42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de 2015 - Curitiba - PR 1 CURATIVO BIOCOMPATÍVEL COM GELATINA COMESTÍVEL PARA PREENCHIMENTO DE CAVIDADE ANOFTÁLMICA APÓS EXENTERAÇÃO DE BULBO OCULAR EM UM PUMA (Puma concolor) – RELATO DE CASO BIOCOMPATIBLE DRESSING WITH EDIBLE GELATIN TO FILL ANOPHTALMIC CAVITY AFTER EYE EXENTERATION ON A MALE PUMA (Puma concolor) – CASE REPORT FÁBIO LUIZ GAMA GÓES1, MARCELO ROCHA CARNEIRO2, EVANDRA MARIA VOLTARELLI-PACHALY3, FABIANO MONTIANIFERREIRA4, JOSÉ RICARDO PACHALY5 1 Parque Ecológico, Gerência de Suportes e Serviços, Klabin S/A; 2 Doutorando do PPG em Animais Selvagens – UNESP/Botucatu; 3 ESPECIALVET; 4 Professor do PPG em Ciências Veterinárias – UFPR; 5 Professor do PPG em Ciência Animal – UNIPAR. RESUMO: Este artigo relata o uso bem sucedido de gelatina comestível embebida em gentamicina como curativo biocompatível para preencher a cavidade anoftálmica, após exenteração de bulbo ocular em um macho adulto de puma (Puma concolor) de vida livre. PALAVRAS-CHAVE: oftalmologia, cirurgia, animais selvagens. ABSTRACT: This paper reports the use of edible gelatin soaked with gentamicin as a biocompatible dressing to fill the anophthalmic cavity, after eye bulb exenteration on a male free ranging puma (Puma concolor). KEYWORDS: ophthalmology, surgery, wild animals. INTRODUÇÃO: Os procedimentos cirúrgicos em animais selvagens de médio e grande porte representam um grande desafio na rotina do 0666 42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de 2015 - Curitiba - PR 2 médico veterinário, devido à ausência de condicionamento na maioria dos indivíduos cativos e em praticamente todos os animais de vida livre. Isso significa que ao menor contato humano os animais apresentam inevitáveis reações de estresse com prejuízos à homeostase. Processos de automutilação podem interferir na cicatrização de feridas cirúrgicas, e PACHALY et al. (2000, 2001, 2005) indicam o uso de fármacos neurolépticos como moduladores comportamentais nessas situações. A remoção cirúrgica do bulbo ocular altera a anatomia e a fisiologia da órbita, levando a deformidades em consequência da perda de volume, com mobilização dos tecidos da cavidade orbitária (NARIKAWA et al., 2011). PACHALY e VOLTARELLI-PACHALY (2014) mencionam o emprego de gelatina comestível sem sabor associada à gentamicina para preenchimento de cavidades alveolares em procedimentos de exodontia realizados em várias espécies de animais selvagens. RELATO DE CASO: Um puma (Puma concolor) macho adulto proveniente da natureza, com massa corporal de 41,0 Kg, foi avaliado clinicamente, com diagnóstico de atrofia do olho esquerdo e indicação de cirurgia de exenteração do bulbo ocular afetado. Para o procedimento cirúrgico, o animal foi contido farmacologicamente pela associação de zolazepam + tiletamina (Zoletil-100®, detomidina (Dormiun-V®), haloperidol (Haldol® 0,5%) e atropina 1%. Para preparo da combinação adiciona-se ao conteúdo desidratado de um frasco de Zoletil-100® 0,50 mL de atropina 1%, 0,53 mL de Dormiun-V®, 1,4 mL de haloperidol 0,5% e 0,15 mL de água destilada. Com essa combinação se obtém um volume final de exatamente 3,0 mL no frasco. O método de preparo da solução anestésica concentrada seguiu as indicações gerais de PACHALY e VOLTARELLI-PACHALY (2011) para obtenção da combinação denominada “ZAD”. Para captura e contenção do paciente a dose de 0,77 mL da mistura foi administrada por via 0667 42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de 2015 - Curitiba - PR 3 intramuscular (IM) por meio de um dardo, representando 3,12 mg/kg de zolazepam + tiletamina, 0,033 mg/kg de detomidina, 0,058 mg/kg de haloperidol e 0,031 mg/kg de atropina. A manutenção da anestesia foi feita com isoflurano 100% (Isoforine®) em sistema fechado. O procedimento cirúrgico foi realizado conforme preconizado por SLATTER (2005), iniciando por uma incisão transpalpebral seguida por dissecção das conjuntivas, glândula lacrimal e desinserção de todos os músculos extraoculares, rotação medial do bulbo ocular, transfixação e seccionamento do nervo óptico, com remoção do bulbo e seus anexos. A seguir, para preencher a cavidade anoftálmica foram empregadas 24,0 g de gelatina comestível sem sabor incolor em pó (Dr. Oetker®) como material para o curativo. A gelatina granulada foi retirada diretamente da embalagem comercial, diluída e homogeneizada em 10,0 mL de sangue que foi colhido do próprio animal e 6,0 mL de gentamicina