OCORRÊNCIA DE HIPERGLICEMIA CONCOMITANTE À ADMINISTRAÇÃO DE NUTRIÇÃO PARENTERAL EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA1 FREITAS, Matheus Müller de2; BERTOLINO, Karla Cristiane Oliveira3; DURAND, Thiago Mussoi4; GEHLEN, Maria Helena5; DIEFENBACH, Grassele Denardin Facin6 1 Trabalho de pesquisa. Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Enfermeiro egresso da UNIFRA. 3 Curso de Enfermagem. Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Professor Assistente da UNIFRA. 4 Curso de Nutrição. Nutricionista. Mestre em Fonoaudiologia. Professor Assistente da UNIFRA. 5 Curso de Enfermagem. Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Professor Assistente da UNIFRA. 6 Curso de Enfermagem. Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Professor Assistente da UNIFRA. E-mail: [email protected] 2 RESUMO Na terapia intensiva, a hiperglicemia é um evento comum. Assim, o objetivo deste trabalho buscou identificar a ocorrência de hiperglicemia concomitante ao uso de Terapia Nutricional Parenteral (TNP) em UTI. Este estudo teve caráter quantitativo, descritivo, retrospectivo, com análise descritiva dos dados. De 25 pacientes, 52% são do sexo masculino e 48%, do feminino, cuja maioria está acima de 60 anos. Foram internados devido a pós-operatório, doenças inflamatórias, neoplasias, distúrbios renais, cardiorrespiratórios e sepse/choque séptico. A maior parte dos pacientes apresentou variação de fluxo de infusão de TNP de 21 a 30 ml/h ou 61 e 70 ml/h e teve de um a 20 episódios de hiperglicemias. Identificou-se que há necessidade de mais estudos na área devido à escassez de trabalhos acerca desta temática na literatura pertinente. Palavras-chave: Hiperglicemia; Unidade de Terapia Intensiva; Terapia Nutricional Parenteral. 1 INTRODUÇÃO Na terapia intensiva, a hiperglicemia é um evento comum, ocasionado por situação de estresse metabólico ou por Diabetes Mellitus, cuja ocorrência tem sido associada ao aumento da resistência à insulina, principalmente em pacientes em condição crítica devido ao seu estado hipermetabólico (VAN DEN BERGHE et al., 2001; BONET e GRAU, 2005). No momento em que existe relação de hiperglicemia e infusão de Terapia Nutricional Parenteral (TNP), esta deve ser iniciada de modo gradativo a fim de que a sua alta concentração de glicose não ocasione problemas metabólicos, pois grandes alterações na velocidade de infusão da TNP podem resultar em hiper ou hipoglicemia (GOMES e REIS, 2003). 1 Segundo Nasraways (2006), a hiperglicemia é uma reação natural do organismo, decorrente de estresse metabólico devido a alterações hormonais. Além disso, os cuidados agressivos ao paciente crítico aumentam a resposta hiperglicêmica, com o uso de corticosteroides, agentes adrenérgicos e suporte nutricional rico em glicose. Apesar de ser uma resposta normal do organismo, a redução dos níveis de glicemia melhora a evolução e diminui o risco de complicações, especialmente infecciosas. Apesar dos benefícios da TNP, esta pode ser complexa em decorrência das características e quantidade de nutrientes administrados, além dos distintos tipos de pacientes que recebem esse tratamento, podendo ocasionar complicações múltiplas, tais como problemas de assimilação dos nutrientes, desequilíbrio hidroeletrolítico e disfunção orgânica, que compromete a função metabólica normal (LLOP-TALAVERÓN et al., 2009). A TNP abarca o conjunto de procedimentos terapêuticos que visam à conservação ou recuperação do equilíbrio nutricional do paciente por meio da infusão endovenosa de Nutrição Parenteral (NP). São candidatos a esta terapia os pacientes que não satisfazem suas necessidades nutricionais por via digestiva ou o trato gástrico não pode ser utilizado, considerando-se seu estado clínico e qualidade de vida. Sua complexidade exige comprometimento e capacitação de uma equipe multiprofissional para garantir sua eficácia e segurança (BRASIL, 1998). A ANVISA determina que a administração da NP deve ser executada de forma a garantir ao paciente uma terapia segura e que permita a máxima eficácia, em relação aos custos, utilizando materiais e técnicas padronizadas. O acesso venoso para sua infusão deve ser estabelecido sob supervisão médica, ou de enfermeiro, por meio de técnica padronizada e conforme protocolo previamente estabelecido na instituição, devendo ter uma via de acesso exclusiva (BRASIL, 1998). Partindo do exposto, e com vistas a oferecer dados concretos para a provisão da assistência multidisciplinar ao paciente em utilização de TNP em UTI, o objetivo deste trabalho buscou identificar a ocorrência de hiperglicemia concomitante ao uso de Terapia Nutricional Parenteral em uma Unidade de Terapia Intensiva. 