portugal: ascensão e queda

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PORTUGAL: ASCENSÃO
E
QUEDA
JAIME NOGUEIRA PINTO
P O RT U G A L:
ASCENSÃO E QUEDA
Ideias e Políticas
de Uma Nação Singular
Com a colaboração de
INÊS PINTO BASTO
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JAIME NOGUEIRA PINTO
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PORTUGAL: ASCENSÃO
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ÍNDICE
I. Ascensão e Queda
II. Da Fundação à Primeira Crise
III. Os Caminhos do Mar Oriente
IV. Maquiavel em Portugal
V. Sebastianismo: Derrota, Sujeição e Mito
VI. O Déspota Lusitano
VII. Portugal e a Revolução
VIII. A Partilha de África
IX. A República Jacobina
X. A República Autoritária
XI. Portugal na Guerra de Espanha
XII. Orgulhosamente Neutros
XIII. Um Império Contra as Nações Unidas
XIV. Da Última Revolução à Última Crise
11
39
49
71
97
115
125
137
145
153
183
193
209
237
Notas
%LEOLRJUDÀD&LWDGD
Índice Onomástico
265
283
307
9
JAIME NOGUEIRA PINTO
10
PORTUGAL: ASCENSÃO
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I
ASCENSÃO E QUEDA
A decadência no Ocidente
A consciência do tempo histórico como um tempo de ascensão e queda, um tempo de sucessivas mudanças de mentalidades
e formas de governo, surge no Livro de Daniel com o sonho de
Nabucodonosor e depois na obra de Políbio. Na senda de Aristóteles e de Platão, Políbio refere-se ao ciclo dos regimes políticos
(anacyclosis) mais do que à ascensão e queda das comunidades, mas
não deixa de confrontar as causas da degeneração das instituições,
dos costumes e dos povos.
1DVUHÁH[}HVGH7iFLWRVREUHRFLFORSROtWLFRFUtWLFDVGDPRGHUnidade pós-republicana, não faltam também referências à decadência imperial, à alteração dos costumes e à perda de valores. Santo
Agostinho, no século IV, retoma o tema.
Mas só em Leonardo Bruni (1369-1444) encontramos a ideia moderna de decadência ou de declínio de um Império, de um Estado,
GHXPD1DomRRXGHXPD&LGDGH3ROtWLFRÁRUHQWLQRHVHUYLGRUGH
papas, é Bruni quem primeiro se refere à decadência como vacilatio,
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JAIME NOGUEIRA PINTO
a propósito da crise do Império Romano. No século XV, um outro
humanista, Flavio Biondo (1392-1463), dedicado ao estudo da anWLJDWRSRJUDÀDHGRVXVRVHFRVWXPHVGRVURPDQRVUHWRPDRWypico da decadência em Historiarum ab Inclinatione Romanorum Imperii
Decades, optando pelo termo inclinatio.
Montesquieu (1689-1755), com as Considérations sur les causes de
la grandeur des romains et de leur décadence, e Gibbon (1737-1794), com
Decline and Fall of the Roman Empire, publicado em seis volumes entre 1766 e 1788, vêm depois consolidar os conceitos de grandeza e
decadência, de ascensão e queda dos impérios. Vão fazê-lo através
da observação das características dos dois estádios – o alto e o baixo – e da análise, por vezes polémica, das causas da mudança ou
GDÁXWXDomR2VVHXVHVWXGRVYmRHVWDEHOHFHUXPDWHRULDRXXPD
ÀORVRÀDGD+LVWyULDGHSRLVUHWRPDGDHGHVHQYROYLGDSRUGLVFtSXlos e continuadores.
O modelo é sempre o Império Romano e é sobre ele que escrevem historiadores e pensadores como Ernest Renan, Georges
Sorel e Ferdinand Lot, já nos séculos XIX e XX. É, no entanto, em
1918, com a publicação do primeiro volume de Der Untergang des
Abendlandes (A Decadência do Ocidente), de Oswald Spengler, que o
tema assume a sua forma contemporânea.1
A Decadência do Ocidente, cujo segundo volume sairia em 1923,
foi, à partida, uma obra polémica. Para os primeiros críticos, o livro
era metafísico, dogmático e determinístico, não podendo, portanto,
FRQVLGHUDUVHXPDREUDVpULDHPWHUPRVKLVWRULRJUiÀFRVFLHQWtÀFRV
e académicos, apesar da enorme erudição demonstrada.2
Spengler trazia novidades, e algumas de choque, contrariando
IURQWDOPHQWHDLGHLDGD+LVWyULDFRPRSURJUHVVRDWpDtGRPLQDQWH
$FRQFHSomRGD+LVWyULDFRPRPDUFKDGHDSHUIHLoRDPHQWRHGHsenvolvimento cultural, técnico e até moral, vinha do cristianismo,
FRPRÀPGRVWHPSRVHRFXPSULPHQWRGDVSURIHFLDVGD6HJXQda Vinda, e laicizara-se com o Iluminismo europeu, dos enciclo-
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PORTUGAL: ASCENSÃO
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SHGLVWDVD+HJHO1LHW]VFKHMiYLHUDS{ODHPFDXVDPDV6SHQJOHU
atacava noutro sentido a universalidade da ideia: não nos devíamos centrar no Ocidente como se este detivesse o monopólio da
civilização; as civilizações eram múltiplas e plurais – começavam
FRPRFXOWXUDVIRUWHVYROWDGDVSDUDVLPHVPDVFRQÀDQWHVDJUHVVLvas, passavam depois a civilizações, atingiam o apogeu, iniciavam a
queda e morriam. Outra ideia-chave do livro era a de que, não apenas em Roma mas noutras civilizações, o processo de decadência
HQYROYLDVHPSUHXPDUXSWXUDLQVWLWXFLRQDOFRPRUHFXUVRVDOYtÀFR
o aparecimento do cesarismo, do homem providencial e salvador,
que detinha ou invertia a marcha para o abismo. Era o césar, o heUyLJXHUUHLURHPLOLWDUTXHSHODHVSDGDSXQKDWHUPRDRVFRQÁLWRV
dos grandes e patrícios, parava o inimigo externo e disciplinava a
anarquia dos demagogos.
Eram ideias fáceis e férteis nesses anos 20 europeus, em que um
césar revolucionário despontava na Rússia bolchevique e outro na
Itália fascista, e em que pela Europa fora, da Polónia e dos Balcãs
à Península Ibérica, apareciam ditadores militares. Também na Alemanha derrotada, humilhada pelo Diktaat de Versailles, se esperava
por alguém assim.
O editor vienense do livro de Spengler, Braumüller, começara
por uma edição modesta, mas a relativa impopularidade da obra
duraria pouco. Em 1926 o livro tinha já vendido mais de cem mil
exemplares na Alemanha e fora traduzido nas principais línguas
HXURSHLDVHVWHQGHQGRVHDVXDLQÁXrQFLDPXLWRDOpPGRVFtUFXORV
políticos e militares.
F. Scott Fitzgerald declarou ter lido A Decadência no tempo em
que escrevia The Great Gatsby, e o seu vilão, Tom Buchanan, aparece
como alguém que, pela primeira vez na vida, se deixa deprimir por
um livro: The Rise of the Colored Empires. 2OLYURÀFWtFLRTXHGHSULPH
Buchanan, de um tal Goddard, antevê a queda da raça branca e da
civilização ocidental e a ascensão de outras raças e impérios.3 Pou-
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co depois, Evelyn Waugh também evoca Spengler no título de uma
QRYHODDXWRELRJUiÀFDFUtWLFDGDVRFLHGDGHLQJOHVDDecline and Fall.
