Utilização do acesso venoso central em pacientes entre 0 e 2 anos

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58 Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 37, no. 3, de 2008
1806-4280/08/37 - 03/58
Arquivos Catarinenses de Medicina
ARTIGO ORIGINAL
Utilização do acesso venoso central em pacientes entre 0 e 2 anos
da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica em
Tubarão - SC
Lidiane Lemos1, Thiago Mamôru Sakae2, André de Figueiredo Calandrini3
Resumo
Objetivo: Conhecer as indicações e os fatores relacionados ao procedimento de acesso venoso central em
crianças de idade entre 0 e 2 anos internadas na UTI
Neonatal e Pediátrica do Hospital Nossa Senhora da
Conceição (HNSC), na Cidade de Tubarão, Santa Catarina, entre novembro de 2001 e novembro de 2005.
Métodos: Estudo observacional, com delineamento
transversal, constituído por pacientes com idade entre 0
e 2 anos submetidos ao procedimento de acesso venoso
central e que estiveram internadas na UTI Neonatal e
Pediátrica do HNSC entre novembro de 2001 e novembro de 2005. Realizou-se a coleta de dados a partir de
prontuários dos pacientes.
Resultados: Houve predominância do sexo masculino, 57,7%. A maior proporção dos pacientes tinha idade média de 2,47 meses. A administração de hidratação
endovenosa e drogas foi a principal indicação para o
acesso (87,7%), seguida pela indicação de nutrição parenteral em 60%. O cateter com calibre 17G foi o mais
utilizado em todos os vasos dissecados, independente da
idade. Em 99,2% a via de acesso utilizada foi a dissecção do vaso. Dentre os vasos dissecados, a veia basílica
foi a mais utilizada, 60,8% das vezes. Óbito foi à causa
da retirada do cateter em 30,8% das vezes. Complica1 – Estudante do Curso de Medicina da Universidade do Sul de Santa
Catarina – UNISUL.
2 – Médico. Doutorando em Ciências Médicas – UFSC. Mestre em Saúde
Pública – Epidemiologia – UFSC. Corpo Docente da Universidade do Sul
de Santa Catarina – UNISUL
3 – Médico Cirurgião Pediátrico. Corpo Docente da Universidade do Sul de
Santa Catarina – UNISUL.
58
ções ocorreram em 10,2% dos casos, com predomínio
das complicações tardias (7,9%).
Conclusão: Os cateteres inseridos em vasos centrais proporcionam um acesso vascular prolongado, com
baixo risco de complicações e segurança para o paciente. A veia basílica é uma via segura para se obter um
acesso venoso central, com índices de complicações
muito baixos. As taxas de complicações encontradas no
presente estudo foram menores que as encontradas na
literatura.
Descritores: 1. Acesso venoso central;
2. Pediatria;
3. Cateterização.
Abstract
Aim: Know the signs and the factors related to the
procedure of central venous access in children from 0
to 2 years old, hospitalized in Neonatal and Pediatric
ICU (Intensive Care Unit) of Nossa Senhora da Conceição Hospital (HNSC), in Tubarão city, Santa Catarina, from November 2001 to November 2005.
Methods: observational study, with cross design,
consisting by patients from 0 to 2 years old, submitted to
the procedure of central venous access and who were
hospitalized in HNSC Neonatal and Pediatric ICU from
November 2001 to November 2005. Data collection was
made from the patient’s medical reports.
Results: There was a predominance of male,
57.7%. The largest proportion of the patients had an
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da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica em Tubarão - SC
average age of 2.47 months. The administration of intravenous hydration and drugs was the main indication
for the access (87.7%), followed by the indication of
parenteral nutrition in 60%. The catheter with calibre
17G was the most used in all dissected vessels, regardless of age. In 99.2%, the path of access used was vessel dissection. Among the dissected vessels, the basilic
vein was the most used, 60.8% of the situations. Death
was why the catheter was withdrawn in 30.8% of the
situations. Complications occurred in 10.2% of cases,
with predominance of late complications (7.9%).
Conclusion: The catheters inserted in central vessels provided an extended vascular access, with low risk
of complications, and safety for the patient. The basilic
vein is a safe path to get to a central venous access with
very low rates of complications. The rates of complications found in this study were lower than those ones found
in the literature.
