COMPREENSÃO DE CONSTRUÇÕES LINGUÍSTICAS E PERCEPÇÃO DE EVENTOS - IMAGENS MNEMÔNICAS INFANTIS: UM POSSÍVEL DIÁLOGO ENTRE A LINGUÍSTICA COGNITIVA E A PSICOLOGIA. Maria da Conceição dos Santos Josuá Psicologia - UFRN Zélia Xavier dos Santos Pegado Letras - UFRN RESUMO O comportamento humano incide, na maioria das vezes, em apresentar procedimentos de respostas a um determinado esquema mental que reforça o que foi apreendido do meio ambiente. Neste artigo, pretendemos explanar, por meio de um estudo de caso com uma criança de cinco, como as construções mentais são experienciadas e introjetadas no meio familiar. Para efetivação desta pesquisa, realizamos sessões de ludoterapia com a criança que por meio de seus desenhos evidenciava o comportamento hiperativo e agressivo – causas do acompanhamento – como advindos dos fatores externos ambientais com os quais convivia. Esse diagnóstico foi reforçado e clarificado com os resultados apresentados pela instrumentalização do Teste Projetivo Bender infantil. Palavras-chave: Afetividade. Esquemas cognitivos. Categorização. Psicologia. Introdução Ao longo dos anos, o homem tem se preocupado em investigar o processo de construção de conhecimento, bem como a forma como significamos e representamos o mundo e as coisas que nos cercam. No entanto, os estudos não se exaurem, mas perpassam a antiguidade clássica e ancoram nos dias atuais. A busca por respostas para tais inquietações faz-nos intuir que a forma como compreendemos e descrevemos o mundo está relacionada às nossas experiências humanas apreendidas pelas percepções ambientais e corporais pelas quais somos capazes de representar e designar imagens mentais. De acordo com Sternberg (2010), para que possamos descrever ou imaginar algo é preciso que tenhamos algum tipo de representação mental, algo que signifique, ou que conheça sobre o que vamos imaginar ou descrever, visto que as coisas não podem existir em um formato físico no interior da mente. Conforme o autor “Geralmente, você usa a representação do conhecimento, a forma que assume aquilo que você conhece em sua mente sobre objetos, ideias, eventos e assim por diante que existem fora de sua mente.” (STERNBERG, 2010, P.225- grifo do autor) Na perspectiva do autor, a partir de conhecimentos externos construímos representações internas do conhecimento em nossas mentes, e, para materializar esse pensamento, explanaremos, neste trabalho, possíveis contribuições acerca da compreensão de construções linguísticas e percepções de eventos num diálogo entre a linguística cognitiva e a psicologia. A consolidação desse diálogo deu-se por meio de um estudo comportamental realizado após análises de imagens infantis de MJR, uma criança de cinco anos, do sexo masculino, que foi acompanhada em testes psicológicos e sessões de ludoterapia para compreensão, por parte dos pais, de suas atitudes ansiogênicas. 1 O limiar entre o sentimento e a dor Quando o ser humano se encontra em seu limite de sofrimento e não se utiliza de formas verbais que expressem seus sentimentos de dor e de angústia, tende a manifestá-los nas mais diversas formas. Uma delas é o adoecimento, manifestação que se sobrepõe a ele e desencadeia desequilíbrio físico e comportamental. Com essa visão, Cantone (2009) defende que A capacidade de elaborar mentalmente um certo grau de angústia e de suportar a insegurança imposta por um sentimento de ameaça indefinível depende igualmente do modo de organização psíquica de cada indivíduo.Toda pessoa tem um limiar de tolerância para o desconhecido e para o sentimento de falta, correlativos da angústia, além do qual seus referenciais identificadores são abalados, podendo, assim, repercutir sobre o seu sentimento de integridade e coerência. A angústia leva, com efeito, à consciência dos órgãos ou funções, que se encontram habitualmente, em harmonia silenciosa (CANTONE, 2009) Com base nessa afirmação, delineamos um estudo de caso no qual observamos que as inquietações e sofrimento vivenciados pelo paciente decorriam