A Decadência do Ocidente integrava-se numa tendência generalizada
mas traduzia também a circunstância particular da Alemanha derrotada pelos anglo-saxões e pela França. O pessimismo do autor
UHÁHFWLDRHVStULWRGDVHOLWHVFRQVHUYDGRUDVDOHPmVSHUDQWHDGHUURWD
GHR'LNWDDWGH9HUVDLOOHVDKtSHULQÁDomRDDPHDoDUHYROXcionária e a dissolução dos costumes. Mais tarde, em Anos Decisivos
(publicado em 1933), Spengler desenvolveria a tese do cesarismo.
+LWOHUHRVQDFLRQDLVVRFLDOLVWDVHVWDYDPDFKHJDUDRSRGHUPDV
apesar dos paralelos teóricos e práticos, não o consagrariam como
maître-à-penser. Nem tão-pouco Spengler, que morreria em 1936, se
poderia rever neles.
A decadência, a partir do topo da ascensão e como processo e
caminho da queda, volta ao Ocidente depois da Segunda Guerra
Mundial, ecoando o recuo de uma Europa dividida entre Leste e
2HVWHHQWUHEORFRVGHLQÁXrQFLDOLGHUDGRVSHODVSRWrQFLDVYHQFHdoras. Sofrendo a perda dos impérios coloniais ultramarinos e um
SURJUHVVLYRDWUDVRQDLQRYDomRFLHQWtÀFDWHFQROyJLFDHLQGXVWULDO
esta Europa confrontava-se com a ascensão rápida e poderosa dos
impérios soviético e americano, sobretudo a partir de 1945. Daí em
diante, a supremacia americana em relação à velha Europa seria um
tópico constante entre a intelectualidade europeia, como no famoso best-seller francês dos anos 60 /HGpÀDPHULFDLQ, de Jean-Jacques
Servan-Schreiber.
Mais recentemente, Paul Kennedy (The Rise and Fall of the Great
Powers, 1987) e Niall Ferguson (Colossus: The Rise and Fall of the American Empire, 2004) centrar-se-iam no que passara também a considerar-se a rápida ascensão e queda do império americano. Ferguson,
que em 2002 escrevera já um volume para o caso britânico (Empire,
the Rise and Demise of the British World Order and the Lessons for Global
Power), volta ao tema da queda do Ocidente no seu livro mais re-
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cente: The Great Degeneration: How Institutions Decay and Economies Die
(2012).4 A decadência do Ocidente euro-americano é aqui analisada
jOX]GDFULVHHFRQyPLFDHÀQDQFHLUDGRV~OWLPRVDQRVHGDDVFHQsão de novos poderes. Os sintomas do declínio são a desaceleração do crescimento económico, a escalada das dívidas nacionais, o
envelhecimento da população e a generalização de comportamentos anti-sociais.
Não estamos longe daquilo a que Montesquieu, Gibbon ou,
mais tarde, Rostovtzeff apontaram como as causas da decadência de Roma e do Mundo Antigo. Em 1500, argumenta Ferguson,
o Ocidente tinha um nível de vida e de riqueza equivalente ao do
resto do mundo, nível esse que, quinhentos anos depois, seria vinte vezes superior.
É este mesmo Ocidente que agora se encontra em declínio, em
curva descendente, em processo de degeneração. E essa degeneração, defende Ferguson, é indissociável da corrupção das instituições
ocidentais: governo representativo, mercado livre, sociedade civil e
império da lei. A degradação destas instituições explica a decadência e a perda relativa em poder nacional e económico do Ocidente
para poderes emergentes como a China e os outros BRICs – Brasil, Rússia e Índia.
O ciclo português
Em Portugal, o caminho para a ascensão, a aventura das Descobertas que levaria à expansão ultramarina e ao Império, foi desde
logo visto por muitos como causa da degenerescência dos antigos
costumes do reino, abrindo uma divisão no poder e na nação. Além
GRFRQÁLWRJHRHVWUDWpJLFRTXHRS{VRVLQIDQWHVGH$YLV²'3HGUR
HXURSHtVWDH'+HQULTXHXOWUDPDULQLVWD²QmRIDOWDUDPRVFUtWLcos da corrupção que as especiarias e os ouros das Índias trariam.
Gil Vicente e Sá de Miranda falaram por todos e Camões sentiu-se
obrigado a dar voz aos cépticos, com o Velho do Restelo.
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Alguns têm querido ver no Velho do Restelo, não apenas a voz
de uma corrente que se opunha à expansão, mas o endosso, pelo
próprio Camões, dessas críticas, como se o poeta estivesse, num
episódio do poema, a contradizer-se, negando toda a gesta cantada. A corrente a que Camões dá voz com o Velho do Restelo é importante e está bem expressa, por exemplo, em Sá de Miranda, na
«Carta a António Pereira, Senhor de Basto». A expansão não é vista como uma forma de garantir e reforçar a independência e a riqueza do país, mas, ao contrário, como uma hemorragia de gente e
de recursos que desvirtua o reino, sujeitando Portugal à corrupção
dos próprios portugueses e à cobiça dos estranhos.5
Também pode encontrar-se no famoso Velho uma crítica à
aventura oriental, em detrimento da cruzada e guerra de Marrocos:
Deixas criar às portas o inimigo
por ires buscar outro de tão longe,
por quem se despovoe o Reino antigo
se enfraqueça e se vá deitando a longe;
buscas o incerto e incógnito perigo
por que a Fama te exalte e te lisonje
Chamando-te senhor com larga cópia
Da Índia, Pérsia, Arábia e da Etiópia .6
Camões descreve o debate e a polémica de então e dá voz aos
que viam na expansão para longes terras um perigo para a identidade e independência do Reino, indo ao ponto de expor a ambição e a vanglória do rei de Portugal nos seus títulos de senhor
do Oriente.
Os custos da epopeia estão também nos clássicos de Diogo do
Couto e Gaspar Correia, bem como na tradição das histórias de naufrágios, anteriores e posteriores à História Trágico-Marítima, de BernarGR*RPHVGH%ULWR+DYLDDRWHPSRGH&DP}HVUHJLVWRV
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rigorosos dos navios da Carreira das Índias, os desastres e naufrágios ocorridos no regresso do Oriente eram conhecidos, e o poeta
não deixa também de dar conta deles, como no episódio do naufrágio de Sepúlveda.7
A par das preocupações e motivações iniciais – combater o Islão e chegar à Índia e às rotas das especiarias – e apesar dos custos
humanos e materiais das navegações, houve sempre em Portugal a
consciência explícita ou implícita de que eram as áreas de expansão
que asseguravam, em termos territoriais, políticos e económicos, o
equilíbrio em relação a Espanha, isto é, que nos garantiam a independência. Assim, enquanto para romanos, espanhóis, ingleses e
americanos o Império implicou uma ambição de hegemonia mundial, para nós teve um carácter defensivo. Daqui deriva a relação
especial com os espaços de expansão, que constitui a singularidade
GD+LVWyULD3ROtWLFDSRUWXJXHVDHPUHODomRjVPDWUL]HVHXURSHLDV
Também por isto, a questão da decadência em Portugal nunca
se confrontou com os problemas e as lições da decadência de um
grande Império da Antiguidade, como o Império Romano. Nem
tal faria sentido. O império português durou, no seu apogeu, um
século a século e meio – entre Ceuta, em 1415, e a morte de Albuquerque, em 1515, ou entre Ceuta e a perda da independência, em
1580. E foi um império marítimo e comercial, com uma projecção
maior na medida em que, no século XVI, com possessões em três
continentes e esquadras em três oceanos, a sua dimensão ultramarina contrastava com a exiguidade da metrópole.
