A Trajetória das Políticas Sociais e a Assistência Social no Brasil: Avanços e Espaços de Conquistas Kely Hapuque Cunha Fonseca 1, Isabel Cristina dos Santos 2, Marilsa de Sá Rodrigues Tadeucci 3, Monica Franchi Carniello4, Quésia Postigo Kamimura 5 1,2,3,4,5 Universidade de Taubaté/Programa de Mestrado em Gestão e Desenvolvimento Regional, Rua Expedicionário Ernesto Pereira, 225 – Centro – Taubaté, [email protected] Resumo- O presente artigo tem a intenção de fomentar discussões acerca das conquistas de políticas sociais públicas no Brasil, em especial, a Assistência Social, que desde a Constituição Federativa do Brasil de 1988 foi promulgada como uma política de direito para todos aqueles que dela necessitassem, independentemente de contribuição social. Remete-se ao resgate histórico de leis que enfatizaram as ações políticas no âmbito da Assistência Social para discutir se tal política trata-se de um espaço de conquistas no país, com seus avanços. Quanto ao seu objetivo, a pesquisa é exploratória, com abordagem qualitativa, com delineamento bibliográfico. Quanto aos seus resultados, entendeu-se que a trajetória das políticas sociais no Brasil, a partir da Constituição de 1988, teve a reafirmação da Assistência Social através da Lei Orgânica da Assistência Social em 1993, a revisão da Política Nacional da Assistência Social em 2004, bem como a criação do Sistema Único da Assistência Social em 2005, portanto, representando de fato, um avanço de conquistas sociais para nosso país no caráter da Assistência Social enquanto política social pública. Palavras-chave: políticas sociais públicas, assistência social, serviço social. Área do Conhecimento: Ciências sociais aplicadas Introdução A assistência social é uma política pública que precisa ser consolidada na efetivação dos direitos sociais, portanto, uma política social pública. Este contexto tem sua trajetória histórica, política, econômica e social, uma vez que tal realidade está inserida no cotidiano das formas mais diversificadas de ações políticas, envolvendo as relações sociais entre os sujeitos. No mundo, o surgimento da Política Social no século XIX, teve um caráter de estratégia governamental na regulação do Estado com a Sociedade Civil, visando fins econômicos, políticos e sociais. Deu-se no Liberalismo através da liberdade de mercado, conhecida como laissezfaire, durante a passagem histórica para o Estado Interventor. Após a crise econômica de 1929, no ano de 1932, John Keynes propôs o New Deal, uma espécie de novo acordo, através da política do pleno emprego e o investimento do Estado em políticas sociais dando maiores condições à população para comprar produtos. Em 1942, com o relatório de Beveridge, na Inglaterra, houve uma reformulação do Sistema de Proteção Social que foi um grande marco para os países do Capitalismo avançado. Dos anos 30 aos 60, os países capitalistas desenvolvidos adotaram o modelo de Estado do Bem Estar Social, que fomentava a idéia de que o Estado estava presente na economia e poderia intervir na questão social. Em 1970 houve uma nova crise do capital resultante da queda da taxa média de lucro, o que causou mudanças no compromisso entre o capital social privado e os direitos sociais atendidos pelas políticas sociais para amenizar a desigualdade. (CARTAXO, 1995) Esta pesquisa objetiva, por meio da abordagem histórica, verificar se houve um avanço de políticas sociais no Brasil e se até o momento presente, houve conquistas relevantes na área específica da Assistência Social enquanto política pública. Para tanto, abordam-se as leis que garantiram e efetivaram a Assistência Social como direito social para todos aqueles que dela necessitarem, sem necessidade de contribuição. Materiais e Métodos A abordagem da presente pesquisa se deu no âmbito qualitativo, desenvolvida com base em pesquisa bibliográfica, e quanto ao seu objetivo, apresenta-se num caráter exploratório. Buscou-se elaborar a trajetória histórica das políticas sociais públicas a partir das mudanças da legislação. O XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1 recorte temporal se dá a partir da de 1988, ano em que foi promulgada a nova Constituição brasileira. Resultados De acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF88), [...] a Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da Sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (BRASIL, 2006). Neste tripé da Seguridade Social (Saúde, Previdência e Assistência Social), é conhecido o SUS – Sistema Único da Saúde e o INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social. Em 1993 foi promulgada a LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social, que definiu a Assistência Social como [...] política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas” (BRASIL, 2001). É a partir daí que a Assistência Social adquire o status legal de política pública, direito do cidadão, e passa a compor o sistema de proteção social brasileiro, juntamente com a Saúde e a Previdência, formando o tripé da Seguridade Social (título VIII, Da ordem social, capítulo II), numa proposta de rompimento com a herança histórica que atribuía à Assistência Social um caráter conservador, assistencialista – filantropista, que reproduzia e eternizava a desigualdade social. Dessa forma, em seu artigo 203, a Constituição declara que “[...] a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; VI - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei[...]