede; [mas] aquela caixa de abelha no meu ouvido. É irritante”! 49 O que o rock na maioria das vezes procura é diminuir suas perturbações interiores, mas sempre acompanhado de um viés crítico. Não se trata, portanto, de afirmá-lo enquanto depositário inabalável da razão crítica; é também. Dizem eles: 50 Eu procuro sair do stress. Eu desligo do mundo quando começo a ouvir as minhas músicas. Procuro nelas uma letra mais agressiva, alguma coisa que expresse aquilo que nós não conseguimos expressar no dia-a-dia; do jeito que a gente sempre quis. (...) Busco nas músicas compreendimento e expressar meus sentimentos, mesmo que sejam os mais brutos. Enquanto, os entrevistados do estilo sertanejo estão sempre associando a música que consomem aos relacionamentos interpessoais. “É um desabafo”, “um sentimento”; “emoção”, diriam eles. A disputa por posição no campo parece nos levar a um caminho já traçado de antemão. Não restaria alternativa ao sertanejo a não ser, submeter-se ao julgo da dominação simbólica estruturado pelo rock. Afirmaria uma entrevistada: “Eu não tenho nada contra [sobre as críticas recebidas], porque as pessoas gostam dos estilos que querem; da maneira que sentem bem. Eu me sinto bem em relação as outras pessoas. Cada um gosta e faz o que quer”. 51 Ou seja, as posições que refratam a lógica do campo, seriam aquelas encorajadas pelo conformismo de consumir uma música de carga eminentemente emotiva, sem se preocupar com os desdobramentos dessa atitude. A isso, Adorno (1999) sublinharia o rebaixamento da música a um status de comodidade na sociedade contemporânea. Mas essa posição pode ser revisada, e será; no final. 49 Entrevista nº 56, Apêndice II. Entrevista nº 7, Apêndice II. 51 Entrevista nº 23, Apêndice II. 50 75 A demarcação de uma identidade simbólica musical parece levar as interações dos ouvintes a um horizonte na qual o discurso empregado ajuda a tecer o véu para as questões singulares que projetam em suas ações. Ou seja, quando a energia da fala e do emprego da linguagem corporal corrobora para a negação de toda influência da indústria cultural sobre a constituição dos gostos musicais, na verdade, estão simbolicamente, afirmando uma capital que é só seu. Para os entrevistados que se declaram ouvintes assíduos do estilo sertanejo, as suas disposições são sempre aquelas interiorizadas por uma experiência inata, natural e particular da música sertaneja. Por que reconheceriam a suposta influência de suas preferências a indústria cultural? Quando antes de tudo estão tentando demarcar um campo musical marcado por uma autonomia questionável, diferente do rock. Como afirmar que sua arte musical – pretensa arte, diria Caldas (1979) – é fruto das tendências racionalizantes da indústria fonográfica? Esse parece não ser o problema dos entrevistados do rock, pois seu campo está em uma constelação de força “superior” à gravidade sertaneja. Afirma o portador da “legítima” arte: 52 Sobre esse negócio de influência o pessoal gosta muito de dizer: “Eu não sou influenciado! Eu não tenho influência de ninguém”. Eu acho isso uma mentira e 90% sabem. (...) É impossível você não se influenciar pelo meio; é impossível não se influenciar pelas pessoas que você anda, pelo seu Colégio, pela televisão. Tudo é influência, não tem como dizer não. Ou então, afirmam sua posição no campo a partir da rede de relações objetivas expressando certo viés crítico, pois: 53 Eu acho que fui mais influenciado pela Internet quando comecei a baixar música. Eu diria que meus amigos me apresentaram mais músicas, mas foram amigos que eu consegui através da música. Alguém me mostrou o rock? Não! Eu acho que o rock me mostrou alguém. (...) A TV influenciou justamente ao contrário, mostrou o que a gente não devia ouvir. As relações de poder, assim, são marcadas por uma suposta legitimidade captada pela indústria cultural nas práticas dos entrevistados do rock. Acreditam na existência de um “espírito” que atravessa as práticas de consumo dos bens culturais, entretanto conferindo uma dose de autonomia em suas ações. Podem afirmar, sem serem penalizados por isso, que suas preferências musicais são provenientes de um complexo de forças maior que extrapolam suas motivações individuais. 52 53 Entrevista nº 40, Apêndice II. Entrevista nº 15, Apêndice II. 76 No combate a esta atitude “consciente” dos entrevistados do estilo rock, o ouvinte da música sertaneja, por sua vez, deve primeiramente afirmar a existência legítima de um campo musical. Se sua arte é vista como, “música para adestrar macaco”, então, resta posicionar-se como agente também autônomo; livre das pressões exteriores que constituem suas disposições corporais. Do estereótipo intolerante, livramse com a idéia da escolha consciente e racional; emancipatória e madura; proposital e irremediável. Mas por quê? Porque a influência exercida pelos meios de comunicações ficou em um passado muito distante. Um passado que não constitui mais sua experiência do presente. Afirma o entrevistado sertanejo: 54 Até os seis anos de idade, sim. Influencia bastante! Mas depois [você] vai criando um senso-crítico. (...) As músicas da infância são as que mais influencia, porque é o começo mesmo. Para mim influenciou as músicas de programas infantis; Xuxa (...) essas coisas de “criancinha”. Hoje quando vejo um produto na estante do supermercado não fico [mais] viciado. A música ouvida na infância – culturalmente imposta pela indústria cultural – e reconhecem isso, faz parte do que fôra o seu repertório musical. Uma época aparentemente vista com certo olhar nostálgico de uma “bela época” ou se preferir, “uma era de ouro”. Por isso, o presente é retratado enquanto manifestação de um “agora” consciente, ativo e reflexivo mundo. “Eu escolho as minhas preferências musicais”, diriam eles. Mas mesmo sendo atores de um mundo agora emancipado do consumo irracional, os ouvintes do estilo sertanejo não parecem estar satisfeitos com suas escolhas. Várias foram as repostas que diziam: “Eu lembro quando era pequena e assistia aos desenhos, todos os desenhos. Eu gostaria que a mentalidade voltasse. Porque eu não vejo mais graça no desenho do Pica-Pau, né? Ah! Como seria bom se essa época voltasse”. 55 Como afirma Foracchi (1965): “(...) é incerto como solução e indefinido como opção – é um futuro limitado pela perspectiva do presente” (1965, p. 211). Qual seria a lembrança do passado nas consciências dos entrevistados do rock? Poder-se-ia traçar um paralelo entre o consumo pretérito dos ouvintes do rock e do sertanejo? Neste caso, mais uma vez, não são os paralelos simbólicos que os unem, e 54 55 Entrevista nº 2, Apêndice II. Entrevista nº 51, Apêndice II. 77 sim, os paradoxos de tendências irreconciliáveis. O entrevistado do rock recorda sua infância desta forma: 56 Eu não escutava Xuxa, não escutava Eliana. Minha mãe colocava “Arca de Noé”, Saltimbancos. Até hoje quando ouço os Saltimbancos eu acho muito bom. (...) o grande circo mítico de Chico Buarque foi o que eu cresci escutando. Existe música infantil muito boa; acredito nisso. Significa então, que gostariam de voltar a essa época, tal como dizem os entrevistados do sertanejo? Deixar seu presente marcado pelo embrutecimento das práticas de consumo musical, cujo rock é sua via de escape? Assegura mais uma vez um entrevistado do rock: 57 Eu diria que não, porque eu acho que independente da época em que estamos vivendo o passado vai ser sempre melhor. É aquela nostalgia de quem não viveu, entende? Eu acho que o rock dos anos 70 foi melhor justamente porque estamos nos anos 2000. Chico Buarque escreveu diversas músicas que são maravilhosas na época da ditadura. Então eu quero que volte? Não! De jeito nenhum! O paralelo possível que fazemos, é a possibilidade real de ambos consumirem música. Mas, paradoxalmente, consumido em meios e estilos diferentes. Voltar ao passado representa reviver uma época grandiosa para os sertanejos, já para o rock, retroceder no tempo, é negar a importância do presente e do futuro na obtenção daquilo que sua força simbólica pode refratar. A falta de nostalgia é compensada pelo maior valor atribuído ao presente. Polly Toynbee (2004) acredita que mesmo vivendo em uma cultura marcada pelo pânico moral, cultural, patriota e porque não, intelectual, “(...) poucos escolheriam voltar para trás, [pois] ninguém pode identificar com exatidão a era perfeita da graça, aqueles tempos áureos que deveríamos estar lutando para recuperar” (2004, p. 271). O rock parece estar, então, em sintonia com a lógica possível do campo de poder. 3.1.1. A illusio na pesquisa: Como destaca Bourdieu (1990), a história que se delineia do campo musical e das práticas realizadas no interior dos espaços socialmente construídos, jamais é o 56 57 Entrevista nº 41, Apêndice II. Entrevista nº 16, Apêndice II. 78 reflexo direto das coerções e demandas externas, mas uma extensão simbólica refratada pela lógica particular do campo. São as relações de poder que estruturam as práticas empregadas nas ações e relações dos entrevistados. A percepção apresentada até aqui, inevitavelmente, acaba por colocar as histórias desses estilos em estradas diferentes, mesmo quando o caminho pode levá-los a um ponto final comum. O clima, por extensão, é tenso, porque as relações simbólicas são estabelecidas na linha tênue do conflito que o campo refrata. Os entrevistados afirmam com veemência o poder da música na constituição de suas identidades; de seu comportamento, e mais uma vez, as rivalidades construídas através das práticas, afloram. Diz um entrevistado da canção sertaneja: 58 Eu não gosto de rock, de rap; de metal (...) porque eu acho que as músicas não têm letra, fica só aquele “pancadão”. E também não entendo nada. As músicas são em inglês. Por isso eu gosto do sertanejo, porque as músicas têm letra e são sentimentais. Tocam lá no fundo. Pela própria justificativa expressa acima, os entrevistados do rock condenam a música sertaneja. A mensagem cantada é aquela criticada pela emoção hierárquica de um campo mais constituído. A luta por posições no campo é sentida simbolicamente nas atitudes intolerantes, nas frases pejorativas e, principalmente, pela atividade da illusio do campo. O interesse do jogo reside na demarcação de um espaço identitário, como expressão das práticas corporais afirmadas e reafirmadas pelo capital simbólico mais estruturado. Mas como o sertanejo se posicionaria diante da intolerância e das imagens estereotipadas construídas socialmente? Constituindo um campo de disposições corporais simbólicas também intolerantes. Eco (2004) esclarece: “A luta de uma “cultura de proposta” contra uma “cultura de entretenimento” sempre se estabelecerá através de uma tensão dialética feita de intolerância e reações violentas” (2004, p. 60). Afirma um entrevistado do estilo sertanejo: 59 Eu não quero criticar e nem colocar como [se fosse] geral, mas a maioria das pessoas que curtem, por exemplo, o rap, são pessoas que alguma vez na vida já roubaram, já traficaram, já brigaram. Apesar [de serem] pessoas da favela; pessoas sofridas. Eu não escuto rock (...) banda como, “Ozzy Osborne” está fora do meu mundo. Deus me livre! 58 59 Entrevista nº 24, Apêndice II. Entrevista nº 35, Apêndice II. 79 A illusio é apreendida, por um lado, na forma que é constituído o campo “relativamente” autônomo do rock e, por outro, do campo sertanejo que, na maioria das vezes, é estruturado de forma “aparentemente” autônomo. As práticas são reguladas e representadas através das redes de relações de poder que identificam o espaço de poder mais cristalizado. É o rock que sistematiza práticas duráveis e renováveis, coordenando e estruturando seu espaço, mas também, o espaço do outro. Ou seja, os agentes que fazem parte do rock “jamais” migrariam para o sertanejo, posto que, negariam sua identidade construída através da essência do poder simbólico propagado no consumo “consciente” da música. Enquanto para os entrevistados do estilo sertanejo: 60 Até a infância eu gostava muito de sertanejo e música romântica; aquela sentimentalista. Isso era o meu meio familiar e até mesmo dos amigos. Quando entrei na escola (...) eu acabei mudando o meu estilo, talvez em função do grupo para eu poder me identificar um pouco mais. [E outro continua] Não é que eu seja influenciado. É porque eu cresci na fazenda escutando música sertaneja, mas nas férias me apresentaram um tipo de música nova, o rock – metal melódico – e estou gostando. Parece haver, por conseguinte, um “nítido”, mas velado, interesse no jogo em constituir espaços percorridos pelas identidades comuns de cada estilo musical. É o rock, pelo poder das disposições e do capital acumulado socialmente, que incentiva a rivalidade das constelações simbólicas resistentes à redução a um denominador comum, pois o conflito acontece na interação relacional de atrações e aversões que constitui a estrutura singular do rock e do sertanejo. Ora, os entrevistados do sertanejo são atraídos pelo poder simbólico propagado pelo rock, ora nega-o, narrando experiências traumáticas e estereotipadas da realidade. 