+RXYHGHVGHDPRUWHGH$OEXTXHUTXHXPDFRQVFLrQFLDGRGHclínio do Império do Oriente. O Soldado Prático, de Diogo do Couto, é uma espécie de advogado do Diabo das glórias lusitanas e na
Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, as peripécias da gesta portuguesa chegam-nos numa admirável narrativa épico-pícara.
1XPWHPSRHPTXHDQWHYrRVHXSUySULRÀPHRÀPGD3iWULD
Camões não deixa de referir, no epílogo de Os Lusíadas, a «apagada
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e vil tristeza» de um reino de «gente surda e endurecida» que desmerece os que «ledos vão» pelas «várias vias» do Império.8
Assim, o tema da decadência e da ascensão e queda do Império
atendeu, entre nós, às voltas cíclicas, aos altos e baixos do poder
nacional, como garantia da liberdade e da independência do Estado
HGRSDtV1HVWDSHUFHSomRKiVHPSUHDÀUPDGDRXVXEHQWHQGLGD
uma estratégia defensiva contra a absorção, primeiro por Castela
e depois por Espanha. A extensão da soberania das terras do rei e
do Reino, o controlo de rotas marítimas e comerciais no Atlântico
HQRÌQGLFRFRPRVVHXVÁX[RVGHLQÁXrQFLDHULTXH]DDVVHJXUDvam o poder nacional português na Península.
1HVVHVHQWLGRD+LVWyULDSRUWXJXHVDpXPDKLVWyULDGLItFLOWUiJLFD
de riscos, com ciclos de ascensão e queda cada vez mais apertados.
Não tem, na sua versão imperial, nada que ver com a projecção do
poder hegemónico da Espanha dos Áustrias no século XVII, ou da
Grã-Bretanha nos séculos XVIII e XIX, ou ainda dos Estados Unidos
na segunda metade do século XX.
)RLVREUHWXGRQRÀQDOGRVpFXOR XIX que a questão da decadência portuguesa em relação à Europa ganhou dimensão pública. A perda do comércio do Índico e a independência do Brasil,
WLQKDPMiVLGRSDUDPXLWRVSHQVDGRUHVGRVÀQDLVGRVpFXOR XIX e
dos princípios do século XXXPDFRQÀUPDomRGDGHFDGrQFLDQDcional. Mas a sua percepção dos Descobrimentos e do Império foi
quase sempre ambígua e até contraditória. Absorvendo as críticas
da cultura europeia ilustrada aos impérios peninsulares – católicos
e de direcção central –, esta elite cosmopolita censurava, por um
lado, a invasão e opressão de outros povos e a perda de vidas e recursos próprios, lamentando, por outro, que não tivéssemos explorado bem os territórios e as populações, como os povos do norte,
esses sim, verdadeiramente capitalistas e imperialistas.
A ideia de um Portugal de costas voltadas para a Europa, ou que a
partir do século XVI teria abandonado a Europa em consequência da
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&RQWUD5HIRUPDFDXVDSULQFLSDOGD©GHFDGrQFLDSHQLQVXODUªÀ[DVH
com Antero de Quental nas Causas da Decadência dos Povos Peninsulares$WHVHUHVXOWDGDFRQFHSomRGHXPD(XURSDLGHQWLÀFDGDFRPR
movimento evolutivo Reforma-Ilustração-Progresso e de uma Península Ibérica que teria estagnado na opção contrária. A ideia foi
depois desenvolvida por António Sérgio, em 1926, numa conferência em Coimbra posteriormente publicada sob o título «O Reino
Cadaveroso ou o Problema da Cultura em Portugal».9
Nos sucessivos prefácios ao Portugal Contemporâneo, Oliveira MarWLQVWUDoDHPPRGRGHPHGLWDomRGHÀORVRÀDGD+LVWyULDHGHGLDJnóstico moral, o que é para ele o drama insanável da nação.
0DUWLQVHVFUHYHD+LVWyULDSUy[LPDGH3RUWXJDOGDVLQYDV}HV
francesas à Regeneração, história que vai conduzir ao seu Portugal,
RGRVÀQDLVGRVpFXOR XIXRGRÀPGD5HJHQHUDomRHGDKXPLlhação do Ultimato, com uma tensão dramática que lembra algumas passagens de Tucídides ou de Tácito ou mesmo a narrativa
da tragédia isabelina. Numa linguagem de imagens orgânicas, fala
em «febre» e em «epilepsia portuguesa», em «nação enlouquecida» e em «chaga do Reino» num país que vê «de joelhos perante
o deus Fomento».10
Esta nota de extremo pessimismo estende-se a toda a Geração
de Setenta e transmite-se às gerações futuras. Os seus dois pensadores mais profundos, Antero e o próprio Martins, ambos com raízes culturais no pensamento alemão, consideram a subordinação à
Grã-Bretanha o grande travão à independência nacional.
Por isso, para eles, a decadência é uma decadência em relação
à Europa, o declínio de um Portugal entre a absorção espanhola
e a vassalagem ao inglês. Perigos e espectros que vão ditar o nosso divórcio cultural do Continente.
As referências aos custos humanos e materiais, às injustiças e
iniquidades dos poderosos, aos sacrifícios da gente humilde, aos
peculatos, à corrupção e às deserções da gesta da Expansão tinham
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JAIME NOGUEIRA PINTO
sido, em Camões e nos seus contemporâneos, uma descrição realista
GDVGLÀFXOGDGHVGDHPSUHVDGDV'HVFREHUWDVHGDV&RQTXLVWDVHP
QRPHGDYHUGDGHHGRDFRQWHFLGRPDVWDPEpPFRPRJORULÀFDomR
do que de grande fora feito, apesar de todos os males. No século
XIX, os autores da Geração de Setenta vão centrar-se nestes factos
e episódios e dar-lhes uma interpretação decadentista: Antero criticará o modelo da economia do Império – o capitalismo centralista
da Coroa – lamentando a ausência de uma classe mercantil de tipo
holandês ou inglês; Oliveira Martins, fará comentários duríssimos
sobre os portugueses da Índia:
Foram, saquearam, encheram os bolsos de dinheiro. De volta
na nau abarrotada de riquezas, quando não naufragavam na terra
dos negros, espalhavam por todo o reino essa semente de corrupção, essa fúria de gozar, esse desprezo do escrúpulo, essa ausência
de toda a espécie de medo.11
Era daqui que vinham os males da cultura, da política e da economia do país. Desde o Fundador até ao rei de Boa Memória que as
tarefas da garantia da independência e da preparação para a aventura
das Descobertas tinham ocupado os portugueses. Depois, houvera
o grande esforço das viagens e conquistas de além-mar. No século
XVI, o esgotamento imperial de um império de três oceanos e três
continentes, a repressão do catolicismo de Trento e da Inquisição,
teriam sufocado a criatividade e originalidade do país, bloqueando
a mudança. Mudança que os povos do norte, graças à Reforma, à
burguesia e ao constitucionalismo precoce, tinham empreendido.
E depois da formação das grandes potências continentais e da Conferência de Berlim, o país estava na cauda da Europa.