das imagens internas que tinha construído. Para acompanhamento clínico de MJR, inicialmente, foi apresentado como queixa, pela mãe, sono intranquilo. A criança acordava sobressaltada e em prantos muitas vezes durante a madrugada. Algumas vezes com dores estomacais (angústias), outras vezes com crise de garganta ou febres repentinas. Por não saber nomear esse sofrimento psíquico e como não foram diagnosticadas clinicamente as causas dessas reações, MJR passou a ter acompanhamento psicológico. Além desse fator, o acompanhamento também foi extensivo à busca do melhoramento de seu desempenho escolar, bem como controlar o comportamento hiperativo, ou seja, impulsivo, outra queixa apresentada pela mãe. Durante o período de acompanhamento psicológico com MJR, foram realizadas algumas atividades lúdicas, que chamamos sessões ludoterapêuticas. Essas atividades descontraíam MJR que, espontaneamente, narrava suas angústias, viabilizando a interação entre ele e a profissional. O intercâmbio favoreceu no entendimento do processo psicológico de compreensão e apreensão de mundo projetado e introjetado pela criança. De acordo com Damásio (1996), o comportamento hiperativo, agressivo, e o sono inquieto de MJR, diagnosticados pelos pais, são estados de sofrimento do corpo que eclodem em agitações biológicas provenientes dos sentimentos. “A essência de um sentimento (o processo de viver uma emoção) não é uma qualidade mental ilusória associada a um objeto, mas sim a percepção direta de uma paisagem específica: a paisagem do corpo.” (DAMÁSIO, 1996, p. 14). Para o autor além das emoções e sentimentos, que há milênios eram descritos como alma ou espírito, o corpo pode constituir o quadro de referência indispensável para os processos neurais que experienciamos como sendo a mente. A interação indissociável entre o corpo a mente resultam no processo evolutivo e no desenvolvimento individual que permite a elaboração e construção de conhecimentos, bem como as interpretações que fazemos do mundo que nos rodeia. As nossas experiências permitem que a mente possa ocupar-se de coisas reais e imaginárias. Essas ideias estão ancoradas nas seguintes afirmações: 1) o cérebro humano e o resto do corpo constituem um organismo indissociável, formando um conjunto integrado por meio de circuitos reguladores bioquímicos e neurológicos mutuamente interativos (incluindo componentes endócrinos, imunológicos e neurais autônomos); 2) o organismo interage com o ambiente como um conjunto: a interação não é nem exclusivamente do corpo nem do cérebro; 3) as operações fisiológicas que denominamos por mente derivam desse conjunto estrutural e funcional e não apenas do cérebro: os fenômenos mentais só podem ser cabalmente compreendidos no contexto de um organismo em interação com o ambiente que o rodeia. O fato de o ambiente ser, em parte, um produto da atividade do próprio organismo apenas coloca ainda mais em destaque a complexidade das interações que devemos ter em conta. (DAMÁSIO. 1996, p.17) O autor supracitado, ao considerar a relação corpo e cérebro, postula que o cérebro não só recebe sinais do corpo, mas em alguns de seus setores, de partes de sua própria estrutura, as quais recebem sinais do corpo que interagem com o meio como um conjunto gerando respostas comportamentais externas e internas criando, algumas vezes imagens visuais, auditivas, somatossensoriais. No item a seguir, discorreremos acerca dos procedimentos adotados para que os resultados, explicitados nessa experiência clínica, fossem alcançados. Expomos ainda que, a possibilidade da apreensão dos fenômenos psicológicos de MJR ocorrera também, por meio da linguagem verbal e não verbal que revelava a categorização da simbologia da representação de seu mundo. 