3.2. As identidades estruturadas: Já se falou ao longo da discussão em identidades inerentes aos dois estilos musicais. Que identidades são essas? Qual a maneira de percebermos duas histórias identitárias marcadas pelo conflito? Quais os conteúdos simbólicos que fazem parte dessas identidades? Não é difícil visualizarmos na pesquisa que a construção social da(s) identidade(s) é estabelecida em um espaço marcado por relações de poder. Por isso, propomos, inspirado em Castells (2002), duas formas específicas de identidades vistas sob a ótica das preferências musicais dos entrevistados. Castells aponta três 60 Entrevistas nº 57 e 58, Apêndice II. 80 formas de identidades, qual seja: a) a identidade legitimadora, b) a identidade de resistência e c) a de projeto. Castells entende por identidade de resistência aquela que é: (...) criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos quais permeiam as instituições da sociedade (Castells, 2002, p. 24). A identidade legitimadora, por sua vez, é aquela “(...) introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais” (2002, p. 24). Depreende-se, por conseguinte, que a construção de uma identidade de resistência parece estar mais relacionada as disposições, até aqui traçadas, dos entrevistados do estilo sertanejo, pois suas práticas revelam-se, nesses casos, em atitudes defensivas nos termos da dominação simbólica incentivada pelas disposições dos ouvintes de rock e, ao mesmo tempo, acaba por reforçar os limites da resistência. O entrevistado sertanejo explica: 61 As pessoas têm muito daquele negócio de interpretação. Eu deixo estampar que gosto mais de ouvir sertanejo e muita gente olha para mim e fala: Nossa! Aquele menino lá é burro, sabe? Saio com cara de burro, não dá nada para gente. Não sabem o que a gente faz quando está em casa. Não sabem que tipo de coisa a gente assiste. Eu direto vou a locadora. Enquanto afirmamos que a identidade de resistência diz, especialmente, sobre as disposições dos entrevistados da música sertaneja, a identidade legitimadora afirma, invariavelmente, as práticas simbólicas que estruturam as disposições daqueles que experimentam a música propagada pelo rock. É antes, uma forma de internalizar e, concomitantemente, legitimar a dominação simbólica frente aos entrevistados da música sertaneja ou do(s) campo(s) de poder subjacente. A música sertaneja é sempre dita e percebida nas vozes dos ouvintes de rock como a “música para adestrar macaco”, porque tem “(...) letras vazias, ritmos manjados. Então é aquela coisa de sempre. É sempre tudo igual; nada muda e acaba não falando nada”. 62 E é a partir disso, que os entrevistados do rock podem afirmar sem sofrerem maiores conseqüências, o seguinte: “(...) a minha preferência musical é o rock, aquele que foge das mídias. Que não se vende “as coisas” capitalistas do mundo”. 63 61 Entrevista nº 59, Apêndice II. Entrevista nº 17, Apêndice II. 63 Entrevista nº 18, Apêndice II. 62 81 Apesar de termos identificado a partir de Castells (2002) identidades ligadas as disposições dos entrevistados da música sertaneja e a do rock, não negligenciamos o que já foi por muitas vezes discutido por Stuart Hall (2001). A crise de identidade que percorre as estruturas e os processos simbólicos centrais de todas as sociedades modernas tem abalado, como lembra o autor, os quadros de referências que outrora forneciam aos agentes um ponto de equilíbrio. Diante disso, destaca Hall: O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que são unificadas ao redor de um “eu” coerente. (...) A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. (...) Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem “flutuar livremente” (Hall, 2001, p. 13 e 75). Falamos, portanto, de identidades específicas engendradas nas disposições dos entrevistados da música sertaneja e a do rock – a identidade de resistência e a legitimadora – sem, contudo, perder de vista a plenitude que o conflito marcado pelas contingências culturais, sociais, políticas e econômicas podem desencadear. Todavia, o conflito não é estruturado somente no plano da música, da televisão, do cinema ou do rádio, mas também no universo da leitura. Pelo hábito da leitura identificamos mais um contraste; mais um elemento estruturante das interações antagônicas que o poder do campo refrata. Para o sertanejo, a importância da leitura significa: 64 Eu me dedico a leitura quando vejo algo que interessa. Quando é uma coisa sobre economia, por exemplo, eu já não interesso; eu leio aquilo por cima, aquele “resuminho”. Mas quando fala sobre novela, horóscopo, a vida de algum artista aí eu já interesso, entendeu? A gente gosta de ler para dar risada, para se divertir. Eu acho que a leitura não vai crescer em nada, você só vai perder tempo. A prática da leitura adquire outro significado para os entrevistados do estilo rock. É percebida como possibilidade de exercício crítico da razão e, por conseqüência natural, mais um capital acumulado em suas disposições que favorecem a delimitação do campo de poder. Dizem eles: 65 64 65 Entrevista nº 25, Apêndice II. Entrevista nº 42, Apêndice II. 82 Eu leio muito. Gosto muito de ler. (...) Você tem que começar lendo Érico Veríssimo que é uma coisa que você se identifica, porque, você não precisa de regras gramaticais para escrever bem. Se você tem uma boa leitura, você sabe escrever bem sem regras. O gráfico abaixo mostra a distribuição quanto ao hábito de leitura dos entrevistados a partir da lista dos livros mais vendidos na época. Estávamos nos meses de agosto e setembro, quando três livros de Dan Brown faziam parte da lista, sendo um deles – O Código Da Vinci, que ganhou também uma versão no cinema. Do total de 11 pessoas que participaram da pesquisa, seis declaram consumir música sertaneja, enquanto o restante, música do estilo rock. Juntos os grupos leram 14 livros. 66 Livros lidos da lista de mais vendidos segundo o estilo musical dos entrevistados 3 11 Estilo Rock Estilo Sertanejo Gráfico 1.1 Quando a leitura não é projetada sob relatos de vidas de artistas, horóscopos, gibis, ou mesmo, fofocas, como foi dito pelos entrevistados da música sertaneja, ela é consumida através das informações em “pacotes” veiculada pela Internet, mas nesse caso, como afirma Costa (2004), o “(...) texto noticioso se caracteriza pela fragmentação da realidade, que é acompanhada da imediaticidade. A produção fragmentada de notícias, assim, é uma técnica também mercadológica. Opera-se, a desvinculação da notícia com seu fundo histórico-social” (2004, p. 183). 66 Ver no anexo a lista dos livros mais vendidos. 83 3.3. A família, as relações afetivas e a indústria cultural: Mas, ainda não está claro. As preferências musicais que os entrevistados disseram ter sofrem influência decisiva da indústria cultural? Seu comportamento estético seria coberto pelas receitas racionalizadas da padronização dos estilos musicais? E a partir disso estruturariam suas disposições? Nestes casos, a prática parece contrariar certas tendências vistas, por vezes, de forma absoluta. Percebíamos anteriormente, certo desconforto quando questionados sobre possíveis influências na constituição do gosto musical, dada a lógica interna dos campos. O entrevistado da música sertaneja, por exemplo, afirmava: “Eu não sou influenciado por ninguém”, para resguardar e, ao mesmo tempo, afirmar a existência de uma constelação simbólica marcada pelo conflito. Agora, inevitavelmente, a disputa por posições ganha um novo contorno. Não é a televisão, o rádio, a Internet, tampouco um artista, que influencia suas escolhas musicais, acreditam e admitem. É, antes de tudo, a rede de interações familiares, concomitante aos relacionamentos afetivos, que tecem a estrutura do comportamento musical. Afirmam: 67 Porque uma vez eu estava namorando um menino [e] ele mandou uma música do Rick e Renner para mim. (...) A partir daí, eu passei a comprar os cds; comecei a ter coleção de pôster e gostar de música sertaneja. [E outra]: A minha influência de gostar de sertanejo foi mesmo da minha família, porque toda a minha família ama sertanejo; escuta o dia inteiro. Como já mostrou Gonçalves (2005), “No Brasil, a família – e a cadeia de relações que se estrutura em torno dela – ainda é uma forte referência da subjetividade. (...) Diante da tibieza das instituições, cabe à família, e àqueles que lhe são próximos, promover em primeira instância a regulação da conduta” (2005, p. 209 e 211). Claramente se estabelece uma homologia entre os campos, tanto do sertanejo, como do rock, todavia, com uma diferença. Nas disposições dos entrevistados do rock não são incorporadas os valores estabelecidos pelos relacionamentos afetivos, mas somente aquilo apresentado e discutido no seio familiar. Para eles as influências se deram: “Com certeza [devido] aos meus pais (...) no caso de tudo; rock, MPB e música clássica”. 68 Mesmo a música que marcara uma determinada época em suas vidas é aquela 67 68 Entrevistas nº 26 e 36, Apêndice II. Entrevista nº 43, Apêndice II. 84 experimentada com a presença ou por iniciativa da família. Diz o entrevistado do estilo rock: 69 Da minha infância eu lembro dos Beatles, porque meu pai ouvia muito, muito mesmo. Eu ia dormir e meu pai colocava para ninar “Looking in the sky diamonds”. Ele ficava ouvindo enquanto dormia. Eu não consigo ouvir Beatles sem lembrar da minha infância e amo completamente Beatles. A relação de poder simbólico que é estabelecida através das práticas sociais familiares de consumo musical, pois é família quem dita o que deve ser inicialmente experimentado, estrutura não somente as disposições dos gostos musicais, mas também a própria dimensão do ato de leitura. Mais uma vez, afirma um entrevistado do rock: 70 Eu estou em uma fase em que meu pai [está] aumentando o nível de dificuldade. Ele gosta de ficar passando os livros. Agora estou em uma fase “Dostoievisk” que [é] considerado normalmente chato. (...) Estou achando muito bom. Eu li agora Doutor Jivago e achei perfeito. Eu li duas vezes. Gosto mesmo é de romances; dos maiores. De um lado, estão práticas musicais interiorizadas pelo universo familiar, admitem os entrevistados da música sertaneja, constituídas por letras que exploram “o amor”, “os sentimentos” e os “relacionamentos interpessoais”; forma, cristaliza e estrutura seu capital cultural. A leitura é vista, quase sempre, como “perda de tempo” e, pouca ou nenhuma, é a influência da família. Por outro lado, os entrevistados do rock estendem suas influências, seja a música ou a leitura, impreterivelmente, a família. Postula-se um campo mais refratário às contingências. Que paralelo ou paradoxo estabelecemos aqui? Que aproximações poderíamos realizar a partir dessas constelações simbólicas? Adorno (2001) acredita que a invasão provocada pela indústria cultural na constituição da rede de relações sociais, atrelada a erosão econômica da família moderna, destruíra a concretização da capacidade do indivíduo autonomizar-se. Realça ele: Com a família, enquanto o sistema subsiste, desfez-se o agente mais eficaz da burguesia, e também a oposição que, sem dúvida, oprimia o indivíduo, mas também o fortalecia, se é que não o produzia. O fim da família paralisa as forças contrárias. A ordem colectivista ascendente é o sarcasmo para com os 69 70 Entrevista nº 44, Apêndice II. Entrevista nº 45, Apêndice II. 85 sem classe: no burguês, ela liquida ao mesmo tempo a utopia que, outrora, se alimentou do amor da mãe (Adorno, 2001, p. 15). Se aceitarmos a posição de Adorno, ao mesmo tempo, é necessário sensibilizála. Porque as disposições incorporadas que se revelam nas práticas corporais dos atores identificados com o rock, parecem conservar a dinâmica contingente da música revolucionária e crítica. A canção, supostamente interiorizada pelo capital simbólico familiar, expressa a própria lógica que os entrevistados do rock praticam. Já a música cultivada pelo campo sertanejo, refratada pelas disposições familiares e dos relacionamentos interpessoais, revelam, talvez, a família moderna esfacelada de Adorno. Aqui, o “amor da mãe”, é o amor da canção consumida pela contingência prática: refratar os encontros e desencontros amorosos. A moderna família estilhaçada pela socialização padronizada pelos produtos veiculados na indústria cultural como cultura, é referente às disposições dos entrevistados da música sertaneja? É o estilo sertanejo e, por conseqüência, o público que o consome, que estão mais expostos, desprotegidos e até reificados, em decorrência da indústria do divertimento? As informações de nossos entrevistados, juntamente com o auxílio de algumas músicas ouvidas por eles durante as entrevistas podem esclarecer. Como já foi dito, utilizamos nas entrevistas algumas músicas que foram ouvidas pelos participantes. Uma delas foi “Alô, Alô Marciano” de autoria de Rita Lee e Roberto de Carvalho, mas “imortalizada” na voz da intérprete Elis Regina. Na oportunidade da entrevista, estava no ar pela TV Globo, a novela “Cobras e Lagartos”, cujo tema de abertura era “Alô, Alô Marciano”. Diz a letra: Alô, alô Marciano, Aqui quem fala é da terra “Pra” variar estamos em guerra Você nem imagina a loucura O ser humano esta na maior fissura, por quê? “Tá” cada vez mais down.... (...) A crise esta virando zona Cada um por si todo mundo na lona Lá se foi a mordomia Tem muito rei pedindo alforria, por quê? De forma convincente, os entrevistados da música sertaneja disseram associar a música à novela global e, ainda, não sabiam quem a cantava. Respostas como essas 86 foram freqüentes: “Eu lembrei de Cobras e Lagartos e mais da Leona”. 