UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MÔNICA JAPPE GÖLLER KUHN A FALTA DE HUMANIZAÇÃO NO ATENDIMENTO MEDICO E A PERDA DE UMA CHANCE DO PACIENTE Ijuí (RS) 2015 MÔNICA JAPPE GÖLLER KUHN A FALTA DE HUMANIZAÇÃO NO ATENDIMENTO MEDICO E A PERDA DE UMA CHANCE DO PACIENTE Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DECJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais. Orientador: MSc. Luiz Gustavo Steinbrenner Ijuí (RS) 2015 Dedico este trabalho ao meu esposo pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositado durante toda a minha jornada. AGRADECIMENTOS À Deus por ter me dado saúde e força para enfrentar as dificuldades. À minha família, em especial ao meu esposo Kleberson Kaefer Kuhn, que sempre esteve presente e me incentivou com apoio e confiança nas batalhas da vida e com quem aprendi que os desafios são as molas propulsoras para a evolução e o desenvolvimento. Ao meu orientador Luiz Gustavo Steinbrenner, com quem eu tive o privilégio de conviver e contar com sua dedicação e disponibilidade, me guiando pelos caminhos do conhecimento. E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu muito obrigado. “ser Médico é tratar seu paciente com zelo, ética e humanização e fazer aquilo que somente a sua consciência, conhecimento e habilidades lhe permite.” Douglas Ferrari RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise do instituto da responsabilidade civil pela perda de uma chance, tendo como enfoque principal a falta de humanização do atendimento médico em relação ao paciente. Analisa o pressuposto que o dano não pode ficar sem a reparação, a vítima ou sua família não podem arcar com as consequências da conduta alheia, o que seria um afrontamento com o espírito da responsabilidade civil. Aborda a teoria da perda de uma chance, a fim de proporcionar a reparação para os pacientes que são submetidos a um atendimento/tratamento médico sem o devido respeito à dignidade da pessoa humana. Estuda o conceito de atendimento médico humanizado, trazendo as diferenças em um atendimento público e privado. Finaliza concluindo as principais causas de uma perda de uma chance do paciente e as consequências que a falta de tratamento humanizado podem trazer ao paciente e à sua família. Palavras-Chave: Responsabilidade civil. Atendimento humanizado. Paciente. Perda de uma chance. ABSTRACT This course conclusion work analyzes the institute of liability for loss of a chance, with the main focus on the lack of medical care humanization towards the patient. Analyzes the assumption that the damage can not do without repair, the victim or his family can not afford the consequences of other people's conduct, which would be an affront to the spirit of civil liability. Discusses the theory of loss of chance in order to provide for compensation for patients who undergo a care / medical treatment without due respect to human dignity. Studies the concept of humanized health care, bringing the differences in public and private service. Ends completing the main causes of a loss of a chance of the patient and the consequences that the lack of humane treatment can bring to the patient and his family. Keywords: Civil responsibility. Humanized care. Patient. Loss of a chance SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8 1 RESPONSABILIDA CIVIL DO MÉDICO COMO PROFISSIONAL LIBERAL ...... 10 1.1 Conceito de profissional liberal ....................................................................................... 11 1.2 Relação entre médico e paciente...................................................................................... 13 1.3. Obrigação de meio e de resultado...................................................................................16 2 O ATENDIMENTO MÉDICO HUMANIZADO ............................................................. 22 2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana como valor supremo do paciente ............. 23 2.2 Conceito de atendimento médico humanizado................................................................27 2.3 O atual cenário do atendimento médico e as implicações que podem ocorrer para a saúde pelo atendimento mal prestado....................................................................................31 3. A FALTA DE ATENDIMENTO MÉDICO HUMANIZADO E A PERDA DE UMA CHANCE DO PACIENTE.....................................................................................................36 3.1. Definição e natureza jurídica da teoria da perda de uma chance..................................37 3.2. As principais causas da perda de uma chance do paciente e as consequências que a falta de tratamento humanizado podem trazer ao paciente e à sua família.......................................................................................................................................40 3.3. Da necessidade de se manter um mesmo padrão de atendimento independentemente do tipo de consulta ser privada(particular), rede pública ou planos de saúde.....................48 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 52 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 55 8 INTRODUÇÃO O presente trabalho apresenta um estudo acerca do instituto da responsabilidade civil pela perda de uma chance, tendo como enfoque principal a falta de humanização do atendimento médico em relação ao paciente. Partindo-se do pressuposto que o dano não pode ficar sem a reparação, a vítima ou sua família não podem arcar com as consequências da conduta alheia, o que seria um afrontamento com o espírito da responsabilidade civil. Assim, neste contexto, surge a teoria da perda de uma chance, a fim de proporcionar a reparação para os pacientes que são submetidos a um atendimento/tratamento médico sem o devido respeito à dignidade da pessoa humana. Para a realização deste trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas e por meio eletrônico, analisando também as propostas legislativas em andamento, a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir um aprofundamento no estudo da responsabilidade civil pela perda de uma chance, revelar a importância de se ter um atendimento médico humanizado e apontar novas perspectivas para a problemática da falta de humanização no atendimento médico. Inicialmente, no primeiro capítulo, foi feita uma abordagem do instituto da responsabilidade civil e a ligação desta responsabilidade na área médica, destacando a relação entre médico e paciente, distinguindo as diferenças de obrigação de meio e de resultado, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor para a responsabilização do médico. No segundo capítulo é analisado o atendimento médico humanizado, trazendo a explicação do que seria este atendimento, trazendo um conceito inicial da dignidade da pessoa 9 humana. Também será analisado o atual cenário do atendimento médico apresentando as implicações que podem ocorrer a saúde por um atendimento mal aplicado. No terceiro e último capítulo foi analisado a falta de atendimento médico humanizado relacionando-se diretamente com a perda de uma chance do paciente. Foi abordado a definição e natureza jurídica da teoria da perda de uma chance, relacionando as principais causas da perda de uma chance do paciente e as consequências que a falta de tratamento humanizado podem trazer ao paciente e à sua família. A partir desse estudo se verifica que o atendimento médico humanizado apresenta características essenciais para a contribuição da melhora do paciente, evitando que este venha a sofrer uma perda de uma chance, mostrando que um atendimento deve ser igualitário tanto na área pública ou privada, e que existe um bem maior em jogo que é a vida e a boa recuperação do paciente. 10 1.RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO COMO PROFISSIONAL LIBERAL No momento que alguém se vê lesado ou tem a perda de uma chance de uma vantagem futura ou evitar um prejuízo, um dano é gerado, o qual consiste na própria chance perdida, nascendo o dever de indenizar. Tem-se vivenciado, no atual cenário, a falta de médicos, ou de médicos sem a devida formação humanística, que na maioria das vezes ocasionam uma série de danos aos pacientes, sendo que em muitos casos, essas lesões se dão através de uma perda de uma chance. Nesse sentido, Nelson Figueiredo Mendes (2006, p. 16), destaca que: Há defensores da ideia de que não basta melhorar progressivamente o nível das Faculdades de Medicina e sim que deveria ser instituído um Exame, para permitir a prática profissional em Medicina, em analogia ao Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Seria o Exame do Conselho, para que o médico pudesse obter seu registro junto ao Conselho Regional de Medicina Estadual e exercer a profissão. Inicialmente, tal exame seria opcional, para posteriormente ser obrigatório, após a promulgação de lei específica. Atualmente, há estudos para se implantar a Ordem dos Médicos do Brasil, pela fusão da Associação Médica Brasileira com o Conselho Federal de Medicina. Partindo-se do pressuposto que o dano não pode ficar sem a reparação, a vítima ou sua família não podem arcar com as consequências da conduta alheia, o que seria um afrontamento com o espírito da responsabilidade civil. Assim, neste contexto, surge a teoria da perda de uma chance, a fim de proporcionar a reparação para os pacientes que são submetidos a um atendimento/tratamento médico sem o devido respeito à dignidade da pessoa humana. O tema da responsabilidade civil passou por uma evolução no decorrer dos últimos anos. Juntamente com esta evolução verificou-se várias mudanças na forma de aplicação da Responsabilidade Civil. Por este motivo, será trabalhado neste capítulo a responsabilidade civil na seara das atividades dos profissionais liberais, os quais, por estarem incluídos como prestadores de serviços, são regulados pelo conteúdo do Código de Defesa do Consumidor. Desta forma, tomando como base o artigo 14, §4º do Código mencionado acima, verifica-se que, como regra, 11 a obrigação dos profissionais liberais frente aos seus pacientes é de meio, caracterizando-se, portanto, em responsabilidade subjetiva. 1.1.Conceito de profissional liberal Primeiramente, cabe destacar o conceito de profissional liberal para, posteriormente, ser realizado o estudo sob o aspecto da responsabilidade civil relacionada com a atuação desses profissionais na prestação de serviços. Assim, Sergio Cavalieri Filho (2014, p. 570) classifica: Profissional liberal, como o próprio nome indica, é aquele que exerce uma profissão livremente, com autonomia, sem subordinação. Em outras palavras, presta serviços pessoalmente, por conta própria, independente do grau de escolaridade. Não só o médico, o advogado, o engenheiro, o psicólogo, o dentista, etc. podem ser profissionais liberais, mas também o sapateiro, o carpinteiro, o marceneiro, o eletricista, o pintor, a costureira, desde que prestam serviços com autonomia, sem subordinação – enfim, por conta própria. Pela ótica do Código, o melhor caminho é definir o profissional liberal pelas características de sua prestação de serviços, e não pelo seu grau de escolaridade, ou pelo enquadramento na regulamentação legal. O fato destes profissionais serem liberais, não extinguem a responsabilidade pelos seus danos, o qual estão disciplinados pelo Código de Defesa do Consumidor. A diferença na responsabilização dos profissionais liberais reside no fato de não ser objetiva, exigindo, portanto, a prova de culpa. As atividades realizadas por estes profissionais são exercidas pessoalmente e a determinadas pessoas, por isto configura-se intuitu personae, que na maioria dos casos se estabelece pela confiança. Vejamos o que refere o CDC a respeito: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [...] § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. (BRASIL, 2015) Grande parte das atividades exercidas por profissionais liberais no Brasil são consideradas como obrigações de meio, neste caso, não há uma garantia de que o resultado será 12 alcançado. Contudo, se o consumidor não ficar satisfeito com o atendimento prestado, caberá a este comprovar a culpa do profissional e recorrer ao judiciário para ver seu problema sanado. Desta forma, o médico, não tem como garantir que o tratamento oferecido para o seu cliente causará a cura na sua totalidade, da mesma forma que o advogado que atua no processo não tem como garantir o resultado da demanda para o seu cliente. Não podemos submeter os profissionais liberais a mesma responsabilidade daqueles que prestam serviços em massa, configurando estes em responsabilidade objetiva. Cavalieri Filho (2014, p. 570-571) entende que: O Código não criou para os profissionais liberais nenhum regime especial, privilegiado, limitando-se a afirmar que a apuração de suas responsabilidades continuaria a ser feita de acordo com o sistema tradicional, baseado na culpa. Logo, continuam a ser-lhes aplicáveis as regras da responsabilidade subjetiva com culpa provada nos casos em que assumem obrigações de meio, e as regras da responsabilidade subjetiva com culpa presumida nos casos em que assumem obrigação de resultado. Este regime mais brando não dá ao profissional um privilégio, mas apenas, o benefício da verificação da culpa, sendo que a inversão do ônus da prova poderá ser usada em favor do consumidor, independentemente se esta responsabilidade se der por culpa ou não. Desta forma, dispõe o CDC: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; (BRASIL, 2015) Cabe ressaltar, que, quando estes profissionais liberais estiverem executando obrigações consideradas de resultado, é exigido que o resultado prometido seja alcançado. Exemplos desta situação é a cirurgia plástica, sendo que o médico se compromete em tais resultados, onde, em muitos casos o médico apresenta um desenho a paciente de como ficará após a cirurgia, comprometendo-se desta forma com o resultado. Quando um paciente procura um profissional liberal da área médica, aquele se vê protegido, entrega a este o seu bem maior, que é a sua própria vida e o profissional tem o dever de informar e prestar todo o auxílio necessário para a concretização do resultado. 