INFLUÊNCIA DA ÁGUA NA PRODUÇÃO DE ÁCIDOS GRAXOS LIVRES EMPREGANDO A HIDRÓLISE ENZIMÁTICA DO ÓLEO DE CRAMBE ASSISTIDA POR ULTRASSOM DE BANHO Deise Molinari (Bioenergia/Capes/Unioeste), Edson Antônio da Silva (Orientador), Jamal Abd Awadallak (coautor), Thiago Olinek Reinehr (coautor)e-mail: [email protected] Universidade Estadual do Oeste do Paraná/Centro de Engenharia e Ciências Exatas/Toledo, PR. Área e subárea: Engenharia Química/Bioenergia Palavras-chave: ácidos graxos, ultrassom de banho, modelagem. Resumo O biodiesel é um biocombustível alternativo ao diesel de petróleo e que pode ser sintetizado por meio de matérias-primas animais e vegetais. A hidroesterificação tem sido amplamente estudada como rota de produção de biodiesel, consistindo em uma etapa de hidrolise seguida de esterificação. Essas reações necessitam de altas temperaturas e pressões para ocorrer, o que pode ser contornado com o uso de enzimas como catalisador, as quais utilizam condições mais brandas. O crambe é uma oleaginosa que possui condições agronômicas favoráveis e uma considerável fonte de óleo. O uso de ultrassom tem se mostrado efetivo no aumento da atividade enzimática e na formação de microemulsões. Esse estudo teve como principais objetivos avaliar a influência da fração água/óleo na hidrólise enzimática do óleo de crambe em banho ultrassônico, utilizando a Fosfolipase A1 (Lecitase Ultra), e realizar a modelagem das curvas cinéticas para a produção de ácidos graxos livres. Introdução O crambe (Crambe abyssinica) possui potencial considerável como fonte de óleo para a produção de biodiesel, demonstrando bom rendimento e produção de óleo por hectare por ano (MACHADO et al., 2011). É uma planta que possui ciclo curto, cerca de 90 a 100 dias, tolerância a seca e a geadas em grande parte de seu desenvolvimento e pode ser cultivado entre a safra de verão e a de inverno, caracterizando uma terceira época de plantio (PITOL et al., 2010). Além de representar uma matéria-prima alternativa para compor a matriz de produção de óleo para biodiesel, o crambe possui grande potencial de cultivo na região Centro-Oeste (SOUZA et al., 2009). A conversão de óleos vegetais e gorduras animais em biodiesel vêm passando por um maior desenvolvimento ao longo dos últimos anos. O biodiesel é uma alternativa para o diesel de petróleo e se trata de uma mistura de alquil ésteres de ácidos carboxílicos de cadeia longa, na maioria das vezes, obtidos a partir de óleos vegetais e/ou gorduras animais, tornando-se, desse modo, uma alternativa para os motores de ignição por compressão (DEMIRBAS, 2008). Óleos vegetais, tornaram-se mais atrativos devido aos seus benefícios ambientais e também pela sua obtenção a partir de recursos renováveis, tendo potencial para a substituição dos destilados de petróleo. Quimicamente, óleos vegetais e gorduras animais são moléculas de triglicerídeos, ou seja, moléculas onde três ácidos graxos (ésteres) estão ligados a uma molécula de glicerol. As proporções dos vários ácidos carboxílicos podem variar de gordura para gordura, onde cada uma tem a sua composição e característica (DEMIRBAS, 2008). O processo mais comum de obtenção de biodiesel é a transesterificação e recentemente vem sendo estudado também o processo de hidroesterificação, que envolve uma etapa de hidrólise seguida de uma etapa de esterificação. A hidrólise consiste em uma reação química entre a gordura, ou o óleo, com a água, gerando glicerina e ácidos graxos livres, aumentando propositadamente a