Relação entre financiamento imobiliário obtido pela Incorporadora, a hipoteca do imóvel e o seu adquirente. A maioria dos empreendimentos imobiliários conta com financiamento para a construção obtido pela incorporadora imobiliária junto a alguma instituição financeira. São recursos oriundos dos depósitos das cadernetas de poupança (SBPE – sistema brasileiro de poupança e empréstimo), do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e outras linhas específicas de financiamento (como por exemplo, o Programa Minha Casa Minha Vida). Nesses casos, os empreendedores imobiliários buscam os recursos junto às instituições de crédito que, após avaliarem o produto que se pretende levar a efeito e o cadastro do empreendedor (incorporador imobiliário), contrata o financiamento dos recursos destinados para a construção e, na medida em que as obras são realizadas e devidamente medidas pela instituição financeira, os recursos são liberados. O valor liberado pela instituição financeira deverá ser quitado pelo incorporador imobiliário dentro do prazo ajustado no respectivo contrato (usualmente, seis meses após a conclusão das obras e respectiva averbação do “habite-se” junto ao registro de imóveis). A título de garantia, a instituição financeira exige, dentre outras, que o incorporador imobiliário hipoteque o imóvel sobre o qual está sendo levado a efeito o empreendimento para que, no caso de não pagamento do valor financiado, possa a instituição financeira, ao executar o valor vencido e não pago, levar o imóvel e suas acessões e benfeitorias a leilão e assim, arrecadar os recursos suficientes para quitar o seu crédito. Ocorre que a inadimplência do incorporador imobiliário em face da instituição financeira chegou a provocar situações de clara injustiça, reparada pela edição da Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Vejamos de qual situação estamos tratando. Firmado o contrato de financiamento entre incorporador imobiliário e a instituição financeira, os recursos são devidamente liberados e a obra executada. Nesse período, o adquirente do imóvel inicia seus pagamentos e, ao final do prazo da construção, quita o saldo do preço. Ou seja, unidade concluída pela incorporadora e o preço devidamente quitado pelo adquirente. Considerando que o imóvel havia sido dado em hipoteca a favor da instituição financeira, cabe ao incorporador quitar a quota parte do financiamento relativo à unidade autônoma cujo preço foi quitado pelo seu adquirente, de modo a que possa obter da instituição financeira, o respectivo termo de liberação da hipoteca e assim, não pesar sobre a unidade, qualquer ônus ou gravame. Supondo entretanto, que a incorporadora não pague a sua dívida junto à instituição financeira, caberá à instituição financeira iniciar a execução do seu crédito e portanto, executar a hipoteca que garante a dívida vencida e não paga. E como sabemos, executar a hipoteca significa levar o imóvel hipotecado a leilão para que com os recursos advindos dessa venda, seja liquidada a dívida objeto da execução. Mas essa situação provoca um evidente cenário de injustiça ao adquirente que tenha quitado a sua unidade pois estaria ele sujeito a perder o imóvel adquirido, por conta de uma dívida que não é sua (comprador), mas sim, do incorporador imobiliário. Para que esta situação de evidente injustiça não mais atingisse vários adquirentes de imóveis, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula 308 que adiante transcrevemos: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração do contrato de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. Nesse caso, mesmo que o incorporador imobiliário não cumpra com suas obrigações junto à instituição financeira e, ainda que o imóvel tenha sido dado em hipoteca a favor da instituição financeira, essa hipoteca é ineficaz em relação ao adquirente do imóvel, resguardando a este, o direito de receber o imóvel, quando da sua quitação, livre e desembaraçado de quaisquer ônus. Marcelo Manhães de Almeida, advogado, presidente da comissão de direito urbanístico da OABSP, vice-presidente da Mesa de Debates de Direito Imobiliário, membro do CONPRESP e professor da ESA-OABSP.