13 1.2.Relação entre médico e paciente Com o surgimento da sociedade capitalista, surge uma busca compulsiva por produtos e pela prestação de serviços, consequentemente, resultando na prática da relação de consumo, bem como na violação dos direitos do consumidor. Com o intuito de proteger os atos emanados da relação de consumo, o legislador incluiu, como direito fundamental, o dever do Estado na defesa do consumidor. Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; (BRASIL, 2015) Acerca do assusto, dispõe Cavalieri Filho (2014, p. 431): Antes da vigência do Código de defesa do Consumidor, os riscos do consumo corriam por conta do consumidor. Falava-se até na aventura de consumo, porque consumir, em muitos casos, era realmente uma aventura. O fornecedor se limitava a fazer a chamada oferta inocente, e o consumidor, se quisesse, que assumisse os riscos dos produtos consumidos. Não havia legislação eficiente para proteger os consumidores contra os riscos do consumo. Antes, pelo contrário, havia inúmeros obstáculos jurídicos para se chegar á responsabilização do fornecedor. Ele só respondia por culpa, a culpa provada, e esta era uma espécie de couraça que tornava o fornecedor irresponsável. A reparação dos danos só podia ser obtida pela via direta – responsabilidade pelo fato de outrem ou da coisa -, por não se admitir nenhuma relação jurídica direta entre o fornecedor e a vítima. Por sua vez, foi promulgado em 11 de setembro de 1990, sobre a Lei nº 8.078/90, a regulamentação de diversas áreas da relação de consumo e elucidando a quem o dispositivo será aplicado. A relação entre o médico e o paciente não deixa de ser uma relação de consumo, onde as partes firmam um contrato, sendo ele, expresso ou tácito. 14 Para a formação deste contrato há elementos indispensáveis para sua caracterização, desta forma destaca Maria Helena Diniz (2003, p. 46) Sendo o consentimento recíproco o ponto nuclear de todo negócio jurídico contratual, de relevante interesse é caracterizar o instante em que ele se verifica, porque daí decorre a existência do próprio contrato. É preciso fixar o momento em que se dá o acordo de vontades. No instante em que as vontades, manifestadas segundo a forma livre ou determinada, conforme o caso, se justaponham ou coincidem é que nasce o contrato. Todavia, é preciso ressaltar que o contrato não surge pronto; é, ao invés, o resultado de uma série de fases, que ás vezes se interpenetram, mas que, em detida análise, se destacam perfeitamente: negociações preliminares, proposta e aceitação. O Código de Defesa do Consumidor define em seu artigo 3° quem é fornecedor, desta forma: Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (BRASIL, 2015) Desta forma, como destaca o CDC, os profissionais liberais são considerados fornecedores, e, como tais, mantêm uma relação contratual, sendo que esta relação decorre de uma convenção entre as partes. Por esta razão, o dispositivo regulador de suas atividades é o Código de Defesa do Consumidor, o qual, também é aplicado ao profissional médico. Para um melhor entendimento, devemos ter a compreensão do que é o ato médico, sendo que o Conselho Federal de Medicina, define o ato profissional como sendo: Artigo 1º - Definir o ato profissional de médico como todo procedimento técnico-profissional praticado por médico legalmente habilitado e dirigido para: I.a promoção da saúde e prevenção da ocorrência de enfermidades ou profilaxia (prevenção primária); II. a prevenção da evolução das enfermidades ou execução de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos (prevenção secundária); III. a prevenção da invalidez ou reabilitação dos enfermos (prevenção terciária). (Resolução n° 1.627/2001) Vivemos em uma era em que há um grande avanço tecnológico e que, devido a este avanço, deixa-se para trás aquelas concepções de humanização, quais sejam: preocupação, cuidados, dedicação, entre outros. 15 Como na vida particular, este distanciamento ocorre também na esfera profissional e também em consultórios, clínicas e hospitais. Com mais frequência médicos e pacientes passam a dar lugar a números, diagnósticos e exames se tornarem códigos, e a comunicação perder a sua essência fundamental. Antigamente, tínhamos o médico de família, aquele médico que acompanhava todos os integrantes ao longo de suas vidas. Hoje, damos espaço para aquele estranho que avalia outro estranho em poucos minutos, sem um diálogo plausível, sem um mero conhecimento do problema abordado, há uma parede, a qual divide distanciadamente o médico do paciente. É possível destacar que nem sempre a negligência, imprudência ou imperícia são as causas determinantes dos processos, mas sim, os médicos vêm sendo processados, não por terem agido com culpa, mas, por não terem dispensado toda a atenção necessária a seus pacientes, chegando em alguns casos, a poder se configurar “maus tratos”. Desta forma, no tratamento dispensado pelo médico, este não se coloca no lugar do paciente, que vem lhe procurar como uma alternativa ou alento a sua dor e sofrimento físico e psíquico, passando, o médico a ignorar este cenário, como se a humanidade que constitui o paciente não existisse, ou seja, o problema que lhe é apresentado não fosse relevante o suficiente para merecer um tratamento digno. Nesse sentido, André Nigre (2008, p. 27) destaca: A relação médico-paciente deve ser estabelecida de forma horizontal, com interesses comuns, sem o paternalismo autoritário do profissional e sem a submissão total do paciente. O paciente deve, primeiramente, respeitar o médico e não teme-lo; já o profissional deve ser visto como seu parceiro na busca pelo bem-estar físico e psíquico, e não como seu algoz. Percebe-se que aos poucos, tanto os profissionais da medicina, como os pacientes estão repensando conceitos, pois nada é tão importante quanto o paciente conhecer o médico, e o médico conhecer o nome e o rosto do seu paciente, realizando um tratamento humanizado, adequado, para uma boa compreensão da aplicação do tratamento proposto. 16 Deve-se resgatar o bom e velho médico, aplicando a modernidade a qual hoje temos acesso, trazendo de volta a humanização do atendimento, como objetivo principal de um atendimento digno e de qualidade à população. O profissional deve ter em mente o medo, a fragilidade, o sofrimento e a aflição do paciente e trata-lo com respeito, dignidade e solicitude, pois se sabe que a atenção muitas vezes se torna um dos melhores remédios para que se possa alcançar o caminho da cura (NIGRE, 2008, p. 28). Os médicos são considerados peritos em suas atividades e podem exercê-la livremente no mercado. Como consequência, respondem pelos danos que causarem e prejuízos que acarretarem por imprudência, imperícia ou negligencia, além de estarem comprometidos com o instituto da prestação a saúde, que configura deveres com a sociedade e com o Estado. Desta forma, qualquer profissional, de qualquer profissão que causar dano a um paciente por negligência, imperícia ou imprudência comete um erro considerado profissional e responderá pela conduta culposa. 1.3.Obrigação de meio e de resultado Na doutrina há muita controvérsia sobre a distinção das obrigações de meio e de resultado, principalmente no que diz respeito ao ônus da prova para comprovação da responsabilidade. Sobre a matéria, destaca Flávio Tartuce (2011, p. 457): Como visto, de acordo com o entendimento majoritário, caso o profissional de saúde assuma uma obrigação de resultado, como no caso do médico cirurgião plástico estético, a sua responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de culpa. No caso do médico cirurgião plástico reparador, bem como nos demais médicos e profissionais em geral, a obrigação é de meio ou de diligência e a premissa da sua responsabilização é a prova da culpa (responsabilidade subjetiva). A responsabilidade civil dos profissionais liberais é contratual, por isto amparadas pelo Código de Defesa do Consumidor. Podem ser classificadas como obrigações de meio ou de resultado, dependendo da forma que as partes estipularam o contrato. Neste sentido é o entendimento de Lisiane Lazzari Pietroski (2013, p. 390): 17 A obrigação é de meio quando o contratado e compromete a prestar os serviços da melhor maneira possível, com a diligência necessária, utilizando-se de todos os meios e conhecimentos postos a sua disposição. É o caso dos médicos, advogados, publicitários, dentre outros. Por sua vez, a obrigação de resultado é aquela na qual o prestador de serviços assume alcançar um determinado resultado. Ocorre, por exemplo, com os engenheiros e arquitetos, que se comprometem a entregar um projeto ou uma obra com características específicas anteriormente contratadas. Pode-se definir que nas obrigações de meio, o profissional tem o dever de agir de forma diligente, sem comprometer-se ao resultado da atividade. Já nas obrigações de resultado, a atividade busca um resultado certo e determinado, sendo esse objetivo, a própria obrigação. Desta forma podemos classificar a obrigação do médico como sendo, via de regra, de meio, obrigação esta contratual, pelo fato do seu atuar estar diretamente relacionado ao seu empenho no tratamento do paciente. O profissional deve disponibilizar todos os meios científicos e seus próprios conhecimentos no tratamento proposto, com a função principal de reestabelecer a saúde do enfermo. Assim funciona, pois, quando há a contratação do médico, este não se obriga a curar ou salvar o paciente, porque isto não depende dele, são muitos os fatores que influenciam esta cura, fatores relacionados com genética, imunológicos, os cuidados que o próprio paciente tem após o tratamento proposto, o cuidado do médico antes, durante e após o tratamento, entre tantos outros que serão abordados neste trabalho. Nesse sentido Vera Maria Jacob de Fradera (1992, p.120) esclarece que: Ao assistir ao doente, assume o médico a obrigação de dar-lhe um tratamento adequado, isto é, conforme os dados atuais da ciência, segundo os recursos postos a sua disposição no local da atuação e ainda segundo as condições específicas e pessoais do doente. O médico não se obriga, portanto, a curar o doente, ele assume, isto sim, a obrigação de prestar meios adequados, de agir de maneira diligente e aplicando todos os seus conhecimentos e recursos disponíveis, a fim de obter êxito, o qual é estranho ao objeto mesmo da obrigação assumida, e, em muitos casos, v.g., em se tratando de doenças incuráveis, de antemão inatingíveis. Podemos diferenciar se uma obrigação é de meio ou de resultado pela definição do ônus da prova. Nesse sentido, Antônio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza (2005, p. 15) definem: 18 Na obrigação de meio deverá o suposto lesado provar que o médico agiu culposamente, mediante ato negligente, imprudente ou imperito, enquanto que na obrigação de resultado a culpa é presumida, importando na inversão do ônus da prova, ou seja, cabe ao médico provar que não errou. Alguns autores citam-na como responsabilidade objetiva imprópria ou impura. Fica claro que o enquadramento da obrigação médico-paciente como de meio é mais favorável aos médicos, uma vez que ameniza sua responsabilidade na medida em que cabe ao paciente comprovar a imprudência, imperícia ou negligência do profissional contratado. Caso esta culpa não for provada não há o que se falar de responsabilidade, ficando assim, o médico desobrigado de prestar qualquer indenização ou justificativa de tal procedimento mal aplicado. Esta prova de imprudência, imperícia ou negligência do profissional acaba sendo um obstáculo para a vítima, que esta se vê impossibilitada de provar tais fatos, pois o médico é o possuidor de todas as provas necessárias para provar o erro, esta, por sua vez, caracterizada pelo procedimento mal aplicado ao seu paciente. O médico atua como prestador de serviços, embora que sua responsabilidade seja subjetiva está sujeita as sanções do Código de Defesa do Consumidor (art. 6°, VII), permitindo que o juiz possa inverter o ônus da prova em favor do consumidor, este classificado como o paciente, senão vejamos. Art. 6º.São direito básicos do consumidor: [...] VII-o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; (BRASIL, 2015) Deve ser lembrado que a hipossuficiência do consumidor não se trata apenas de hipossuficiência financeira, mas essencialmente técnica, pois o médico, sem dúvidas, é que se encontra nas melhores condições de trazer aos autos do processo os elementos probatórios necessários para a análise da sua responsabilidade e não o paciente que não tem acesso algum, a nenhum dado que comprove a culpa do médico. Desta forma, é entendimento do tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul: Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUBCLASSE RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE, NO CASO. 1. Quando se analisa a questão da prova da culpa dos médicos, a doutrina, nacional e alienígena, costuma apontar para a enorme dificuldade de se demonstrar tal culpa. Isto vale tanto para os casos de danos ocorridos durante complexos atos cirúrgicos, como 19 também para os casos de simples necessidade de demonstração da correção de diagnóstico e das técnicas cirúrgicas adotadas. Tal decorre da simples razão de, na primeira hipótese, o paciente comumente estar desacordado (induzido em coma anestésico) e, assim, não ter a mínima idéia do que lá ocorreu, e, na segunda hipótese, não deter conhecimento da ciência médica, sendo sabedor apenas do resultado danoso que o atingiu. 