estratégias de reprodução e dispersão em formigas attines

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ESTRATÉGIAS DE REPRODUÇÃO E DISPERSÃO EM FORMIGAS ATTINES, COM EXEMPLOS
DO SUL DA BAHIA.
DELABIE, J.H.C.1; NASCIMENTO, I.C.2 & MARIANO, C.S.F.2
1UPA Laboratório de Mirmecologia, Convênio UESC-CEPEC, C.P. 7,45600-000 Itabuna - BA,
Brazil, [email protected]
2Universidade Federal de Viçosa, DBA - Pós-graduação em Entomologia, 36571-000 ViçosaMG, Brazil, [email protected]; [email protected]
Diversas estratégias reprodutivas são utilizadas pelos Formicidae (Holldobler & Wilson
1990; Hebers 1993; Bourke & Franks 1995), sendo que na maioria dos casos, a seqüência - vôo
nupcial, acasalamento, dispersão e fundação que é o mecanismo de reprodução mais clássico
entre os Formicidae, é fortemente influenciada por fatores locais como competição, predação e
locais disponíveis para nidificação. Além disso, verifica-se a ocorrência de outras estratégias
reprodutivas em diversas subfamílias, existindo, às vezes, variações entre espécies do mesmo
gênero ou tribo (Peeters & Ito 2001).
Entre as Attines, o modelo de estratégia de reprodução e de dispersão mais conhecido é o
vôo nupcial, que permite que machos e fêmeas de diferentes colônias em grandes áreas realizem
seus vôos de reprodução simultaneamente, diminuindo as chances de endogamia. A fundação na
maioria das vezes é do tipo claustral, e a distribuição dos novos formigueiros é aleatória, seguindo
o modelo clássico dos vôos de fecundação. Nesse caso, o sucesso da fundação depende,
sobremaneira, da disponibilidade de substrato adequado, que no caso particular dos Attines
significa terreno úmido, principalmente para a fêmea cavar o formigueiro inicial, o que contribui
para reduzir a taxa de predação (mais alta quando a fêmea está exposta) e permite o início da
criação do fungo simbiótico. Este modelo, que é principalmente bem documentado para as
espécies de Atta (ver, por exemplo, Mariconi 1970), é também o mais comum entre todos os outros
gêneros de Attines.
As condições favoráveis para realização dos vôos e posterior estabelecimento de novas
colônias, apresentam-se de formas diferentes para as diversas espécies. Os sexuados da maior
parte dos Attines de Ilhéus efetuam o vôo nupcial de madrugada ou durante o dia (tabela 1). De
modo geral, o comportamento das espécies de formigas em relação ao vôo nupcial pode ser
classificado em três grupos: I) aptidão das espécies a realizar vôos distribuídos em alguns meses
do ano, porém com alta taxa de ocorrência; 11)vôos concentrados num curto período, normalmente
com um único pico de atividade; 111)
vôos distribuídos durante todo ano, podendo apresentar alta ou
baixa taxa de ocorrência.
Nas espécies de clima tropical, as condições favoráveis para realização dos vôos estão
amplamente distribuídas durante o ano todo, sendo que para a maioria das espécies, verificam-se
a ocorrência de vôos de fecundação por pelo menos 3 a 6 meses (Kaspari et aI. 2001; Torres et aI.
2001; Nascimento 2002). Este é o caso da maioria das espécies de Attines de Ilhéus (Casimiro et
aI. 1993), em particular as espécies dos gêneros Acromyrmex, Cyphomyrmex e Sericomyrmex, em
que se pode verificar a existência desse mecanismo nas espécies que usam a beira do mar para o
vôo nupcial.
As espécies do gênero Atta não seguem exatamente este modelo porque seus vôos estão
concentrados, cada ano, dentro de um curto período de tempo. No entanto, no município de Ilhéus,
o período de realização dos vôos de um ano para o outro pode variar consideravelmente. No caso
de colônias de Atta sexdens rubropiJosaem Minas Gerais, foi verificada a ocorrência de um único
vôo por colônia/ano ao longo de sucessivos anos de observações (Bento 1993).