Eça de Queirós, nos Maias, dava voz a um país onde a civili]DomRVHYLYLDHPVHJXQGDPmRHQRVÀFDYD©FXUWDQDVPDQJDVª
Éramos iguais aos negros de São Tomé na ânsia e na ilusão de nos
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sentirmos europeus e civilizados. Mas da fala de João da Ega perpassa também, não só a autocrítica de uma elite que não era alheia
a esta importação servil, censurada e usufruída entre charutos, mas
uma relação singular e de incómoda proximidade com os espaços
e os povos colonizados:
²>@$TXLLPSRUWDVHWXGR/HLVLGHLDVÀORVRÀDVWHRULDVDVsuntos, estéticas, ciências, estilo, indústrias, modas, maneiras, pilhérias, tudo vem em caixotes pelo paquete. A civilização custa-nos
caríssimo, com os direitos de Alfândega: e é em segunda mão, não
IRLIHLWDSDUDQyVÀFDQRVFXUWDQDVPDQJDV«1yVMXOJDPRQRV
civilizados como os negros de S. Tomé se supõem cavalheiros, se
supõem mesmo brancos, por usarem com a tanga uma casaca velha
GRSDWUmR«,VWRpXPDFKROGUDWRUSH2QGHSXVHXDFKDUXWHLUD"12
Esta imagem de um país em segunda mão, em ruptura com a
Europa ou na sua cauda, persistiu como dominante, fazendo de
3RUWXJDOHGD+LVWyULD3ROtWLFDSRUWXJXHVDSDUDXQVFRP(VSDQKD
para outros sem ela) um fenómeno à parte, isolado e marginalizado da matriz europeia. Foi um Portugal vergonhosamente só o que
QRVÀFRXGRVHVFULWRVGHDOJXQVGRVPDLVQRWiYHLVSHQVDGRUHVH
poetas dos séculos XIX e XX e o que, mais tarde, durante o Estado
Novo, mereceu o favor político de parte substancial da intelectualidade doméstica.
Para os modernistas, Portugal, sendo, como em Eça, o selvagem da Europa, era também decadente como e com uma Europa
WRUQDGDGHÀQLWLYDPHQWH©FDVDFDYHOKDGRSDWUmRª0DVHUDSUHFLVDmente esta duplicidade e esta excepcionalidade que lhe conferia um
SRWHQFLDOVDOYtÀFR$WUDYpVGHXPDHVSpFLHGHSXUJDJHUDOHGHXP
recomeço do zero, que oscilava entre o espiritual e o metafísico e o
PHUDPHQWHHVWpWLFRÀFWtFLRRXPHVPRSDUyGLFR3RUWXJDOSRGHULD
vir a ser o rosto da ressurreição da Europa decadente.
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JAIME NOGUEIRA PINTO
Almada Negreiros, no Manifesto Anti-Dantas, chamara-lhe «o exílio dos degredados e dos indiferentes, a África reclusa dos europeus,
o entulho das desvantagens e dos sobejos» e, mais tarde, «pedaço de
terra ibérica que sobeja do tamanho da bandeira espanhola». Mas
este Portugal «anti-higiénico» e selvagem de Almada, desprezível
resto de tudo, até de Espanha, fora já, no seu apogeu, a pátria «dos
modernistas da expansão europeia» e podia, hipoteticamente (ou
só esteticamente) e depois de devidamente expurgado, voltar a dar
novos mundos a uma Europa em falência.13
No Ultimatum de Álvaro de Campos, assistíamos à «falência total
de tudo por causa de todos e de todos por causa de tudo»: Portugal
era decadente em relação à civilização ocidental, mas era também
decadente como e com ela. Na Mensagem de Pessoa, é de uma EuURSDTXHMD]TXH3RUWXJDOVHWRUQDURVWRDÀWDURIXWXUR2H[WUHPR
ocidental do Continente, de cauda, passa a rosto, olhar esfíngico a
ÀWDUXPPXQGRPDLRUFDSWDGRQRPRPHQWRH[DFWRTXHDQWHFHGH
simultaneamente a ascensão passada, o império material, e a ressurreição futura, o império espiritual, expressão última das Descobertas.
$+LVWyULDGH3RUWXJDOpQDMensagem, um caminho de ascensão
até às Descobertas, até ao apogeu, até ao momento em que surge
o Infante («O único imperador que tem deveras,/O globo mundo em sua mão») e em que se vê «A terra inteira, de repente/Surgir redonda do azul profundo». Assim, D. Tareja é «mãe de Reis e
avó de impérios», D. Dinis, «plantador de naus a haver», D. Filipa
GH/HQFDVWUH©+XPDQRYHQWUHGRLPSpULRªH'1XQRÉOYDUHV3Hreira o que «ergue a luz da espada para a estrada se ver». Depois de
Alcácer-Quibir, vem um longo tempo sebástico, de dependência,
de decadência, de nevoeiro, de espera. A «apagada e vil tristeza» do
Portugal de Camões é, no presente de Pessoa, «fulgor baço de terra a entristecer», em que «ninguém conhece que alma tem». Mas
Portugal, tendo conhecido o apogeu, o vislumbre pioneiro da terra
inteira que lhe permitiu sobreviver no Velho Continente e dar-lhe
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novos mundos, viverá sempre com uma «ânsia distante» que «perto chora». O pessoano «desejar poder querer» é o vago desejo que
antecede a vontade nacional, uma ânsia distante fundada na memória da glória passada e de olhos postos na chegada de uma qualquer hora futura que volte a empurrar a nação para outros longes.14
Foi sempre na Europa – e no extremo da Europa –, em reais ou
supostas retaguardas e vanguardas, que Portugal viveu os seus vários
desfasamentos, as suas várias solidões vergonhosas ou orgulhosas:
ora dominado por ela e copiando servil ou caricaturalmente o que
GHOiOKHYLQKDRUDDÀUPDQGRDVXDVLQJXODULGDGHTXDVHVHPSUH
indissociável dos espaços ultramarinos.
Aqui, onde a Europa acaba e o mar começa
$+LVWyULD3ROtWLFDSRUWXJXHVDVHPSUHUHÁHFWLXDVLQTXLHWDo}HV
DV SROpPLFDV DV FRUUHQWHV H RV PRYLPHQWRV GD +LVWyULD 3ROtWLFD
europeia.
Não fomos uma espécie de Rússia exótica do Extremo-Ocidente, isolada e separada pelos Pirenéus e pela Espanha dos problemas, das tensões, das novidades e das soluções europeias que aqui
nos foram chegando. Vivemos na Europa muito antes de 1986 e
das presentes venturas e desventuras da União e da Moeda Única.
Para o bem e para o mal, estivemos na Europa desde que os
&UX]DGRVHPDMXGDUDP'$IRQVR+HQULTXHVDFRQTXLVWDU
Lisboa com a sua experiência militar e as suas máquinas de assédio.
Mas se a história das ideias e das formas de civilização em Portugal é paralela à da Europa Ocidental, há sinais de desfasamento,
quer de atraso, quer de pioneirismo, em matéria de ideias e de instituições políticas.
Esta diferença cultural e política e esta assincronia devem-se, sobretudo, à especial relação com os espaços de além-mar e à política
GHDOLDQoDVDTXHQRVREULJRXDJHRJUDÀD3DUDFRQIURQWDURSRGHU
de Madrid, as lideranças nacionais optaram por criar e manter uma
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JAIME NOGUEIRA PINTO
relação privilegiada com a Grã-Bretanha, que teve como contrapartida a dependência económica e que, no século XIX, nos trouxe
também uma forte dependência política.
1RVÀQDLVGRVpFXORXIV, com a crise de 1383-1385, vemos em
3RUWXJDOXPDDÀUPDomRGHQDFLRQDOLVPRavant-la-lettre, quando parte do país contestou o herdeiro legal do trono, D. João de Castela,
FDVDGRFRPD~QLFDÀOKDOHJtWLPDGH')HUQDQGR'%HDWUL](VWH
nacionalismo precoce, como consciência de um destino político e
da necessidade de defesa da identidade e da independência daí decorrentes, só muito mais tarde apareceria no resto da Europa.