Key Words: 1. Central venous access;
2. Pediatrics;
3. Catheterization.
Introdução
Anualmente milhões de cateteres vasculares são instalados em instituições hospitalares e clínicas. O cateterismo venoso talvez seja o procedimento mais comum
realizado pelo cirurgião nas unidades neonatais de tratamento intensivo. Embora seja considerado um procedimento auxiliar nos adultos, possui características especiais na infância, especialmente no período neonatal. Tem
de ser executado por profissionais experientes e familiarizados com as condições anatômicas e clínicas do recém-nascido e, sempre, em locais apropriados, de preferência em centro cirúrgico1.
Aubaniac, em 1952, foi um dos pioneiros ao utilizar a
veia subclávia como acesso venoso central para infundir grandes quantidades de substâncias irritantes1,2,3. Logo
após, Dudrick e Wilmore utilizaram a mesma veia para
administrar suporte nutricional1. Desde então, o acesso
venoso central vem sendo utilizado em diversas situações.
Na medicina, o acesso ao sistema venoso central é
de grande importância, pois várias terapias e situações
clínicas de maior complexidade necessitam de um acesso vascular adequado1.
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As principais indicações para esse acesso incluem:
administração rápida de líquidos e sangue; administração de medicamentos vasoativos, medicamentos irritantes (quimioterapia); administração de nutrição parenteral; monitoramento da pressão venosa central; acesso
durante a parada cárdio-respiratória; em procedimentos
de hemodiálise; e na necessidade de acessos venosos
de longa permanência1,2,4,5.
Na pediatria, pela maior dificuldade em se conseguir
um acesso venoso, pelo tempo dispensado na tentativa
de consegui-lo e pela grande freqüência com que este
se perde, o uso do cateterismo venoso central se tornou
mais rotineiro, evitando assim as múltiplas tentativas de
punções venosas2,6.
Algumas condições limitam ou contra-indicam o acesso venoso central: infecção no local do acesso; distúrbios da coagulação no caso de punção; profissionais não
habilitados em realizar o procedimento; entre outras2.
Os cateteres utilizados para o acesso venoso central
podem ser de diferentes tipos: 1) Cateter Central Inserido Perifericamente (PICC): inserido por veia periférica
(geralmente cefálica ou a basílica) até a veia cava superior; 2) Cateter Venoso Central Não Tunelizado: inserido percutaneamente em veias centrais (jugulares internas, femorais ou subclávias), é o tipo de acesso venoso
central mais utilizado; 3) Cateter Venoso Central Tunelizado: é implantado cirurgicamente (cateter de Hickman, Broviac, Groshong ou Quinton) com um túnel subcutâneo, indicado para pacientes que necessitam de
acesso vascular prolongado; 4) Cateter Totalmente Implantável (CAT): implantado cirurgicamente e acessado
por punção através da pele íntegra; 5)Flebotomia: implantado cirurgicamente, através de dissecção de veia
(braquial, basílica e outras); 6) Cateter de Artéria Pulmonar: inserido percutaneamente através de um introdutor em veias centrais (jugulares internas, femorais ou
subclávias)1,5,7,8,9.
Cateteres de teflon ou poliuretano são associados a
menores complicações infecciosas quando comparados
aos de polivinil ou de polietileno9. Em muitos hospitais
brasileiros, devido ao menor custo, ainda são utilizados
cateteres de polivinil (Intracathâ)10. A escolha do tipo de
cateter com um único ou vários lumens deverá ser feita
de acordo com a necessidade e/ou gravidade do paciente, quantidade de medicações e suporte nutricional. Cada
lúmen aumenta a manipulação em 15 a 20 vezes por dia,
aumentando o risco de infecção da corrente sanguínea
associada ao cateter9.
O tamanho dos cateteres utilizados nos pacientes
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submetidos ao procedimento irá depender do tamanho e
da idade dos mesmos, assim como do calibre de suas
veias4. Pacientes pesando menos de 2 Kg devem receber cateter 24G; pacientes com peso entre 2 e 6 Kg
recebem cateter tamanho 22G; peso entre 6 e 20 Kg
cateter 20G e finalmente crianças com mais de 20 Kg
recebem cateter 18G2.
Uma questão importante ao realizar um procedimento de acesso venoso central, é a escolha do local onde
ele será feito, ou seja, o vaso no qual o procedimento
será realizado. A escolha do local visa facilitar a execução do procedimento e diminuir as possíveis complicações3. Os cateteres venosos centrais podem ser implantados a partir de diferentes locais, à escolha do profissional que irá realizar o acesso, segundo sua experiência2,4.