2. Por tais razões, o legislador, a doutrina e a jurisprudência procuram facilitar a atividade probatória das possíveis vítimas de um erro médico. 3. Caso concreto em que andou bem o Juízo a quo ao ordenar a inversão do ônus da prova, impondo aos réus, assim, a obrigação de demonstrar que não houve erro na realização da cirurgia quando a autora tinha 18 anos, que o procedimento alcançou o resultado possível e prometido e que o grau das lentes prescritas após a cirurgia foi o correto. Agravo de instrumento desprovido. (RIO GRANDE DO SUL, 2015) O médico também, não só responde pelo fato próprio, como pelos atos danosos praticados por terceiros que estejam diretamente sobre as suas ordens. Assim, por exemplo, se presume a culpa do médico que determina a enfermeira ou técnica de enfermagem a aplicar determinado medicamento ao paciente, que porventura venha causar alguma lesão ao paciente, uma parada cardiorrespiratória, por exemplo. Essa culpa não precisa ser grave para que ela seja responsabilizada, mas sim que tenha ocorrido por imprudência, imperícia ou negligência. Para Carlos Roberto Gonçalves (2007, p. 241), entende da seguinte forma: Embora o contrato médico integre o gênero “contrato de prestação de serviços”, o seu conteúdo atende à especialidade própria a esse campo da atividade humana, não se confundindo com qualquer outro ajuste de prestação de serviços, até porque não há o dever de curar o paciente. Por isso, concorrem elementos e fatores que distinguem a culpa dos médicos da exigida para responsabilizar integrantes de outras profissões. A obrigação principal consiste no atendimento adequado do paciente e na observação de inúmeros deveres específicos. O dever geral de cautela e o saber profissional próprios do médico caracterizam o dever geral do bom atendimento. Dele se exige, principalmente um empenho superior ao de outros profissionais. Seguindo o entendimento do autor: O dever de informar, previsto no art. 6°, III, do Código de Defesa do Consumidor, está ligado ao princípio da transparência e obriga o fornecedor a prestar todas as informações acerca do produto e do serviço. Esse princípio é detalhado no art. 31, que enfatiza a necessidade de serem fornecidas informações corretas, claras, precisas e ostensivas sobre os serviços, “bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”. O aludido dever abrange o de se informar o médico acerca do progresso da ciência e sobre a composição e as propriedades das drogas que administra, bem como sobre as condições particulares do paciente, realizando, o mais perfeitamente possível, a completa anamnese. (GONÇALVES, 2007, p. 241) 20 A falta de cuidados necessários para uma boa recuperação ou até mesmo a cura do paciente, pode possibilitar ao médico em responsabilidade pela perda de uma chance. Essa responsabilidade é classificada quando o profissional deixa de prestar um atendimento eficaz na cura do paciente, ou até mesmo quando este realiza tratamentos incompatíveis com o problema apresentado, causando dano, seja pela falta objetiva do dever de cuidado, ou até mesmo por uma violação de um dever com o paciente. Desta forma, Cavalieri Filho (2014, p. 431), entende que: Divergem, ainda, os doutrinadores sobre a natureza da avença celebrada entre o médico e o paciente, sendo para alguns um contrato de prestação de serviços, e para outros um contrato sui generis. Tendo em vista que o médico não se limita a prestar serviços estritamente técnicos, acabando por se colocar numa posição de conselheiro, de guarda e protetor do enfermo e de seus familiares, parece-nos mais correto o entendimento daqueles que sustentam ter a assistência médica a natureza de contrato sui generis, e não de mera locação de serviços, consoante orientação adotada pelos Códigos da Suíça e da Alemanha. Mesmo que haja esta divergência entre a natureza jurídica do contrato, em nada se altera a responsabilidade do médico, pois, se este causou algum dano a alguém, seja este dano no exercício de sua profissão prestando um serviço ou deixando de prestar um atendimento eficaz, este sim, tem o dever de indenizar. Cabe ressaltar que não precisa ter um documento escrito e assinado para constituir um contrato, mas deve haver o consentimento de ambas as partes, de um lado o médico que propõe um tratamento ao enfermo e do outro, aquele que aceita este tratamento para uma maior qualidade de vida. Desta forma destaca Diniz (2003, p. 43): [...] Todo contrato requer o acordo de vontades das partes contratantes ou o consentimento, que não constitui somente um requisito de validade, mas também um pressuposto de sua existência, de tal sorte que sem o mútuo consenso, expresso ou tácito, não haverá qualquer vínculo contratual. Se houver manifestação volitiva de apenas um dos contraentes, ter-se-á mera emissão, sem força vinculante, visto que o acordo de vontades, emitidas por duas ou mais partes, é requisito básico ou essencial à formação do contrato; só ele tem a virtude de produzir os correspectivos direitos e deveres. Logo, não é com o mero consentimento unilateral de uma das partes que surge o contrato perfeito e acabado. É necessário que as vontades de duas ou mais pessoas, isoladas, sejam convergentes e se encontrem para, com uma conciliação de interesses, poder atingir o objetivo a que se propõem. É preciso ressaltar que não é a vontade como expressão do querer interno, porém a já manifestada que interessa á ordem jurídica, como elemento essencial à 21 constituição do contrato válido, idôneo a produzir efeitos jurídicos. Enquanto não se exteriorizar a vontade, não terá relevância no mundo do direito. A responsabilidade civil traz em sua estrutura a ideia de compensação ou indenização do dano causado. Recentemente fala-se sobre a função punitiva da responsabilidade civil, dentro da teoria dos danos punitivos. Contudo, devemos estabelecer o tipo de responsabilidade que deve ser enquadrada ao médico quando este acarreta danos ao paciente. Importante salientar que independentemente da obrigação, o atuar médico deve ser exercido com a devida diligência, observando o seu conhecimento para aplicação no caso concreto. 22 2. O ATENDIMENTO MÉDICO HUMANIZADO Vivemos em uma época conturbada, onde valores econômicos são suplantados pelos valores sociais. A modernidade que deveria ser uma aliada, em muitos casos é o retrocesso daquele “bom e velho” atendimento médico. O atendimento médico deveria ser a soma dos comportamentos da área da ética e da técnica, garantindo cuidados às necessidades dos pacientes em geral. Desta forma destaca André Nigre (2008, p.27) Apesar das dificuldades enfrentadas pela falta de tempo dos dias de hoje, o profissional deve procurar conhecer melhor seu paciente e olhá-lo como um ser integral, evitando fragmentar seu problema de saúde, visualizando com isso, somente a morbidade Podemos até relacionar esta falha no atendimento médico com o passar dos anos, inclusive, sobre esta mudança cita o autor André Nigre (2008, p. 3) O médico não era visto como um especialista, e sim como um homem que praticava magia ou em uma ciência, o empirismo foi dando lugar aos estudos etiológicos das patologias. Tem-se vivenciado, no atual cenário a falta de médicos ou de médicos com a devida formação humanística, ocorrendo uma série de danos aos pacientes, sendo que em muitos casos, essas lesões se dão através de uma perda de uma chance. A falta de cuidados necessários para uma boa recuperação ou até mesmo a cura do paciente, pode acarretar ao paciente a sua perda da chance de cura. O Código Civil relaciona a saúde como direito de todos e dever do estado. Art.196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas públicas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doenças e de outros agentes e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, prestação e recuperação. (BRASIL, 2015) A medicina é feita de pessoas para pessoas. Não é possível mais assistir à sua divisão, uma medicina com atendimento humanizada e outra não. A assistência médica de qualidade é universal, de dar e receber, é mais do que uma vontade, é um direito de todos. Sobre esta afirmação, destaca NIGRE (2008, pg.27) “A comunicação deve ser cortês, honesta, aberta e apropriada ao nível intelectual e principalmente, à necessidade emocional do paciente’’. 23 O autor destaca que no ambiente médico deve haver a cordialidade e respeito, que não é o grau de cultura ou a posição hierárquica que define o bom censo entre ambos. O médico deve respeitar o paciente e o paciente respeitar o médico, partindo pelo pressuposto de humanidade. 2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana O princípio da dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental, assegurada em nossa Carta maior que é a Constituição Federal. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (BRASIL, 2015) O conceito de dignidade da pessoa humana não é algo contemporâneo. É um tema que se torna corriqueiro em debates e pesquisas. Destaca Gilmar Ferreira Mendes (2014, pg. 134) No Título I da Constituição (Dos Princípios Fundamentais) fala-se na dignidade da pessoa humana como fundamento da República e essa dignidade deve ser compreendida no contexto também das outras normas do mesmo Título em que se fala no valor social do trabalho, em sociedade justa e solidária, em erradicação da pobreza e marginalização e em redução de desigualdades sociais. Tudo isso indica que os direitos fundamentais sociais participam da essência da concepção de Estado acolhida pela Lei Maior. Como as cláusulas pétreas servem para preservar os princípios fundamentais que animaram o trabalho do constituinte originário e como este, expressamente, em título específico da Constituição, declinou tais princípios fundamentais, situando os direitos sociais como centrais para a sua ideia de Estado democrático, os direitos sociais não podem deixar de ser considerados cláusulas pétreas. Portanto, pode-se dizer que a dignidade da pessoa humana é uma clausula pétrea, não podendo ser alterada, muito menos extraída da Constituição Federal. O principal problema é a falta de aplicabilidade deste dispositivo legal, onde muitas pessoas ainda vivem em situação indigna, sem ao menos possuir acesso aos meios básicos de sobrevivência. 24 Não obstante a inevitável subjetividade envolvida nas tentativas de discernir a nota de fundamentalidade em um direito, e embora haja direitos formalmente incluídos na classe dos direitos fundamentais que não apresentam ligação direta e imediata com o princípio da dignidade humana, é esse princípio que inspira os típicos direitos fundamentais, atendendo à exigência do respeito à vida, à liberdade, à integridade física e íntima de cada ser humano, ao postulado da igualdade em dignidade de todos os homens e à segurança. É o princípio da dignidade humana que demanda fórmulas de limitação do poder, prevenindo o arbítrio e a injustiça. Nessa medida, há de se convir em que “os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa humana”. (MENDES, 2014, p. 147) As dificuldades da dignidade da pessoa humana persistem, porém, quanto a definir meios eficazes de melhorias que não são aplicados, e com isso, quem acaba sofrendo com esta falta de aplicabilidade é a própria sociedade, desprovida de um mínimo de dignidade para a sua sobrevivência. Uma vez que a indisponibilidade se funda na dignidade humana e esta se vincula à potencialidade do homem de se autodeterminar e de ser livre, nem todos os direitos fundamentais possuiriam tal característica. Apenas os que visam resguardar diretamente a potencialidade do homem de se autodeterminar deveriam ser considerados indisponíveis. Indisponíveis, portanto, seriam os direitos que visam resguardar a vida biológica – sem a qual não há substrato físico para o conceito de dignidade – ou que intentem preservar as condições normais de saúde física e mental bem como a liberdade de tomar decisões sem coerção externa. (Mendes, 2014, p. 151) Os direitos humanos são a dignidade, liberdade, igualdade, participação política, direitos necessários para se viver em democracia, sendo que somente estaremos na presença de um direito fundamental quando esses valores forem alcançados. Neste sentido destaca Mendes (2008, p. 170) É legítimo, portanto, cogitar de direitos fundamentais previstos expressamente no catálogo da Carta e de direitos materialmente fundamentais que estão fora da lista. Direitos não rotulados expressamente como fundamentais no título próprio da Constituição podem ser assim tidos, a depender da análise do seu objeto e dos princípios adotados pela Constituição. A sua fundamentalidade decorre da sua referência a posições jurídicas ligadas ao valor da dignidade humana; em vista da sua importância, não podem ser deixados à disponibilidade do legislador ordinário A dignidade da pessoa humana traduz os direitos básicos de cada ser humano, que é o direito à vida, o direito à liberdade, o direito à igualdade, o direito à segurança e o direito à propriedade. Se estes direitos forem violados está se violando a própria dignidade da pessoa humana. 