71 E outra, “A primeira coisa que veio na minha cabeça foi: “Ah! Cobras e Lagartos, (...) porque era o tema da novela”. 72 Aqui, o poder simbólico é o poder da indústria cultural. A mensagem que permanece é aquela conduzida pela indústria do entretenimento, porque o espírito crítico e contestador que outrora pertencia a “Alô, Alô Marciano” já não existe mais. Pois, como destaca Bourdieu (2001), “(...) o agente nunca é por inteiro o sujeito de suas práticas: por meio das disposições e da crença que estão na raiz do envolvimento no jogo, quaisquer pressupostos constitutivos da axiomática prática do campo (...) se introduzem até nas intenções aparentemente mais lúcidas” (2001, p. 169). A situação parece se inverter para os entrevistados do estilo rock. Mais uma vez, suas disposições dizem sobre o universo familiar que os ajudam a constituir suas experiências. A música percebida enquanto tema de novela para o sertanejo, deixa de ser tema dos produtos ofertados pela indústria cultural, para se referir também ao contexto social e político que o país atravessava. Dizem os entrevistados do rock: 73 Essa música é da Rita Lee, “Alô, Alô Marciano”. Ela fala da bagunça que estava na época [em que] escreveu. Época da ditadura, quando ela estourou como “Mutantes”, (...) e provavelmente reflete a bagunça que o país está passando. Eu associo a minha mãe. Eu acho que foi o primeiro cd de rock que eu ouvi dos Mutantes que minha mãe tinha. [E mais um admite] Eu associo a minha família, no caso a minha avó. Eu acho até irônico porque ela é uma “velhinha” de cabelos brancos que pula de pára-quedas e ouve Rita Lee. Mesmo aquela música que não está em evidência na indústria cultural, como; “Para não dizer que falei das flores” de Geraldo Vandré, que também foi ouvida por todos nas entrevistas, símbolo de resistência e protesto contra a ditadura, assume feições e significados contrastantes entre os dois grupos musicais. O entrevistado sertanejo diria: “Eu não conheço essa música, mas eu gostei da melodia e da letra dela. Parece música de Igreja, né”? televisão”. 75 74 Ou então, “O que me veio à cabeça foi um comercial de Ora, persiste nas redes de interações simbólicas desse grupo, o campo de relações objetivas estruturado a partir da organização de valores puramente 71 Entrevista nº 37, Apêndice II. Leona, uma das personagens que fazia parte da novela “Cobras e Lagartos” da rede Globo. 72 Entrevista nº 27, Apêndice II. 73 Entrevistas nº 19 e 46, Apêndice II. 74 Entrevista nº 28, Apêndice II. 75 Entrevista nº 52, Apêndice II. 87 sentimentais, emocionais e contemplativos. O entrevistado do estilo rock seria diferente? Explica: 76 Meu pai sempre falava que na época da ditadura, matérias de primeira página dos jornais eram censuradas e aí, em lugar delas vinham matérias tipo: sobre jardinagem. Tinha uma foto imensa de uma rosa ensinando como cultivar essas rosas. Todo mundo sabia (...) que no lugar daquela matéria deveria estar uma matéria muito importante que estava acontecendo naquele momento que tinha sido censurado e o povo não estava tendo acesso. Por isso que o nome da música é “Para não dizer que falei das flores”, fazendo alusão a censura. Volta e meia tinha uma foto imensa de uma flor. Matérias tipo: o que fazer com seu adubo? E o pessoal não estava nem um pouco interessado. Isto também se revela sob o aspecto do imaginário político. Como os entrevistados se posicionariam na hora de decidirem o voto? O que representa o período eleitoral para eles? Um entrevistado da música sertaneja afirma: 77 Eu olho bem para cara dos candidatos. Se ele olhar para câmera é porque está falando a verdade; se olhar para baixo é porque eu sei que está falando mentira. Então quando começa a inventar muita coisa é porque não vai ser um bom candidato. Parece que as disposições que fazem parte do universo musical sertanejo continuam a estruturar práticas paradoxais as dos entrevistados do rock. A frase “olho bem para cara do candidato” sugere uma identificação de ordem da proximidade. Ou seja, práticas encorajadas pela constituição de um certo clima de afinidades atribuídas a partir da imagem projetada pelo candidato. O que prepondera no ato de votar é o “aparentemente” verdadeiro, sereno e confiável. E os entrevistados do rock? Vejamos o que dizem: 78 Na época de eleição é assim: Nossa! Brasil, gente... Não anda “pra” frente, os políticos são todos corruptos! Mas só falam isso na época de eleição. Porque você não critica em outros momentos, porque que deixou passar tantas coisas, “saca”? (...) Analisar o candidato, ver as propostas, ver até que ponto as propostas são realizáveis, porque não adianta nada eu chegar lá e dizer: olha, se vocês me elegerem presidente eu vou fazer o Brasil ficar mais rico que os EUA. Boa sorte, então. Não sei como você vai fazer isso, meu bem? Tem muita gente que propõe coisas que eu acho que são totalmente absurdas, que eles não vão realizar. Irrealizáveis, completamente. 76 Entrevista nº 47, Apêndice II. Entrevista nº 29, Apêndice II. 78 Entrevista nº 48, Apêndice II. 77 88 Outra seria o distanciamento entre música e política. Adorno (2002) incorpora em sua tese, como vimos, a profunda e trágica separação entre a música e a sociedade. A música que predomina na indústria cultural é aquela que sequer pode ser executada, tampouco, ouvida. Fala-se de uma espécie de sociedade “ossificada” cuja música refrataria o prolongamento da vida social danificada. Mas, a música deve estar relacionada a algum tipo de movimento político-social? 79 Eu acho que a música deveria. Essa massificação deveria ser usada para ir contra o sistema, entende? Porque o capitalismo tem seus problemas, o socialismo tem seus problemas e a música deveria mostrar para as pessoas como resolver esses problemas, não necessariamente julgando um sistema ou outro, qual seria o melhor, mas para resolver os problemas. Para os entrevistados da música sertaneja é diferente. A tese de Adorno (2002) é confirmada e reafirmada. A música é então, “(...) uma coisa independente. Eu acho que não existe política nisso. Música é sentimento”. 80 Continuam a estruturar e reestruturar disposições simbólicas particulares, singulares; inerentes à docilidade e afetividade da canção sertaneja. Quando afirmam, contudo, que os artistas devem ter comprometimento com seu público, seu capital cultural é orientado pela indústria cultural. Asseguram: “Eu conheço muitos artistas que fazem, por exemplo, o “Criança Esperança”. Eles cantam para arrecadar dinheiro para as crianças pobres”. 81 Já o entrevistado do rock revela: 82 Eu também acredito que se você canta uma coisa você deveria fazer, né? Não somente cantar, porque aí seria uma outra moda. (...) Mas, principalmente, porque eles têm poder aquisitivo, poder social e político pra fazer isso, né? Amanhã, por exemplo, vai ter um show de uma comunidade de “metal” – isolada do mundo – (risos), parte do ingresso é 1kg de alimentos, entendeu? A própria comunidade ajudando alguém ou uma entidade. Então eu acho isso bem louvável. 3.4. As antinomias da indústria cultural: da autenticidade e inautenticidade O que abstrair destes relatos? É possível, agora, identificarmos de maneira rigorosa certas tendências? Apontar direções a serem seguidas, sem, contudo, correr o risco de pegar a estrada errada? Em Umberto Eco (2004), identificamos algumas direções mais cristalizadas; mais visualmente delineadas. Para o autor, é plausível 79 Entrevista nº 20, Apêndice II. Entrevista nº 38, Apêndice II. 81 Entrevista nº 53, Apêndice II. 82 Entrevista nº 8, Apêndice II. 80 89 concebermos cinco características, ou funções, peculiares da arte musical, que invariavelmente, nos auxilia a pensar a mediação entre música e indústria cultural, são elas: 1. Função de diversão (arte como jogo, estímulo para a divagação, momento de descanso, de “luxo”); 2. Função catártica (arte como solicitação violenta das emoções e conseqüente libertação, relaxamento da tensão nervosa ou, a nível mais amplo, de crises emotivas e intelectuais); 3. Função técnica (arte como proposta de situações técnico-formais, para serem gozadas como tal, avaliadas segundo critérios de habilidade, adaptação, organicidade); 4. Função de idealização (arte como sublimação dos sentimentos e problemas, e, portanto, como evasão superior – e suposta como tal – da sua contingência imediata); 5. Função de reforço ou duplicação (arte como intensificação dos problemas ou das emoções da vida cotidiana, de maneira a pô-los em evidência e a tornar importante e inevitável sua consideração co-participação) (Eco, 2004, p. 305). Na função de número 4, a música poderia ser percebida como idealização dos grandes e eloqüentes temas, relacionados ao amor e a paixão. Em tese, na argumentação do autor, seria uma arte descrita de maneira narcotizante, capaz de projetar nas músicas as tensões “fictícias” dos relacionamentos amorosos. No caso 5, a canção conservaria a essência da função idealista da arte nos seus propósitos sentimentais, mas também congregaria disposições emotivas compreendidas em sua dimensão de caráter erótico, denunciando supostamente, “atitudes exprobráveis”. Percebemos que esses campos constituem, como vimos até aqui, os contornos das relações objetivas da música sertaneja. É, em outras palavras, o comportamento que se coaduna aos aspectos relacionais e simbólicos das práticas estruturadas pelos discursos dos entrevistados da música sertaneja. Para autores como Caldas (1979), Bourdieu (1996), Eco (2004) e Adorno, exaustivamente citado, trata-se da constituição transparente do mundo musical reificado, posto, ao encorajamento das práticas conformistas vivenciadas nas ondas emotivas e não menos divertidas da ação. Confirma-se, a existência de um campo na qual as posições da indústria cultural são eminentemente mais ostensivas as disposições sertanejas. Já os casos 1, 2 e 3, refratariam a presença de oportunidades críticas na dimensão da arte musical. Na apreciação de Eco (2004), esses campos se relacionam à constituição de uma estrutura artística entendida como poder estruturante de práticas reflexivas da ação. Aqui, as expressões da linguagem musical extravasam as posições puramente sentimentais, formando uma rede de relações ligadas às contingências plurais 90 do pensamento transcendental. Depreende-se então, a “demarcação” de uma posição que é ocupada na extensão da canção de rock. Admitimos, por extensão, práticas mais conscientes, orientadas e guiadas por certo valor crítico, o que não significa dizer, que a indústria cultural esteja distante das redes de relações objetivas as quais os agentes estão, de uma maneira ou de outra, relacionados. Adorno (1998), como vimos, reconhecera as dificuldades que o pesquisador encontraria em captar empiricamente os efeitos da indústria cultural sobre o comportamento humano. Habermas (1980) corroborava com essa tese, mas acrescentaria a inexistência do êxito de se decretar o fim do indivíduo, cujo próprio termo referente à alienação tornara-se “clichê” na pesquisa social. Já Benjamin (2001) mostrara a destruição do “halo” artístico devido à reprodução padronizada em escala industrial da obra de arte. O que se perdia com a reprodução técnica era a autenticidade. No exposto, podemos falar que as práticas que constituem as disposições dos entrevistados da música sertaneja são aquelas estruturadas pela indústria cultural, nos moldes da padronização, massificação e danificação das faculdades cognitivas, como queria Adorno? E o rock, estaria situado no pólo oposto, produzindo e reproduzindo práticas engajadas e críticas? Diante de antinomias fundamentais – da autenticidade e inautenticidade – é que nos posicionamos perante o problema teórico. Os entrevistados do estilo rock, é verdade, demonstraram até aqui, por suas disposições incorporadas na existência, atitudes “relativamente” mais críticas, enquanto os entrevistados da música sertaneja, ações mais comprometidas com o conformismo. Mas daí atribuir uma camisa de força nos termos de “pensamento crítico” de um lado, e de “alienação” de outro, seria arriscado, dadas as infinitas contingências que os diversos campos que compõem a ação podem proporcionar. Sem dúvida, por suas disposições mais cristalizadas enquanto arte musical, os entrevistados do rock apresentam-se de maneira mais autêntica nas interações simbólicas que seus comportamentos representam. As disposições dos entrevistados; sentimentos e capitais, motivam-se pela linguagem relativamente autônoma, capaz de estruturar posições marcadas por uma dose de crítica e de consciência. Seu campo é “relativamente” autônomo, seja pela história constituída pelo “protesto”, pela “revolução” ou, ainda, pela “crítica”, como os entrevistados afirmaram. Propagam disposições autênticas. A própria presença da linguagem literária como forma libertadora da ação ajuda a compor um mundo danificado pela massificação dos produtos culturais, mas nem por 91 isso devendo abandoná-lo. Viva o presente autêntico, pois, voltar ao passado seria reavivar o sempre-igual, o já consumido, o inautêntico, pensariam eles. Estar dispostos a refletirem os traumas e as alegrias, os dilemas e as possibilidades, sempre a partir daquilo que as redes do capital cultural acumulado permitem, não esquecendo que a diversão pode ser apreendida, sem negar sua história marcada por práticas corporais singulares como, por exemplo, o uso de calças rasgadas, bandanas, brincos, braceletes e botas como estiveram nas entrevistas. O seguinte relato corrobora: 83 Se um cara [uma banda de rock] que eu admiro virar e ter uma opinião diferente da minha eu não vou mudar de opinião por causa disso. Mas é provável que as pessoas que eu admire tenham opiniões parecidas com as minhas (...) opiniões que iriam ao encontro das minhas. (...) Eu não pagaria nada para ter o pedaço da guitarra quebrada do Kurt Cobain. 84 Entretanto, as disposições que estruturam o comportamento dos entrevistados da canção sertaneja adquirem uma extensão diferente. O capital acumulado refratário das relações de poder simbólico reforça uma interação marcada por uma dependência aparente dos campos subjacentes. Seu campo, como vimos, é “aparentemente” autônomo. Em outras palavras, estão mais inclinados que o público de rock, a reproduzirem através da práxis, ações modeladas pelo conformismo incentivados pelos propósitos “aparentes” da indústria cultural. As disposições que estruturam as ações dos agentes da música sertaneja “(...) vazam por todos os lados, nada é mais sagrado, nada mais é selvagem, nada mais é autêntico, original ou primitivo” (2004, p. 270). Destarte, as disposições referentes às práticas sociais dos entrevistados da música sertaneja construídas pela indústria cultural recebem o significado de inautenticidade. Mas por quê? Habermas (1980) explica: “(...) um relacionamento, instituição ou sociedade, é inautêntico, se fornecer aparência de resposta enquanto for alienante a condição subjacente” (1980, p. 162). As relações de poder que estruturam as disposições dos entrevistados que preferem a música sertaneja sempre estiveram marcadas pela carga excessiva do sentimentalismo, da emoção, e por que não, da alegria. Estavam distantes de uma mensagem engajada e politizada, que resultariam em interações de consumo com finalidades práticas e triviais. Um mundo simbólico percebido através das lentes distorcidas da indústria cultural que revelariam disposições, como: “Têm muitas novelas 83 84 Entrevista nº 49, Apêndice II. Ex-vocalista da banda de rock Nirvana. 92 que mostram a realidade da vida das pessoas brasileiras, mostrando várias coisas. Têm fatores negativos também, porque passam cenas que crianças não podem assistir”. 85 A discussão adquire sempre um significado “aparentemente autêntico”, pois se reconhecem como agentes que em nenhuma hipótese, seriam guiados, moldados ou influenciados por algum tipo de poder simbólico. Percorrem horizontes constituídos pelas atividades inerentes às suas vontades legítimas, longe das pressões sociais, econômicas e simbólicas da indústria cultural. Contudo, estes agentes de ações supostamente racionalizadas e emancipadas são sempre os mesmos que repetem insistentemente as frases: “O que eu teria para falar é a mesma coisa que todos falaram”; Eu concordo com os três [entrevistados] em tudo!”; “O meu critério é o mesmo que ele falou”; “Eu também concordo com você”; “Minhas palavras são mais ou menos igual a dele”; “Eu também acho a mesma coisa”; “Uai, todo mundo está falando a mesma coisa”. 86 E de forma decisiva afirma o entrevistado da música sertaneja: 87 A música para mim [representa] a mesma coisa que ele falou. Do que estava falando mesmo? (...) Tudo o que eles falaram. Eu não sou persuasivo não. Eu assumo. Eu tenho o meu “mundinho” fechado para mim mesmo, mas sempre abro para meus amigos em um debate, igual a gente está aqui, por estar falando o que eu sinto, o que eu faço. A autenticidade se desfaz com a narração de suas próprias experiências, e pelo uso irremediável de respostas que sempre corroboravam com a última opinião dos entrevistados do rock. Afinal, para Bourdieu (2001): (...) os dominados são sempre muito mais resignados do que imagina a mística populista ou até do que poderia fazer pensar a simples observação de suas condições de existência. Estando habituados às exigências do mundo que os formou, eles aceitam como algo evidente a maior parte de sua existência (Bourdieu, 2001, p. 283). O inverso, não aconteceu. Quando não reproduziam as linguagens que constituíam as disposições dos entrevistados do rock, se retiravam do debate devido às críticas recebidas, como aconteceu por duas oportunidades, ou diziam por vezes: “Eu 85 Entrevista nº 30, Apêndice II. Entrevistas nº 60, 61, 62, 63, 64 e 65, Apêndice II. 87 Entrevista nº 66, Apêndice II. 86 93 não tenho nada para falar”. 88 Habermas destacaria, “(...) se sujeita a forças que nem compreende e nem guia” (1980, p. 161). A música “ninguém = ninguém” dos “Engenheiros do Hawaí” parece constituir a imagem simbólica das disposições que são integrantes aos universos tanto da música sertaneja como ao estilo rock. Diz a música: Há tantos quadros na parede Há tantas formas de se ver o mesmo quadro Há tanta gente pelas ruas Há tantas ruas e nenhuma é igual a outra (Ninguém = ninguém) Me espanta que tanta gente sinta (Se é que sente) a mesma indiferença Há tantos quadros na parede Há tantas formas de se ver o mesmo quadro Há palavras que nunca são ditas Há muitas vozes repetindo a mesma frase: (Ninguém = ninguém) Me espanta que tanta gente minta (Descaradamente) a mesma mentira Todos iguais, todos iguais Mais uns mais iguais que os outros Se parafrasearmos a canção citada na passagem que diz, “todos iguais, uns mais iguais que os outros”, perceberíamos a constituição de um habitus próprio, particular e singular inerente ao universo simbólico que faz parte das relações objetivas e das disposições corporais, logo o comportamento, tanto dos entrevistados da música sertaneja, quanto ao do rock? O paralelo que fazemos reside na faculdade eletiva entre música sertaneja e inautenticidade de um lado, e de outro, no rock e na autenticidade. Através das disposições de cada colaborador da pesquisa são delineados horizontes próprios das condições sociais de possibilidade do “sujeito” e de sua atividade dotada de tendências imanentes do campo, e claro, das condutas engendradas por todos esses habitus que tipificam a relação de poder. Isto é, formas de perceber o mundo, o mesmo mundo simbólico, a partir de capitais distintos, mas não menos relacionais; a autenticidade e a inautenticidade – o rock e o sertanejo. É, sobretudo, uma maneira “exagerada”, mas não menos legítima, de creditar aos entrevistados do rock o slogan da Rádio Interativa – a maior no seguimento jovem 88 Entrevistas nº 67 e 68, Apêndice II. 94 de Goiânia – “A rádio do jovem que pensa”. 89 Isto é, são “todos iguais” mas, tão desiguais. Estruturam disposições autênticas. Porque a plena posse do habitus autêntico é condição a “superação” da indústria cultural. E aos entrevistados da música sertaneja o slogan da Rádio Terra – líder da audiência sertaneja na capital – “Alegria todo dia”. 90 São “todos iguais, mas uns mais iguais que os outros”, haja vista, afirmam práticas simbólicas inautênticas. Porque a plena posse do habitus inautêntico é condição à exposição a indústria cultural. Esses slogans expressam de uma maneira geral, posto que, estereotipam as interações simbólicas que perfazem as práticas daqueles que consomem através de uma visão engajada, crítica e autêntica, por um lado, e, de outro, emocional, divertida e inautêntica; o rock e o sertanejo. 91 Ora, estruturam esquematicamente seus habitus, fundado no mapeamento e no reconhecimento dos estímulos condicionantes como, por exemplo, a família e a indústria cultural, que os agentes estão propensos a agir e reagir, sendo nos limites coercitivos da estrutura simbólica o produto que os definem. Podemos acrescentar que o gosto musical não é proveniente de uma experiência inata, mas uma construção simbólica. O gosto musical não é uma mera coincidência; é estruturado socialmente pelos capitais acumulados via – indústria cultural; pelos relacionamentos afetivos, pela prática da leitura, pelo consumo orientado de filmes, pelo imaginário político, e ainda, pela instituição familiar, base, como vimos, de disposições autênticas. Assim, não esquece Bourdieu (2003) que: (...) a história do gosto individual ou coletiva, basta para desmentir a convicção de que determinados objetos tão complexos quanto as obras de cultura erudita, produzidas segundo leis de construção que foram elaboradas no decorrer de uma história relativamente autônoma, sejam capazes de suscitar, por sua virtude própria, preferências naturais. Somente uma autoridade pedagógica consegue quebrar o círculo da “necessidade cultural” segundo a qual uma disposição duradoura e assídua à prática cultural não pode se constituir senão por uma prática assídua e prolongada (Bourdieu, 2003, p. 164). Todavia, o habitus está longe de nos prender em uma camisa de força simbólica. O habitus não é uma estrada, uma possibilidade, um único caminho e, tampouco, poderia ser percebido enquanto futuro previsível, porque afinal, nem todo mundo recebe 89 Fundada em 1º de fevereiro de 1999 a Interativa se destacou desde o início pela sua proposta inovadora. Uma rádio onde os ouvintes participavam ativamente de seus debates e promoções. Com menos de seis meses já realizava grandes projetos e se colocava como líder de audiência no segmento jovem. Tem a programação voltada ao público pop/rock. 90 A Rádio Terra, como o próprio nome sugere, é destaque na capital como líder de audiência da música sertaneja. A programação é voltada para um público mais heterogêneo. 91 Ver pesquisa Serpes sobre audiência das rádios de Goiânia no anexo. 