acidez da matéria-prima. Após a hidrólise, os ácidos graxos gerados são então esterificados com um álcool, que “neutraliza” a acidez presente. O biodiesel produzido por hidroestrificação é gerado com elevada pureza, sem necessidade de etapas de lavagem, que geram efluentes e elevados consumo de compostos químicos. Na reação, também é possível obter como subproduto a água, que retorna para o processo de hidrólise (ENCARNAÇÃO, 2008). As lípases, também conhecidas como glicerol-éster hidrolases (E.C.3.1.1.3), são enzimas que catalisam a hidrólise total ou parcial de triacilglicerol (TAG), fornecendo diacilglicerol (DAG), monoacilglicerol (MAG), glicerol e ácidos graxos livres. Essas enzimas apresentam uma capacidade única de agir apenas na interface óleo/água (BABICZ, 2004). A enzima líquida comercial, Lecitase Ultra (Fosfolipase A1) é postulada para as posições 1,3 nos triacilgliceróis (TAG), devido à sua regiospecificidade (YANG et al., 2010). O uso de ultrassom em processos enzimáticos tem se mostrado efetivo no aumento da atividade de enzimas. Esse efeito parece ser específico para cada enzima. A aplicação de ultrassom pode produzir um efeito positivo na atividade enzimática. Quando dois líquidos imiscíveis, como por exemplo, água e óleo, são tratados com ultrassom, há aumento na velocidade de formação de gotículas microscópicas com aumento da superfície de contato e das forças coesivas, resultando na formação de microemulsões (MARTINES, 2000). Com base nos aspectos relacionados anteriormente, os objetivos desse trabalho foram: avaliar o efeito da fração água/óleo sobre o processo de hidrólise em batelada, catalisado pela enzima líquida Lecitase Ultra (Fosfolipase A1), utilizando banho ultrassônico para a produção de ácidos graxos livres a partir do óleo de crambe e realizar a modelagem matemática da cinética das reações envolvidas na produção de ácidos graxos livres pelo método empregado. Materiais e Métodos 2.1 Materiais O óleo de crambe utilizado como substrato da hidrólise nesse trabalho foi fornecido pela Fundação MS®. A enzima líquida comercial Lecitase Ultra, utilizada como catalisador enzimático, foi gentilmente cedida por LNF® Latino Americana. Álcool Etilico (Chemco®), Éter etílico (Anidrol®) e NaOH (Synth®), foram utilizados para determinação da acidez. Como indicador da solução de titulação, foi utilizada uma solução de fenolftaleína (Synth®). O aparelho de ultrassom (Ultronique® ECO-SONICS Q5.9/37A) foi utilizado na reação de hidrólise para a mistura dos reagentes, contidos em frascos cônicos de 50 mL. A separação de fases foi realizada em uma centrífuga (Parsec® CT-0603). 2.2 Métodos Reações de hidrólise: As reações de hidrólise enzimática do óleo de crambe assistidas por ultrassom em sistema batelada foram conduzidas com o intuito de coletar dados para a análise da influência da fração água/óleo na reação de hidrólise e para a construção de curvas cinéticas. As quantidades de reagentes utilizadas foram fixadas em 10 g de óleo e 0,2 g de enzima, com frações água/óleo de 5 m%, 10 m% e 20 m%, a uma temperatura de 40 ºC. Erlenmeyers de 50ml contendo as amostras foram imersos no aparelho de ultrassom configurado em potência máxima (154 W). Para cada fração de água/óleo foi preparados 9 amostras. Cada amostras do sistema foi coletada em tempos diferentes de forma destrutiva. Separação de fases: Ao término de cada tempo de reação, as amostras foram retiradas do aparelho e aquecidas até uma temperatura de cerca de 100 ºC em um