“Não gostaria de um país que oferecesse só marcas brancas”

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ID: 47858975
24-05-2013
Tiragem: 16997
Pág: 28
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 27,19 x 31,43 cm²
Âmbito: Economia, Negócios e.
Corte: 1 de 2
ENTREVISTA ANTÓNIO COMPRIDO, Secretário-geral da Apetro
“Não gostaria de um país que
oferecesse só marcas brancas”
As petrolíferas defendem que a introdução de combustíveis ‘low cost’ pode
custar ao sector 70 milhões de euros e pressionar a subida dos preços.
Ana Maria Gonçalves
[email protected]
O sector petrolífero nacional
enfrenta desafios sem precedentes. Na mira do Governo,
que quer forçar os operadores a
introduzir opções ‘low cost’ nas
suas redes, o negócio dos combustíveis debate-se ainda com a
maior queda de consumo dos
últimos anos. O director-geral
da Apetro, António Comprido,
que na próxima segunda-feira
estará na conferência promovida pelo Diário Económico, a
realizar no Pestana Palace Hotel, traça o actual panorama do
sector.
A queda do consumo de combustíveis deverá manter-se por
muito mais tempo?
As razões da queda do consumo
mantêm-se. Está relacionada
com o estado da economia. Há
uma redução drástica da actividade industrial e comercial, a
que se associa a diminuição do
consumo dos privados. Como as
perspectivas de crescimento da
economia para 2013 e 2014 são
negativas, o consumo vai continuar a cair.
Poderemos assistir ao encerramento compulsivo de postos de
combustíveis ou mesmo à retirada de alguns operadores do
mercado nacional?
Chegam-nos cada vez mais
queixas de que, devido à redução do consumo, os postos estão a operar com níveis de rentabilidade inaceitáveis e muitos
deles a manterem-se à tona da
água. Dificilmente estão a remunerar o capital investido,
quanto muito estão a pagar os
custos operacionais e a ter uma
pequena margem. Há situações
particularmente gravosas nas
auto-estradas e nas ex-SCUT,
quer relativamente à diminuição de tráfego face aos anos
anteriores, quer face às projecções megalómanas que se fizeram para estas estradas. Temos
vários postos com rentabilidades negativas, que não chegam
a cobrir os custos operacionais.
A questão é: encerraram ou
não?
Quando estamos a falar de
grandes companhias petrolíferas, provavelmente estarão a fazer a sua análise e poderão esperar por dias melhores. Já
quanto aos pequenos operadores, não sei até quando terão capacidade para resistir a uma situação destas porque a redução
do consumo tem uma consequência imediata. Não se conseguem diluir os custos fixos da
mesma maneira. Em cima disto, Portugal é dos países com
maior densidade de postos de
abastecimento por habitante e
OUTROS DESTAQUES
Harmonização
fiscal
“O maior peso na
estrutura dos preços é a
carga fiscal. A tendência
seria, se houvesse uma
harmonização fiscal, para
uma redução drástica dos
preços que existem em
vários países europeus.”
Peso dos
biocombustíveis
“Se há uma preocupação
em relação aos custos,
vamos olhar para tudo.
Percebo que há
interesses dos produtores
de biocombustíveis face
aos investimentos que
foram feitos.”
Política ambiental
“O ambiente é
extremamente importante,
mas não pode ser um
dogma, como o tem
tratado a Direcção-Geral
do Ambiente europeia. A
indústria está a ser
fortemente penalizada
face a outras zonas do
globo.”
os volumes de venda de combustíveis por posto são relativamente baixos. Estruturalmente,
a nossa rede está sobredimensionada. A isto junta-se a questão conjuntural da quebra dos
consumos que nos últimos dois
anos (2010-2012) já vai na ordem dos 18%, nas gasolinas, e
de 14%, nos gasóleos.
Existe concorrência suficiente
no mercado?
O mercado tem uma fortíssima
concorrência. Há cerca de
2.800 postos em Portugal e
cerca de 1.800 ostentam a
marca das grandes petrolíferas. Temos ainda quase 300
postos pertencentes a hipermercados, a que se juntam
perto de 700 postos de marcas
brancas e redes independentes. Já existe uma concorrência
forte entre tipos de operadores, com lógicas e estruturas de
custos diferentes que permitem aos consumidores fazer a
sua escolha. Hoje, mais de dois
terços dos consumidores
quando abastecem usufruem
de algum tipo de desconto. Por
outro lado, o número de postos
independentes também tem
vindo a crescer.
Mas o Governo não está convencido sobre a competitividade do sector e a prova é a tentativa para legislar sobre os ‘low
cost’?