95 do mesmo modo as mesmas mensagens. Em outras palavras, os habitus cristalizados na pesquisa devem ser entendidos como sub-campos dos estilos musicais levados a efeito. O habitus autêntico, por exemplo, trata somente de uma condição suficiente e necessária de acumulação de capital cultural referente a uma porção média captada nos entrevistados do estilo rock. A autenticidade é o seu sub-campo, que ajuda a constituir a totalidade do campo. Já a inautenticidade, diz respeito ao sub-campo do estilo musical sertanejo, também revestido por disposições plurais. A inautenticidade é só uma das muitas refrações simbólicas do campo sertanejo. Bourdieu (2001) comprova: Decerto o habitus não é um destino, embora a ação simbólica não possa, por si só, e fora de qualquer transformação das condições de produção e de reforço das disposições, extirpar as crenças corporais, paixões e pulsões que permanecem completamente indiferentes às injunções ou às condenações do universalismo humanista, também enraizado, aliás, em disposições e crenças (Bourdieu, 2001, p. 219). Podemos acreditar na possibilidade de encontrarmos diferentes níveis de disposições nos diferentes habitus identificados na pesquisa, que assinalariam, possíveis descompassos ao funcionamento da indústria cultural. Atribuir ao rock o habitus autêntico, e ao sertanejo o inautêntico, não é esquecer a existência de patamares de disposições que se afastam das categorias propostas. Muito pelo contrário, é confiar no poder, isto é, no capital social, como forma de energia simbólica, objetivamente oferecida a cada jogador a realizar seus desejos em potência. Como ficou evidente nos comentários, respectivamente, de um entrevistado sertanejo e outro do rock que se distanciavam das próprias posições de seus grupos. Dizem eles: 92 O que eu não gosto na música são as paródias, as ilações (...) uma coisa que não vai te levar a refletir sobre um sentimento, sobre alguma coisa. É como se não houvesse uma identificação, você começa a ver [aquela música] só para o divertimento, uma coisa engraçada, só no momento, não para você se expressar mais. [E o entrevistado do rock desmistifica]: Não adianta nada você levantar a voz e fazer um tom revolucionário. Levantar bandeira e dar tiros para o alto, essas coisas, sabe? Aqui, as histórias dos habitus se encontram, mesmo que durante todo o trabalho, tenhamos exercitado o monopólio da distinção constante. Os habitus identificados então – autêntico e inautêntico – significam, “(...) o “poder-ser” que tende a produzir práticas objetivamente ajustadas às possibilidades, sobretudo ao orientar a percepção e a 92 Entrevistas nº 3 e 9, Apêndice II. 96 apreciação das possibilidades inscritas nas situações presentes” (2001, p. 266), pois praticar a reflexividade é conferir ao sujeito conhecedor arbitral das relações de poder, seus interesses, pulsões e pressupostos, com os quais necessita transgredir para constituir seu futuro. O futuro será tanto maior, quanto maior for o seu capital e menos estará suscetível as pressões simbólicas. O quadro proposto abaixo ilustra o campo percorrido de forma esquemática. Mostra o que aproxima e o que afasta os dois estilos musicais. SERTANEJO ROCK Centrada em traços afetivos, Base de um processo de revolução; sentimentais; na alegria música e protesto O que a música Vida, alegria, emoção e Extravasar suas emoções e representa Sentimento “compreendimento” Característica Música estereotipada Arte musical enquanto dominante pejorativamente valor cultural estético Lugar da indústria “Não são influenciados” Concordam que o “meio social” Trajetória histórica pode influenciar cultural “Imaginação” e “criatividade” “Consiste em lavagem cerebral” Argumento principal A preferência musical é da Creditam à família sobre o gosto musical ordem dos relacionamentos Exposição à indústria Aparentemente mais expostos Relativamente expostos Interesse na leitura “Não acrescenta em nada” “Gosto dos livros maiores” Illusio do campo Constituir um campo autônomo Fixar posição em um campo já Imagem dos anúncios publicitários cultural autônomo Relações de poder Imaginário coletivo Evitam a discussão ou concordam Dispostos a discutir com as posições dos entrevistados do às questões suscitadas com viés estilo rock relativamente mais crítico “O jovem que se diverte” “O jovem que pensa” através da música Identidade Identidade de resistência Identidade legitimadora Habitus Inautêntico Autêntico O que há de novo? O poder simbólico como transgressão O poder simbólico como transgressão Quadro 1.1 97 3.5. À porta ou aporte em Adorno: Adorno (1985, 1998 e 1999) sempre foi refratário à cultura de massa, contida na crítica imanente e porque não transcendente concentrada no conceito de indústria cultural. Porém, sua aversão não estava voltada somente à idéia de cultura – vista como mercadoria – mas também, na razão tecnológica por ser instrumental, na qual tudo era reduzido a um equivalente abstrato da troca universal. A descrença no destino da humanidade reificada pela indústria cultural desembocava, inevitavelmente, no traço pessimista de sua obra. Mas existiria algum campo no pensamento de Adorno onde resida a esperança? Com certeza a resposta estaria nas artes. A música, toda ela, cantada na forma incansável da repetição desastrosa do “sempre igual” carregava consigo o espírito danificado da humanidade. Nas ondas dos rádios, tvs, shows, ou mais recentemente, na Internet, propagava-se a voz da angústia e do desespero. Afinal, como diz Adorno, “(...) a consciência musical das massas se define pela negação do prazer no próprio prazer” (1999, p. 169). E esse seria o traço da própria sociedade, ora a música cantaria em versos seus dilemas e suas crises. Mas seria pouco conveniente não notar que Adorno não tenha percebido, através do pensamento dialético, uma forma de confrontar seu(s) próprio(s) postulado(s). Como afirmou: A tarefa mais importante (...) da pesquisa social empírica seria investigar em que medida afinal os homens são e pensam tal como são feitos pelos mecanismos (da indústria cultural). Pesquisas do Instituto indicam (...) que ocorre uma duplicidade peculiar, isto é, de um lado as pessoas são obedientes aos mecanismos de personalização da indústria cultural (...) mas, simultaneamente, quando se vai além da superfície (...) todos praticamente são cientes de que (...) [em sua vida real] a princesa afinal não tem importância. Se realmente as pessoas são cativadas, mas ao mesmo tempo não são cativadas, se aqui ocorre uma consciência duplicada e contraditória em si mesma, então neste ponto o esclarecimento poderia se ater ao fenômeno da personalização e poderia ter êxito em esclarecer as pessoas que este fenômeno é apenas parte de um contexto mais amplo [a formação socialmente determinada da sociedade capitalista] (Adorno apud Maar, 2003, p. 476). O fato é que a música podia e devia transcender ao sofrimento que a indústria cultural desencadeava, negando-se a ficar presa em suas contradições. A transgressão residiria nos padrões de consumo com um toque de imprevisibilidade e interpretação, pois como diz Toynbee, “(...) o olho do espectador também o protege do excesso de homogeneização cultural” (2004, p. 293). 98 Sem embargo, mesmo o consumo de música sertaneja ou de rock evidenciaria a negação em parte, dos aspectos inerentes ao mar de padronização que os entrevistados da pesquisa experimentam no interior do processo. A música é tida não somente enquanto mercadoria simbólica de opressão, mas sim, uma forma de transcender, de negar e de libertar-se do julgo da indústria cultural. Afastar-se e, ao mesmo tempo, percorrer nos interstícios da indústria do divertimento, significa atribuir ao poder da ação simbólica incorporada nas práticas corporais dos entrevistados, uma atitude difusa e não menos transgressora de habitus infinitos. É acima de tudo, apontar que a música nunca será só mercadoria, nem mesmo só cultura “legítima”, pois via as estruturas de relações objetivas e as disposições incorporadas, como lembra Bourdieu: A ação simbólica (...) [atesta] na prática ser possível transgredir os limites impostos, em particular os mais inflexíveis, aqueles inscritos nos cérebros; tal sucede na medida em que, por estarem atentos às oportunidades reais de transformar a relação de força, eles sabem trabalhar para alçar as aspirações adiante das oportunidades objetivas às quais elas tendem espontaneamente a se ajustar, mas sem impeli-las para além do limiar em que elas se tornariam irreais e aventurosas. A transgressão simbólicas de uma fronteira social tem por si só um efeito libertador porque ela faz advir praticamente o impensável. Mas ela própria somente se torna possível, e simbolicamente eficiente, em lugar de ser simplesmente rejeitada como um escândalo que, como se diz, recai sobre seu ator, quando são preenchidas certas condições objetivas (Bourdieu, 2001, p. 289). Não importa quão poderosa possa ser a visão histórica da indústria cultural. Há sempre uma possibilidade de transgressão, se tal termo significar como é presente em Said (1992), a liberdade. A música torna-se parte da formação social, sem perder sua capacidade de articulação com a “pluralidade infinita” de crítica e contemplação; revolução e acomodação; liberdade e coerção; utopia e descrença, autenticidade e inautenticidade. Na verdade, a música é conjugada à variedade integral das atividades culturais humanas sem “horror desesperado”. 99 “A música se torna, portanto, uma modalidade generosa e não coercitiva, e, por quê não, utópica, se por utópica queremos dizer mundana, possível, alcançável, cognoscível”. Edward Said, Elaborações Musicais. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Os estudos que fazem parte do campo relacional da música que estão concentrados nas áreas da sociologia, da história, da antropologia, das artes, e mesmo, da teoria literária ou da comunicação, não são recentes nas discussões acadêmicas brasileiras. Diversos são os trabalhos que de um modo ou de outro, procuram esmiuçar a dinâmica que envolve a música popular brasileira desenvolvida nas mais diversas regiões do país. Aparentemente, o que se mostra com maior nitidez são as múltiplas abordagens do fenômeno musical que requer do pesquisador certa disposição no translado dos campos interdependentes das disciplinas que estruturam o estudo da música. Como é notório, nunca o cenário musical brasileiro se mostrou tão heterogêneo e divulgado pela mídia como neste momento. O surgimento e a multiplicação de estilos nas diferentes partes do Brasil demonstra essa afirmação como, por exemplo, o funk no Rio de Janeiro, o hip-hop em São Paulo, o sertanejo em todo território nacional, o pagode e as inúmeras bandas de axé music provenientes da Bahia (Naves, Coelho, Bacal e Medeiros, 2001). 93 Apesar disso, não se deixou perceber através do levantamento da bibliografia consagrada sobre o assunto, estudos que evidenciassem a influência do gosto musical sobre as particularidades individuais da constituição de disposições corporais. Os trabalhos sempre giravam em torno do aparato técnico musical, na maioria das vezes, mostrando mais a forma genérica, histórica, social, econômica e política de um estilo musical, que propriamente, demonstrar a relação do efeito musical sobre as disposições daqueles que a consumem. Exemplo disso são os estudos de Caldas (1987 e 1979), Tinhorão (1981 e 1998) ou Chacon (1985) que discutem o sertanejo, a música popular brasileira e o rock a partir do distanciamento do efeito do consumo sobre o comportamento. Quase sempre se trabalha com hipóteses, como: “A música sertaneja 93 Publicado em ANPOCS bib – Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais 51, São Paulo, 1o. semestre de 2001. 100 estaria voltada a um pensamento conformista, dada a sua constituição eminentemente sentimentalista”? É de se notar também, pela revisão do material consagrado, os poucos estudos relevantes que tratam de forma específica do rock no país que, quando ocorre, parecem constituir mais um capítulo de uma discussão a, essencialmente, por a prova esse estilo musical. Nesse sentido, a contribuição do trabalho partiu não do delineamento estrutural de uma época vista sob o prisma de um estilo musical, como em Favaretto (2000), Ridenti (2000) ou Naves (2000), mas querendo primeiro: perceber quão poderosa seria a influência da indústria cultural sobre os atores sociais; e em decorrência, se haveria espaço para transgressão; terceiro, levantar as relações de poder que fazem parte do campo da música e da indústria cultural, apreendendo a illusio e, finalmente, a partir das preferências musicais aferir sobre as disposições que estruturariam as atividades cotidianas dos agentes, logo, seus comportamentos. Ou seja, eleger nas linhas estruturantes e estruturais do campo simbólico que perfazem as práticas iniciais de consumo de música por jovens, a magnitude das relações conflitantes de poder que revelam sobre seus comportamentos. Pôde-se captar que o consumo de música delimita, porque estrutura, disposições que são particulares de cada universo musical. Esse trabalho não teve por propósito a intenção de esgotar o tema principal e, por isso, suscita novas formas de perceber as problemáticas explicitas e implícitas sob um novo paradigma. Em outras palavras, o que o estudo suscitou para ainda ser pesquisado? Achamos que a melhor resposta resida em tudo aquilo que aparentemente fôra negligenciado devido ao método e ao objetivo. Se nos concentramos em perceber a influência da indústria cultural junto às disposições de jovens que consomem música sertaneja e rock, poder-se-ia generalizar os resultados para outros estilos? Quais outros estilos estariam mais próximos de estruturar disposições como as da música sertaneja? A música clássica ou mesmo a música popular brasileira, MPB, propagariam práticas semelhantes as do rock? Por quê pessoas do sexo feminino, na maioria das vezes, consomem de forma menos resistente diversos estilos musicais? Por quê os homens geralmente dizem ter apenas uma preferência musical? Haveria espaços nos quais a indústria cultural não conseguiria alcançar? Uma resposta positiva para essa última indagação resultaria em quais desdobramentos? Um mundo mais livre, seguro e feliz? Outra alternativa seria estudar o lado humanista, sentimental, eloqüente e emocional que a música pode oferecer. A música consumida nesses moldes aliviaria as 101 tensões do mundo moderno? São essas canções que podem conferir aos agentes maior confiança no futuro e mesmo em suas experiências cotidianas? Ou não, ela conservaria as tensões que a modernidade engendra na prática simbólica social? Enfim, trata-se de formas possíveis de pesquisas que representam um campo fértil, promissor e, acima de tudo, infinito de abordagens que proporcionam àqueles que chegam ao “final”, maior clareza ao pensamento sociológico. 