. (BRASIL, 2006). Corroborando tais diretrizes, em 1993 foi promulgada a LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social (lei 8.742/93) que regulamentou os artigos 203 e 204 da CF88, reafirmando a concepção de Assistência social como política pública universal e de gestão participativa. Com a finalidade de efetivar tais concepções, foi aprovada em 2004 a Resolução n. º 145/04 (Conselho Nacional de Assistência Social, Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome e Secretaria Nacional de Assistência Social), que versa sobre a implantação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), a qual foi construída a partir de discussões realizadas em todos os Estados brasileiros por meio de fóruns e conferências. A PNAS institui, como forma de materializar o conteúdo da LOAS, o Sistema Único da Assistência Social (SUAS), que “constitui-se na regulação e organização em todo território nacional das ações socioassistenciais” , logo, representando ao menos a mínima garantia de direitos básicos para a população que necessita de mínimos sociais. Durante a IV Conferência Nacional de Assistência Social realizada em Brasília/DF, no ano de 2003, houve a deliberação da criação de um sistema de proteção social, conhecido como Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que veio a ser instituído em 2005, com sua aprovação, já na V Conferência Nacional, dos 10 direitos socioassistenciais, caracterizando-se como política social pública de direito, enquanto [...] modelo de gestão descentralizado e participativo, garantindo sua organização em todo território nacional, como serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais, de caráter continuado ou eventual, executados e providos por pessoas jurídicas de direito público sob critério universal e em articulação com iniciativas da sociedade civil”. (BRASIL, 2005). Figura 1 – Avanço da Política de Assistência Social no Brasil Discussão A trajetória das políticas sociais no Brasil, a partir da Constituição de 1988, na qual as conquistas mais importantes foram a reafirmação da Assistência Social através da LOAS, a instituição da PNAS, bem como a criação do SUAS, é de fato, um avanço para nosso país. Figuti (2006) observa que a Assistência Social se configura como um avanço nas políticas sociais brasileiras, voltadas para a garantia de direitos e XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 2 de condições dignas de vida. A autora nos lembra que ainda existem vários municípios, onde é comum o funcionamento do Fundo Social de Solidariedade, vinculado ao governo do Estado, o qual ações filantrópicas são desenvolvidas pelas denominadas primeiras damas (como são conhecidas as esposas dos representantes políticos que ocupam cargos no poder executivo e que realizam práticas beneficentes daquilo que consideram Assistência Social, mas que na verdade, trata-se de assistencialismo, pois reproduz a pobreza e fortalece o clientelismo). Essas ações beneficentes retiram o caráter público e de direitos das políticas sociais, especialmente da Assistência Social, ocasionando numa gestão deficitária das mesmas e representa um retrocesso a todas as conquistas no âmbito das políticas sociais públicas. Tal conjuntura mantém um caráter conservador e impedem que os municípios avancem em termos de políticas sociais, idéia esta que é reafirmada por Souza (2006) quando nos informa sobre as nomenclaturas de alguns municípios que tem o Departamento prestador de serviços de Assistência Social, quando os nomes são “reinventados” como “Departamento de Ação Social”, que tem a peculiaridade do sentido da ajuda e beneficência, desqualificando o sentido dos direitos sociais. A Constituição nos dá instrumentos que podem permitir a participação da população no controle das políticas adotadas pelos governos. Ferreira (1999) afirma que tais instrumentos, como os Conselhos de gestão, os plebiscitos, referendos e a iniciativa de lei popular são um pedaço de democracia direta combinada com a democracia representativa que é a idéia hegemônica de democracia. O mesmo autor acrescenta “O grande drama da participação, de fato, é que nós podemos apresentar projetos, mas são nossos representantes que decidem, porque nós delegamos isso a eles [democracia representativa]. Se não tivermos capacidade de pressão, não ganhamos”. (FERREIRA, 1999, p.58) Os municípios que ainda não implantaram o SUAS não contam com estes serviços para a população usuária, o que pode representar que estas expressões de vulnerabilidade social devam estar sem acompanhamento específico pelas autoridades ou que podem estar sendo prestados por instituições não governamentais, voltadas para atendimentos de caráter de ajuda e solidariedade, o que não caracteriza uma política social pública e reforçam e reafirmam a terceirização