O parasita de Acromyrmex rugosus encontrado em Ilhéus, Acromyrmex sp. (inicialmente
definido como Pseudoatta sp., Delabie et aI. 1993; Vinson et aI. 1993), voa praticamente o ano
todo, com uma baixa taxa de ocorrência, apresentando picos de atividade entre os meses de
novembro e dezembro. Não há sincronismo entre a atividade de vôo do parasita e do seu
hospedeiro. Como em outros parasitas sociais conhecidos, a biologia da sua reprodução
certamente segue padrões diferentes dos demais Attines, apesar de se ter pouca informação a
respeito, tais como o fato de que machos e fêmeas de Acromyrmex sp. voam simultaneamente e
que o acasalamento supostamente pode ocorrer durante o vôo como nas demais espécies.
Várias vantagens e desvantagens de ordem ecológica podem ser atribuídas aos diferentes
modos de realizar o vôo nupcial em formigas. As condições mais óbvias (e mais estudadas) são os
aspectos climáticos que devem facilitar a atividade de vôo: o ciclo reprodutivo da maioria das
espécies é determinado pela temperatura (Lopatina & Kipyatkov 1993), sendo que baixas
temperaturas dificultam a tomada de atividade de vôo rápida pelo inseto (este aspecto é, no
entanto, pouco determinante para maior parte das localidades de baixa latitude); outro fator
limitante é a umidade; baixa umidade no solo dificulta as escavações iniciais dos formigueiros
pelas jovens rainhas. No caso particular dos Attines, sobretudo do gênero Atta, o vôo é precedido
por chuva (Moser 1967; Mariconi 1970; Bento 1993; Cunha 1998). Outros fatores abióticos, como a
intensidade luminosa e os ventos fortes, devem ser considerados. Este último, além de contribuir
para a diminuição da umidade relativa do ambiente, também dificulta a orientação dos parceiros
que usam eventuais feromônios sexuais para seu acasalamento, já que em todas as Attines
conhecidas, esse acasalamento ocorre durante o vôo (Kerr 1961; Hõlldobler & Wilson 1990).
No entanto, outros pré-requisitos devem ser também considerados. A maturação sexual é
condição sine qua non à realização do vôo nupcial e não se tem nenhum conhecimento sobre os
determinantes fisiológicos ou comportamentais que a condicionam em Attines. Esta deve ser
dependente de condições climáticas nutricionais ótimas nas semanas que antecedem o período de
vôo. As próprias estratégias de vôo seguem também padrões do tipo r ou K que certamente têm a
finalidade de diminuir o impacto da predação sobre os acasalamentos. Assim, vôos discretos
distribuídos ao longo do ano poderiam despistar a ação dos predadores ou, por outro lado, vôos
massais que saturariam a atividade dos predadores ou diminuiriam a chance de um indíviduo ser
afetado, o que funcionaria como um "rebanho egoísta" definido por Hamilton (1971).
Outro ponto relevante é a variação observada na razão sexual em formigueiros
homoespecíficos, à qual está sendo atribuído um mecanismo de prevenção da endogamia (DielhFlieg 1993).
Depois do acasalamento, em Attines, a fundação é geralmente haplometrótica (formação
de uma colônia por monoginia primária). No entanto, casos excepcionais de pleometrose
(fundação por várias fêmeas que resulta em poliginia primária) são registrados na literatura: em
Atta texana e Acromyrmex versicolor (Hebers 1993; Bourke & Franks 1995). Casos de poliginia
foram observadas nas populações da Bahia de Acromyrmex subterraneus brunneus (Delabie
1989), mas não há informações sobre o modo de fundação, isto é: se a poligina é primária ou
secundária (adoção de fêmeas recém-acasaladas por colônias maduras que já contam com pelo
menos uma rainha). Considerando que essa espécie forma populações agregadas (forte
densidade de formigueiros, a maioria poligínicos) em diferentes áreas do norte da Região
Cacaueira, essas populações são possivelmente mantidas através de um mecanismo que depende
de poliginia secundária.
No caso do parasita Acromyrmex sp., há escassez de informação, mas as poucas
observações disponíveis sobre esta espécie mostraram que a colonização de um formigueiro de A.
rugosus pode ser feita por várias fêmeas que mantêm a rainha do hospedeiro viva. Além do mais,
esta espécie aproveita certamente o fato de que as colônias de A. rugosus formam populações
bastante densas nas restingas, o que deve contribuir e facilitar o encontro de hospedeiro pelo
parasita e a eventual parasitismo por várias fêmeas.