102 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ADORNO, Theodor. Educação e emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 1995. ________. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1983. ________. Prismas. 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Thomas Friedman 10. Não Somos Racistas. Ali Kamel AUTO-AJUDA E ESOTERISMO: 1. O Monge e o Exército. James Hunter 2. Construindo uma Vida. Roberto Justus e Sérgio Augusto de Andrade 3. Casais Inteligentes Enriquecem Juntos. Gustavo Cerbasi 4. O que Toda Mulher Inteligente Deve Saber. Steven Carter e Julia Sokol 5. Você está louco! Ricardo Semler 6. Como se Tornar um Líder Servidor. James Hunter 7. Jesus, o Maior Psicólogo que Já Existiu. Mark Baker 8. Tudo ou Nada. Roberto Shinyashiki 9. Nunca Desista de Seus Sonhos. Augusto Cury 10. Superdicas para Falar Bem em Conversas e Apresentações. Reinaldo Polito Fonte: Disponível em www.veja.com.br, acesso em 15/08/2006 110 ANEXO II: PESQUISA SERPES – AUDIÊNCIA DAS RÁDIOS DE GOIÂNIA (Mês de julho de 2006) Rádios Geral 05/09 10/14 15/19 20/24 25/29 30/39 40/49 50+ 99,5 2,34 0,84 12,40 19,28 17,10 13,46 21,13 12,06 3,83 97 0,28 1,32 25,00 32,63 14,47 12,37 9,47 2,63 2,11 Terra 2,21 0,96 3,46 8,83 9,23 14,27 24,88 23,60 14,77 Executiva 0,16 0,00 0,45 1,36 12,73 6,82 25,45 34,55 18,64 RBC 0,17 0,00 1,30 1,30 5,65 16,52 21,30 34,35 19,57 Interativa 0,53 0,00 9,48 37,23 19,51 14,29 10,85 7,01 1,65 Sucesso 0,36 0,20 3,67 22,20 26,68 20,77 11,61 12,02 2,85 Companhia 0,07 0,00 0,00 9,38 29,17 10,42 19,79 12,50 18,75 Antena 1 0,16 0,00 0,89 1,34 7,14 11,16 37,50 38,39 3,57 Fonte da 0,31 0,47 7,33 18,91 14,89 16,55 27,42 11,11 3,31 Jovem Pan 0,43 1,18 21,49 42,64 12,86 12,01 6,43 3,21 0,17 Mil FM 0,20 0,00 2,95 7,75 2,95 16,61 23,25 24,35 22,14 Desligados 90,89 1,59 11,27 13,57 13,52 11,60 19,17 16,14 13,14 Vida Fonte: Serpes, disponível em www.serpes.com.br, acesso em 12/08/2006. Universo: 1.103.892 habitantes. 111 APÊNDICE I: INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS: 1. Quais são suas preferências musicais? 2. Em que momento(s) vocês ouvem música? 3. Qual meio mais utilizado? 4. Ela exerce alguma importância em suas vidas? O que ele representa? Como, por exemplo, na forma de pensar, sentir ou mesmo agir? (Exemplifique) 5. Existiria algum estilo de música que vocês não gostam? Discuta porque? 6. Qual o critério para que vocês atribuam a um determinado estilo musical as características de bom ou ruim? 7. Se houvesse a necessidade de precisarmos em uma única palavra qual o significado que a música tem para vocês, qual palavra melhor expressaria esse significado? 8. Uma melodia que acompanhando um anúncio de TV compele de forma absoluta ao telespectador a comprar tal mercadoria? Vocês já agiram assim? 9. Os músicos (artistas) afetam os que lhes ouvem a música? Se sim, de que forma? 10. Sabendo que a música é um meio de comunicação e multiplicação de estados de consciência, tem ela algum efeito sobre o espírito ou mesmo sobre o caráter do homem? 11. Existiria alguma música que marcou um determinado momento de suas vidas? Se sim, qual estilo de música e por qual meio de comunicação foi ouvida? 12. Como vocês se sentem diante do atual estágio de produção musical em nosso país? 13. Que características vocês apontariam acerca da atual produção musical? 14. O que vocês procuram na música? 15. Se em uma representação hipotética imaginássemos os estilos musicais sendo categorias de filme (drama, suspense, terror, comédia...) como vocês enquadrariam a atual produção musical brasileira? 16. Da mesma forma, como seria se nessa representação hipotética substituíssemos a atual produção dos programas veiculados nos meios de comunicações por categorias de filmes, como vocês definiriam (drama, suspense, terror, comédia)? 17. Da atual programação televisiva que aspectos vocês elegeriam como positivo ou negativo? 18. Caso respondam, procurar perceber se houve em algum momento da história de vida deles aquilo que poderíamos designar “uma bela época” na programação televisiva? Se for positiva tal indagação, perguntar então, se gostariam que voltássemos ao que era antes? Por quê? 19. O que vocês procuram no cinema? Qual gênero mais assistido? 20. Digam o nome de algum artista da música sertaneja? 21. Digam o nome de algum artista do rock? 22. Como vocês definiriam o estilo musical rock? 23. Como vocês definiriam o estilo musical sertanejo? 24. Vocês acreditam que a arte musical deve estar relacionada a algum tipo de movimento político-social que contribua para as questões vitais da sociedade? 112 25. Dos artistas brasileiros ou estrangeiros, quais estão relacionados a algum movimento político-social que visa assegurar ou propiciar uma visão mais ampla acerca das questões vitais que devem ser debatidas pela sociedade? 26. Vocês acham importante tal atitude? Ou não, o artista deve se preocupar mesmo é com sua carreira – com seu sucesso? 27. Vocês se consideram fãs/tiétes de algum artista musical? Sertanejo ou do rock? (Daqueles que vocês disseram ter preferência) 28. Vocês adquirem produtos (revistas, cd’s, dvd’s, roupas, shows...) daqueles artistas que vocês têm preferências? Até quando estariam dispostos a gastar? 29. Apresentar a lista de cd’s/dvd’s mais vendidos. (Já ouviram/compraram?). 30. Se esse artista proclamasse suas preferências políticas/sexuais/no consumo/nas práticas religiosas; isso influenciaria vocês de alguma maneira? 31. Estamos atravessando o período eleitoral, o que prepondera na hora de decidir o seu voto? O voto já está definido? 32. Da mesma forma, o que significa este momento para vocês? Que fatores positivos, ou mesmo, negativos, elegeriam no processo eleitoral? 33. Quanto ao hábito de leitura, gostaria de saber se vocês se dedicam a leitura? Se sim, qual a freqüência? Se não, porque estariam distantes da leitura? 34. Se sim, que tipo de leitura vocês têm preferência? E o que procuram nesse tipo de literatura? 35. Que aspectos vocês elegeriam como positivo no hábito de leitura? Qual avaliação faria da atual produção editorial? 36. Apresentar a lista de livros mais vendidos. (Já leram/compraram?). 37. Qual a melhor palavra para definir a publicidade? 38. Apresentar a lista dos filmes mais vistos. (Já viram? Onde?). 39. Apresentar as músicas. Qual a primeira associação que fazem? 113 APÊNDICE II: ENTREVISTAS COM UM GRUPO DE JOVENS Entrevista Nome Resumo 1 Tiago De ninguém, de ninguém. Ninguém consegue me influenciar sobre o meu gosto de música; entre gosto de nada, saca? Se eu gosto, eu gosto. Eu gosto dessas músicas que têm porque eu ouvi nas festas e aí pronto; aí eu gostei. Acho que foi a cultura mesmo que eu fui vivenciando e tal. 2 Tiago 3 Tiago 4 Pedro 5 6 7 Pedro * Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter sofreram influência de quem/ou do que (família, religião, amigos, televisão)”? Até os seis anos de idade sim. Influencia muito! Mas depois ele vai criando um senso-crítico. Hoje, assim... Você lembra, quando você vê o produto na estante do supermercado você lembra, um pouco. Mas não de ficar viciado assim e tal... E falar, nossa! É interessante para poder atrair, pra chamar mais atenção na propaganda, pra ficar melhor a propaganda também. Mas assim... Hoje não influencia tanto igual influenciava até os três anos * Questão: “Uma melodia que acompanhando um anúncio de TV, compele de forma absoluta ao telespectador a comprar tal mercadoria? Vocês já agiram assim”? O que eu não gosto na música são as paródias e as ilações... Que as pessoas pegam uma música de verdade que existe e tal... Um estilo de música começa parodiar isso, começa a formar algo que não existe. Uma paródia mesmo, uma ilação, uma coisa que não vai te levar a refletir sobre um sentimento, sobre alguma coisa, saca? Então é como se não houvesse uma identificação, você começa a ver que aquilo ali é só para um divertimento uma coisa engraçada, só no momento, não para você se expressar mais. * Questão: “Existe algum estilo que vocês não gostam e porque não gostam”? A música pra mim é como um estilo de vida, entendeu? Eu adoto todos. Geralmente as letras são aquilo que eu faço, aquilo que eu acredito, aquilo que acontece. Então, você tira da música uma inspiração pra fazer minhas ações, medir as minhas palavras e até o jeito que eu me visto, entendeu? Os lugares que eu freqüento e as minhas amizades. Pra mim a música tem uma influência muito grande na minha vida. * Questão: “A música exerce alguma importância na vida de vocês? O que ela representa”? Essa palavra pra mim seria filosofia. Um meio de vida; aquilo que você acredita e aquilo que você segue. Pedro * Questão: “Se houvesse a necessidade de precisarmos em uma única palavra qual o significado que a música tem para vocês qual palavra melhor expressaria esse significado”? Eu não conheço. Eu desconheço o sertanejo. Quando eu escuto essa música não vem nada na minha cabeça, eu não associo com nada, não sei quem canta e não tenho nada para falar dessa música. Não saberia um nome sertanejo para afirmar; não conheço o suficiente. Pedro * Questão: “Gostaria que vocês dissessem o nome de um artista da música sertaneja”. Eu procuro, geralmente, sair do stress. Eu desligo do mundo quando eu começo a ouvir as minhas músicas preferidas. Eu procuro nelas uma letra mais agressiva, alguma coisa que expresse aquilo que nós não conseguimos expressar no dia-a-dia; do jeito que a gente sempre quis ou então, um mundo 114 que a gente sempre quis ver, só que não vai ver tão cedo, porque a gente sabe como são as coisas, né? E também aquilo que a mídia não mostra, realmente as músicas... Músicas mesmo... que são feitas para o público e não pelo dinheiro. Música que você ouve e fala: “Nossa! Como que um cara desse não tem reconhecimento”. Isso que eu busco nas músicas; compreendimento e expressar meus sentimentos, mesmo que sejam os mais brutos. 8 Pedro * Questão: “O que vocês procuram na música? Vocês procuram alguma coisa”? Eu também acredito que se você canta uma coisa você deveria fazer, né? Não somente cantar, por que aí seria uma outra moda; se fizer somente isso. Mas principalmente porque eles têm poder aquisitivo, poder social e político pra fazer isso, né? Amanhã, nesse sábado, por exemplo, vai ter um show de uma comunidade de metal – isolada do mundo – mas parte do ingresso é 1kg de alimentos, entendeu? A própria comunidade ajudando alguém ou uma entidade toda. Então eu acho isso bem louvável. Pedro * Questão: “Dos artistas brasileiros ou estrangeiros, quais estão relacionados a algum movimento político-social que visa assegurar ou propiciar uma visão mais ampla acerca das questões vitais que devem ser debatidas pela sociedade? Vocês acham importante tal atitude? Ou não, o artista deve se preocupar mesmo é com a sua carreira – com seu sucesso”? Eu avalio muito a serenidade como falam. De primeira não adianta nada você levantar a voz e fazer um tom revolucionário. Levantar bandeira e dar tiros para o alto, essas coisas, sabe? Porque se você fala sereno dá pra discutir mais as idéias, as suas expressões faciais demonstram calma e certeza que você está falando, sabe? Pode até influenciar alguém a votar nele. Quem gosta de analisar, realmente eu acho que precisa de análise completa das propostas, o meio que fala, o meio que ele é, o partido, e como ele age. 10 Juliano * Questão: “Estamos atravessando o período eleitoral, o que prepondera na hora de decidir o seu voto? O que significa esse momento e que fatores positivos ou negativos elegeriam no nesse processo”? Eu posso dizer que a minha vida é baseada em música. Eu acho que tudo que acontece na minha vida está relacionado a alguma coisa com música. Os meus filmes preferidos são filmes relacionados com música como: “Alta fidelidade” e “Escola de rock”. 11 Juliano * Questão: “Em que momento vocês ouvem música”? Acho que a maioria das minhas conversas são muito influenciadas pela música; todas as minhas piadas, os meus pensamentos são tudo influenciados por letras de músicas (risos). 