25 O autor, Gilmar Mendes, em uma de suas obras traz um exemplo clássico de como a proporcionalidade deve ser considerada quando falamos em dignidade da pessoa humana. É certo que o Supremo Tribunal Federal está utilizando o princípio da proporcionalidade para fazer uma certa ponderação, levando-se em consideração principalmente o princípio da dignidade da pessoa humana. Em outro caso, foi concedido habeas corpus ao presumido pai de criança nascida na constância do casamento, que fora convocado a ceder sangue, para exame de DNA, numa ação movida por outro homem, que invocava a qualidade de pai biológico do menor. Dadas as circunstâncias do processo, considerando que o feito principal já estava instruído até com laudo de exame de DNA do autor da demanda e do filho que pretendia ser seu, o relator estimou que a medida determinada constituía uma invasão desnecessária no direito à dignidade do paciente. Trata-se de mais um exemplo da relevância do princípio da proporcionalidade na solução de eventuais conflitos entre direitos de estatura constitucional (MENDES, 2014, p. 181) Ainda sobre o assunto, continua o autor: Uma forma de contornar o que aparenta ser um conflito entre direitos fundamentais consiste em negar a sua ocorrência real, à vista da não abrangência, pela norma jusfundamental, da situação analisada. A exclusão de um trecho da realidade do domínio normativo do direito proclamado se segue a uma depuração da compreensão teórica da norma invocada. Pode -se chegar à conclusão de que a pretensão do indivíduo envolvido no conflito aparente não se inclui no âmbito de proteção do direito que evoca; afinal, “o conteúdo constitucionalmente declarado do direito nem sempre se mostra evidente e indiscutível” (MENDES, 2014, p. 181) Existem direitos que, independentemente da nacionalidade do indivíduo, são considerados basilares para o princípio da dignidade da pessoa humana. Alguns destes direitos são dirigidos ao indivíduo enquanto cidadão. Desta forma, os direitos políticos são direitos que pressupõem exatamente a nacionalidade de seu país. Também podemos citar, referente aos Direitos sociais, o direito do trabalho somente abrange aqueles residentes no país, e não os estrangeiros sem residência no país. Outro direito considerado fundamental é o direito à vida, tutela fundamental para uma vida digna, pois não basta simples e puramente viver, mas sim, ter uma vida digna, com subsistência necessária para viver com dignidade. Trata-se de um valor supremo, incluído como um direito fundamental. Neste sentido prevê Gilmar Mendes (2014, p. 249) 26 A expressão “direito à vida” está particularmente ligada, hoje, à discussão sobre a legitimidade da interrupção do processo de gestação e ao debate sobre a liceidade da interrupção voluntária da existência em certas circunstâncias dramáticas e peculiares. O direito à vida, porém, não tem a sua abrangência restrita a essas questões. Estudos já o contemplavam desde tempos mais remotos, tanto em discursos seculares como em produções de cunho religioso. Recorda-se, a esse propósito, que no século XIII, o filósofo escolástico Henry de Ghent sustentava que todas as pessoas “têm o direito, segundo a lei natural, de se lançar a atos de autopreservação”. Em outros contextos, o direito à vida aparece vinculado aos direitos a integridade física, a alimentação adequada, a se vestir com dignidade, a moradia, a serviços médicos, ao descanso e aos serviços sociais indispensáveis. No século XX, porém, sobretudo a partir da sua segunda metade, intensifica-se o exame do direito à vida em seus desdobramentos ligados à reprodução humana. Nesse âmbito, dois problemas básicos se põem – o do início do direito à vida e o da sua harmonização com outros direitos que lhe disputem incidência num caso concreto. Se torna importante o debate acerca dos valores abrigados sobre o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, bem como procurar buscar sua definição na seara jurídica, sendo este princípio compreendido como um princípio fundamental ao direito à vida, pois não existe vida sem um mínimo de dignidade. O direito à vida, assim, não pode ser compreendido de forma discriminatória com relação aos seus titulares. Se todo o ser humano singulariza-se por uma dignidade intrínseca e indisponível, a todo ser humano deve ser reconhecida a titularidade do direito mais elementar de expressão dessa dignidade única – o direito a existir. A ideia de igual dignidade de todos os seres humanos ficaria ferida se fosse possível graduar o direito à vida segundo aspectos acidentais que marcam a existência de cada pessoa. Não se concilia com a proposição de que todos os seres humanos ostentam igual dignidade classificá-los, segundo qualquer ordem imaginável, para privar alguns desse direito elementar. Nem a origem étnica, nem a origem geográfica, nem as opções de comportamento sexual, nem a idade – nada justifica que se aliene de um ser humano o direito à vida. Onde, pois, houver um ser humano, há aí um indivíduo com o direito de viver, mesmo que o ordenamento jurídico não se dê ao trabalho de o proclamar explicitamente. Se o ordenamento jurídico reconhece como seu valor básico o princípio da dignidade da pessoa humana e se afirma a igualdade como consequência precisamente dessa dignidade, o direito à vida está necessariamente aí pressuposto. (MENDES, 2014, p. 249) Infelizmente na sociedade em que vivemos enfrentamos muitos atos discriminatórios entre a sociedade, questão de religião, cor, opção sexual, grupo econômico. Essa discriminação infelizmente é encontrada dentro da área da saúde, sendo que, infelizmente alguns profissionais levam em consideração estes elementos para prestar um bom atendimento ou não. 27 Sobre o assunto, dispõe o artigo 227, caput, da Constituição Federal: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 2015) Desta forma, o artigo acima traz em grau de equidade o Estado como garantidor destes direitos, trazendo como prioridade o direito à saúde, tema este tão importante na elaboração deste trabalho. A prestação do serviço de saúde deve ser prestada da melhor forma possível, com os devidos meios necessários para que seja prestado com dignidade á aquele que está necessitado. O princípio da dignidade da pessoa humana não destaca apenas os direitos individuais, mas também, o direito à vida, os de natureza social, econômica e cultural, uma vez em que o direito à liberdade consiste na remoção de impedimentos, tanto sociais, econômicos e políticos capazes de frustrar com a dignidade de um ser humano. O direito a saúde é denominado como um direito fundamental, sendo indispensável para uma vida com dignidade, pode-se dizer que os direitos fundamentais e, acima de tudo, a dignidade da pessoa humana, são indissociáveis. O direito à saúde constitui um direito humano e fundamental, passível de proteção e tutela pelo Estado, este direito é fruto de uma intensa evolução, não apenas no que diz respeito ao direito, mas da própria ideia do que é a saúde. 2.2. Conceito de atendimento médico humanizado Atualmente, a humanização no atendimento médico e o investimento no bem-estar do paciente é tema de intenso debate nos serviços de saúde. 28 O atendimento médico humanizado seria aquele atendimento em que o profissional procura saber quem é o paciente, que o escuta, que identifica seus medos e seus anseios, que se empenha para ver o problema do paciente solucionado. Se destaca a necessidade de se falar de humanização no atendimento médico, pois no atual cenário se vê que houve a evolução científica e tecnológica dos serviços de saúde, mas não houve este avanço no atendimento prestado. Percebe-se que, em muitos hospitais, o diagnóstico e os procedimentos de tratamento se dá de forma muito rápida, sucinta, se quer foi investigado, e sim dado um tratamento ao qual se ajustasse mais próximo ao problema apresentado. O médico deve empenhar-se para melhorar as condições de saúde e os padrões dos serviços médicos, o Código de Ética Médica, resolução CFM n° 1931/2009, veda ao médico: Art. 36. Abandonar paciente sob seus cuidados. § 1° Ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional, o médico tem o direito de renunciar ao atendimento, desde que comunique previamente ao paciente ou a seu representante legal, assegurando-se da continuidade dos cuidados e fornecendo todas as informações necessárias ao médico que lhe suceder. § 2° Salvo por motivo justo, comunicado ao paciente ou aos seus familiares, o médico não abandonará o paciente por ser este portador de moléstia crônica ou incurável e continuará a assisti-lo ainda que para cuidados paliativos. (BRASIL, 2009) Podemos dizer, que humanizar é tratar o paciente com zelo, conversar, procurar acalmálo e sanar suas dúvidas, é realizar os cuidados necessários ao paciente. Humanizar é investir recursos nas condições de trabalho dos profissionais, é objetivar benefícios para a saúde e qualidade de vida dos pacientes, dos médicos e da sociedade, pois a crítica de falta de humanização do atendimento médico, em muitos casos se determina pela falta de acesso que este médico tem. Humanizar o atendimento médico não é apenas chamar o paciente pelo seu nome, nem sempre ter sorriso no rosto, além disso, é procurar entender os seus medos, angústias e dúvidas, é dar apoio e atenção ao paciente. Humanizar também é, além do atendimento humano, procurar aperfeiçoar os conhecimentos valorizando todos os elementos implicados na assistência. Na realidade, a humanização do atendimento, deve valorizar o respeito ao outro, deve procurar melhorar o acesso à dignidade entre todas as pessoas. 29 Os profissionais médicos não devem economizar palavras ou qualquer outra forma de se expresse com os pacientes e familiares. A falta de atenção do profissional é uma das mais relevantes queixas em relação ao mau atendimento prestado. O profissional deve explicar de forma clara qual será o tratamento proposto e o que a sua não aplicação acarretaria para o paciente. Neste sentido destaca André Nigre (2008, p. 34) Com exceção dos casos de urgência, que devem ter por escopo resguardar o bem maior que é a vida humana, os médicos têm por dever ético-moral de esclarecer ao paciente ou a seu responsável legal, por meio de linguagem clara e adequada ao nível intelectual e cultural do paciente, a respeito dos efeitos e resultados previsíveis da terapêutica que lhe será aplicada; ato contínuo, deverá o paciente ou seu responsável legal aquiescer com o tratamento proposto, ou seja, é um requisito primordial de todo tratamento ou intervenção. Os profissionais deveriam inteirar-se mais de seus deveres como profissionais, pois seu cumprimento preveniria uma série de consequências ao paciente. Deve-se recuperar aquele atendimento antigo, resgatando o bom atendimento médico, e suas principais qualidades sem abrir mão de toda a modernidade necessária para o diagnóstico preciso. Devemos resgatar a humanização do atendimento que tinha como principal objetivo, oferecer um atendimento digno e de qualidade à população. Destaca NIGRE (2008, pg 37) Cabe ao médico resgatar o respeito e admiração de outrora, exercendo seu múnus com zelo e profissionalismo, respeitando a dignidade do paciente em razão de sua fragilidade, prestando as informações que devam ser prestadas e, principalmente, insurgindo-se contra a má prática do exercício da profissão. Creio que a maior dificuldade traçada do progresso dos médicos, foram as relações que estes têm com os pacientes, tornando-se ao longo do tempo atendimentos mecanizados, sendo que na maioria dos casos visualizam o paciente como um número, uma soma. Esta falta de conscientização médica não é por falta de previsão legal, pois tanto no Conselho Federal de Medicina e no Código de Ética Médica prevê taxativamente quais são os deveres dos profissionais médicos. Dentre os principais deveres estão: 30 Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte. Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto. Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo. Art. 25. Deixar de denunciar prática de tortura ou de procedimentos degradantes, desumanos ou cruéis, praticá-las, bem como ser conivente com quem as realize ou fornecer meios, instrumentos, substâncias ou conhecimentos que as facilitem. Art. 26. Deixar de respeitar a vontade de qualquer pessoa, considerada capaz fisica e mentalmente, em greve de fome, ou alimentá-la compulsoriamente, devendo cientificá-la das prováveis complicações do jejum prolongado e, na hipótese de risco iminente de morte, tratá-la. Art. 27. Desrespeitar a integridade física e mental do paciente ou utilizar-se de meio que possa alterar sua personalidade ou sua consciência em investigação policial ou de qualquer outra natureza. Art. 28. Desrespeitar o interesse e a integridade do paciente em qualquer instituição na qual esteja recolhido, independentemente da própria vontade. Parágrafo único. Caso ocorram quaisquer atos lesivos à personalidade e à saúde física ou mental dos pacientes confiados ao médico, este estará obrigado a denunciar o fato à autoridade competente e ao Conselho Regional de Medicina. Art. 29. Participar, direta ou indiretamente, da execução de pena de morte. Art. 30. Usar da profissão para corromper costumes, cometer ou favorecer crime. (BRASIL, 2015) A falta de atendimento médico humanizado se configura, em muitos casos pela violação desses deveres, ocasionados pelo motivo do profissional ver o paciente como um número, e esta culpa não pode ser configurada só pelo profissional, mas sim o próprio sistema de saúde que enfrentamos, onde não existem profissionais em número suficiente e com qualificação em atendimento humanizado para atender a demanda da população. O principal motivo que se dá para esta falta de atendimento humanizado é o tempo, porém o profissional deve procurar conhecer melhor seu paciente, evitar dividir seu problema de saúde. O profissional deve ter em mente o medo, a fragilidade, o sofrimento e a aflição do paciente e trata-lo com respeito, dignidade e solicitude, pois se sabe que a atenção muitas vezes se torna um dos melhores remédios para que se possa alcançar o caminho da cura. (NIGRE, 2008, p. 28) O paciente deve respeitar o médico e não temê-lo, ambos comunicando-se de forma amigável, cortês, honesta e aberta, principalmente ao estado psicológico em que o paciente se encontra. 31 2.3. O atual cenário do atendimento médico e as implicações que podem ocorrer para a saúde pelo atendimento mal prestado. O atendimento médico tem como objetivo principal zelar e cuidar da saúde, fazendo com que os pacientes sofram o mínimo possível e que o mais breve possível se encontre um tratamento para o problema apresentado. Conforme o artigo 196, caput, da Constituição Federal, a saúde é um direito de todo e dever do Estado, senão vejamos: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 2015) Podemos identificar que este é um direito tanto individual, quanto coletivo de proteção à saúde. Negar este direito é negar a força normativa da Constituição Federal. Neste sentido destaca Gilmar Mendes (2014, p. 588-589): A dimensão individual do direito à saúde foi destacada pelo Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, relator do AgR-RE n. 271.286-8/RS, ao reconhecer o direito à saúde como um direito público subjetivo assegurado à generalidade das pessoas, que conduz o indivíduo e o Estado a uma relação jurídica obrigacional. Ressaltou o Ministro que “a interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconsequente”, impondo aos entes federados um dever de prestação positiva. Concluiu que “a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse como prestações de relevância pública as ações e serviços de saúde (art. 197)”, legitimando a atuação do Poder Judiciário nas hipóteses em que a Administração Pública descumpra o mandamento constitucional em apreço. O referido artigo 196 da Constituição Federal prevê que além do direito fundamental à saúde, há o dever primordial do Estado em prestar esta saúde, esta prestação pode ocorrer tanto por parte da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Deve o poder público realizar políticas públicas para que haja a redução de doenças, a promoção, proteção e recuperação da saúde. Parte-se do pressuposto que a inaplicabilidade do direito à saúde se dá a partir do pressuposto que a inaplicabilidade deste direito se dá, também por problemas de eficácia social. Sendo que não ocorre a implementação e a manutenção de políticas públicas suficientes para que os problemas sejam sanados. 32 A Constituição Federal estabeleceu um modelo básico de organização para o direito básico da saúde, dando início ao Sistema Único de Saúde-SUS, que deveria atender toda a população, sanando suas necessidades, prestando um atendimento público eficaz. Neste sentido prevê o artigo 198 da Constituição Federal. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. § 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre. [...] (BRASIL, 2015) Vivemos em tempos modernos, onde aquele atendimento médico de antigamente dá lugar a números, valores. Sabemos que o atual cenário médico é conturbado e em muitos casos há a negligência por parte do profissional liberal. A saúde é um direito de todos e dever do estado, porém não é toda a população que possui acesso a esta saúde, e o poder público pouco tem feito a contento em relação a isto. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 2015) A Constituição Federal prevê que o direito à saúde é uma garantia, porém não é isto que vemos quando ligamos nossos televisores em nossas casas, todos os dias somos informados de mortes que ocorrem por falta de leito em hospitais, ou por falta de atendimento médico, em muitos casos, dando-se inclusive pela precariedade de locomoção até um órgão de saúde, em alguns casos pacientes demorando horas até chegar em um Pronto Atendimento, e ao chegar, já é tarde demais. 33 Por mais que ocorram todos os imprevistos no sistema público de saúde, o SUS-Sistema Único de Saúde é considerado como um dos melhores sistemas públicos de saúde do mundo. Este sistema abrange desde o simples atendimento em ambulatório até o transplante de órgãos. Gilmar Mendes destaca (2014, p. 593) Ainda que constituído como sistema público, a rede privada de saúde pode igualmente integrar o SUS, por meio de contratação ou convênio firmado com o Poder Público. Tanto a rede pública como a privada acabam por formar uma rede regional, para melhor adequação às particularidades locais, concretizando, com isso, diretrizes da própria Organização Mundial da Saúde, e observando um conjunto de princípios que regem o sistema – integralidade, igualdade e participação da comunidade. A par do serviço público de saúde, a Constituição Federal, no seu art. 199 estabelece as condições em que a assistência à saúde será prestada pela iniciativa privada, desta forma prevê que: Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. § 2º É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos. § 3º É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei. § 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização. (BRASIL, 2015) Um dos princípios basilares deste sistema é a universalidade, porém este princípio ainda não foi consagrado, pois a muitos cidadãos que infelizmente não tem o acesso a saúde, portanto, deixando de ser um sistema universal. Para que isto ocorra é necessário que se quebram barreiras e que toda a população tenha acesso a saúde. Grande parte da população é pobre, que reside em pequenos municípios com baixo grau de desenvolvimento econômico ou habitam os arredores das cidades, não dispondo de condições mínimas de sobrevivência, muitas vezes, até porque não tem transporte para chegar a uma unidade de saúde. 34 O estado precisa aplicar mais recursos financeiros capazes de ampliar a infraestrutura do sistema, na construção e na reforma de unidades de saúde, na compra de equipamentos e insumos, na contratação e pagamento de profissionais qualificados. Os procedimentos médicos e a forma como a atendimento em saúde é prestado, é de responsabilidade dos médicos ou do pessoal da área, sendo que, em algumas vezes, estes profissionais subestimam as necessidades emocionais e psíquicas dos pacientes. Os motivos deste distanciamento humano que ocorre entre o paciente e o médico podem ser muitos. Entretanto, de certa forma, estes profissionais alegam que existe muita dificuldade de recursos materiais, o descaso humanitário deve ser procurado no interior das pessoas que atendem a área da saúde, seja na arrogância, no simples descaso, na falta de vocação, na falta de interesse, no fato de ter tornado o atendimento médico como um comércio, na falta de sensibilidade com o paciente, dentre outros. Muitas são dificuldades enfrentadas pelos usuários da saúde, dificuldades estas que poderiam ser evitadas se prestassem um atendimento melhor, um atendimento humanizado, se preocupando de fato em solucionar o problema do paciente. Infelizmente estamos diante de um atendimento, muitas vezes mal prestado, onde encontramos dificuldades, tanto pela área médica de conseguir prestar um atendimento de qualidade, quanto ao usuário de conseguir ter acesso a um bom atendimento de saúde. Quando falamos em atendimento médico, a primeira imagem que nos vem à cabeça é que o nosso problema será solucionado. Temos que ter em mente que médicos são seres humanos e que estes não detêm o poder de cura, mas possuem meios adequados e tratamentos específicos para que o tratamento proposto seja eficiente, muitas vezes levando à cura do paciente. Por diversas vezes enfrentamos problemas no acesso à saúde, podemos dizer que a saúde está om muitas dificuldades. Até para quem possui planos de saúde, o agendamento para uma consulta de saúde demora meses, porém este prazo diminui consideravelmente quando falamos que pagaremos a consulta particular. 35 Sabemos que o profissional da área médica dedicou anos de sua vida para se especializar e prestar atendimento, porém estes profissionais devem levar em conta que existem pessoas que não possuem meios econômicos suficientes para pagar esta “diferença” na consulta e que esta demora pode acarretar na sua chance de cura. O judiciário está abarrotado de processos que estão sendo demandados por pessoas que somente almejavam um atendimento prestado com qualidade, muitas vezes, que não possuíam entendimento necessário para seu problema e que se viram lesados pela falta de atendimento ou por um atendimento prestado de forma irregular. O que temos que ter conscientização é que um serviço não deveria ter diferença na qualidade de sua prestação se for público, privado ou por planos de saúde, pois em nenhuma dessas categorias o médico está efetuando serviços de graça, nem no atendimento público, pois neste serviço, é o Estado que efetua o pagamento destes profissionais. Percebe-se que na sociedade em que vivemos necessitamos de menos “profissionais” e mais “seres humanos”, que olhem o paciente como um ser igualitário, um ser que necessita e que precisa de sua ajuda, um ser que depende deste profissional para ter ou não um futuro digno com qualidade de vida. 36 3. A FALTA DE ATENDIMENTO MÉDICO HUMANIZADO E A PERDA DE UMA CHANCE DO PACIENTE No atual cenário médico que estamos vivendo, percebemos que cada vez mais estamos sendo submetidos a atendimentos robotizados, que seguem um protocolo geral, o qual, em muitos casos deixa-se de lado aquele bom atendimento médico. Sente-se falta do médico daquele médico que sabia o seu nome, acompanhava toda a sua trajetória e que se preocupava de forma intensa com a sua situação médica. O bom atendimento médico dá lugar a números, valores. Sabemos que o atual cenário médico é conturbado e em muitos casos há a negligência por parte do profissional liberal. Está ocorrendo a falta de profissionais médicos, ou de profissionais com a devida formação humanística, acarretando diversos danos aos pacientes, sendo que em muitos casos, essas lesões se dão através da uma perda de uma chance. A falta de cuidados necessários para uma boa recuperação ou até mesmo a cura do paciente, pode ocasionar ao paciente a sua chance de cura. O dano não pode ficar sem a reparação, a vítima ou sua família não podem arcar com as consequências da conduta alheia, o que seria um afrontamento com o espírito da responsabilidade civil. Assim, neste contexto, surge a teoria da perda de uma chance, a fim de proporcionar a reparação para os pacientes que são submetidos a um atendimento/tratamento médico sem o devido respeito à dignidade da pessoa humana. O Direito busca regular estes conflitos, com o objetivo principal de não deixar a vítima desamparada, de forma de que ela mesma tenha que arcar com prejuízos advindos a uma falta de conduta ou uma conduta alheia. No momento em que uma conduta comissiva ou omissiva causa dano outrem, a existência de um vínculo entre as partes é rompida, onde há a lesão de uma pessoa, sendo que o direito a indenização é consagrado em nosso ordenamento jurídico. Nesse sentido destaca o artigo 186 do Código Civil. 