2 Aspecto metodológico para a análise comportamental Como o presente estudo pretendia investigar a construção dos esquemas mentais, considerando o que fora elencado no item anterior a respeito do comportamento humano e a interação socioambiental, escolhemos fazer sessões de ludoterapia que permitissem ao paciente narrar por meio de desenhos e jogos as suas angústias. Este procedimento foi usado porque permite avaliar, em cada tentativa de jogo ou nos desenhos, estímulos de comparação, de acordo com a ordem previamente descrita pelo paciente, as respostas que se buscava para as causas do acompanhamento clínico. A queixa trazida pela família descrevia uma criança agitada, irrequieta, de sono intranquilo. Para obtermos um diagnóstico inicial da relação familiar, proporcionamos uma atividade interativa com a mãe e criança. Com a participação da mãe, realizamos uma sessão lúdica através da Hora do Jogo. Nessa atividade, pudemos perceber, pela linguagem verbal e não verbal, pequenos indícios das possíveis causas do comportamento da criança. Esse momento foi importante para seguimento do trabalho, ou seja, o acompanhamento. 2.1 Uso da instrumentalização metodológica Elucidamos a seguir algumas das atividades realizadas durante as sessões. I - Instrumentalização metodológica: Massa de modelar - Nesta técnica a criança materializava seus sentimentos. Figura 1 - MJR em sessão psicoterapêutica realizando atividade com massa de modelar Nessa sessão, foi solicitado que modelasse o que lhe era mais importante. Ao ser questionado acerca do que estava construindo, a criança verbalizou “Essa é a minha família.” Modelou a mãe, ele no centro e o pai do outro lado. Todos de mãos dadas. Com essa representação, a criança expressava valores familiares que lhe eram intrínsecos e ao mesmo tempo, reforçava-os no gesto pelo qual todos estavam ligados – as mãos dadas. Naquele momento, ao reproduzir as imagens do pai, mãe e a dele mesmo, pelo seu conhecimento de mundo, a criança categorizava essas reproduções como sendo família e, de forma lúdica, externa a importância dessa instituição. II - Instrumentalização metodológica: Desenhos – Coleta de dados relevantes de introjeção sociocultural da criança e sua percepção de mundo. Animais perigosos: dinossauros, cobras e mosquito da dengue. Figura 2 - Desenhos de JMR Nessa segunda sessão, MJR identifica, classifica e nomeia os seres dinossauros, cobras e mosquito da dengue como animais perigosos. Faz uso de suas capacidades cognitivas quando expressou uma ordem dos seus conhecimentos categorizados. O dinossauro Figura 3 - A mãe grávida As garras do monstro JMR desenhando Nessa terceira sessão, pudemos analisar a capacidade de elaboração de conceitos a partir da linguagem não verbal. Logo após as atividades, quando foi pedido que comentasse os desenhos, os relatos de MJR foram surpreendentes. O desenho à esquerda, ele descreveu como sendo um dinossauro atacando sua mãe. Em seguida, diz que ele matou esse dinossauro perigoso. Em sua fala, reforça que o dinossauro é um animal que ele admira. É grande, possui força e é bravo e que está atacando a sua mãe. Mas ele que é uma criança corajosa o matou. Ele é mais forte que o dinossauro. Nesse mesmo desenho, os traços ondulados acima, eram várias cobras que queriam destruir sua mãe. Mas ele na sua bravura infantil matou 1700 cobras, enquanto o pai só tinha matado uma. No desenho seguinte, ele faz a garra do dinossauro denominando-o de ansiedade. Inclusive escreve a letra A da ansiedade e já diz que é o que está lhe atacando. E desenha a ansiedade em forma de monstro que precisa ser destruída. Por meio dos desenhos MJR começa a elaborar novos conceitos, pois toma consciência de que a ansiedade é algo ruim, que lhe traz inquietação e falta de atenção. A partir dessa descoberta começa a nomear seus sintomas. Como ficou fechada a sessão anterior em torno da ansiedade, no encontro seguinte, a sessão foi iniciada questionando-se como estava agindo com a ansiedade. MJR começa a desenhar e durante a atividade vai relatando: “A ansiedade de chifre, orelhas grandes, boca malvada e espada na mão, dá um nó em si mesma e fica presa”. Conforme desenho abaixo. Figura 4 - Representação da ansiedade A tomada de consciência de que precisa ser tratado