12 Juliano 9 13 Juliano * Questão: “A música exerce alguma importância na vida de vocês”? Eu estava muito desesperado com a música brasileira. Eu achei que já estava no fundo do poço. Aí, eu comecei a descobrir algumas bandas, tipo: “Móveis coloniais à caju” de Brasília ou “Parafusa”. Aí, eu percebi que não tinha só esse meio da mídia assim (...) que era o que eu me baseava quando estava desesperado; achando quando estava no fundo do poço. Eu descobrir uma coisa em baixo, que é muito melhor que a mídia está mostrando. Os selos alternativos (...) para eles poderem lançar seus cds, como: A Mostro, a Foster que lançou agora. Isso você vê que são músicas verdadeiras porque eles sabem que não vão ganhar dinheiro pelo menos nos próximos cinco anos. Eles estão fazendo a música pela música. E não a música pela fama. Atualmente eu estou bem tranqüilo ao cenário musical do futuro brasileiro. * Questão: “Como vocês se sentem diante do atual estágio de produção musical em nosso país”? Eu assisto muito filme que fica na parte “cult” da locadora (tom irônico), que são filmes não comerciais, como a música que escuto. Eles fazem o filme 115 pelo filme. Eles não fazem o filme pelo dinheiro e acabam mostrando uma mensagem que acaba sendo o que o cara está sentindo por dentro. Eu ando vendo muito filme cult. 14 Juliano 15 Juliano 16 17 Juliano Juliano 18 Juliano 19 Juliano 20 Juliano * Questão: “Qual estilo de filme vocês mais assistem e o que procuram no cinema”? Consiste em lavagem cerebral de diferentes formas. Mas essa é a idéia. Você vai comprar um produto, você tem que gostar do produto. Não digo lavagem cerebral de uma forma ruim, negativa. Mas a idéia de fazer o meu cliente gostar do meu produto; eu preciso de alguma forma disso. * Questão: “Qual a melhor palavra para definir a publicidade”? Eu não fui influenciado pelos meus pais. Eu acho que eu fui mais influenciado pela Internet, quando comecei a puxar música. Eu diria que meus amigos me apresentaram mais músicas, mas foram amigos que eu consegui através da música. Alguém me mostrou o rock. Não! Eu acho que o rock me mostrou alguém. (...) Eu acho que a tv influenciou justamente o contrário. A tv mostrou aquilo que a gente não devia ouvir. * Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter sofreram influência de quem/ou do que (família, religião, amigos, televisão)”? Eu diria que não, porque eu acho que independente da época em que estamos vivendo o passado vai ser sempre melhor. É aquela nostalgia de quem não viveu, entende? Eu acho que o rock dos anos 70 foi melhor justamente porque estamos nos anos 2000. Chico Buarque escreveu diversas músicas que são maravilhosas na época da ditadura. Então eu quero que volte. Não! De jeito nenhum! * Questão: “Parece que as respostas até aqui, giraram em torno de questões mais traumáticas; como se no passado as produções musicais eram boas e, agora são ruins. Parece que existe uma certa nostalgia. Então, perguntaria: vocês gostariam que voltássemos ao que era antes, gostariam que voltássemos ao passado”? E como eu já disse, o meu critério... Letras vazias, ritmos manjados, tipo um funk (ele repete um ritmo de funk), então é aquela coisa de sempre; é sempre tudo igual, nada muda e acaba não falando nada. * Questão: “Que critérios vocês atribuem a um determinado estilo musical as características de bom ou ruim”? A minha preferência musical é rock independente; aquele que foge das mídias... Que não se vende as coisas capitalistas do mundo. * Questão: “Quais seriam as preferências musicais de vocês”? Essa música é da Rita Lee “Alô, alô marciano”; não sei quem está cantando, mas a música é da Rita Lee. Ela fala mais da bagunça que estava na época que ela escreveu. Época da ditadura, quando ela estourou como “Mutantes”. E estava uma bagunça e provavelmente reflete a bagunça que o país está passando. Eu associei a minha mãe. Eu acho que foi o primeiro cd de rock que eu ouvi foi dos Mutantes que minha tia tinha e minha mãe ouvia muito. * Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa que pensam/associam e de quem é a música”? Eu acho que a música deveria ser (...) essa massificação deveria ser usada para ir contra o sistema, entende? Porque o capitalismo tem seus problemas, o socialismo tem seus problemas e a música deveria mostrar para as pessoas como resolver esses problemas, não necessariamente julgando um sistema ou outro, qual seria o melhor, mas para resolver os problemas. * Questão: “Vocês acreditam que a arte musical deve estar relacionada a 116 21 22 Lívia Lívia algum tipo de movimento político-social que contribua para as questões vitais da sociedade”? Eu acho que a música tem muita importância na minha vida. Eu procuro letras bonitas, né? Sentimento que toca lá no fundo. Mas, sertanejo quando a pessoas escuta lembra de namorado, dos relacionamentos passados; lembra de momentos bons. Eu acho que é o sentimento, a lembrança, uma vida na forma da canção. * Questão: “O que vocês procuram na música? Vocês procuram algo na música”? Eu gosto de filme de suspense e de romance, né? Eu procuro no filme romântico a realidade das pessoas, os sentimentos verdadeiros, amor proibido. O que eu procuro é isso. * Questão: “O que vocês procuram no cinema”? 23 24 25 26 27 28 29 Lívia Lívia Lívia Lívia Lívia Lívia Lívia Eu não tenho nada contra, porque as pessoas gostam dos estilos que querem... da maneira que se sentem bem. Eu me sinto bem em relação às outras pessoas, entendeu? Então, cada um gosta do que quer e faz o que quer. * Questão: “Como vocês se sentem diante do atual estágio de produção musical em nosso país”? Eu não gosto de rock, de Rap, de street dance, transe; porque eu acho que as músicas não tem letra, fica só aquele “pancadão”, entendeu? E também por não entendo nada. As letras são em inglês. Por isso que eu gosto de sertanejo porque eu acho que as músicas têm letras e também são muito sentimentalistas. Tocam lá no fundo. * Questão: “Que critérios vocês atribuem a um determinado estilo musical as características de bom ou ruim”? Eu me dedico a leitura quando vejo algo que me interessa. Quando é uma coisa sobre economia, por exemplo, eu já não me interesso; eu leio aquilo por cima; aquele “resuminho”. Mas quando fala de novela, horóscopo, a vida de algum artista aí eu já me interesso, entendeu”? A gente gosta de ler para dar risada, para se divertir. Eu acho que a leitura não vai crescer em nada, você só vai perder tempo. * Questão: “Que aspectos vocês elegeriam como positivo quanto ao hábito da leitura”? Influência de gostar de música sertaneja? Porque (risos) uma vez eu estava namorando um menino; aí ele mandou uma música do Rick e Renner pra mim ouvi, entendeu? Então, eu não conhecia a dupla ainda; aí a partir daí eu passei a comprar cd, comecei a ter coleção de pôster; e gostar de música sertaneja. Foi a partir daí. * Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter sofreram influência de quem/ou do que (família, religião, amigos, televisão)”? A primeira coisa que veio a cabeça foi: “ah! Cobras e Lagartos”, (...) porque era o tema da novela. * Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa que pensam/associam e de quem é a música”? Eu não conheço a música, mas eu gostei da melodia e da letra dela. Parece uma música de Igreja. * Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa que pensam/associam e de quem é a música”? Eu olho bem para cara dos candidatos. Se ele olhar para câmera é porque está falando a verdade; se olhar para baixo é porque eu sei que está falando mentira. Então quando começa a inventar muita coisa é porque não vai ser um 117 bom candidato. 30 31 Lívia Bento * Questão: “Estamos atravessando o período eleitoral, o que prepondera na hora de decidir o seu voto? O que significa esse momento e que fatores positivos ou negativos elegeriam no nesse processo”? Tem muitas novelas que mostram a realidade da vida das pessoas brasileiras, mostram várias coisas. Tem fatores negativos também, porque passam cenas que crianças não podem assistir. * Questão: “Da atual programação televisiva brasileira que aspectos vocês elegeriam como positivo ou negativo”? Estou meio em dúvida em defini-la entre manipulação ou massificação. Se a gente coloca sob o ponto de vista da manipulação temos que levar para outras esferas também – são todas manipulativas. Todas trazem uma carga de uma certa ideologia, tudo nos guia para alguma coisa, para fazer alguma coisa. Então não dá para taxá-la pelo menos negativamente, como manipulação. Agora massificação é com certeza. Tem que vender o produto e o produto ser vendido bem. 32 Bento * Questão: “Qual a melhor palavra para definir a publicidade”? Sofrimento de corno. 33 Débora * Questão: “Como vocês definiriam o estilo musical sertanejo”? O amor; amor e saudade; amor e dor. 34 Débora * Questão: “Como vocês definiriam o estilo musical sertanejo”? Emoção e sentimento forte. 35 Débora 36 37 38 Débora Débora Débora 39 Alessandra 40 Alessandra * Questão: Como vocês definiriam o estilo rock”? Eu não quero criticar... e nem colocar como se fosse geral, mas a maioria das pessoas que curtem, por exemplo, rap; são pessoas que alguma vez na vida já roubaram, já traficaram, já brigaram. De certa forma isso influência. Apesar de serem pessoas da favela, pessoas sofridas. Eu não escuto rock (...) banda como Ozzy Osborne está fora do meu mundo. Deus me livre! * Questão: “Sabendo que a música é um meio de comunicação e multiplicação de estados de consciência, tem ela algum efeito sobre o espírito ou mesmo sobre o caráter do homem”? A minha influência de gostar de sertanejo foi pela minha família mesmo, porque toda a minha família ama sertanejo; escuta o dia inteiro. * Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter sofreram influência de quem/ ou do que (família, religião, amigos, televisão)”? Eu lembrei de Cobras e lagartos e mais da Leona. * Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa que pensam/associam e de quem é a música”? Porque eu acho que o rock e o sertanejo é uma coisa independente. Não tem essas coisas de política no meio. Música é sentimento. * Questão: “Vocês acreditam que a arte musical deve estar relacionada a algum tipo de movimento político-social que contribua para as questões vitais da sociedade”? Revolta, crítica; revolução. * Questão: “Como vocês definiriam os estilo rock”? Esse negócio de influencia o pessoal gosta muito de dizer que “eu não sou influenciado; eu não tenho influencia de ninguém”.... Eu acho que isso é mentira e 90% sabem. (neste ponto teve confusão entre Manuela e Victor; 118 risos); tudo bem, eu respeito a sua opinião que não é a minha. É impossível você não se influenciar pelo meio, é impossível você não se influenciar pelos seus amigos, pelas as pessoas que você anda, pelo seu Colégio. Tudo é influencia, não tem como dizer que não. 41 42 43 44 Alessandra Alessandra Alessandra Alessandra 45 Alessandra 46 Alessandra * Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter sofreram influência de quem/ ou do que (família, religião, amigos, televisão)”? Eu não escutava Xuxa, não escutava Eliana. Minha mãe colocava Arca de Noé, Saltimbancos. Até hoje quando ouço “Os saltimbancos” eu acho muito bom; o grande circo mítico do Chico Buarque foi o que eu cresci escutando. Existe música infantil muito boa. Eu acredito nisso. * Questão: “Existiria alguma música que marcou um determinado momento de suas vidas”? Eu leio muito. Gosto muito de ler. Assim (...) de tudo. Acho que tem um aspecto aqui no Colégio que é muito ruim que é os livros que eles passam pra gente. Como a gente está estudando as Escolas literárias, eles acham que a gente já deve começar daquilo. Só que acho o inverso. Você tem que começar lendo Luciano Veríssimo que é uma coisa que você se identifica ou coisas que tenham mais haver. E aí, depois você vai procurar esses outros tipos de leitura, porque é uma coisa que você vai criando hábito. Leitura é muito de hábito. Eu amo Machado de Assis; só que antes de ler Machado de Assis você tem que ter lido outras coisas, que fossem mais fáceis e se acostumando com aquele estilo. Não pode ser assim do nada e dar o Guarani para os meninos lerem e achar que eles vão amar. Ilusão isso, sabe? * Questão: “Quanto ao hábito de leitura, eu gostaria de saber se vocês se dedicam a leitura”? Com certeza aos meus pais e aos meus amigos. No caso de tudo; rock, MPB, música clássica. Isso são dos meus pais. Do rock mais pesado e das coisas mais atuais seria influência mais dos meus amigos. * Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter sofreram influência de quem/ ou do que (família, religião, amigos, televisão)”? Da minha infância eu lembro dos Beatles, porque meu pai ouvia muito, muito mesmo. Eu ia dormir e meu pai me colocava para ninar “Looking in the sky diamonds”, sabe? Ele ficava ouvindo enquanto eu dormia. Aí minha mãe reclamava: como a criança vai dormir com uma música dessas? E meu pai ignorava completamente a minha mãe (risos). É uma coisa que