Pelo contrário, temos, até 1974-75, a persistência de instituições autoritárias e de um império ultramarino, quando tais instituições e impérios tinham já desaparecido da Europa Ocidental.
'HVGH R ,QIDQWH ' +HQULTXH TXH DXWRULGDGH FHQWUDO H ,PSpULR
eram interdependentes e, na segunda metade do século XX, a manutenção dos territórios de além-mar na soberania portuguesa foi
considerada pelos governantes do Estado Novo incompatível com
soluções democráticas.
No reinado de D. Manuel I (1497-1521), o regime económico
das Descobertas foi o chamado capitalismo da Coroa, um dirigismo tributário que coincidiu com o apogeu do Império. Ao Rei VenWXURVRVXFHGHXRVHXÀOKR'-RmR,,,o Piedoso, que, por ter sido
o introdutor da Inquisição em Portugal e um adepto fervoroso da
Contra-Reforma tridentina, se tornou um símbolo conveniente do
início da decadência, até porque foi também no seu reinado que se
deu a primeira contracção imperial, com o abandono de algumas
praças de Marrocos.
Será também por causa de Marrocos que D. Sebastião partirá
para a sua jornada de África, que acabará em Alcácer-Quibir, a 4
de Agosto de 1578, deixando o trono vago. Este gesto de um rei
cavaleiro, esgotado há muito na Europa o tempo das Cruzadas, irá,
pelo modo da gesta e pelo seu desfecho trágico, inspirar um mito e
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PORTUGAL: ASCENSÃO
E
QUEDA
uma tradição singulares. Um mito que animará a resistência nacional aos Filipes e perdurará como tradição política e cultural, renovando-se em horas de crise.
A partir de 1580, a União Real com Espanha trouxe para o império ultramarino altos custos, já que os inimigos de Madrid, holandeses, ingleses e franceses, nos foram atacando e pilhando fortalezas,
navios e mercados, no Brasil, em África e no Extremo-Oriente.
A Restauração marcou uma reacção à decadência e a recuperação de uma estratégia nacional que levou à reconquista de Angola
e do Brasil aos holandeses e à paz vitoriosa com Espanha de 1668.
A partir daqui, e apesar de o iberismo estar sempre latente de um
e do outro lado da fronteira, acordando, cá e lá, nos momentos de
desencanto, a capitulação portuguesa perante o vizinho não voltaria a repetir-se.
Esta singularidade nacional em relação às terras de descoberta
e conquista não afectou, quanto às ideias e às ideias políticas, a integração de Portugal no espírito e na prática da Europa, sobretudo
a partir do moderno sistema de Estados, inaugurado em Vestfália.
O país foi vivendo os acontecimentos políticos e militares do
&RQWLQHQWHD*XHUUDGD6XFHVVmRGH(VSDQKDRVFRQÁLWRVIUDQco-britânicos do século XVIII, que apanharam a euforia do ouro
brasileiro com D. João V e o consulado de Pombal, as guerras da
Revolução e do Império napoleónico. A partir do século XIX, tal
como o resto da Europa, Portugal conheceu as novidades ideológicas e institucionais das revoluções e constituições liberais, sobretudo as vindas de França e de Espanha.
Sob o pano de fundo das Invasões Francesas, vivemos as polémicas europeias, a partir de uma periferia economicamente dependente
da Grã-Bretanha. Assistimos ao duelo entre as forças revolucionárias ou progressistas – liberais, constitucionalistas, inimigas da moQDUTXLDDEVROXWDHGRSRGHUHGDLQÁXrQFLDGD,JUHMD&DWyOLFD²H
as de um Portugal contra-revolucionário – tradicionalista, católico
25
JAIME NOGUEIRA PINTO
HPRQiUTXLFROHJLWLPLVWD(VWHFRQÁLWRLQVFUHYHXVHQXPDOXWDIUDtricida na casa de Bragança, entre D. Pedro e D. Miguel, e veio a
radicalizar-se e a resolver-se na guerra civil de 1828-1834. EnconWUDPRVRPHVPRFRQÁLWRHP(VSDQKDHQWUHRFDUOLVPR legitimista
e descentralizador e o liberalismo isabelino e centralista de Madrid,
e em França, na luta entre o ramo tradicionalista dos Bourbon, derrubado em 1830, e o ramo dos Orleães, liberal, triunfante com Luís
Filipe e a monarquia de Julho.
No campo das ideias políticas, o século XIX português acompanhou as vicissitudes europeias: o ciclo polémico revolução, contra-revolução e vitória do constitucionalismo liberal; o tempo dos golpes
militares e das guerras civis de baixa intensidade do liberalismo convulsivo; o triunfo da nova classe burguesa e das suas políticas de melhoramentos públicos e de fomento com a Regeneração, o fontismo
e os caminhos-de-ferro; e a contestação do regime monárquico pelo
republicanismo, expressão da radicalidade possível. De França e de
(VSDQKDYLHUDPQRVLQÁXrQFLDVQDVLGHLDVQDVLGHRORJLDVHDWpQD
argumentação. Se a retórica dos liberais foi fortemente inspirada
na revolução de Paris – e a chancela de «estrangeirados» ou «afrancesados», dada pelos adversários, mostrava-o bem –, os teóricos e os
SDQÁHWiULRVGDFRQWUDUHYROXomRQDFLRQDOWDPEpPUHYHODYDPPLPHtismo e familiaridade com os seus homólogos franceses.15
A modernidade que nos chegou prende-se com a internacionaOL]DomRLGHROyJLFDHGLSORPiWLFDGHVWHVFRQÁLWRVDVJXHUUDVUHYROXcionárias e napoleónicas atingiram Portugal no princípio do século
XIX de vários modos, quer na Península, como testa-de-ponte e
ponto de partida da reconquista dos ingleses contra o centro napoleónico, quer com a saída de D. João VI e da corte para o Brasil,
decisão apoiada por Londres e só possível graças à esquadra britânica. Mas também houve manifestações ideológicas e políticas dos
«afrancesados», desde os voluntários que integraram os exércitos
napoleónicos, aos episódios anteriormente protagonizados por
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PORTUGAL: ASCENSÃO
E
QUEDA
Leonor da Fonseca Pimentel e por outros portugueses na revolução
de Nápoles, onde foram vítimas da contra-revolução, capitaneada
pelo cardeal Rufo. Depois de ocupar Portugal em 1808 e seguindo instruções de Napoleão para desarmar completamente o país,
Junot organizou uma Legião Portuguesa onde juntou os efectivos
militares nacionais num corpo de 9000 homens, comandados pelo
marquês de Alorna, força que participou nas campanhas napoleónicas em Espanha e na Europa. Apesar do carácter compulsório
desta unidade, o que levou a numerosas deserções, pode dizer-se
TXHPXLWRVGRVTXHQHODSDUWLFLSDUDPDFWLYDPHQWHVHLGHQWLÀFDYDP
com o internacionalismo napoleónico. Até porque Portugal estava
em guerra com a França desde 1808.16
Logo a seguir ao Congresso de Viena, que determina doutrinária
e politicamente a idade da Restauração na Europa, dá-se, em 1817,
o episódio da conspiração e execução de Gomes Freire de Andrade. Mas a revolução liberal do Porto de 1820 iniciou um novo ciclo, o das guerras civis, que só terminou em 1834. Este ciclo, além
de ser a réplica local do confronto entre tradicionalistas e liberais,
HVERoDYDXPDFRQWUDGLomRHXPFRQÁLWRTXHLULDPVHUPXLWRLPportantes no futuro: a oposição entre o nacional e o estrangeirado,
entre a ideia de um caminho próprio e singular, de um Sonderweg
lusitano, com soluções originais e mesmo exóticas para o país, e as
propostas de abertura, europeização e integração modernizantes.