Em crianças, a primeira escolha para realizar o acesso
ao sistema venoso central é através das veias tributárias
da veia cava superior, em especial as veias jugulares
externa e interna, veia subclávia, veia axilar e veia basílica11,12. Todavia, o acesso através de ramos da veia cava
inferior é também utilizado, sendo executado através da
punção de veia femoral ou dissecção da croça da safena12. Esta pode ser realizada em crianças de todas as
idades, sendo altamente segura e com taxas de complicações baixas11.
Para averiguar a localização adequada do cateter,
uma radiografia de tórax e/ou abdome deverá ser feita
logo após a colocação do mesmo1,4. O cateter é considerado bem posicionado quando localizado na junção
entre a veia cava superior e o átrio direito1,4,10. Cateteres que não são radiopacos devem receber a infusão de
material radiopaco para averiguar a correta localização
do mesmo.
A realização de um acesso venoso central, assim
como qualquer outro procedimento invasivo envolve riscos, por isso requer extremo cuidado para evitar ou pelo
menos minimizar as possíveis complicações. Estas, podem ser separadas em imediatas e tardias4. As complicações imediatas, decorrentes da introdução do cateter,
incluem: arritmias, pneumotórax, lesão arterial (incluindo punção de artéria carótida), lesão nervosa, embolia
gasosa, hemotórax, lesão de ducto torácico, hidrotórax
(pelo mau posicionamento do cateter o líquido infundido
será acumulado no espaço pleural), sangramento, tamponamento cardíaco, entre outros1,2,4,11,13,14.
Problemas de ordem mecânica (obstrução de cateter), trombóticas ou infecciosas, são as principais causadoras das complicações tardias1. Deve-se sempre fi60
car atento para casos de trombose e o seu elevado potencial de associação com tromboembolismo pulmonar4.
Uma das principais complicações do cateterismo
venoso central e de diagnóstico difícil é a infecção1. A
incidência do quadro infeccioso aumenta conforme o
maior tempo de permanência do cateter4. Por ser uma
complicação potencialmente fatal, a infecção deve receber tratamento adequado o mais precoce possível15,16,17. A remoção do cateter se faz necessário na
grande maioria dos casos1.
O manejo adequado do cateter, desde antes da sua
colocação até os cuidados necessários para sua manutenção, é essencial para diminuir a incidência das complicações6.
Os acessos venosos centrais vêm sendo utilizados
com maior freqüência nos dias atuais como parte do
suporte terapêutico e para monitoramento em pediatria.
Realizar um estudo para analisar a utilização do acesso
venoso central em pacientes da UTI Neonatal e Pediátrica, levando em consideração aspectos como a indicação do procedimento, tempo de duração do acesso, calibre do cateter utilizado, local de acesso e as complicações precoces e tardias da realização do mesmo, facilitaria na indicação de um acesso venoso central em tempo ideal com a manutenção do mesmo por tempo adequado e prolongado, trazendo maiores benefícios e parâmetros mais fidedignos, com indicações mais precisas
e assim diminuindo os possíveis riscos ao paciente.
O presente estudo teve por objetivo conhecer as indicações e os fatores relacionados ao procedimento de
acesso venoso central em crianças de idade entre 0 e 2
anos internadas na UTI Neonatal e Pediátrica do Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), na Cidade
de Tubarão, Santa Catarina, entre novembro de 2001 e
novembro de 2005.
Métodos
Foi realizado um estudo observacional, com delineamento
transversal. A amostra foi constituída por 130 prontuários
de pacientes com idade entre zero e dois anos internados
na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica do
Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Tubarão – SC,
e que foram submetidos a acesso venoso central no período de novembro de 2001 a novembro de 2005.
Foram excluídos do estudo os prontuários de crianças com faixa etária fora do interesse ou ainda, crianças
com idade entre 0 e 2 anos internadas na UTI Neonatal
e Pediátrica no período em questão, mas que não te-
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nham sido submetidas ao acesso venoso central. Prontuários que não continham todos os dados desejados foram excluídos do estudo.
Utilizou-se um protocolo contendo as variáveis de
interesse para coleta de dados dos prontuários clínicos.
As variáveis estudadas foram idade no momento da
realização do procedimento, sexo, peso, prematuridade,
tempo de prematuridade, distúrbios da coagulação, tempo de internação na UTI, patologia de base, indicação
do acesso, calibre do cateter, via de acesso, local do
acesso, tempo de duração do acesso, necessidade de
novo acesso, motivo da retirada do cateter, quantidade
de acessos e complicações do acesso.