2 MÉTODO Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo, retrospectivo no qual foi analisada a ocorrência de hiperglicemia em pacientes que utilizaram TNP na UTI de um hospital privado, de médio porte, no Rio Grande do Sul. Esta unidade possui capacidade para dez leitos designados a pacientes adultos, dando suporte a patologias clínico-cirúrgicas, neurológicas e traumas, dentre outras. Os dados foram obtidos por meio da consulta aos prontuários dos pacientes internados entre janeiro e dezembro de 2011, identificando-se: sexo, idade, motivo da internação, fluxo de infusão da TNP, quantidade de episódios de hiperglicemia. 2 Para a identificação dos pacientes hiperglicêmicos, utilizou-se o esquema de terapia insulínica utilizado na UTI em questão, prescrito pelo médico rotineiro desta unidade: considerou-se hiperglicemia passível de administração de insulina todos os casos em que o teste glicosimétrico foi igual ou superior a 160 mg/dL, uma vez que, os casos fora deste padrão não recebem insulina. Utilizaram-se como critérios de inclusão: pacientes internados na UTI, entre janeiro e dezembro de 2011, que utilizaram TNP e desenvolveram glicemia maior que 160 mg/dL. Como critérios de exclusão, citam-se: pacientes internados fora do referido período, portadores de Diabetes Mellitus previamente diagnosticada, aqueles não utilizaram TNP e/ou não desenvolveram hiperglicemia concomitante à administração de TNP. Os dados foram armazenados e organizados em formulário próprio, construído no Programa Microsoft Office Excel, para posterior análise descritiva dos resultados, com tratamento percentual dos mesmos. Neste estudo foram observados todos os preceitos éticos, conforme preconiza a Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. Está formalizado um Termo de Confidencialidade dos dados no intuito de preservar o sigilo e a privacidade dos sujeitos cujos dados serão estudados, bem como manter outros compromissos. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFRA, sob o registro CONEP nº 1246 e CEP/UNIFRA 378.2011.2, aprovada em 18 de janeiro de 2012. 3 RESULTADOS Dos 25 pacientes incluídos nesta investigação, 52% são do sexo masculino (n=13) e 48%, do sexo feminino (n=12). Quanto à faixa etária, 32% dos pacientes (n = 8) têm entre 71 e 80 anos; 24% (n = 06), de 81 e 90 anos; 20% (n = 05) estão entre 51 e 60 anos; 16% (n = 04) contam de 61 a 70 anos e 8% (n = 02) estão entre 41 e 50 anos. As idades variaram de 44 a 89 anos (tabela 1). Estes dados denotam que uma parcela significativa dos pacientes que necessitou de TNP se encontra na terceira idade: 18 pacientes (72%) em utilização de TNP se encontram acima de 60 anos. Tabela 1: Caracterização dos pacientes que desenvolveram hiperglicemia concomitante à infusão de TNP quanto ao sexo e faixa etária. Santa Maria-RS, 2012. Faixa etária Sexo 41-50 51-60 61-70 71-80 81-90 TOTAL Masculino 01 04 01 05 02 13 n = 13 (52%) 4% 16% 4% 20% 08% 52% Feminino 01 01 03 03 04 12 n = 12 (48%) 4% 4% 12% 12% 16% 48% Total 8% 20% 16% 32% 24% 100% n = 02 n = 05 n = 04 n = 08 n = 06 N = 25 N = 25 (100%) 8% 20% 16% 32% 24% 100% 3 Os pacientes em utilização de TNP foram internados na UTI devido a diversos e/ou múltiplos problemas ou diagnósticos: pós-operatório (n=7), doenças de origem inflamatória (n=5), neoplasia (n=1), distúrbios renais (n=2), cardiorrespiratórios (n=8), sepse/choque séptico (n=5). Nesse caso, alguns pacientes foram diagnosticados com mais de um problema ou patologia, variando de uma a três por cada paciente. Para os pacientes com necessidade de monitorização mais rigorosa da glicemia capilar, devido a um quadro clínico mais crítico, o