37 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. O artigo 944 do mesmo dispositivo legal, ainda prevê: Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. Este artigo dispõe que os danos devem ser totalmente reparados a fim de restabelecer o equilíbrio jurídico-econômico entre o causador do dano e a vítima. O tema da responsabilidade civil passou por uma evolução no decorrer dos últimos anos. Juntamente com esta evolução verificou-se várias mudanças na forma de aplicação da Responsabilidade Civil, ocorrendo a responsabilização do profissional pela perda de uma chance sofrida pelo paciente. Quer-se que o paciente confie novamente em sua saúde com a mesma tranquilidade de antigamente. O maior problema enfrentado é que geralmente este profissional vestido de jaleco não possui tempo e condições necessárias para o aprofundar a relação com o seu paciente. Devese lutar para que este paciente não tenha mais uma chance perdida pelos erros ou negligências cometidas pelos profissionais. 3.1. Definição e natureza jurídica da teoria da perda de uma chance No momento que alguém se vê lesado ou tem a perda de uma chance como ocasionador da perda de uma vantagem futura ou evitar um prejuízo, um dano é gerado, o qual consiste na própria chance perdida, devendo ser indenizado. A perda de uma chance é a cessação da oportunidade de obter uma vantagem futura ou de evitar um prejuízo, já ocorrido ou que está por vir, que alguém sofre em consequência da ação ou omissão de outrem. Para TARTUCE (2014, p. 391) 38 A perda de uma chance está caracterizada quando a pessoa vê frustrada uma expectativa, uma oportunidade futura, que, dentro da lógica do razoável, ocorreria se as coisas seguissem o seu curso normal. O autor ainda complementa: A perda de uma chance, em verdade, consubstancia uma modalidade autônoma de indenização, passível de ser invocada nas hipóteses em que não se puder apurar a responsabilidade direta do agente pelo dano final. Nessas situações, o agente não responde pelo resultado para o qual sua conduta pode ter contribuído, mas apenas pela chance de que ele privou o paciente. A chance em si – desde que seja concreta, real, com alto grau de probabilidade de obter um benefício ou de evitar um prejuízo – é considerada um bem autônomo e perfeitamente reparável. De tal modo, é direto o nexo causal entre a conduta (o erro médico) e o dano (lesão gerada pela perda de bem jurídico autônomo: a chance). Inexistindo, portanto, afronta à regra inserida no art. 403 do CC, mostra-se aplicável a teoria da perda de uma chance aos casos em que o erro médico tenha reduzido chances concretas e reais que poderiam ter sido postas à disposição da paciente. (TARTUCE, 2014, p. 391-392) A natureza jurídica da teoria da perda de uma chance não é clara, havendo duas correntes, a primeira denominada de unitária e uma segunda denominada de mista. Pietroski traz a diferenciação de ambas as teorias, senão vejamos: Para uma das correntes unitárias, a perda de uma chance consistiria em um dano autônomo, específico e independente do dano final, para a outra, seria um abrandamento do nexo causal, resultado numa relação de causalidade parcial entre a conduta do agente e o dano final. A corrente mista, por sua vez, mescla as duas, dividindo os casos de perda de uma chance em clássicos, nos quais haveria um dano específico, e aqueles que ocorrem na seara médica, em que haveria a aplicação da causalidade parcial. (PIETROSKI, 2013, p.56) A teoria da perda de uma chance surgiu na França, na década de 60, porém no Brasil esta teoria é relativamente nova, isto porque ficam a cargo da doutrina e da jurisprudência defini-la, uma vez que o Código Civil de 2002 não a incluem no seu rol de artigos. Grande parte do tempo, principalmente aqui no Brasil, foi ignorado a possibilidade de responsabilização do dano proveniente da perda de alguém obter uma oportunidade de chances ou de evitar um prejuízo. Da mesma forma, os tribunais exigiam, para que a vítima provasse de forma inequívoca que houve realmente a perda de uma chance. É de se ressaltar que o instituto da responsabilidade civil pela perda de uma chance não encontra previsão expressa no sistema normativo brasileiro, tendo sido uma construção 39 doutrinária, advinda da construção teórica francesa, como já referido, a qual está encontrando respaldo na jurisprudência pátria, após incessantes postulações judiciais. Neste sentido, se faz necessário o amadurecimento da perda de uma chance, e o seu reconhecimento e internalização no sistema normativo pátrio, disciplinado de forma mais ampla e assim garantindo mais segurança jurídica aos operadores do direito e ao jurisdicionado. Podemos dizer que a perda de uma chance para o paciente seria a perda da chance de cura ou a perda da possibilidade de uma sobrevida. Nota-se que esta perda definitiva não pode ser concertada ou simplesmente voltada ao estado em que se originou. Porém, estamos falando em uma indenização das chances subtraídas pela conduta do réu, que é o único caminho que a vítima ou a sua família tem de ser reparada de alguma forma. Na perda de uma chance na área médica como forma de indenizar um dano que não deve ser suportado pela vítima, o magistrado pode conferir uma indenização conforme o seu grau de convencimento acerca da ocorrência do fato, pela perda de uma vantagem futura. Para Pietroski, há uma dificuldade em distinguir se houve ou não o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado. Por outro lado, nos danos de perda de chance que ocorrem na área médica (perda de chance de cura ou de sobrevivência), o resultado final já se concretizou, é conhecido. A dúvida, então, paira sobre a existência ou não de nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado final. Logo, a causalidade parcial é admitida nessas ocasiões a fim de não deixar a vítima ou seus familiares totalmente desamparados. (PIETROSKI, 2013, p. 59) Podemos citar o exemplo de um advogado que perde o prazo para interpor um recurso, ou até mesmo de contestar uma ação, nesse caso ocorre a interrupção de um processo futuro que poderia trazer um benefício para o cliente. Diferentemente do dano causado pela seara médica, o dano causado pelo advogado consiste em uma perda de uma chance material, o que se enquadra como um dano autônomo, facilmente passível de reparação. Referente a responsabilização do advogado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entende: Ementa: RECURSO INOMINADO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. RESTITUIÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, EM RAZÃO DA PERDA DE PRAZO. INTERPOSIÇÃO INTEMPESTIVA 40 DE RECURSO DE APELAÇÃO NA AÇÃO CRIMINAL. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. A GARANTIA DE RESULTADO DO SERVIÇO CONTRATADO NÃO É OBJETO DA AÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA DA CONTRATAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DO RÉU POR FASES PROCESSUAIS. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE APONTA A EXISTÊNCIA DE NEGLIGÊNCIA DO RÉU. CONTRAPEDIDO DESPROVIDO DE PROVA. IMPROCEDÊNCIA DO CONTRAPEDIDO. PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DO AUTOR. O autor postula indenização por danos materiais (R$2.000,00), aduzindo que o réu, na condição de seu advogado, perdeu o prazo para interposição de recurso de Apelação na ação criminal, prejudicando-o. Prova contundente que aponta negligência do réu ao interpor recurso de apelação aos dois réus do processo criminal e o do autor fora do prazo legal. Contudo, demonstrado que o réu realizou seu trabalho no 1º Grau, o trabalho deve ser remunerado. Por equidade, deverá o réu ressarcir o autor em metade do valor pago, ou seja, R$1.000,00, ante a falta de contrato escrito e outros elementos de prova. Na audiência de instrução (fl. 25) o réu apresentou contestação e contrapedido, objetivando pagamento de honorários advocatícios em relação à peça recursal. Improcede a pretensão, na medida em que não há qualquer elemento de prova quanto à contratação dos serviços por fases processuais. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. ( RIO GRANDE DO SUL, 2015). Neste sentido, podemos dizer que a perda de uma chance trata-se de uma situação real, de que a não realização de determinado ato ou a sua má aplicação acarretaram a impossibilidade do paciente obter uma vantagem ou até mesmo evitar um prejuízo. Pode-se dizer que havia uma chance real, e que esta foi subtraída pelo profissional médico. 3.2. As principais causas da perda de uma chance do paciente e as consequências que a falta de tratamento humanizado podem trazer ao paciente e à sua família Percebe-se que no atual cenário médico enfrentado, depara-se muitas vezes com profissionais sem a devida formação humanística. As principais causas da perda de uma chance do paciente pode se dar pelo modo do atuar médico, o modo como ele enfrenta o paciente e como ele o vê. Existem muitos profissionais que se preocupam com o paciente e procuram entender seu quadro clínico, porém há muitos profissionais que se quer sabem ou procuram entender o que está havendo com o paciente. São esses os médicos que na maioria das vezes, fazem com que o paciente venha a sofrer um dano caracterizado como a perda de uma chance. 41 Constata-se que cada vez mais está aumentando os diagnósticos errados, e por consequência, quase em sua totalidade, a manifestação de resultados negativos ou prejudiciais para o paciente. Tais resultados poderiam ser minorados se o ato do médico fosse realizado com a devida prudência. Nesse sentido Rafael Peteffi da Silva (2013, p.104) argumenta: Em todos os casos típicos de responsabilidade pela perda de uma chance existe um prejuízo sofrido pela vítima bastante fácil de identificar: a perda da vantagem esperada pela vítima, também denominada de dano final. Esse dano final pode ser a perda do processo judicial, para o litigante; a perda da vida, para o paciente; ou a perda do concurso vestibular, para o estudante. Entretanto, a perda definitiva da vantagem esperada não pode ser indenizada, tendo em vista que a conduta do réu, nos casos de perda de uma chance, nunca se caracteriza como uma condição sine qua non. Ocorre também, a omissão do profissional, ou pela falta de observar o dever de agir ou até por não tomar as devidas precauções. Pode-se citar os casos em que profissionais da área médica que esquecem objetos, após o procedimento cirúrgico, no corpo do paciente. Um ato como este pode agravar ainda mais os ferimentos e até mesmo fazer com que o paciente tenha a perda de uma chance. A perda de uma chance gerada ao paciente pode se dar através de negligência, imprudência ou imperícia do profissional médico. Na negligência podemos citar que o profissional foi desatento, descuidado, ou seja, falta de diligência ou de precaução com os procedimentos realizados. Quando o profissional comete ato negligente, por consequência, surgem resultados negativos e prejudiciais para o paciente. Tais resultados não iriam ocorrer se os atos praticados pelo profissional fossem executados com a devida prudência. Nesse sentido, destaca-se: Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ATENDIMENTO MÉDICO PELO SUS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ARTIGO 37, §6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGAÇÃO DE ATENDIMENTO DEFEITUOSO. DESÍDIA E NEGLIGÊNCIA COMPROVADAS. PROCEDIMENTO NÃO REALIZADO, EMBORA O AUTOR TENHA SE SUBMETIDO AO ATO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. 1. O caso diz com pedido de indenização por danos morais e materiais, decorrentes de falha no atendimento médico. O autor se submeteu a duas cirurgias. A primeira para reconstrução do ligamento do joelho, e a segunda para retirada de fios de Kirchner (fios colocados no joelho para fixar novo ligamento). Contudo, decorrido certo tempo, descobriu que o segundo procedimento não foi realizado, embora tenha se submetido ao ato cirúrgico. 2. A responsabilidade do estabelecimento hospitalar, mesmo 42 sendo objetiva, é vinculada à comprovação da culpa do médico ou da equipe de atendimento, sob pena da não caracterização da figura jurídica do erro indenizável. Ainda, no presente caso tem-se a aplicação do disposto no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 3. Não só a prova pericial foi conclusiva no sentido de que o procedimento não foi realizado pelo nosocômio, mesmo tendo o autor se submetido ao ato cirúrgico e anotado em prontuário médico, como também o próprio hospital demandado confirma a não realização do procedimento, ainda que atribua a culpa ao médico responsável pelo atendimento. Obrigação indenizatória caracterizada. 4. Mantido o julgamento de procedência da pretensão indenizatória. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. (RIO GRANDE DO SUL, 2015) Esta omissão por parte do profissional se dá pela não observância do dever de agir que compete a somente ele realizar, sendo necessárias as devidas precauções para que fosse evitado qualquer espécie de dano à saúde psicofísica do paciente. A imprudência está configurada pela falta de atenção, quando um ato omissivo resulta em uma ação. Caracteriza-se quando o médico apesar de ter conhecimento dos riscos e ser conhecedor da ciência que pratica, opta por agir precipitadamente e, por consequência vem a causar danos em seu paciente. Como exemplo de imprudência, podemos citar a seguinte jurisprudência: Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO HOSPITAL. PROCEDIMENTO DE RETIRADA DE ANEL. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. QUEIMADURA. DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. Responsabilidade Civil dos Hospitais e dos Médicos. Os médicos enquanto pessoas físicas prestadoras de serviços assumem obrigação de meio, com raras exceções como, por exemplo, a das intervenções estéticas embelezadoras e serviços radiológicos. Tanto a legislação substantiva civil e o Código de Defesa do Consumidor, em seu § 4º do art. 14, estabelecem que a responsabilidade do médico é subjetiva, pressupondo-se, portanto, a comprovação de culpa para o resultado danoso em uma de suas formas: negligência, imprudência ou imperícia. As instituições hospitalares, quando demandadas em virtude de seus serviços, assumem responsabilidade objetiva por força do art. 14 do CDC, motivo pelo qual basta a comprovação de nexo de causalidade entre a conduta e o dano, de modo que só afastada em havendo demonstração da ocorrência de alguma excludente legal (art. 14, § 3º, do CDC). Por outro lado, quando demandadas em razão de erro médico propriamente dito, as instituições assumem responsabilidade subjetiva. Precedente do STJ. Danos decorrentes do serviço hospitalar. Caso em que a parte autora busca a responsabilização do Hospital demandado alegando que adotou o procedimento incorreto para a retirada de anel que restou preso ao seu dedo em virtude de acidente doméstico. Cotejo probatório que demonstra defeito na prestação do serviço que resultou em sofrimento grave e absolutamente desnecessário, inclusive com queimaduras que levaram tempo para cicatrizarem e com necessidade de utilização de antibiótico. Reconhecida responsabilidade do Hospital. Quantum indenizatório. Danos materiais. 43 Apenas comprovada a existência de danos materiais decorrentes de gasto com remédio (R$ 75,28). Autora que percebeu benefício previdenciário e que deixou de fazer prova do alegado prejuízo em virtude da impossibilidade de fazer faxinas fora do horário do trabalho. Danos morais. Fixados em R$ 5.000,00, considerando-se a dor no momento do procedimento e após até a cura definitiva, a gravidade dos fatos, a capacidade financeira do réu, bem como as consequências advindas da má prestação de serviço. Danos estéticos. Arbitrados no valor de R$ 3.000,00, ponderando-se que a autora restou com pequenas cicatrizes no dedo de gravidade de monta não significativa. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (RIO GRANDE DO SUL, 2015) A imperícia pode ser definida como sendo a falta de conhecimento que se faz preponderante no atuar do profissional em razão do procedimento que deverá ser adotado. É através da imperícia que se configura a inexperiência e a falta de habilidade que o médico deveria possuir para que executasse com precisão o procedimento proposto para a melhora do paciente. Sobre o tema destaca NIGRE (2008,p.18): Em primeira instância, não se pode olvidar que a responsabilidade civil médica no direito pátrio é subjetiva. Tratando-se de responsabilidade subjetiva, o esculápio será acusado do dever de indenizar quando demonstrar inexistência de culpa ou afastamento do nexo de causalidade; na responsabilidade objetiva, por abstrair-se a culpa, será o médico afastado da obrigação de indenizar ao provar o afastamento do nexo de causalidade; através da prova de culpa exclusiva da vítima, impede o nexo causal desaparecendo a relação de causa e efeito entre o dano e o seu causador, caso fortuito (fato imprevisível e inevitável), utilizando-se o standard do médico diligente e força maior (fato que não se pode resistir, é previsível porém inevitável). Referente a imperícia, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul traz em seu entendimento: Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FALHA DE DIAGNÓSTICO. INEXISTENCIA DE EXAME CONCLUSIVO. IMUNOTERAPIA DESNECESSÁRIA. LESÕES. HIV NEGATIVO DESCOBERTO APÓS SEIS ANOS. PROVA PERICIAL QUE APONTA NEXO CAUSAL. IMPERÍCIA. DANO MORAL CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR. DA PRESCRIÇÃO. O prazo prescricional deve ter como marco inicial a data em que a autora tomou conhecimento do erro de diagnóstico, 31.01.2005, quando foi descoberto que a autora não era portadora do vírus HIV, ainda que o diagnóstico errôneo tenha sido apresentado nove anos antes. Prescrição afastada. DO AGRAVO RETIDO. Desnecessidade de renovação de prova pericial, pois o expert realizou entrevista com a autora e respondeu aos quesitos de acordo com a analise dos documentos juntados aos autos. DO DEVER DE INDENIZAR. Falha na prestação do serviço médico em razão de erro de diagnóstico e aplicação de tratamento de imunoterapia em pesquisa do médico réu, que submeteu a autora a seguidas lesões cutâneas 44 desnecessárias em razão do posterior diagnóstico de HIV negativo. Inexistência de exame conclusivo, western blot, que na época dos fatos (1996) já estava disponível à rede pública. Imperícia configurada. Responsabilidade objetiva do hospital por omissão e pela falha do serviço. DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. A indenização deve obedecer aos critérios de razoabilidade, atingindo sua função reparatória e punitiva. Quantum mantido em R$ 30.000,00, considerando a época dos fatos (1996) e os consectários incidentes, que se mostra adequado em virtude da atualização dos valores e o efetivo valor de pagamento, guardando proporcionalidade com o dano causado, de grave conseqüência. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. A Correção monetária pelo IGP-M incide desta a data da sentença (Súmula 362 do STJ) e os juros de mora desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ). SUCUMBÊNCIA. Mantida. PRELIMINAR AFASTADA. AGRAVO RETIDO, APELAÇÕES E RECURSO ADESIVO DESPROVIDOS. (RIO GRANDE DO SUL, 2015) Pode-se afirmar que uma das grandes causas de ocorrer a perda de uma chance do paciente é o erro de diagnóstico, momento delicado que não se pode perdoar, podendo ser fatal. Não pode-se deixar de destacar que a natureza da ciência médica é incerta e, na grande maioria das vezes, baseada em suposições. O médico tem o dever de utilizar-se de todos os recursos que se encontrem à sua disposição para tentar aproximar-se, de certa forma, o mais próximo possível de uma certeza ao tratamento mais adequado a ser proposto ao paciente, observando sempre o estágio que este paciente se encontra. As consequências decorrentes de tratamentos equivocados são imensas, inclusive pela má interpretação de exames de imagens e laboratoriais. Assim sendo: Ao médico que é levado a efetuar um tratamento ou procedimento equivocado em razão de resultado de exame laboratorial ou radiológico não deverá ser imputada a responsabilidade, a que título for, por casual resultado danoso ao paciente, máxime quando a sintomatologia e as informações prestadas pelo paciente levarem a presunções verossímeis sobre o seu estado mórbido. (NIGRE, 2008, p. 20). No entanto haverá a responsabilidade do médico se durante o tratamento se mostrar que não houve melhora do paciente e houver indicações de que este não é o caminho mais plausível, e, mesmo assim o profissional insistir em aceitar os resultados sem ao menos questioná-los quanto a possibilidade de equívoco, ao invés de prescrever novos exames e buscar novos tratamentos. 45 Outra causa que tem gerado a perda de uma chance é a falta de consentimento esclarecido nas relações entre médicos e pacientes, quando em um número significativo dos casos, o paciente ou sua família se quer compreendem o que está sendo feito e qual o tratamento proposto. Neste sentido destaca-se: O médico tem o dever legal de esclarecer, por meio de linguagem clara e adequada, no nível intelectual e cultural do paciente, o seguinte: (a) diagnóstico; (b) prognóstico; (c) método que será utilizado no tratamento; (d) procedimento que será realizado; (e)risco cirúrgico e pós-cirúrgico; (f) contraindicações; (g) recomendações de comportamento nos períodos anterior e posterior ao tratamento ou à intervenção cirúrgica; (h) consequências para a saúde em razão da recusa do tratamento ou da intervenção cirúrgica; (i)alternativas terapêuticas; (j) benefícios do procedimento a curto, médio e longo prazos; (k) disposição do médico para ampliar as informações que o paciente deseja e para esclarecer todas as dúvidas relacionadas ao tratamento ou à intervenção cirúrgica; (l) custo do tratamento ou da intervenção cirúrgica; e (m) esclarecimento sobre a possibilidade e o direito do paciente em reconsiderar, a qualquer momento, a decisão tomada. (NIGRE, 2008, p. 22) Se todas estas informações fossem prestadas ao paciente de forma clara, dificilmente ele teria algum dano ou prejuízo pela falta de informação, evitando, desta forma, a responsabilização civil médica pela falta de informação, informação inadequada ou da ofensa direta ao consentimento. Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. INTERVENÇÃO PARA TRATAMENTO DE POLIPOSE NASAL E DESVIO DE SEPTO. PERFURAÇÃO DA BASE DO CRÂNIO. ERRO MÉDICO POR AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO DO DEVER DE INFORMAÇÃO. INDENIZAÇÃO. 1. Caso em que o autor sofreu perfuração da base do crânio ao submeter-se à cirurgia para tratar polipose nasal e desvio de septo. 2. O plano de saúde não responde por erro atribuído a profissional liberal credenciado, pois não interfere na escolha do médico pelo segurado, tampouco em relação ao procedimento adotado pelo clínico. Inexistência de relação de subordinação ou vínculo empregatício entre o plano de saúde e o médico. 3. "A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnicoprofissional dos médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou seja, dependente da comprovação de culpa dos prepostos" - lição da jurisprudência do STJ. 4. Prova pericial que aponta inexistir culpa do profissional médico quando da intervenção realizada. Laudo que afastou a negligência como causa à perfuração da base do crânio do paciente. Evento que, embora raro, é citado pela literatura médica como fato de possível ocorrência. Erro médico não evidenciado. 5. Dano moral ocorrente. Ofensa ao dever de informação, ante a falta de aviso ao paciente das possíveis complicações decorrentes da intervenção cirúrgica. Consentimento informado que não foi observado, impossibilitando ao consumidor, ciente dos riscos e através da autonomia da vontade, optar ou não pela realização da cirurgia. Responsabilidade civil do médico reconhecida. 6. "É fora de qualquer dúvida que o médico incorre em responsabilidade, no caso 46 de o tratamento vir a ser ministrado sem o consentimento livre e esclarecido do doente. Pode-se afirmar que o consentimento é um pré-requisito essencial de todo tratamento ou intervenção médica" - lição doutrinária. 7. Prejuízo estético não evidenciado. Cicatriz em região abdominal, discreta, que não é suficiente a causar qualquer constrangimento à parte. Precedentes desta Corte. 8. Ausente sistema tarifado, a fixação do quantum indenizatório ao dano extrapatrimonial está adstrita ao prudente arbítrio do juiz. 9. Afastamento do dano estético, estabelecido conjuntamente com o dano moral, que impõe a diminuição do montante indenizatório. Redução para R$ 40.000,00 (quarenta mil reais). 10. Despesas específicas com medicamentos impugnadas na contestação. Falta de insurgência em réplica ou prova do nexo de causalidade entre o fato descrito na inicial e o uso das substâncias objetadas pelo réu. Parcela indenizatória material parcialmente afastada. 11. Necessidade de tratamento do quadro epilético. Manutenção da sentença. Prova pericial que aponta ser a lesão consequência da intervenção clínica realizada pelo demandado. 12. Ônus de sucumbência. Readequação. APELAÇÃO DO AUTOR DESPROVIDA. PROVIDO EM PARTE O RECURSO DO RÉU. (RIO GRANDE DO SUL, 2014) Constata-se que profissionais médicos vêm sendo processados, por terem agido com culpa ou por terem tratado de forma indiferente seus pacientes, sem prestar-lhes as informações devidas. O paciente procura além de um tratamento eficaz, um profissional que seja atencioso com quem possa dividir seus medos e seus anseios. Apesar da falta de tempo nos dias de hoje, o médico deve procurar conhecer melhor seu paciente, deve estar atento a sua fragilidade durante a consulta, durante o tratamento e no período pós operatório. O médico deve ter presente que o paciente é um ser humano com medo, frágil e que está sofrendo, e este profissional deve tratá-lo com respeito, pois em alguns casos a atenção se torna um dos melhores remédios para que se possa alcançar o caminho da cura. Cabe ao médico resgatar o respeito e a admiração do seu paciente, respeitando a dignidade do paciente em razão de sua fragilidade, informando-o de tudo que for necessário e, principalmente colocando-se contra a má prática do exercício da profissão. Seriam evitadas muitas dificuldades aos pacientes, se os profissionais os compreendessem, acolhessem, os considerassem e respeitassem suas opiniões, queixas e necessidades. Isto é o oposto do que tem-se feitos em alguns serviços de saúde, nos quais os usuários são, basicamente, impedidos de expor suas opiniões, manifestar suas vontades e participar dos procedimentos necessários para a sua própria melhora. 