dessa ansiedade, motivou-o a aceitar a iniciar um “jogo” que consistia em controlar essa ansiedade exacerbada. Cada atividade que ele cumpria até o final, sem se estressar, ele ganhava um ponto, enquanto a ansiedade perdia. O resultado conforme ele colocou no quadro abaixo, consta sua vitória num placar de 3X0, nesta primeira sessão. MJR Figura 5 - Representação do Jogo: MJT contra a ansiedade Fazer exercícios de psicomotricidade em sua própria casa, para aproximá-lo mais do pai, também foi uma das atividades desenvolvidas. III – Instrumentalização metodológica - Teste Bender infantil Esta técnica desenvolvida por Lauretta Benderi em 1938 é um teste Gestalt Visomotor que consiste em nove figuras (A, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8) que são apresentadas uma a uma, para serem copiadas pelo analisando em uma folha em branco. Procura avaliar a percepção por meio da reprodução das figuras. Parte do pressuposto de que, determinadas por princípios biológicos e de ação sensório motriz variam em função do padrão de desenvolvimento e nível maturacional do indivíduo e do seu estado patológico funcional. Foi construído para fornecer um índice de maturação percepto-motora. Em crianças, sabese que o uso do Bender tem sido voltado para detectar a maturidade para a aprendizagem; este teste nos permitiu um resultado, onde mostrava a presença da ansiedade e ausência de uma pessoa1. 1 http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1677-04712005000100003&script=sci_arttextA Figura 6 - Aplicação do teste de Bender IV – Instrumentalização metodológica da Hora do Jogo. A Hora do Jogo Diagnóstica é uma técnica psicoterápica que permite conhecer a realidade da criança por meio de sua capacidade lúdica. A metodologia de tal recurso consiste em observar o brincar das crianças por meio dos indicadores da hora de jogo. Além desse recurso, as informações sobre a criança acerca de seu contexto sociocultural são imprescindíveis, pois se procura saber sobre o meio em que ela vive, sua história de vida, suas reações passadas e presentes. A hora do jogo, no entanto, possibilita aos psicólogos uma compreensão do mundo interior da criança pela sua corporidade e assim, fazer os encaminhamentos necessários direcionando-os, principalmente, na busca de recuperar os aspectos menos preservados da criança, a fim de resgatar o seu desenvolvimento (BROERING et alt 2007) Por meio do lúdico, nas sessões com atividades com a hora do jogo, foram trabalhadas a reconstrução da imagem e dos afetos com relação ao pai. Na foto a seguir, MJR está sobre uma escada coberta com uma manta visualizando-se nos braços do pai. Esta técnica objetivava construir laços com o pai. A criança entra no mundo da imaginação e incorpora o papel que lhe é sugerido com seriedade e faz uma declaração ao pai. “Pai ..., eu te amo! Eu quero brincar com você!”. Figura 7 - Encontro imaginário de MJR com o pai Em falas anteriores, MJR mostra sua coragem, poder e proteção para com a mãe, papel que normalmente é atribuído ao Pai. Na memória nosso analisando, ele sente-se o chefe da família. “ enquanto mato 1700 cobras que querem pegar minha mãe, o meu pai só mata uma.” Ele denuncia nessa fala que ele é mais forte que o pai. No item a seguir, por dos exercícios de psicomotricidades, a criança é colocada diante do pai para contatos mais íntimos, para estreitar laços. Apresentaremos por meio de fotos de instrumentalização metodológica com exercícios de psicomotricidade. V – Instrumentalização metodológica: Exercícios de psicomotricidade O instrumento utilizado para aproximação entre pai e filho foi uma bola de plástico. Esta técnica objetiva quebrar o gelo entre os dois, além de favorecer na criação de vínculos de amizades e afetos entre os dois. MJR massageia o pai e em seguida o pai lhe retribui o afeto. Estas vivências foram importantes para ajudar a criança a se organizar mentalmente pela elaboração dessa experiência, que transcorreu cheia de afeto, alegria e muita descontração. Em outro