A história do constitucionalismo liberal também se integrou na
história da Europa Ocidental contemporânea: liberalismo convulsivo e pretoriano (1834-1851); liberalismo estabilizado e desenvolvimentista (1851-1891); liberalismo instável e agonizante (1891-1910).
Depois de Berlim, a política externa portuguesa deixará de enquadrar-se nos problemas do concerto e da balança europeus, sobre os
quais Garrett escreverá, para acompanhar as questões da expansão e
da ocupação efectiva de África, as rivalidades das potências, a busca
GRHTXLOtEULRDÀQDOWDPEpPSUHRFXSDo}HVHXURSHLDV(FRQWHP-
27
JAIME NOGUEIRA PINTO
plará a necessidade de alianças com os grandes e a humilhação do
confronto, mesmo que virtual, com as novas tecnologias militares,
FRPRQRFRQÁLWRFRPD*Um%UHWDQKDDSURSyVLWRGR©PDSDFRU-de-rosa» e do Ultimato.
Lendo os testemunhos críticos e epistolares da Geração de Setenta, apercebemo-nos bem do espírito do tempo: o enciclopedisPRÀORVyÀFRHSROtWLFRHFRQyPLFRGH2OLYHLUD0DUWLQVTXHDOpP
de intelectual e tecnocrata, foi também político activo, chegando a
ministro das Finanças no governo de Dias Ferreira, a sátira social
de Eça de Queirós, perfeitamente cosmopolita, o utopismo trágico
de Antero de Quental e os escritos de Ramalho Ortigão, que entretanto dará a volta para o nacionalismo conservador, mostram bem
que esta elite, sediada em Lisboa, estava consciente das questões
políticas e sociais da época.
Através da análise da vida política, diplomática e militar, percebe-se também que, dentro da natural periferia e dos recursos e aspirações de uma pequena potência perante as grandes – Grã-Bretanha,
França e Alemanha –, os problemas da Europa e do mundo eram
seguidos e sentidos, não só pela elite político-social, mas também
SHODVQRYDVSURÀVV}HVWpFQLFDVGHYDQJXDUGDFRPRRVHQJHQKHLURV
que integravam as carreiras da Administração Pública.17
Anos decisivos: o século XX
Os pensadores e escritores que marcaram os portugueses do século XIX e princípios do XX viram a classe política e o país de forma hipercrítica. A progressiva decadência da imagem dos políticos,
DOYRGHULGtFXORHFKDFRWDIRLUHWUDWDGDHPREUDVGHÀFomRFRPR
A Queda de um Anjo, de Camilo Castelo Branco, ou O Conde de Abranhos, de Eça de Queirós.
Depois da Conferência de Berlim e do Ultimato, um núcleo de
políticos, militares, diplomatas e altos funcionários, conhecidos por
2V$IULFDQRVYDLFRPRDSRLRGD&RURDSURFHGHUjSDFLÀFDomR
28
PORTUGAL: ASCENSÃO
E
QUEDA
e ocupação efectiva dos territórios ultramarinos, num esforço que
terá continuidade na Primeira República.
Daqui nasce uma ideologia imperial ou colonial moderna, encarnaGDHVLPEROL]DGDSRUÀJXUDVFRPR0RX]LQKRGH$OEXTXHUTXH3DLYD
Couceiro e Caldas Xavier, uma corrente que terá os seus seguidores
entre os militares e civis em serviço no Ultramar. As suas linhas de
acção são semelhantes às europeias, prosseguidas pelos governos, peORVH[pUFLWRVHSHODVVRFLHGDGHVGH*HRJUDÀDQD*Um%UHWDQKDHP
)UDQoDHQD$OHPDQKDHP,WiOLDQD+RODQGDHQD%pOJLFD2VSULQcípios mobilizadores são a exaltação da civilização ocidental e o consequente imperativo de propagação da mesma, com a religião cristã
FRPRIDFWRUFRDGMXYDQWHGDPLVVmRFLYLOL]DFLRQDO+iDFRQVFLrQFLD
GHTXHVmRRVSURJUHVVRVFLHQWtÀFRVHFRQyPLFRVHWpFQLFRV²GRTXLnino à metralhadora – que permitem a ocupação e o controlo das
novas áreas, e a preocupação de descrever as viagens, as terras e os
SRYRVGHXPDSHUVSHFWLYDJHRJUiÀFDHFRQyPLFDHHWQROyJLFD(P
todo este espaço e na sua expressão pública, descobrimos paralelos entre os motivos portugueses e os das outras nações europeias.18
A fase terminal da Monarquia Constitucional – o reinado de
D. Carlos I (1890-1908) e o brevíssimo reinado de D. Manuel II
(1908-1910) – é o tempo desta acção colonial, que procura conservar posições e espaços a despeito do choque produzido pelo
Ultimato. Esta humilhação é uma das razões da perda de prestígio popular da monarquia. Lembre-se que o próprio hino nacional
da República, A Portuguesa, nasce da reacção popular ao Ultimato.
O rei D. Carlos e os seus governos mostraram-se sensíveis às
vicissitudes da balança de poder europeu e, a par da aliança britânica, abalada pelas repercussões do Ultimato, procuraram manter
e estreitar as ligações com outras potências, como a Alemanha e a
França, cujos chefes de Estado foram recebidos em Lisboa.
A proclamação da República dá-se em 1910, quando na Europa
HVWmRMiÀUPDGRVRVIDFWRUHVTXHOHYDUmRDRFRQÁLWRJHQHUDOL]DGR
29
JAIME NOGUEIRA PINTO
a partir do periférico rastilho balcânico: a rivalidade germano-britânica e o desejo de revanche francês em relação a 1870-71.
Perante a Grande Guerra, debate-se a atitude a tomar. Os republicanos procuram a legitimação do regime através da intervenção ao lado do aliado britânico e da Entente. A entrada na guerra
WUDUij5HS~EOLFDÀDELOLGDGHLQVWLWXFLRQDOHDFHLWDomRSRUSDUWHGH
uma Europa que, à excepção da França e da Suíça, é ainda toda
PRQiUTXLFD+iWDPEpPDLGHLDFRPXPQRVPHLRVSURJUHVVLVWDV
europeus, de que os Impérios Centrais representam «a reacção»,
XPUHÁH[RLGHROyJLFRTXHSDUHFHQmRVHHPEDUDoDUPXLWRFRP
a presença, entre os aliados, da Rússia imperial, quinta-essência
dessa mesma reacção.
A questão ultramarina, sobretudo quanto a Angola e Moçambique, determinara há muito uma regra: Portugal não podia ter
como inimigo a Grã-Bretanha, que controlava as rotas marítimas
de acesso às colónias, o que fazia do Ultramar um refém da Entente. Por outro lado, havia a vizinhança com as possessões alemãs,
quer em Angola, com o Sudoeste Africano ou Damaralândia, quer
em Moçambique, com o Tanganica, a África Oriental Alemã. Por
isso, entre os militares, desejava-se uma intervenção em África,
mas não na Europa.
O debate entre neutralistas e intervencionistas acaba por ser
vencido pelos intervencionistas, apesar de os próprios ingleses não
estarem interessados na entrada de Portugal na guerra. A ideia intervencionista, com o objectivo de projectar Portugal entre as «nações civilizadas», não olhou à falta de recursos e de preparação das
forças militares para uma guerra já fortemente mecanizada, como
a da Flandres, e a outras graves limitações, como a escassez e a ineÀFiFLDGRVVHUYLoRVGHVD~GH19
Não é, por isso, de admirar, que a guerra tenha sido vista por
parte do exército e da opinião como a «guerra dos democráticos»
e que tivessem surgido sérias dúvidas sobre a sua legitimidade e
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PORTUGAL: ASCENSÃO
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oportunidade, em termos de interesse nacional. A quebra nas rendições de tropas para a Flandres a partir da revolução sidonista, em
Dezembro de 1917, é sinal deste estado de espírito.