Sempre manifestamos a nossa
oposição ao modelo com que o
Governo pretende interferir
neste mercado, o qual já está
em crise e com uma rentabilidade muito reduzida. Não há
razões objectivas para interferir no mercado. Há uma boa
cobertura nacional de todo o
tipo de operadores, com excepção de 32 municípios pequenos, se bem que neste último caso há 15 autarquias que só
dispõem de um posto de abastecimento. Mostrámos disponibilidade para ver com o Governo soluções para esses casos. Mais do que o conceito de
disponibilizar a mesma oferta
em todos os postos de abastecimento, a nossa filosofia é que
devem existir diferentes estabelecimentos com diferentes
ofertas. É uma intervenção
abusiva na liberdade dos operadores de escolherem o seu
modelo de negócio. As petrolíferas cativam os clientes com
base no modelo de negócio que
assenta na confiança da marca,
localização dos postos e serviços complementares. As pessoas esquecem-se de que se há
inovação nos combustíveis, se
houve eliminação do chumbo e
do enxofre foi devido ao esforço de investigação das petrolíferas. Como consumidor não
gostaria de ter um país que me
oferecesse só marcas brancas.
Devem existir, se quiser escolher, mas devem existir outras
opções que me possam oferecer
mais valor.
Quanto poderá custar ao sector
a eventual obrigatoriedade de
introduzir combustíveis ‘low
cost’?
Estimamos que se os postos
forem obrigados a comercializar mais dois tipos de produtos, a sua adaptação custaria,
em cada posto, entre 25 mil a
30 mil euros. A este investimento há que somar um aumento de 15% a 20% dos custos de operação, além de toda
a parte administrativa. Tudo
junto deverá rondar entre 60 a
70 milhões de euros. Isto vai
contra a lógica de criar condições para baixar os preços dos
consumidores. Não há margem para fazer isso.
A regulamentação dos preços é
uma alternativa a considerar
pelo Governo?
A indústria encara isto com
muitos bons olhos desde que
nos sejam garantidas as rendas
que são atribuídas a outros sectores, como na electricidade e
no gás. Estamos, neste momento, a trabalhar, em média, com
rentabilidades abaixo do que é o
custo do capital. Se os preços
fossem regulados e se renumerassem o capital de forma aceitável, provavelmente não teríamos preços mais baixos, mas
sim mais caros. Porém, a teoria
prevalecente na Europa é precisamente contrária, ao apostar
na liberalização dos mercados
energéticos. ■
ID: 47858975
24-05-2013
Paulo Figueiredo
António Comprido, presidente
da Apetro, considera que a
quebra de consumo nas autoestradas é “muito grave”.
Tiragem: 16997
Pág: 29
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 27,26 x 31,43 cm²
Âmbito: Economia, Negócios e.
Corte: 2 de 2
Preços estão 10 cêntimos mais baratos
Presidente da Apetro não
acredita em corte de impostos.
António Comprido diz que os preços obedecem a uma lógica internacional, à qual não se pode fugir.
Em que áreas seria possível intervir para se reduzir os preços?
Falamos nos preços como se estivessem sempre a subir. Face a
2012, os preços estão 10 cêntimos
mais baratos porque as condições
internacionais o permitem. Em
que outras actividades é que pagamos menos que há um ano. Na
electricidade? No gás natural? E
são regulados. O primeiro grande
bloco da estrutura de preços é o
custo do produto, que é internacional. O segundo, e a maior fatia, são os impostos. Sobra uma
pequena parcela para cobrir a logística, armazenagem e comercialização. Não acredito que face
às dificuldades orçamentais haja
intenção do Governo de reduzir a
carga fiscal. Estamos condenados
a pagar os combustíveis aos níveis actuais, com as respectivas
oscilações internacionais.
Como vê a investigação de Bruxelas ao sector por alegada manipulação dos preços de referência dos
produtos petrolíferos?
Sei que as referências ‘platts’ são
importantes: 80% das transacções mundiais tomam como referência o ‘platts’. Se me disserem
que há desconfianças de que esse
índice não é credível, estamos ao
mesmo nível das taxas de juro. Se
de facto há manipulação é grave.
Espero que a investigação seja feita o mais rapidamente possível. Se
alguém manipulou esses índices
que sofra as consequências. Até
“
Em que outras
actividades é que
pagamos menos que
há um ano. Na
electricidade? No gás
natural?”
porque não há sucedâneo e continuam-se a fazer as transacções
baseadas em alguma coisa que as
pessoas têm desconfiança. Isso é
extremamente prejudicial para a
economia. Não conheço as razões
objectivas que levaram a CE a fazer a investigação, mas com certeza que terão que ter algum tipo
de desconfianças, indícios ou
suspeições.
A Europa tem apertado o cerco
em matéria ambiental…
O que nos preocupa é a fúria legislativa. A Europa está constantemente a dar tiros nos pés. Passam
a vida a falar na economia verde,
mas isto é destruição do emprego.
A refinação é fornecedora das matérias-primas para a indústria petroquímica e todas as indústrias a
jusante, desde o vestuário até aos
produtos químicos. Se vamos fechar a refinação na Europa, as petroquímicas vão ter de importar os
produtos, com preços mais caros,
e mandar para o desemprego milhões de pessoas, quando a Europa
é responsável por 12% das emissões mundiais de CO2. ■
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