aparelho de micro ondas com o intuito de desativar a enzima e interromper a reação. As amostras foram então centrifugadas em uma centrífuga a 3 gravidades durante 5 minutos com o intuito de separar a fase aquosa contendo a enzima e o glicerol da fase oleosa contendo o produto de interesse. Quantificação da Acidez: A quantidade de ácidos graxos livres presentes no óleo de crambe foi determinada por titulação com uma solução de NaOH 0,05 M. Aproximadamente 1 g de amostra foi diluída em 25 ml de solução isovolumétrica de álcool etílico e éter etílico com uma gota de fenolftaleína. A solução foi então titulada sob vigorosa agitação até que houvesse mudança de coloração para rosa, indicando a neutralização da acidez. A Equação (1) demonstra o cálculo da acidez: 𝐴𝑐𝑖𝑑𝑒𝑧(𝑚%) = 100. 𝑉𝑜𝑙.𝑀𝑁𝑎𝑂𝐻 .𝑃𝑀𝐴𝐺𝐿 𝑝𝑎 (1) Modelagem das curvas cinéticas: O mecanismo proposto para a reação é apresentado pelas Equações (2) a (4), este modelo é composto pelas reações de hidrólise de cada acilglicerol presente no processo, juntamente com a reação de esterificação, que é reversa à reação de hidrólise. 𝑘1 → 𝑇𝐴𝐺 + 𝐻2 𝑂 𝐷𝐴𝐺 + 𝐴𝐺𝐿 ← (2) 𝑘2 𝑘3 → 𝐷𝐴𝐺 + 𝐻2 𝑂 𝑀𝐴𝐺 + 𝐴𝐺𝐿 ← (3) 𝑘4 𝑘5 → 𝑀𝐴𝐺 + 𝐻2 𝑂 𝐺𝐿𝐼 + 𝐴𝐺𝐿 ← (4) 𝑘6 Aplicando o balanço molar para cada espécie e considerando a produtividade com base na estequiometria, obtém-se o modelo da cinética enzimática para as diversas espécies envolvidas no mecanismo de produção de ácidos graxos, conforme as equações (5) a (10), onde r1, r2 e r3 representam as velocidades de reação para cada componente. 1 𝑑𝑁𝑇𝐴𝐺 (𝑡) 𝑤 𝑑𝑡 = −𝑟1 (5) 1 𝑑𝑁𝐷𝐴𝐺 (𝑡) 𝑤 = (𝑟1 − 𝑟2 ) (6) = (𝑟2 − 𝑟3 ) (7) = (𝑟1 + 𝑟2 + 𝑟3 ) (8) = 𝑟3 (9) = −(𝑟1 + 𝑟2 + 𝑟3 ) (10) 𝑑𝑡 1 𝑑𝑁𝑀𝐴𝐺 (𝑡) 𝑤 𝑑𝑡 1 𝑑𝑁𝐴𝐺𝐿 (𝑡) 𝑤 𝑑𝑡 1 𝑑𝑁𝐺𝐿𝐼 (𝑡) 𝑤 𝑑𝑡 1 𝑑𝑁𝐴𝐺𝐿 (𝑡) 𝑤 𝑑𝑡 As taxas de reação r1, r2 e r3 são representadas pelas Equações (11), (12) e (13). 𝑟1 = 𝑘1 . 𝑁𝑇𝐴𝐺 . 𝑁𝐻2 𝑂 − 𝑘2 . 𝑁𝐷𝐴𝐺 . 𝑁𝐴𝐺𝐿 (11) 𝑟2 = 𝑘3 . 𝑁𝐷𝐴𝐺 . 𝑁𝐻2 𝑂 − 𝑘4 . 𝑁𝑀𝐴𝐺 . 𝑁𝐴𝐺𝐿 (12) 𝑟3 = 𝑘5 . 𝑁𝑀𝐴𝐺 . 𝑁𝐻2 𝑂 − 𝑘6 . 𝑁𝐺𝐿𝐼 . 𝑁𝐴𝐺𝐿 (13) Para calcular as concentrações iniciais foi analisada a acidez do óleo de crambe utilizado (12,31%) e considerado que o óleo possui, inicialmente, apenas TAG e AGL. As constantes cinéticas das taxas de reação foram estimados a partir dos dados experimentais da cinética da hidrólise enzimática do óleo de crambe (teor de acidez do óleo) e da minimização da função objetivo representada pela Equação (14). O método de otimização simplex Dowhill, desenvolvido por Nelder e Mead (1965), foi utilizado na busca do mínimo da função objetivo. 𝐹𝑂𝐵𝐽 = ∑𝑛𝑖=1 ( 𝐶𝐴𝐿𝐶 𝐸𝑋𝑃 𝑁𝐴𝐺𝐿 [𝑖]−𝑁𝐴𝐺𝐿 [𝑖] 𝐸𝑋𝑃 [𝑖] 𝑁𝐴𝐺𝐿 ) 2 (14) Para a otimização das constantes cinéticas e simulação do modelo matemático proposto nas equações (5) a (14) foi utilizada a linguagem computacional Python, com as bibliotecas NumPy e SciPy. Resultados e Discussão A acidez das reações de hidrólise enzimática do óleo de crambe foi analisada através de um processo de titulação. A Tabela 1 e a Figura 1 apresentam os valores experimentais da acidez em função do tempo. Tabela 1 – Acidez do óleo de crambe para cada tempo e fração de água. Tempo (h) 5m% H2O 0,00 12,31 0,25 20,50 0,50 24,04 1,00 30,73 2,00 32,43 4,00 40,64 6,00 40,39 7,00 41,50 8,00 42,95 12,00 42,00 Acidez (m%) 10m% H2O 12,31 18,44 21,36 23,80 27,97 35,03 39,57 42,61 43,34 42,63 20m% H2O 12,31 21,03 21,98 27,47 30,80 34,03 33,84 34,46 34,67 38,88 Figura 1 – Acidez do óleo de crambe. A cinética enzimática do óleo de crambe foi descrita por meio da simulação do modelo matemático proposto. Na Figura 2 são apresentados os valores