6LGyQLR3DLVÀJXUD~QLFDQD+LVWyULD3ROtWLFDSRUWXJXHVDFULRX
um movimento que, não fora o assassínio do «Presidente-Rei», teria sido percursor dos nacionalismos populares autoritários que lhe
sobrevieram, antecipando a criação do nacionalismo totalitário e
justicialista que seria depois o fascismo.20
O Exército, pouco feliz com o tratamento que recebera da República, vai ser o instrumento da mudança do regime, quando este
VHPRVWUDLQFDSD]GHUHVSRQGHUjUXSWXUDÀQDQFHLUDGR(VWDGRHj
desordem pública. Em 1926, as Forças Armadas actuarão, à partida, numa perspectiva quase técnica e asséptica, de derradeiros suportes do interesse nacional posto em causa pela rua.
À ditadura militar comissarial de 1926-1933 sucedeu o Estado
Novo, regime com uma ideologia nacional-conservadora, pensado e institucionalizado pelo professor de Coimbra que os militares
WLQKDPFKDPDGRSDUDGDUFRQWDGRGHVHTXLOtEULRÀQDQFHLUR0DV
António de Oliveira Salazar não se limitará a funções técnicas e, no
FXUVRGDVROXomRGRSUREOHPDGDVÀQDQoDVYDLFULDUDVFRQGLo}HV
para introduzir a mudança política.
O regime constituído depois da ditadura quer responder à crise
interna e à crise geral da democracia europeia, pressionada pelos movimentos e regimes totalitários nacionalistas (o fascismo italiano) e
internacionalistas (o comunismo soviético). No Estado Novo haverá
uma convergência de direitas doutrinárias e sociais, desde o Integralismo Lusitano e dos movimentos fascistizantes à Igreja e aos católicos. Internacionalmente, adopta-se uma terceira via entre as forças
conservadoras europeias e anglo-saxónicas e os Estados fascistas.
A Constituição de 1933 é inspirada na tradição jusnaturalista
portuguesa: todo o poder é para o Estado, mas este subordina-se à
Moral e ao Direito. As instituições são híbridas e, na retórica pa-
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JAIME NOGUEIRA PINTO
triótica, na manutenção da forma republicana e da separação Igreja-Estado, permanece o espírito do republicanismo conservador.
1RVFRQÁLWRVHXURSHXVQD*XHUUD&LYLO(VSDQKRODHQD6HJXQda Guerra Mundial, seguem-se políticas consequentes.
A intervenção em Espanha tem uma componente ideológica de
cruzada anticomunista, que dará lugar a alguma aproximação aos
regimes de Roma e Berlim. Mas, ao mesmo tempo, o Estado português mantém toda a reserva em relação a Espanha – mesmo à
Espanha amiga de Franco – e não perde a forte ligação e colaboração com a Grã-Bretanha.
Vai ser também esta a estratégia portuguesa na Segunda Guerra,
em que o governo de Lisboa equilibrará as possíveis identidades e
simpatias em relação aos nacionalismos autoritários do Eixo com
as razões do Estado e do Império portugueses, que impõem uma
SROtWLFDDWOkQWLFD3RUWXJDOQmRSRGLDS{UGHSDUWHHPXLWRPHQRV
hostilizar, o poder marítimo anglo-saxónico. Esta política, com rePLQLVFrQFLDVGRUHDOLVPRGH(+&DUUDFDEDULDSRUWULXQIDUFRPR
orientação do Governo, ditando soluções de «neutralidade colaborante». Soluções que não deixam de lembrar a prudência aristotélica
ou tacitista, ou uma cristianização dos ensinamentos de Maquiavel
dotada da respeitabilidade da opção consciente e bem-sucedida.
&RPRÀPGD6HJXQGD*XHUUDRLPSpULRXOWUDPDULQRFRPR
©WHUULWyULRGD1DomRªGR0LQKRD7LPRUHQWUDYDHPFRQÁLWRFRP
os princípios ideológicos da nova ordem mundial e da ONU. Portugal ia deixar de ter, para equilibrar o peso da comunidade internacional, a convergência dos interesses imperiais europeus. Assim,
a partir de 1954 (caso do Estado da Índia), mas sobretudo de 1961
(guerra de Angola), o país via-se isolado na defesa do seu interesse nacional e de uma ideologia euro-africana que, para inimigos e
neutros, aparecia como uma sobrevivência exótica e sem futuro.
Nestas condições, a reacção patriótica de parte da população e a
manutenção e reforço dos poderes do Estado autoritário não im-
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pediriam que Portugal, com um regime singular na Aliança AtlânWLFDÀFDVVHLVRODGR
A defesa, testada com sucesso no terreno durante treze anos,
acabou por ceder, quando parte dos militares foi atingida por uma
crise de consciência sobre a identidade e legitimidade da sua missão.
A política do Estado português sucumbiu assim sob o peso da nova
ideologia internacionalista, que condenava os nacionalismos das
velhas nações da Europa perante os nascentes nacionalismos dos
espaços asiáticos e africanos.
A revolução de Abril de 1974, na versão dos capitães do MFA
e do Conselho da Revolução, teve também uma carga exótica, a
contraciclo da Europa; desde logo, na própria nomenclatura insWLWXFLRQDOGRVFROHFWLYRVGHRÀFLDLV-XQWDGH6DOYDomR1DFLRQDO
Comissão Coordenadora, Conselho da Revolução eram expressões
de tradição latino-americana, médio oriental e magrebina. Era também desfasado um projecto de socialismo revolucionário na Europa, a dez anos de a União Soviética iniciar o desmantelamento do
comunismo e a seis anos da ascensão dos governos conservadores
nos países anglo-saxónicos. Na retórica ideológica dos militares radicais, subsistiu, além do 25 de Novembro, a ideia de um Portugal
neutralista com um modelo de revolução inspirado nos movimenWRVGHOLEHUWDomRDQWLFRORQLDLV$FRQFHSomRHRÀPGR,PSpULR
no seu utopismo exótico, tinham ditado também a singularidade
do fenómeno revolucionário português.
A partir do Thermidor de 25 de Novembro de 1975, o país saía
da situação de excepção e adoptava a ideologia europeia da democracia individualista e partidária, dando por terminados o império
ultramarino e a revolução e passando a sua política exterior a integrar-se na política dos aliados da NATO e da União Europeia.
'HSRLV GH XP FRQÁLWR LQWHUQR HQWUH HXURSHtVWDV H WHUFHLUR-mundistas, o triunfo dos europeístas com a integração na Comunidade Económica Europeia, em 1986, levaria a que a política
33
JAIME NOGUEIRA PINTO
H[WHUQDSRUWXJXHVDVHLGHQWLÀFDVVHQDVVXDVOLQKDVJHUDLVFRPD
política europeia.
A integração foi, para a classe política portuguesa do chamado
«Arco Constitucional» – os partidos PS, PPD-PSD e CDS-PP –,
um seguro de vida para a democracia instaurada. Argumentou-se
que se os elementos até aí inibitórios – o regime político não democrático e o império ultramarino – tinham desaparecido, nada
obstaria à adesão à Europa.
Não existindo uma direita nacional no leque político-partidário,
a oposição a esta opção limitou-se aos comunistas e à extrema-esquerda, internacionalistas que, por mera táctica, chegaram a invocar
posições de nacionalismo e de defesa da independência nacional,
uma das muitas ironias da Terceira República.