me marcou muito. Eu não consigo ouvir Beatles sem lembrar da minha infância e amo completamente Beatles. * Questão: “Existiria alguma música que marcou um determinado momento de suas vidas”? Agora eu estou em uma fase que meu pai ele vai aumentando o nível de dificuldade. Ele gosta de ficar passando os livros (...) agora eu estou em uma fase Dostoievisk (risos) que são considerados muito chatos normalmente, como o (Juliano) acabou de falar. Eu estou aprendendo a gostar muito. Eu estou achando muito bom. Eu li agora Dr. Jivago e eu acho assim (...) perfeito. Eu li duas vezes seguidas. Eu acabei de ler aí, deu aquela tristeza assim... “pô”, cheguei no fim, não vou ter mais o livro. O livro virou quase um companheiro. Eu gosto mesmo é de romances, dos maiores. * Questão: “Que tipo de leitura vocês tem preferências”? A minha associação também é pelos meus pais no caso a minha avó. Minha avó adora Rita Lee. Eu acho até irônico porque ela é uma velhinha de cabelos brancos que pula de pára-quedas, toda bonitinha e ouve Rita Lee. Não é muito normal (risos). Sempre que ouço Rita Lee, qualquer música, eu lembro dela. 119 47 48 49 Alessandra Alessandra Alessandra 50 Rafaela 51 Rafaela 52 Rafaela * Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa que pensam/associam e de quem é a música”? Meu pai sempre falava que na época da ditadura, matérias de primeira página dos jornais eram censuradas e aí, em lugar delas vinham matérias tipo: sobre jardinagem. Tinha uma foto imensa de uma rosa ensinando como cultivar essas rosas. Todo mundo sabia (...) que no lugar daquela matéria deveria estar uma matéria muito importante que estava acontecendo naquele momento que tinha sido censurado e o povo não estava tendo acesso. Por isso que o nome da música é “Para não dizer que falei das flores”, fazendo alusão a censura. Volta e meia tinha uma foto imensa de uma flor. Matérias tipo: o que fazer com seu adubo? E o pessoal não estava nem um pouco interessado. * Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa que pensam/associam e de quem é a música”? Eu acho engraçado que o pessoal esquece. Que tem “mensalão”. Eu acho que a eleição, de certa forma, é bom pra gente lembrar das coisas que acontece. De repente voltou e está todo mundo falando das coisas erradas que aconteceram no governo. Vai e volta. É aquele patriotismo na época de Copa. Tem as críticas na época de eleição. Na época de eleição é assim: nossa! Brasil, gente (...) não anda pra frente, os políticos são todos corruptos, não sei o que, não sei o que. Mas só falam isso na época de eleição. Porque você não criticar em outros momentos, porque que deixou passar tantas coisas, saca? E se dissolveram junto com as outras e não aconteceu nada. Então, acho assim... é bom pra lembrar as pessoas a pensar. Analisar o candidato, ver as propostas, ver até que ponto as propostas são realizáveis, porque não adianta nada eu chegar lá e dizer: olha, se vocês me elegerem presidente eu vou fazer o Brasil ficar mais rico que os EUA. Boa sorte, então. Não sei como você vai fazer isso, meu bem? Tem muita gente que propõe coisas que eu acho que são totalmente absurdas, que eles não vão realizar. Irrealizáveis, completamente. * Questão: “Estamos atravessando o período eleitoral, o que prepondera na hora de decidir o seu voto”? Bom, eu acho que tem muitas pessoas que eu admiro na música, são muitas. Mas são só pessoas. Se um cara que eu admiro virar e ter uma opinião diferente da minha eu não vou mudar de opinião. Mas é provável que as pessoas que eu admiro tenham opiniões parecidas com as minhas (...) opiniões que iriam ao encontro das minhas. Eu não pagaria nada para ter um pedaço da guitarra quebrada do Kurt Cobain. Em que isso vai me ajudar? Nem toca a guitarra toca, saca? Bom, de qualquer forma esse tipo de coisa (...) ah! Isso é a toalha que usou em um show não sei onde; “putz”, fala serio! O que me adianta? * Questão: “Vocês se considerem fãs ou mesmo tiétes de algum grupo, de alguma banda ou de algum artista”? Satisfação e emoção. * Questão: “Como vocês definiriam o estilo rock”? Ah! Eu lembro quando era pequena e assistia os desenhos, todos os desenhos. Hoje, eu não assisto mais porque tenho tempo, né? Mas eu gostaria sim, da mentalidade voltar. Porque eu não vejo graça de um desenho do Pica-pau, né? Como seria bom se essa época voltasse. * Questão: “Parece que as respostas até aqui, giraram em torno de questões mais traumáticas; como se no passado as produções musicais eram boas e, agora são ruins. Parece que existe uma certa nostalgia. Então, perguntaria: vocês gostariam que voltássemos ao que era antes, gostariam que voltássemos ao passado”? O que me veio à cabeça foi um comercial de televisão. Eu não sei se aqui em Goiânia passou. 120 53 Rafaela 54 Caio 55 Cláudia 56 57 58 59 Cláudia Cláudia Renato Renato * Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa que pensam/associam e de quem é a música”? Eu conheço muitos artistas que fazem, por exemplo, “Criança esperança”, eles cantam para arrecadar dinheiro para as crianças pobres. * Questão: “Dos artistas brasileiros ou estrangeiros, quais estão relacionados a algum movimento político-social que visa assegurar ou propiciar uma visão mais ampla acerca das questões vitais que devem ser debatidas pela sociedade”? Dor de cotovelo. * Questão: “Como vocês definiriam o estilo musical sertanejo”? Eu conheço a música, mas eu não sei quem canta. Eu sei que é de 70 para cá. Eu acho que é de 80 (não tenho noção). Mas é uma música que tem um gostinho nostálgico, não pela minha vivência, mas eu acho que as pessoas que gostam desse estilo parece (...) que tem um gostinho nostálgico. Emiliano: Representa uma época? Cláudia: Representa uma época exatamente. Eu acho que é uma época em que as pessoas queriam viver o presente, viver cada emoção de seu tempo; não sei se tem haver, mas é isso que ela me passa. * Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa que pensam/associam e de quem é a música”? Eu não sei quem canta essa música, mas quando ouço... Conheço isso, é música de ônibus (risos). Primeira coisa que veio a cabeça foi: Ah! Ônibus lotado! Eu naquele sofrimento e essa música no meu ouvido (risos); me enchendo o saco. É irritante, porque associa aquela multidão (...) não que o povo fede; aquela caixa de abelha no meu ouvido, terrível. Outra associação que faço me lembra reuniões entre pessoas; amigos ou familiares – geralmente, é assim os ambientes que freqüento (família) e bebedeira; aquele dia com o sol quente (ninguém gosta, porque isso não dá prazer de ouvir); ninguém vai sentar lá e deliciar a música – eu vejo isso. Aquele monte de gente bebendo, baixaria. Até mesmo as letras instigam alguns tipos de baixaria. * Questão: “Apresentar as músicas. Quando escutam, qual é a primeira coisa que pensam/associam e de quem é a música”? Até a infância eu gostava muito de sertanejo e música romântica; aquela sentimentalista; isso era o meu meio familiar e até mesmo dos amigos. Eu morava no interior e gostava deste estilo. Quando eu mudei para Goiânia eu tinha 10 anos, mas gostava do mesmo estilo. Quando entrei na escola e com outras pessoas eu acabei mudando o meu estilo, talvez em função do grupo; para eu poder me identificar um pouco mais com o grupo mesmo. Depois que mudei para faculdade eu vejo que mudou também. Não sei se foi o grupo ou se é o estilo da faculdade. E acabo gostando mais desse estilo que é geral daqui. * Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter sofreram influência de quem/ ou do que (família, religião, amigos, televisão)”? Não é que eu seja influenciado. É porque eu cresci na fazenda escutando música sertaneja, mas nas férias me apresentaram um tipo de música nova, o rock, e estou gostando. Eu sou meio “caipirão”. Não tenho vergonha de falar para ninguém das coisas que eu estou ouvindo. * Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter sofreram influência de quem/ ou do que (família, religião, amigos, televisão)”? As pessoas têm muito daquele negócio de interpretação, tipo assim... Eu deixo estampar que gosto mais de ouvir sertanejo, muita gente olha pra mim e 121 fala: nossa! aquele menino lá é um burro, sabe? Sai com cara de burro, não dá nada pra gente, sabe? Não sabe o que a gente faz quando está em casa, não sabe que tipo de coisa a gente assiste. Eu direto vou a locadora. Renato * Questão: “Qual estilo de filme vocês mais assistem e o que procuram no cinema”? O que eu teria para falar é a mesma coisa que todos falaram. 61 Renato * Questão: “Vocês acreditam que as preferências musicais que disseram ter sofreram influência de quem/ ou do que (família, religião, amigos, televisão)”? Eu concordo com os três (entrevistados) em tudo. ¨62 Renato * Questão: “O que vocês procuram na música”? O meu critério é o mesmo que ele falou. 63 Renato * Questão: “Existe algum estilo de música que vocês não gostam? Por que”? Eu também concordo com você. 60 64 Renato 65 Renato * Questão: “Se houvesse a necessidade de precisarmos em uma única palavra qual o significado que a música tem para vocês qual palavra melhor expressaria esse significado”? Minhas palavras seriam mais ou menos igual a dele (Juliano) que seria origem. Se não tivesse existido o sertanejo antigo, com certeza não existiria toda essa subdivisão: Bruno e Marrone, Edson e Hudson. Todos vieram do sertanejo antigo. * Questão: “Como vocês definiriam o estilo musical sertanejo”? Uai, todo mundo aqui está falando mais ou menos a mesma coisa. Se a letra não falar nada eu não gosto da música. Sempre você tem que olhar a música, se ela for estrangeira você procura a tradução para ver se a música não é vazia, né? * Questão: “Que critérios vocês atribuem a um determinado estilo musical as características de bom ou ruim”? Música pra mim é a mesma coisa também. Do que estava falando mesmo? Tudo o que eles falaram. Eu não sou muito persuasivo não. Eu assumo. Eu tenho o meu “mundinho” fechado para mim mesmo, mas eu sempre abro para meus amigos em um debate – igual a gente está aqui – por estar falando o que eu sinto, o que eu faço. 66 Renato 67 Renato * Questão: “Qual a melhor palavra para definir a publicidade”? Eu não tenho nada para falar. Renato * Questão: “Se em uma representação hipotética imaginássemos os estilos musicais sendo categorias de filme (drama, suspense, terror, comédia) como vocês enquadrariam a atual produção musical brasileira”? Eu não tenho nada para falar. 68 * Questão: “Dos artistas brasileiros ou estrangeiros, quais estão relacionados a algum movimento político-social que visa assegurar ou propiciar uma visão mais ampla acerca das questões vitais que devem ser debatidas pela sociedade”? 122 APÊNDICE III: FILMES MAIS VISTOS NO CINEMA A Era do Gelo 2 - O código Da Vinci Se eu fosse você X-Men – O Confronto Final X Juliano X (Rock) Alessandra X X X X (Rock) Tiago X X X (Sertanejo) Pedro X X (Rock) Renato X X (Sertanejo) Lívia X (Sertanejo) Caio X (Rock) Débora X (Sertanejo) Rafaela (Sertanejo) Bento X X (Rock) Cláudia X X X X (Sertanejo) Fonte: Disponível em: www.terra.com.br, acesso em 25/08/2006. Priratas do Caribe 2 Carros As Crônicas de Narnia Superman – O retorno Os SemFloresta Missão Impossível 3 - - X X - - X - X X - X X - X X - - - - - - - - X - - - - X - - - - - - - - - - - X - - - - - - - - - - X X X X X - - X X X - - X APÊNDICE IV: CD’S ADQUIRIDOS PELOS ENTREVISTADOS A PARTIR DA LISTA DOS MAIS VENDIDOS Belíssima Ivete Sangalo Leonardo Caio Mesq Daniel Juliano (Rock) Alessandra (Rock) Tiago X X (Sertanejo) Pedro (Rock) Renato X (Sertanejo) Lívia X X (Sertanejo) Caio (Rock) Débora (Sertanejo) Rafaela (Sertanejo) Bento (Rock) Cláudia X X X (Sertanejo) Fonte: Disponível em: www.edglobo.com.br, acesso em 03/07/2006. Marisa Monte Edson & Hudson RBD Paralamas do Sucesso Aviões do Forró Kid Abelha Calypso Jota Quest X Ana Carolina e Seu Jorge - X - - - - - - X - - X - X - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - X - - - - - - - - X - - X - - X - - - - X - - - - - - X - - - - - - X - - - - - - - X - X - - X - - X - - X X - X - X X X X 124 APÊNDICE V: DVD’S ADQUIRIDOS PELOS ENTREVISTADOS A PARTIR DA LISTA DOS MAIS VENDIDOS RBD Ivete Sangalo Xuxa Roupa Nova Zé Geraldo Juliano (Rock) Alessandra (Rock) Tiago (Sertanejo) Pedro (Rock) Renato (Sertanejo) Lívia (Sertanejo) Caio (Rock) Débora (Sertanejo) Rafaela (Sertanejo) Bento X (Rock) Cláudia (Sertanejo) Fonte: Disponível em: www.edglobo.com.br , acesso em 03/07/2006. Vários, Rap RBD, live Tradição Bee Gees Ney Mato grosso Gino & Geno Calypso Hilary Duff Top do Forró - Ana Carolina e Seu Jorge - - - - - - - - - - X - - X - - - - - - - - - - - X - - - - - - - - - - - - - X X - - - - - - X X - - - - - - - - - - - - - - - - - - X X - - - - - - - - - - - - - X - - - - - - - - - - - - - - - - - - 125