experimentais da acidez em função do tempo, assim como a simulação realizada pelo modelo (R2 igual a 0,97, 0,88 e 0,92, respectivamente). A Figura 3 apresenta uma comparação entre as simulações dos três experimentos cinéticos com frações mássica de água variáveis. É possível verificar que o modelo descrito pelas Equações (5) a (20) descreveu satisfatoriamente os dados experimentais. Através da análise desses resultados, é possível observar que quanto maior é a quantidade de água do sistema, mais lenta é a reação. Isso pode ser justificado pelo fato da enzima utilizada ser hidrofílica e se manter diluída na fase aquosa. Por conta disso, o aumento da quantidade de água diluiu a concentração de enzima, causando uma diminuição na taxa da reação. A diluição da enzima não alterou o equilíbrio da reação. Os resultados das simulações apresentados na Figura 3 mostram que a maior acidez foi obtida com as concentrações de água de 10 e 20 m%, porém, nota-se que a diferença no equilíbrio para esses dois experimentos foi muito sútil, isso demonstra que acima de 20 m% a água pode ser considerada em excesso. Figura 2 – Cinéticas da hidrólise enzimática do óleo de crambe (40 °C; 10 g de óleo; 0,2 g de enzima). Figura 3 – Curvas cinéticas da hidrólise enzimática do óleo de crambe. Com isso, é possível concluir que a fração de água ideal para a hidrólise enzimática do óleo de crambe assistido por ultrassom se encontra próximo de 10%, pois além de possuir um equilíbrio mais favorável que a fração de 5% para a produção de AGL, também causou uma diminuição na taxa da reação menos intensa que a fração de 20% devido a menor diluição da enzima. Conclusões No presente trabalho o efeito da fração água/óleo na hidrólise do óleo de crambe foi analisado. Realizou-se, também, a modelagem das curvas cinéticas da reação de hidrólise com foco na produção de ácidos graxos livres. A maior acidez teórica foi obtida no equilíbrio para as concentrações de 10 e 20 m% H2O. No entanto, a primeira fração chegou ao equilíbrio em cerca de metade do tempo da segunda (15 e 30 horas, respectivamente). Foi possível concluir que a reação de hidrólise do óleo de crambe assistida por ultrassom, com a Fosfolipase A1 (Lecitase Ultra) é uma alternativa viável para a produção de ácidos graxos livres. Sugere-se, no entanto, a quantificação dos outros componentes da reação para que se possa obter um ajuste mais preciso das constantes do modelo e, consequentemente, um entendimento melhor da reação. Nomenclatura Acidez AGL CALC DAG EXP FOBJ GLI kj MNaOH MAG n Ci pa PMAGL ri TAG Vol w Fração mássica de AGL na amostra Ácido(s) Graxo(s) Livre(s) Valor calculado Diacilglicerol Valor experimental Função Objetivo Glicerol Constante cinética ([g de substrato] [g de enzima]-1 mol-1 h-1) Molaridade da solução de NaOH (mol l-1) Monoacilglicerol Número de componentes do conjunto Concentração da espécie i em (mol [kg de substrato]-1) Peso da amostra de óleo (g) Peso molecular médio dos AGL presentes no óleo (g mol-1) Taxa da reação (mol h-1 [g de enzima]-1 [g de substrato]-1); Triacilglicerol Volume da solução de NaOH utilizado na titulação (l) Massa de enzima (g) Agradecimentos A Capes, pelo apoio financeiro. Referências BABICZ, I. Produção de Diacilglicerois via Hidrólise Enzimática de Óleo de Palma. Dissertação de Mestrado em Tec. de Proc. Quím. e Bioq. Rio de Janeiro: UFRJ/EQ, 2009. DEMIRBAS, A. Biodiesel: A Realistic Fuel Alternative for Diesel Enginers. 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