Portugal veio a integrar-se progressivamente no europeísmo,
SRUYH]HVFRPH[FHVVRGH]HORGHQHyÀWRHERPDOXQRQRSUHFLso momento em que a própria Europa entrava numa fase de decadência dourada.
Esta crise e decadência não eram de espantar numa Europa deixada sem dinheiro, sem impérios, sem mercados e sem poder militar perante soviéticos e americanos depois de duas guerras internas
de média duração e alta letalidade – em 1914-1918 e 1939-1945.
2ÀPGD8QLmR6RYLpWLFDHDIUDJPHQWDomRGRVVHXVWHUULWyrios e populações apareceram como vitória da coligação ocidental, mas vieram alterar os dados geopolíticos e geoestratégicos de
uma forma que, a longo prazo, acabaria por prejudicar a construção europeia.
A ameaça soviética conferia alguma unidade na resistência. Com
RÀPGRLPSpULRVRYLpWLFRDFDEDYDWDPEpPSDUWHGRFLPHQWRSRlítico e económico que tinha mantido juntos os Estados europeus
e os Estados Unidos.
Seguir-se-iam dez anos de mudanças numa aparente estabilidade.
2ÀPGD*XHUUD)ULDWUD]LDRDSURIXQGDPHQWRGDJOREDOL]DomRR
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PORTUGAL: ASCENSÃO
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aperfeiçoamento e expansão das tecnologias digitais, a radicalização
das diferenças entre ricos e pobres à escala de continentes, países
e famílias. E adensava-se, sobretudo nos Balcãs, no Médio Oriente
HHPÉIULFDXPDFRQÁLWXDOLGDGHQRYDUHOLJLRVDHLGHQWLWiULD
Esta evolução relativamente contida, foi radicalmente alterada
pelo ataque da Al Qaeda aos Estados Unidos, em 11 de Setembro
de 2001, no primeiro ano da presidência de George W. Bush.
O Ocidente conheceu então um clima de medo apocalíptico, na
certeza de que, perante o macroterrorismo suicida dos seus inimigos difusos, de pouco lhe serviria a superioridade tecnológica. Teria
valido a pena pensar que o terrorismo seria, aqui, a única resposta possível, a única reacção espectável de um inimigo que se sabia
tecnologicamente inferior. A globalidade da ameaça terrorista, não
VyDRV(VWDGRV8QLGRVPDVDR2FLGHQWHDOLDGRFRQÀUPRXVHFRP
os ataques bombistas em Madrid e Londres.
A questão principal era saber se se tratava de uma manifestação de extremismo milenarista ou se a agenda da Al Qaeda ou da
galáxia terrorista que albergava e representava era também políWLFD+RMHPDLVGHXPDGpFDGDSDVVDGDVREUHRGH6HWHPEUR
pode-se dizer que a agenda era e é política. Isto é, que tinha e
tem objectivos racionais e limitados. Talvez por isso os terroristas não tenham ainda recorrido às grandes ameaças que pendem
sobre a humanidade – a destruição nuclear e ecológica e a manipulação biológica.
A coordenação defensiva funcionou na medida em que, desde
o 11 de Setembro de 2001, não se repetiu nenhum atentado que
se aproximasse do primeiro. As respostas americanas directas, no
Afeganistão e no Iraque, tiveram resultados mistos, mas epílogos
de efeitos perversos.
A Europa e a construção europeia continuaram a ser as direcções principais da política nacional. O eurocepticismo apenas se
UDGLFRXSDUWLGDULDPHQWHQRGLVFXUVRRÀFLDOGRSDUWLGRFRPXQLVWD
35
JAIME NOGUEIRA PINTO
e dos partidos de extrema-esquerda e, ainda assim, por considerações de política interna.
A agenda eleitoral e a preocupação de manter os eleitorados satisfeitos dominaram os governos do PSD e do PS nestes primeiros
DQRVGRQRYRVpFXORHPLOpQLR&RPRMiVXFHGHUDFRPRGHÀFLHQte aproveitamento dos fundos europeus, também o aproveitamento das vantagens iniciais do euro – muito dinheiro a taxas de juro
EDL[DV²IRLGHÀFLHQWH2SDtVFRQWLQXRXDGHVLQGXVWULDOL]DUVHHD
acabar com os sectores produtivos na agricultura e nas pescas, cumprindo à letra o caderno de encargos eurocrático.
$SDUWLUGDFULVHÀQDQFHLUDGHFRPDTXHGDGR/HKPDQ
Brothers e da Bolsa de Nova Iorque, a Europa e o resto do mundo,
contaminados pela recessão americana e suportando o peso dos
seus próprios fardos, seguiram o rumo do empobrecimento económico e da crise social.
Em Portugal, como noutros países do sul da Europa, a crise levou
progressivamente ao endividamento galopante, à baixa dos ratings e
jVXELGDGDGHVFRQÀDQoDQDVROYDELOLGDGHGRSDtV(ORJRRVMXURV
da dívida pública subiram.
Em Maio de 2011, ainda no governo de José Sócrates, a Troika
HQWURXHP3RUWXJDO'HVGHHQWmRHPVHQWLGRUHDOHÀJXUDGRSDVsámos a viver sob tutela económica e com os horizontes de escolha
política limitados, acentuando-se a nossa decadência em relação a
uma Europa decadente.
Nos anos trinta do século passado, Fernando Pessoa, numa das
VXDVLQWXLo}HVGHSRHWDHSURIHWDDQWHYLXRÀPGRLPSpULRSRUWXguês. Do império material – o do Índico dominado pelas naus dos
Gamas, Almeidas e Albuquerques, do Brasil dos Bandeirantes, da
África demarcada pelas expedições dos Mouzinhos e Couceiros.
Era o império das armas e das leis, das bandeiras dominadoras e
SRUÀPSHUGLGDV$RPRGRGRVVHEiVWLFRVURPkQWLFRVYROXQWDULVWDV
– ele que era um realista esotérico – desejou e viu, para além desse
36
PORTUGAL: ASCENSÃO
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império que se ia perder, outras formas de comunhão, na língua, na
expressão e na história, capazes de construir uma identidade na diversidade, uma vez que o futuro já presente de Portugal era indissociável de um além-mar de «gente vária, oculta neste mundo misto».
O império português desapareceu há quarenta anos, fragmentado em partes, povos e comunidades que começaram então, também
no sofrimento, na incerteza e na esperança, a sua vida na história.
Século e meio antes, outra parte desse império tinha-se separado,
FRPDLQGHSHQGrQFLDGR%UDVLOHVVDPDLVSDFtÀFDIHLWDVHPDFRmunidade internacional.
É a história acontecida, sancionada pela justiça dos factos. No
mundo presente, a decadência da Europa e do Ocidente é também
um facto – até porque a Europa e o Ocidente deixaram as crenças
e os valores que lhes deram a grandeza e a força, trocando-os por
uma listagem de conceitos médios e retoricamente correctos. Agora, outros continentes, outros povos, outras áreas estão a tomar as
chaves e as rédeas do futuro.
A maioria dos povos lusófonos está nestas áreas e são agora,
como nós fomos: povos jovens, unidos, com a fé, a vontade e a
força de fazerem coisas no mundo. E alguns têm os trunfos e os
PHLRVSDUDRVGHVDÀRVTXHDtYrP
O lugar dos portugueses que não se resignam à mediocridade
mansa ou ressentida de tributários do centro europeu, pode também
ser ao lado desses povos, erguendo a partir de um passado unido,
sofrido, dividido, uma convergência futura.
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JAIME NOGUEIRA PINTO
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