47 O atendimento médico necessita ser humanizado em sua integralidade, realizando todos os cuidados necessários para o bom desempenho do paciente. Humanizar também é investir em melhorias nas condições estruturais dos profissionais da área da saúde, é obter benefícios para a saúde e qualidade de vida para os usuários, da comunidade e dos próprios profissionais médicos. É necessário humanização e investimento no bem-estar deste paciente, pois este paciente não é um objeto e sim um ser humano com sentimentos e dor. A humanização no atendimento médico deveria ser um dos programas prioritários do Ministério da Saúde. Atualmente fala-se muito na humanização do atendimento médico, mas nada é feito para ser colocado em prática, e, com isto quem vem sofrendo impactos é o paciente e sua família, que se veem desamparados diante de uma classe tão impositiva e autoritária como a classe médica. A falta de tratamento humanizado pode trazer muitas consequências para o paciente e sua família, consequências estas que podem ser até a sua chance de cura e a maior estimativa de vida do paciente. O que os pacientes e suas famílias buscam é alguém em quem possam confiar e entregar o seu bem maior que é a vida. Estes pacientes buscam um profissional com conhecimento, qualidade técnica e, uma boa qualidade de inter-relação-humana. O médico precisa reconhecer e lidar com os aspectos emocionais do paciente, desenvolvendo atitudes eficazes e humanas em sua tarefa que também pode-se dizer que deve ser assistencial. A falta de atendimento humanizado traz consequências desastrosas. Podemos dizer que o atual cenário, é considerado um dos piores que este país já vivenciou no que diz respeito a saúde. A falta de um tratamento qualificado, de um atendimento humanizado geram consequências, e estas consequências geralmente irreversíveis para a vida do paciente. Não podemos assistir a esta vergonhosa situação e ficarmos inertes, esta diferenciação de uma medicina que deveria ser igual, fragmentada, uma para pobres e outra para quem tem 48 condições financeiras. Devemos lutar por uma assistência médica de qualidade e universal, mas do que uma vontade é um direito de todos. 3.3. Da necessidade de se manter um mesmo padrão de atendimento independentemente do tipo de consulta ser privada(particular), rede pública ou planos de saúde O atendimento médico é indispensável para que todo cidadão tenha um acompanhamento adequado com um profissional qualificado para ver suprida sua necessidade enfrentada naquele momento. Todas as pessoas, em algum momento, já passaram por um atendimento médico, seja no dia de seu nascimento ou no decorrer de sua vida, boa parte das queixas existentes dizem respeito a falta de prestação de um atendimento de qualidade. O médico deve atuar de uma forma que priorize o respeito, a moral, a lei. Neste sentido destaca Nigre (2008, pg. 33) A finalidade primordial da profilaxia do erro é desenvolver no médico uma forma de atuar, que priorize o respeito à moral, ética e à lei, de forma direta ou indireta, relacionados ao seu mister, de tal maneira que não deixe qualquer espécie de margem a que o profissional relacionado à área da saúde possa vir a ser responsabilizado ética, civil ou penalmente em razão do exercício da profissão. Por diversas vezes, nos deparamos com notícias referentes a capitalização de dinheiro que virou a medicina, médicos que trabalham pelo SUS-Sistema único de Saúde, cobrando indevidamente pacientes para ter o serviço prestado. Este não é um problema enfrentado apenas pelos usuários do sistema único de saúde, mas também pelos usuários dos planos de saúde. Além destes pacientes efetuarem pagamentos com valores altos todo mês, referentes a mensalidade do plano, quando se veem necessitados de uma consulta ou procedimento médico, se deparam com “taxas” necessárias para que a consulta ou o atendimento seja prestado. 49 Antigamente, quando se falava em plano se saúde, automaticamente se falava em tranquilidade, o que não é mais vivenciado hoje. As dificuldades para marcação de consultas, realização de exames e de outros procedimentos médicos se tornaram uma constante. Infelizmente quando constata-se um problema de saúde, procuramos um profissional especializado na área o quanto antes, o problema é o tempo enfrentado para ter este atendimento prestado, que na maioria dos casos, é de semanas. Ao ser indagado pela demora na marcação da consulta, geralmente a secretária informa que se é urgente, então que seja procurado uma unidade de Pronto Atendimento, porém, ao chegar nesta unidade o médico plantonista geralmente não é especialista no problema apresentado e pede para procurar um profissional especializado na área. Muitos serviços, inclusive, só se realizam quando efetuada “taxa extra” junto ao médico, prática que é ilegal e, se constatada, pode resultar na exclusão do credenciado no plano de saúde, ou nos casos de atendimento pelo Sistema único de Saúde, pode acarretar a cassação do registro profissional Aceitar este tipo de situação é, muitas vezes, a única saída para a cura de doenças que põem em risco a vida dos pacientes. Por mais altos que sejam os valões cobrados pelos atendimento e procedimentos, os pacientes se veem sem saída no momento em que são informadas pelos médicos sobre este “custo extra”. Alguns dos problemas enfrentados pelos profissionais estão relacionados porque, na saúde pública as filas são intermináveis, falta de equipamentos etc. Na rede privada, os planos de saúde efetuam baixa remuneração e a grande quantidade de descredenciamento da rede conveniada que frequentemente engessam o médico nas suas atividades. O principal problema é a falta de responsabilização de alguns profissionais, sendo que o paciente tem que ter elementos de provas, conforme destaca o artigo 14 do Código de defesa do Consumidor, os profissionais liberais respondem de forma subjetiva e não objetiva, mas sendo possível a inversão do ônus da prova: 50 Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Temos que ter em mente que o médico é o mesmo e o paciente também, independentemente do tipo de atendimento ser particular, rede pública ou planos de saúde, por isto, a necessidade de se manter um mesmo padrão do atendimento médico independentemente do tipo de consulta. Este é outro problema enfrentado pelos pacientes, pois a qualidade do atendimento a ser prestado varia de acordo com cada profissional, e o tempo que aquele profissional dispõe para prestar o atendimento. Referente a este entendimento, destaca NIGRE (2008, p. 33). Em primeira instância, deve o médico manter bom relacionamento com seu paciente, estreitando, na medida do possível, uma relação de confiança e credibilidade mútua, inclusive com seus familiares. A primeira consulta deve ser realizada de forma que o esculápio obtenha o maior número de informações clínicas a respeito do paciente, tentando observá-lo como um todo (parte física e psíquica). Na maioria dos atendimentos, principalmente nos públicos, entre o bom dia e até logo, passam-se apenas alguns minutos. Tem-se tempo apenas para falar dos sintomas mais aparentes. É evidente que neste tempo o médico não teve tempo suficiente para avaliar com a devida atenção o problema do paciente. Infelizmente, não há uma regulamentação que impõe o tempo mínimo que uma consulta deve ter. Na rede pública o problema é ainda maior, aonde profissionais médicos são submetidos a vários atendimentos sucessivos, o que acaba deixando o profissional totalmente sobrecarregado. Com o passar do tempo, começam a surgir os danos causados pelas consultas rápidas. E, percebe-se que uma boa consulta também envolve a coleta do histórico do paciente, exames clínicos e radiológicos completos e se necessário, orientações terapêuticas baseadas em pelo menos mais de uma hipótese de resultado. Nesse sentido dispõe NIGRE (2008, p.34) 51 Deve o próprio esculápio, ou um profissional de seu corpo clínico, realizar anamnese detalhada e específica do paciente para cada especialidade médica, evitando os formulários genéricos que muitas vezes são preenchidos por recepcionistas, requerendo ao final que o paciente confira as respostas dadas e firme o formulário. Deve-se manter o mesmo padrão do atendimento médico, pois o paciente não pode arcar com as consequências de um atendimento mal prestado ou mal executado, estamos falando aqui de um bem supremo, o bem da vida, direito fundamental de todo ser humano. 52 CONCLUSÃO Vivemos em um tempo em que há um grande avanço tecnológico e que, devido a este avanço, deixa-se para trás aquelas concepções de humanização, quais sejam: preocupação, cuidados, dedicação, entre outros. Como na vida particular, este distanciamento ocorre também na esfera profissional e também em consultórios, clínicas e hospitais. Com mais frequência, médicos e pacientes passam a dar lugar a números, diagnósticos e exames se tornarem códigos, e a comunicação perde a sua essência fundamental. Cabe ao profissional resgatar o respeito e a admiração do paciente, exercendo sua profissão com zelo e profissionalismo, respeitando a dignidade do paciente em razão da sua fragilidade, prestando todas as informações necessárias para que o paciente tenha a total compreensão do seu quadro clínico e do tratamento proposto. A obrigação do médico via de regra é de meio, obrigação esta contratual, pelo fato do seu atuar estar diretamente relacionado ao seu empenho no tratamento do paciente. O profissional deve disponibilizar todos os meios científicos e seus próprios conhecimentos no tratamento proposto, com a função principal de reestabelecer a saúde do enfermo. Assim funciona pois quando há a contratação do médico, este não se obriga a curar ou salvar o paciente, porque isto não depende dele, são muitos os fatores que influenciam nesta cura, fatores relacionados com genética, imunológicos, os cuidados que o próprio paciente tem após o tratamento proposto, o cuidado do médico antes, durante e após o tratamento. 53 Desta forma, o profissional somente será responsabilizado quando, culposamente, não age de forma diligente, o qual deveria ser prestado. Desta forma, deve indenizar aquele que, submetido a tratamento médico, venha, por causa deste e por culpa do médico, sofrer um prejuízo, seja este de ordem econômica ou não. Assim, em face de toda argumentação, se destaca a necessidade de se falar de humanização no atendimento médico, pois no atual cenário se vê que houve a evolução científica e tecnológica dos serviços de saúde, mas não houve este avanço no atendimento prestado. Percebe-se que, em muitos hospitais, o diagnóstico e os procedimentos de tratamento se dá de forma muito rápida, sucinta, que se quer foi investigado, e sim dado um tratamento ao qual se ajustasse mais próximo ao problema apresentado. Percebe-se a falta de médicos com a devida formação humanística, ocorrendo uma série de danos aos pacientes, sendo que em muitos casos, essas lesões se dão através de uma perda de uma chance. A falta de cuidados necessários para uma boa recuperação ou até mesmo a cura do paciente, pode possibilitar ao paciente a sua chance de cura. Portanto, o dano não pode ficar sem a reparação, a vítima ou a sua família não podem arcar com as consequências da conduta alheia, o que seria um afrontamento com o espírito da responsabilidade civil. Com o presente trabalho pode-se perceber que há a falta de humanização no atendimento médico e com ela vem as consequências que um atendimento mal prestado pode ocasionar, surgindo a teoria da perda de uma chance, a fim de proporcionar a reparação para os pacientes que são submetidos a um atendimento/tratamento médico sem o devido respeito à dignidade da pessoa humana. Destaca-se que houve dificuldade para encontrar materiais para elaboração do trabalho, utilizando na sua maioria pesquisa doutrinária, sendo que o próprio tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não traz a humanização do atendimento médico como responsabilização do profissional. A perda de uma chance de cura ou de sobrevida do paciente se dá, no mais das vezes, por negligência, imprudência ou imperícia do profissional médico. Sendo que o profissional 54 médico tem o dever de utilizar-se de todos os recursos que se encontram à sua disposição para tentar aproximar-se de certa forma, o mais próximo possível de uma certeza ao tratamento proposto ao paciente, observando sempre o estágio que este paciente se encontra. Por fim, pela medicina ser uma das atividades mais sublimes praticadas pelo homem, tendo em vista que a vida é nosso bem maior, o médico tem o dever de exercer suas atividades com sinceridade, responsabilidade, propósitos e acima de tudo com o devido respeito humano. . 55 REFERÊNCIAS BRASIL. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 04 Mai 2015. ______. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 12 Mai 2015. ______ Código de ética médica. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2009/1931_2009.pdf>. Acesso em 11 out. 2015 ______. 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