a 4,0 % (Gentatec®), e a mistura foi aplicada à ferida cirúrgica até total preenchimento da cavidade (Figura 1). Figura 2 – Imagem fotográfica da cavidade anoftálmica referente à exenteração do bulbo ocular esquerdo de um puma (Puma concolor) macho adulto com massa corporal de 41,0 kg, e seu preenchimento com gelatina comestível embebida em gentamicina. A seguir, as pálpebras foram suturadas em padrão horizontal em “U”, de Wolff. Antes da finalização da sutura lateral foi inserida na ferida a extremidade de uma seringa descartável de 3 mL, removendo-se por 0668 42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de 2015 - Curitiba - PR 4 sucção os vestígios de ar presentes na cavidade. Depois disso, a ferida foi totalmente fechada, finalizando-se a sutura (Figura 2). Figura 2 – Imagem fotográfica da ferida cirúrgica já suturada, após exenteração do bulbo ocular esquerdo e preenchimento da cavidade anoftálmica com gelatina comestível embebida em gentamicina em um puma (Puma concolor) macho adulto com massa corporal de 41,0 kg. Terminada a intervenção e antes da recuperação anestésica plena, administrou-se por via IM a dose de 2,44 mg/kg de decanoato de haloperidol (Haldol Decanoato®), como modulador comportamental, com a finalidade de reduzir a possibilidade de complicações pósoperatórias devidas ao estresse. Como antibiótico administrou-se enrofloxacina (Baytril 10%® por via IM, na dose de 10,0 mg/kg durante cinco dias), e como antiinflamatório foi usado cetoprofeno (Ketofen® por via IM, na dose de 2,0 mg/kg durante três dias). No período pósoperatório o paciente foi cuidadosamente avaliado, e não interferiu de forma alguma na ferida suturada, mantendo comportamento bastante tranqüilo para um animal de vida livre recém-capturado. Não se observou secreção ou qualquer sinal de inflamação, e as suturas foram removidas 10 dias após cirurgia, com alta médica e alocação do animal em um recinto adequado. DISCUSSÃO: O procedimento cirúrgico foi executado da maneira preconizada por SLATTER (2005), e o emprego de gelatina comestível associada à gentamicina para preenchimento da cavidade anoftálmica foi bem sucedido, como observado por PACHALY e VOLTARELLI- 0669 42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de 2015 - Curitiba - PR 5 PACHALY (2014) que usaram o método para preenchimento de cavidades alveolares após extrações dentais. O paciente não interferiu na sutura, o que sugere a possibilidade da ação preventiva do decanoato de haloperidol sobre processos de automutilação que podem ser observados em carnívoros domésticos e selvagens (PACHALY et al., 2000, 2001, 2005). CONCLUSÃO: A técnica apresentada teve resultado positivo e este caso indica seu potencial para ser empregada rotineiramente para reposição do volume da cavidade anoftálmica em pumas e outras espécies selvagens e domésticas, enfatizando-se o baixo custo dos materiais empregados. REFERÊNCIAS: NARIKAWA, S. et al. Enxerto dermoadiposo em cavidades anoftálmicas secundárias – estudo retrospectivo e revisão de literatura. Revista brasileira de oftalmologia, v. 70, n.6, p. 411-415, 2011. PACHALY, J.R. et al. Neurolepsia prolongada com decanoato de haloperidol no tratamento de dermatite psicogênica em lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) – Relato de caso. Revista brasileira de ciência veterinária, v.7, (supl.), p. 226, 2000. PACHALY, J.R. et al. Uso de decanoato de haloperidol, com protocolos posológicos calculados por meio de extrapolação alométrica interespecífica, no tratamento de dermatites por lambedura em cães domésticos – Relato preliminar. Arquivos de ciências veterinárias e zoologia da UNIPAR. v. 4, n. 2, p. 249. 2001. PACHALY, J.R. et al. Neurolepsia prolongada com decanoato de haloperidol no tratamento de dermatite psicogênica em um cão doméstico (Canis familiaris Linnaeus, 1758). Arquivos de ciências veterinárias e zoologia da UNIPAR, v.8, n.1, p. 87-91, 2005. PACHALY, J.R.; VOLTARELLI-PACHALY, E.M. Novo método para contenção farmacológica e anestesia de campo em leões (Panthera leo), empregando a fórmula ZAD (Zoletil/100 + Atropina + Dormiun-V) Relato preliminar. A hora veterinária, v. 31, p. 75-80, 2011. PACHALY, J.R.; VOLTARELLI-PACHALY, E.M. Periodontia e exodontia. In: CUBAS, Z.S. et al. Tratado de animais selvagens – Medicina veterinária, 2. ed., v. 2. São Paulo: Roca, p. 1995-2019. 2014. SLATTER, D. Fundamentos de oftalmologia veterinária. 3. ed. São Paulo: Roca, p. 533-565. 2005. 0670