momento, os dois entram num duelo corporal. Cada um tenta tomar a bola por inteiro um do outro. Quem conseguir ficar com a bola, é o vencedor. Nesta técnica, a criança precisa compreender que ele enquanto criança não é o chefe da família, que é uma criança e por isso precisa ser protegida pelos pais e ocupar seu espaço enquanto filho. O pai, em alguns momentos, precisa mostrar para o filho que é o vencedor da parada, fazendo-o perceber que é forte que ele. Passados alguns minutos, os dois estão exaustos. É hora de uma parada para uma conversa com a psicóloga para refletirem juntos o que pai e filho conseguiram apreender. Com o recurso dessas técnicas de psicomotricidade, alcançamos os resultados favoráveis para equilíbrio emocional da criança, que resultou no favorecimento de vínculos familiares. Os antigos domínios formados pelas inter-relações familiares como um amor muito grande e uma superproteção pela mãe e, pelo pai, uma carência e sentimentos de superioridade sobre este, modificaram. Dessa forma, anuímos com Duque e Costa quando postula que “[...]A linguagem está relacionada com as atividades cognitivas pelos sujeitos conjuntamente. É a partir dessas atividades que organizamos e damos forma às nossas experiências...”. De acordo com Johnson (1987), citado por Duque e Costa, esses domínios – que funcionam como padrões recorrentes, estrategicamente regulando as atividades de ordenação das experiências – organizam-se como estruturas significativas principalmente a partir de nossos movimentos corporais no espaço, nossas manipulações de objetos e nossas interações psicológicas, físicas e sociais. São esses domínios que configuram expectativas acerca dos objetos, dos eventos, das ações, enfim, de nosso entorno em geral, guiando-nos no processo de compreensão e estrutura de conhecimento. 4 Os processos cognitivos e as construções linguísticas Os mecanismos mentais, que são as construções linguísticas, agem sobre a informação sensorial, buscando a sua interpretação, classificação e organização. Conforme enunciado aqui, a criança começa a interagir consigo mesma, ou seja, ela apreende seu problema de uma forma, onde ele se percebe como guerreiro e luta com algo que lhe incomoda interiormente. Conforme os desenhos na figura 3. Ele mostra, na figura 4, que a ansiedade, pelo mau que causa nas pessoas, tem uma forma de monstro com chifres, orelhas grandes e boca enorme. Possui uma espada nas suas garras e ao lutar com MJR, a ansiedade dá um nó em si mesma e se autodestrói. Interessante nesse fato é que isso se dá só pela presença de MJR, ou seja, ele supera a ansiedade. Constatamos que os processos cognitivos de memória, categorização, atenção, resolução de problemas, tomadas de decisão, tipos de raciocínio e a linguagem utilizados por MJR, possibilitaram a construção de esquemas imagéticos cujas estruturas de conhecimento ocorreram por meio de representações mentais do seu conhecimento. Neste contexto, as representações são como estados mentais que promove um elo entre o organismo e um determinado contexto. Têm como característica trazer em si mesmas os objetos aos quais se referem independentemente de os mesmos estarem ou não em sua presença. Por meio da percepção, o nosso analisando faz a materialização dos seus sentimentos, de tal forma, que podemos acompanhar o desenvolvimento da sua cognição – que é o conjunto de atividades e processos pelos quais um organismo adquire informação e desenvolve conhecimentos – e os sentimentos de dor e angústia que o acompanhavam. Com as análises acima, constatamos que o comportamento intenso e agitado decorria do deslaço afetivo com o pai, ocasionado pela excessiva carga horária de trabalho e ingestões alcoólica desse progenitor. Dados esses fatores, verificamos que no seu contexto sociocultural, MJR sentia falta da presença paterna. Apresentava na sua corporalidade um sofrimento psíquico que não sabia nomear. A ausência de afetos era lançada da mente e projetada no corpo. As emoções falam através do