de atendimentos sociais e a desresponsabilização do Estado neste âmbito. Segundo Silva (2005), “são características fundamentais do SUAS: municipalização, participação, informatização, territorialização, nomenclatura unificada, serviços articulados em rede, co-financiamento, comando único em cada esfera de governo, cadastro unificado de prestadores de serviços e de usuários, serviços hierarquizados em proteção social básica e proteção especial, critérios de partilha e repasse de recursos com base no tamanho e realidade social dos municípios, pisos de proteção básica e pisos de proteção especial, transferência automática de recursos de Fundo a Fundo no caso das ações continuadas e utilização do convênio no caso das ações especiais ou temporárias, definição de estágios de habilitação para a gestão: inicial, básica e plena”. O SUAS está sendo pensado coletivamente, a partir de realidades locais e principalmente a nível nacional, é uma forma de gestão participativa democrática, com representes do poder público e da sociedade civil organizada. Este sistema é a resposta de muitas lutas de gestores que pensam em políticas sociais enquanto melhorias da qualidade de vida da população e efetivação dos direitos sociais, mas contraditoriamente, o SUAS depende de vontade política para acontecer, como pensa Behring (1998), que as políticas sociais se dão por interesses do próprio capital, que o Estado tem a função de garantir as condições gerais de produção, reprimir as ameaças e integrar as classes dominadas, portanto, o SUAS foi estrategicamente pensado pelo Estado para manter o controle social. No campo da gestão social, afirma-se ser esta, contraditória, assim como a realidade social, portanto, compartilhando com Matus (1996), que ela nunca poderá ser concretizada somente por uma característica (democrática, autoritária ou burocrática), em alguns momentos o gestor poderá ser democrático e autoritário, em outros, autoritário e burocrático, burocrático e democrático. “Vivemos num país marcado pela desigualdade social que acarreta uma grande parcela de pessoas pobres e miseráveis. Segundo dados do IBGE (2000), 1% dos mais ricos da sociedade brasileira possui o mesmo montante do total da renda dos 50% mais pobres”, nos afirma (FIGUTI, 2006). Estes dados nos remetem o entendimento de que grande parte da população não possui condições básicas de sobrevivência, o que as obriga a recorrer na inclusão em programas e projetos sociais, sejam eles públicos ou não públicos, para que haja garantias de mínimos sociais. A autora afirma que essa garantia não é concreta, pois, grande parte desses programas e projetos, está voltada para ações imediatistas, o que proporciona práticas clientelistas de manutenção do status quo. XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 3 Conclusão Verifica-se que a Assistência Social se configura como um avanço nas políticas sociais brasileiras, voltadas para a garantia de direitos e de condições dignas de vida. A Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, lei 8.742/93, vem respaldar e dar legitimidade para a Assistência Social numa perspectiva de universalidade, igualdade e participação popular na sua gestão. Para a efetivação dessa política foi aprovada a resolução n.º 145/04 no Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, junto com o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS e a Secretaria Nacional de Assistência Social – SNAS, a implantação da Política Nacional de Assistência Social – PNAS, em que foi deliberada a construção e a implementação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, este, considerado um novo modelo de gestão de política pública “descentralizado e participativo”, constituído na regulação e organização em todo território nacional das ações socioassistenciais, de acordo com sua lei de criação. (BRASIL, 2001) Essa implementação deverá ocorrer em todo o Brasil, exigindo assim, aos municípios brasileiros, a regularização de seus Conselhos Municipais de Assistência Social – CMAS, além dos Planos Municipais de Assistência Social e dos Fundos Municipais de Assistência Social. Embora contraditórias, as políticas sociais ainda são a melhor forma de enfrentamento as situações de vulnerabilidade social expressas pela questão social, contradição entre o capital e o trabalho, porém, nem sempre são suficientes para alcançar a igualdade social, devido a própria característica do Sistema Capitalista. O SUAS pode ser utilizado por gestores em diversas maneiras de gerir projetos, planos e programas, desde que entendido neste contexto, destarte, será apenas mais um dentre tantos outros documentos que não se legitimam na prática social em que foram propostos, ainda que se defenda a idéia de que isso significa aceitar as diferenças entre classes sem perspectiva de luta por uma sociedade justa e igualitária. BEHRING, Elaine Rosseti. Política Social no Capitalismo Tardio. São Paulo: Cortez, 1998. BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria da política. 4 ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 1995. 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