fluxo de infusão de TNP variou de acordo com os episódios hiperglicêmicos detectados durante os cuidados de rotina. Sete pacientes apresentaram variação de fluxo de infusão de 21 a 30 ml/h ou 61 e 70 ml/h e sete pacientes tiveram o número de episódios de hiperglicemias dentre um e 10 ou entre 11 e 20. No geral, ocorreu variação total de 11a 90 ml/h de taxa de infusão (tabela 2). Tabela 2: Caracterização da taxa de infusão de TNP e episódios de hiperglicemia (número absoluto). Santa Maria-RS, 2012. Episódios de hiperglicemia (nº de vezes) Fluxo de infusão (ml/h) 1-10 11-20 21-30 31-40 71-80 11-20 2 0 2 0 0 21-30 3 7 3 1 1 31-40 1 1 0 0 0 41-50 0 1 0 1 0 51-60 2 1 1 0 0 61-70 7 2 2 0 1 71-80 0 1 0 0 0 81-90 1 0 0 0 0 TOTAL: N = 41 vezes 16 13 08 02 02 A maior variação de episódios de hiperglicemia ocorreu no intervalo demarcado entre uma e 10 vezes, denotando um número com relativa significância de hiperglicemia. 4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Nesta pesquisa, dos 25 pacientes incluídos, 52% são do sexo masculino e 48%, do sexo feminino, corroborando com um estudo realizado no Brasil o qual relata maior prevalência do uso de TNP em pacientes do sexo masculino (MENDES; MEDEIROS e PAULO, 2008). Quanto à faixa etária, a idade mínima encontrada foi de 44 anos e a máxima de 88, em que se observou uma alta prevalência na população de idosos, uma vez que 72% dos pacientes que desenvolveram hiperglicemia concomitante ao uso de TNP se encontravam na faixa etária dos 61 aos 80 anos. Da mesma forma que o presente estudo evidenciou, Novaes (2005) identificou que os principais motivos de internação dos pacientes em uso de TNP em UTI se referem a complicações na recuperação pós-operatória, doenças do aparelho circulatório, respiratório e digestivo. As doenças do aparelho digestório são intimamente interligadas à TNP, sendo a 4 principal indicação para pacientes impossibilitados de se alimentarem ou receber os nutrientes através do trato gastrintestinal. A TNP deve ser iniciada com baixo fluxo de infusão, devido às suas altas concentrações de cloreto de sódio e glicose, com necessidade de monitorização de eletrólitos e controle glicêmico a cada seis horas até normalizar valores de glicose circulante na corrente sanguínea. A infusão de glicose estimula a secreção de insulina adicional e tem um efeito antilipolítico, suspendendo a saída das gorduras do tecido adiposo, podendo levar o paciente a um estresse metabólico. A hiperglicemia limita a quantidade ofertada de glicose e o grau da hiperglicemia induzida pela TNP é diretamente proporcional à dose de glicose infundida (WEISSMAN, 1999). Muitos pacientes utilizam insulina regular junto à administração de TNP, como componente da fórmula da TNP como administração subcutânea suplementar porque o organismo do paciente, às vezes, não está adaptado à infusão da terapia, que é composta basicamente de glicose ou infundida, na grande parte das vezes, por acesso venoso central (CERRA et al., 1997). Van den Bergue et al., em uma pesquisa sobre pacientes de uma UTI, avaliou o controle glicêmico por meio de um protocolo de uma terapia de infusão contínua de insulina para manter níveis de glicose abaixo de 110 mg/dL, em que observou-se uma redução significativa da morbidade e mortalidade destes pacientes submetidos a TNP. Em se tratando do cuidado acerca da assistência ao paciente em uso de TNP, salienta-se que a Resolução COFEN nº 277/2003 determina que o enfermeiro atente sempre para a velocidade correta da infusão, devendo esta ser gradativa, conforme a aceitação do paciente, verifique o aprazamento das glicemias capilares, bem como registre e averigue o preparo da solução pelo rótulo e prescrição, atente para a validade dos sistemas, conexões e avalie a adequação da oferta de glicose como continuidade da prescrição nutricional. Ainda, conforme o COFEN (2003), quanto à avaliação final do paciente, antes da interrupção ou suspensão da TNP, o mesmo deve ser avaliado pela equipe multiprofissional (enfermeiro, nutricionista e médico) em relação à capacidade de atender às suas necessidades nutricionais por via digestiva, avaliar a presença de complicações que ponham o paciente em risco de vida e a possibilidade de alcançar os objetivos propostos pela recuperação com a TNP, conforme normas médicas e legais. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A TNP proporciona uma efetiva contribuição na recuperação dos pacientes internados em UTIs, uma vez que fornece todos os nutrientes essenciais para a manutenção do organismo que se encontra impossibilitado de metabolizá-los através da via enteral. 5 Dentre os 25 pacientes em uso de TNP estudados, predominou o sexo masculino. O pós-operatório foi o diagnóstico de maior prevalência como motivo para internação na UTI, sendo um fator contribuinte pela maior necessidade de utilização da TNP, sobretudo porque a principal indicação desta terapia está relacionada ao impedimento do uso do aparelho gastrointestinal. O que observou é a necessidade de monitorização contínua destes pacientes a fim de prevenir e minimizar agravamento de seu quadro clínico. Por conseguinte, sugere-se a realização de mais estudos acerca da presente temática, visto que são escassos, ainda, no Brasil. Tal fato permitirá uma melhor análise para o desenvolvimento dos cuidados de enfermagem aos pacientes internados em UTI que fazem uso TNP. Ademais, acredita-se ser premente a criação e a prática efetiva de normas e protocolos individualizados direcionados à efetividade da administração da TNP, especialmente sobre os cuidados de enfermagem associados, considerando as condições fisiopatológicas de cada paciente, como forma de praticar o cuidado de maneira eficaz, ética e humana no dia a dia das UTIs. REFERÊNCIAS BONET A.; GRAU, T. Grupo de Trabajo de Metabolismo y Nutrición de la Sociedad Española de Medicina Intensiva Critica y Unidades Coronarias. Estudio multicéntrico de incidencia de las complicaciones de la nutrición parenteral total en el paciente grave. Estudio ICOMEP – parte 1 - Nutrición Hospitalaria, v. 20, p. 268-277, 2005. Disponivel em: <http://scielo.isciii.es/scielo.php?pid=S0212-16112005000600007&script=sci_arttext>. Acesso em: 13 set. 2011. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 272 de 8 de abril de 1998. Regulamento técnico e requisitos mínimos exigidos para terapia de nutrição parenteral. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1998. 3 p. Disponível em: <http://www.nutricritical.com/ core/files/figuras/file/PORTARIA_272.pdf>. Acesso em: 13 set. 2011. CERRA FB et al - Applied nutrition in ICU patients. A consensus statement of the American College of Chest Physicians. Chest. 1997;111:769-778. COFEN. Resolução nº 277 16 de junho de 2003. Dispõe sobre a ministração de Nutrição Parenteral e Enteral. 2003. Disponível em: <http://site.portalcofen.gov.br/ node/4313>. Acesso em: 13 set. 2011. GOMES, M. J. V. M.; REIS, A. M. M. Ciências farmacêuticas - uma abordagem em farmácia hospitalar. São Paulo: Atheneu, 2003. p. 449-469. MENDES, A. S.; MEDEIROS P. A. D.; PAULO P. T. C. Perfil de pacientes submetidos à terapia de nutrição parenteral em um hospital público. Rev. Bras. Farm., v. 89, n. 4, p. 373375, 2008. Disponível em: <www.esp.ce.gov.br/index.php?option=com> Acesso em: 13 set. 2011. 6 NOVAES, M. R. C. G. Atuação do farmacêutico hospitalar na equipe multidisciplinar de terapia utricional parenteral. Prática Hospitalar, v. 7, n. 40, 2005. VAN DEN BERGHE G. et al. Intensive insulin therapy in critically ill patients. New Engl J Med, 2001. p. 1359-1367. Disponível em: <http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/ NEJMoa011300>. Acesso em: 12 set. 2011. WEISSMAN, C. Nutrition in the intensive care unit. Crit Care, v. 3, p. 67-75, 1999. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC137235/>. Acesso em: 13 set. 2011. NASRAWAY, S. A. J. Hyperglycemia during critical ilness. J Parenter Enteral Nutr, v. 30, p. 254-258, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid= S0103-507X2007000100012>. Acesso em: 13 set. 2011. LLOP-TALAVERÓN, J. et al. Pharmaceutical interventions in metabolic and nutritional followup of surgical patients receiving parenteral nutrition. Farmacia Hospitalaria, Madrid, v. 32, n. 4, p. 216-225, 2009. 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