Os dados foram inseridos no software Epidata 3.1 e
analisados utilizando-se o software Epiinfo 6.04. A análise foi descritiva, sendo as variáveis categóricas descritas por meio de taxas e proporções e as numéricas por
meio de medidas de tendência central e de dispersão.
As associações entre variáveis qualitativas foram testadas pelo teste qui-quadrado. O nível de confiança adotado foi de a< 0,05.
O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de
Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa
Catarina – UNISUL e aprovado sob protocolo de número 07.154.4.01.III.
Resultados
Foram coletados dados de 130 prontuários de pacientes entre 0 e 2 anos, internados na UTI neonatal e
pediátrica do HNSC e que foram submetidos ao procedimento de acesso venoso central entre novembro de
2001 e novembro de 2005.
Entre os pacientes que participaram do estudo, 57,7%
eram do sexo masculino e 42,3% do sexo feminino. A
idade média dos participantes foi de 2,47 meses (DP =
4,95). Com relação ao peso, a média foi de 3566 gramas
(DP = 3081), peso este que variou de 605 a 15000 gramas.
Metade dos pacientes eram prematuros com idade
gestacional média de 30,41 semanas (DP = 3,19). Entre
os prematuros, a idade gestacional variou de 22 a 36
semanas completas ao nascimento.
A incidência de distúrbios da coagulação foi de 3,8%
no momento da realização do procedimento.
A média do tempo de internação na UTI foi de 22,51
dias completos (DP = 20,71). Realização de acesso venoso central com o intuito de administrar drogas e hidratação endovenosa prevaleceu com 87,7%, seguido pela
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necessidade de administrar nutrição parenteral em 60%
dos pacientes. Medida da Pressão Venosa Central, hemodiálise, exsanguineotransfusão e transfusão sanguínea foram as indicações em 0,8% cada uma.
Quanto ao calibre do cateter utilizado no procedimento, 70,8% utilizaram cateter 17G e 25,4% cateter número 19G. Cateteres de número 16, 20 e 21G foram utilizados uma única vez cada, enquanto que o cateter de número 18G foi usado em dois momentos. O cateter com
calibre 17G foi o mais utilizado em todos os vasos dissecados, independente da idade (p < 0,0001).
Dos 130 prontuários analisados, apenas 1 (0,8%) teve
como via de acesso central a punção do vaso, sendo no
restante 99,2% foi a dissecção. Dentre os vasos dissecados, a veia basílica foi a mais utilizada, 60,8% das vezes, conforme gráfico 1. A veia jugular interna foi a escolha para a dissecção em 36,2% e puncionada uma
única vez. Veias axilares e subclávias foram utilizadas
em 1,5% cada uma.
Em 93% os vasos do lado direito do corpo foram os
preferidos. Em crianças menores de 3 meses o procedimento foi preferencialmente realizado via veia basílica
ou via jugular interna. Já nas crianças com mais de 3
meses de idade o acesso se deu preferencialmente via
veia basílica, 96,8%(p < 0,0001).
Entre os prematuros, 69,2% tiveram a veia jugular
interna dissecada e 29,2% a veia basílica. Crianças nascidas a termo receberam acesso venoso central via veia
basílica em 92,3%.
O acesso foi mantido por uma média de tempo de 15
dias completos (DP = 14,91), tempo esse que variou de
0 a 110 dias. O tempo de duração do acesso venoso não
foi um fator associado às complicações precoces e tardias.
Em 10% dos casos houve a necessidade de um novo
acesso, em que 7,7% necessitaram de 2 acessos, 0,8%
de 3 acessos e 1,5% de 4 acessos. O término da medicação administrada via endovenosa foi o principal motivo da retirada do cateter, isso se deu em 39,2%. Óbito
foi a causa da retirada do mesmo em 30,8% dos casos,
seguido pela alta hospitalar dos pacientes em 16,2%,
obstrução em 3,1% e por outros motivos em 3,8% das
vezes, conforme gráfico 2.
A necessidade de novo acesso central, o que equivale a um maior número de dissecções, esteve associado
de forma estatisticamente significativa ao aumento de
infecção do cateter. O número de acessos médio para
os pacientes que tiveram infecção foi de 2,50 e de 1,11
para os que não apresentaram infecção (p Kruskal-Wallis =
61
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0,03).
Complicações decorrentes do procedimento foram
divididas em dois grupos: precoces e tardias. Em 2,3%
houve complicações precoces, como o pneumotórax,
ocorrido em dois momentos e coagulação intravascular
disseminada em 1 paciente. As complicações tardias se
deram em 7,9% das vezes e se dividiram entre infecção
do cateter em 1,5% e obstrução do mesmo em 6,2%.