corpo e a as inquietações, insônias, expressões psicossomáticas se manifestam de forma comportamental e surpreende à mãe dessa criança, que não estava sabendo lidar com esses sintomas inesperados. A presença do pai é tão imprescindível quanto à presença da mãe para propiciar saúde, segurança e alegria ao desenvolvimento psicomotor da criança. Durante os nove meses da gestação, o feto consegue perceber seu pai por intermédio dos batimentos cardíaco, produção hormonal e corrente sanguínea da mãe; assim como também, a influência que ele exerce sobre ela. No entanto, quando este pai se torna ausente por qualquer motivo, a criança apesar de sua imaturidade, consegue detectar essa falta e passa a expressá-la por comportamentos inconscientes de rebeldia (JOSUÁ e NEVES, 2010). Da mesma forma que percebia a ausência paterna nos seus momentos infantis, também percebia o sofrimento da mãe pelo alcoolismo deste, fazendo-o assumir um novo papel social na sua família. Sentia-se o chefe da família. Esse sofrimento transformado em angústia era muito mais forte, impedia-o de ter concentração e causava dificuldades na aprendizagem escolar. Contudo, os padrões de domínios, formado pela percepção de MJR, foram resignificados. De acordo com Duque e Costa, [...] são esses esquemas que nos permitem conhecer e falar sobre tudo aquilo que nos cerca. Advoga-se, pois, que o aspecto semiológico das categorias linguísticas decorre, sobremaneira, das inter-relações entre nossa constituição biológica e nossas experiências no mundo, o que resulta em estruturas de conhecimento organizadas na forma de domínios cognitivo-culturais. ( DUQUE E COSTA, 2009) A conceituação que a criança tinha de que era chefe da família funcionava de forma distorcida em suas imagens mentais, causando-lhes dores na alma. Considerações finais Constatamos, através da linguagem não verbal expressa por MJR, que os esquemas cognitivos que influenciavam na corporalidade causando angústias eram procedentes da interação organismo e ambiente, ou seja, dos conflitos familiares. Somando esses conhecimentos aos coletados, após aplicação do teste Bender, comprovamos a nossa hipótese de que, o que estava causando a perda da homeostasia da criança era a carência paterna. Por meio de seus desenhos, a criança externava um amor muito grande e uma superproteção à mãe; em relação ao pai, expressava carência e, simultaneamente, sentimentos de superioridade sobre este. No geral, a criança era acometida de uma angustia decorrente dessa carência e necessidade de amparo. A devolutiva dessas projeções conceptuais evidenciou para os pais que as estruturas de conhecimento elaboradas pela criança vinham de um contexto sociocultural experienciado e introjetado por esta. Fez-se necessário, no entanto, que a criança vivenciasse um ambiente mais harmônico com a presença paterna. Foram realizadas sessões de psicomotricidade entre pai e filho, para favorecer uma reconstrução cognitiva, por meio de novas experiências para que se criarem laços afetivos familiares. Os laços afetivos da criança com o pai foram restabelecidos através de exercícios de psicomotricidade, dessa forma, acreditamos que ao oferecer ferramentas e espaço para que a criança pudesse se expressar, favoreceu nas ligações com as novas experiências e foi possível vislumbrarmos o seu mundo e pudermos ajudá-lo. As vivências armazenadas que funcionavam como padrões de domínios iam sendo resignificados na proporção da apreensão dos eventos. REFERÊNCIAS BARTHOLOMEU, Daniel; RUEDA, Fabián Javier Marín; SISTO, Fermino Fernandes.Teste de bender e dificuldades de aprendizagem: quão válido é o sistema koppitz? Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S167704712005000100003&script=sci_arttextA> Acesso em:06.09.2010 _____.BARTHOLOMEU et alt KOCH, Ingedore G Villaça. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2003. BROERING, Camilla Volpato, FRANÇA, Grazielle Rocha. Universidade do Vale do Itajaí, Brasil. 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