Não houve diferenças estatisticamente significativas
comparando-se a prevalência de complicações de acordo com o vaso dissecado.
Em 29,2% a criança esteve internada devido a sua
prematuridade, sendo que em 10% a internação se deu
por causa da Doença da Membrana Hialina, em 7%
devido à Pneumonia Neonatal e em 4,6% por aspiração
de mecônio, conforme gráfico 3.
Discussão
A necessidade de um acesso venoso adequado e de
longa duração aumenta a cada dia, desde as já consagradas indicações como a nutrição parenteral e a hemodiálise, até as mais recentes como é o caso da quimioterapia5.
No estudo, a principal indicação para o procedimento foi a necessidade de administrar drogas e hidratação
endovenosa, o que ocorreu em 87,7%. A nutrição parenteral foi a indicação em 60% dos casos. O uso de
cateteres com mais de um lúmen, ou seja, cateteres com
dois sítios de entrada ou mais, podem ser utilizados quando se deseja infundir diferentes substâncias como, por
exemplo, antibioticoterapia e nutrição parenteral, utilizando uma mesma via de acesso. Na literatura, em
41,03% o acesso ocorreu como forma de administrar
drogas, e em 11,54% como acesso para a nutrição parenteral6.
Ao analisar o calibre do cateter utilizado no procedimento, a prevalência foi de 70,8% para o cateter de calibre 17G, seguido pelo cateter de número 19G em 25,4%.
Não existem dados que suportem os critérios de seleção
do diâmetro da luz do cateter. Todos os tamanhos de
cateter podem ser inseridos com segurança ajustando
sempre o diâmetro do cateter com o peso, a idade e o
calibre das veias do paciente6. Na literatura, preconizase que crianças pesando menos de 2Kg devam receber
cateter 24G, crianças com peso entre 2 e 6Kg cateter
22G, peso entre 6 e 20Kg cateter 20G e finalmente crianças com mais de 20Kg cateter 18G2,4. No estudo em
questão, o cateter de calibre 17G foi o mais utilizado em
62
todos os vasos dissecados, independente da idade ou do
peso do paciente.
Os cateteres podem ser instalados por punção ou
dissecção venosa. A técnica mais utilizada neste estudo
foi a dissecção venosa (99,2% dos casos). De acordo
com a literatura, alguns autores defendem a dissecção
venosa como primeira opção em neonatos e crianças18,
embora esta indicação tenha mudado nos últimos
anos11,12. Enquanto no adulto a punção de subclávia é
um procedimento seguro, no RN é um procedimento de
risco, principalmente pela maior possibilidade de pneumtórax e trombose1. No estudo, em 60,8% o vaso utilizado para realização do procedimento foi a veia basílica,
seguida em 36,2% pela veia jugular interna. Na literatura, independente da idade, a preferência é pela veia jugular interna, 65,38%6. A veia jugular interna, anatomicamente privilegiada, facilita o direcionamento do cateter para o átrio direito. Ao se juntar com a veia subclávia, a veia jugular interna formará com aquela o tronco
braquiocefálico, que se unindo com o tronco do lado oposto dará origem à chamada veia cava superior, a qual
desemboca em átrio direito.
A dissecção da veia jugular externa é fácil e segura,
mas seu ângulo muito obtuso de desembocadura na subclávia torna, às vezes, muito difícil o direcionamento do
cateter para o átrio1.
Crianças nascidas a termo receberam acesso venoso
central via veia basílica em 92,3%. Nas crianças maiores
de 3 meses o acesso se deu preferencialmente via veia
basílica, 96,8%. Há autores, que acreditam ser útil a dissecção da veia basílica, acessada acima da prega do cotovelo, em crianças acima de 6 meses de idade1.
Entre os prematuros, 69,2% tiveram a veia jugular
interna dissecada e 29,2% a veia basílica. Não existem
dados na literatura envolvendo crianças prematuras,
entretanto, como dito anteriormente, a veia jugular interna é excelente opção pela anatomia privilegiada, além
de índices menores de complicações se comparada com
a dissecção de veia subclávia.
Corroborando com a literatura, em que 76,28% o
procedimento é realizado em vasos do lado direito do
corpo, no estudo realizado as veias do lado direito do
corpo foram utilizadas em 93% das vezes6. Como a veia
cava superior se localiza anatomicamente no lado direito do coração, tem-se preferência, devido a uma maior
facilidade técnica, pelo acesso através dos vasos direitos do corpo, como veias basílica direita e jugular interna
direita. Na análise desse estudo, a veia femoral não foi
sítio de inserção do cateter, em contrapartida, na litera-
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tura ela foi utilizada em 11,54%6.
As complicações decorrentes da realização do acesso venoso central foram divididas, assim como em outros estudos, em precoces e tardias. As complicações
imediatas ocorreram em 2,3%. Em dois pacientes houve pneumotórax e em um paciente ocorreu coagulação
intravascular disseminada. A taxa de complicações imediatas deste trabalho foi menor ao encontrado na literatura, 14,56%, porém quando se refere ao pneumotórax
a taxa foi semelhante (1,9%)6. Complicações tardias
foram observadas em 7,9%, com predomínio da obstrução do cateter em 6,2%. Infecção esteve presente em
1,5%.
No presente estudo, a necessidade de novo acesso
central, o que equivale a um maior número de dissecções, esteve associado de forma estatisticamente significativa ao aumento de infecção do cateter, sendo que
em 10% dos casos houve a necessidade de um novo
acesso. O número de acessos médio para os pacientes
que tiveram infecção foi muito superior aos que não apresentaram infecção.
A taxa de complicações varia muito entre os diversos estudos. Na literatura as taxas de infecção variaram
de 3,8% a 44%5,8,15,16,17. Em estudo realizado sobre a
implantação de cateter venoso central apenas com o intuito de administrar quimioterápicos, a taxa de infecção
foi de 8,2%8. Contaminação do cateter é problema comum em unidades de terapia intensiva. Cateteres com
múltiplos lumens e a obstrução do mesmo aumentam a
incidência de infecção. Cuidados de assepsia na manipulação dos cateteres tende a diminuir os índices de contaminação. A terapia mais comum na suspeita ou na presença de infecção do cateter é a sua remoção1,5.
As obstruções do cateter, complicação tardia mais presente neste estudo (6,2%), ocorrem em sua grande maioria por coágulos que se formam na extremidade distal do
cateter, obstruindo a luz. Em algumas vezes a precipitação de drogas é a causa da obstrução5. Sendo uma complicação prevalente no estudo, a obstrução do cateter foi
responsável pela retirada do mesmo em 3,1% das vezes.
No presente estudo, não houve diferenças estatisticamente significativas comparando-se a prevalência de
complicações com o vaso dissecado.
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ter utilizado nos pacientes. As taxas de complicações
encontradas no presente estudo foram também menores que as encontradas na literatura.
Mesmo havendo discordância com a literatura em
relação ao vaso utilizado na realização do procedimento,
este estudo evidenciou que a veia basílica é uma via
segura para se obter um acesso venoso central, com
índices de complicações muito baixos. A veia jugular interna continua sendo um acesso importante, principalmente em neonatos e crianças.
Os cateteres inseridos em vasos centrais proporcionam um acesso vascular prolongado, com baixo risco de
complicações e segurança para o paciente. De todo
modo, é evidente que o médico deve considerar sempre
os benefícios e riscos do cateterismo venoso central de
acordo com cada paciente, e deve prever a aparição de
complicações que requerem uma imediata identificação
e um adequado manejo.
Referências Bibliográficas:
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6.
Considerações Finais
Houve discordância com a literatura em relação as
seguintes variáveis estudadas: vaso mais utilizado para
realização do procedimento e quanto ao calibre do cate-
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64
Gráfico 1 – Distribuição dos pacientes submetidos ao
acesso venoso central de acordo com os principais va
sos utilizados na realização do procedimento, HNSC, UTI
neonatal, 2001-2005.
Gráfico 2 – Distribuição dos pacientes submetidos ao
acesso venoso central de acordo com o motivo da reti
rada do cateter, HNSC, UTI neonatal, 2001-2005.
Gráfico 3 – Distribuição dos pacientes submetidos ao
acesso venoso central de acordo com a patologia de base
no momento da realização do procedimento, HNSC, UTI
neonatal, 2001-2005.
Utilização do acesso venoso central em pacientes entre 0 e 2 anos
da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica em Tubarão - SC
Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 37, no. 3, de 2008 65
Endereço para Correspondência:
Lidiane Lemos
Rua Tubalcain Faraco 66, apto 402,
Centro Tubarão –SC
CEP – 88701-150
E-mail: [email protected]
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