A distribuição local da maior parte das espécies de Attines do sudeste da Bahia é casual,
devido principalmente ao modo de dispersão do vôo nupcial. Constata-se que o único caso
conhecido até agora de parasitismo é encontrado onde a espécie hospedeira (A. rugosus) forma
uma população densa. Conclui-se que o padrão casual de distribuição das sociedades de quase
todas as espécies é certamente vantajoso porque, além de diminuir os riscos de endogamia,
diminui também a eventualidade de se diferenciar parasitas sociais que certamente encontrariam
terreno mais favorável ao parasitismo em populações agregadas ou densas, como as de A.
balzani, A. subterraneus brunneus e A. rugosus e mesmo de certas espécies dos gêneros
Cyphomyrmex, Sericomyrmex ou Trachymyrmex, nas quais, acredita-se, casos de ocorrência de
parasitismo social deverão ser encontrados em futuras pesquisas.
Tabela 1- Informações disponíveis sobre período de revoada das formigas Attines do Município de
IIhéus-Bahia.
Espécie
Vôo
Horário,
diurnol
se vôo diurno
Revoadas:
Pico
Meses registrados
Noturno
Atta cepha/otes
D
XX
ABR
MAR-JUN, SET
Atta sexdens sexdens
D
XX
XX
NOV-MAR
Acromyrmex (Moellerius) ba/zani
D
6-20h
JAN
NOV-JUN
Acromyrmex (A.) coronatus
D
8-11h
XX
JAN-FEV
Acromyrmex (A.) rugosus
D
6-9, 12, 17-
DEZ-MAR
18h
Acromyrmex sp.
D
6-9h; 1x 18h
OUT-
OUT-JUN
DEZ
Apterostigma urichii
D
6-8h
ABR
JAN., MAR-MAl, NOV.
Apterostigma sp. prox. Epinotalis
D
XXX
XXX
MAl
A. ierense
D
XXX
XXX
MAl
A. auricu/atum
D
7-8h
XXX
FEV-JUN, NOV
A. depressum
D
12h
XXX
JAN
A. madidiense
D
XXX
XXX
AGO-OUT
A. sp. compl. Pilosum
D
XXX
XXX
SET
A. sp. gp. Pi/osum
D
8h
XXX
MAl
Cyphomyrmex pe/tatus
D
7h
XXX
JAN,DEZ
C. occultus
D/N
7-8h
XXX
MAR-ABR, AGO-SET
C. dentatus
D
6-6:30h
XXX
DEZ,FEV
C. rimosus
D/N
6-8h
XXX
OUT-MAI, JUL
C. transversus
D/N
6-9h, 12h,
OUT,
Todo o ano
20h
MAR
Mycetophy/ax conformis
D
8h, 12h, 16h
XXX
JAN, MAR-MAl, AGO
Mycetophy/ax prox. Arenico/a
D
18h
XXX
JAN
D/N
6-8h, 12, 15,
Mycocepurus smithi
DEZ.-JUN, OUT
18h
Myrmicocrypta microphta/ma
N
Myrmicocrypta sp. prox. Buenz/ii
D
Sericomyrmex bondari
N
Sericomyrmex sp.
D/N
XXX
FEV-ABR, JUN.-OUT
8h
XXX
FEV, JUL
XXX
XXX
JUL, SET, DEZ.
6-8h, 9h, 17h XXX
Praticamente o ano todo
Trachymyrmex relictus
D
7-8h
xxx
JAN-FEV,
ABR-MAI,
OUT-NOV
Trachymyrmex cornetzi
D
8:30,11h
XXX
FEV, JUN
Trachymyrmex sp. 194
D
7h
XXX
JAN.-FEV., AGO-SET.
Trachymyrmex sp. 354
D
6-8h
XXX
MAR, JUL-AGO
Literatura citada
Bento, J.M.S. 1993. Condições climáticas para o vôo nupcial e reconhecimento dos indivíduos em
Atta sexdens rubropilosa (Hymenoptera: Formicidae). Tese de Magister Scientae,
Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, 98 p.
Bourke, A.F .G. & N.R. Franks. 1995. Social evolution in ants. Monographs in Behavior and
Ecology, Princeton University Press, Princeton, New Jersey, 529 p.
Casimiro, A.B.; P, Soares, M. Furst, I. C. Nascimento, A.L.B.Souza & J.H.C Delabie. 1993.
Calendário preliminar das épocas de revoadas de formigas Attini (Hymenoptera: Formicidae)
na região de Ilhéus, Bahia. Anais da 45a Reunião Anual da SBPC, Vol. 1, U.F. Pernambuco,
Recife, 1993, p 83.
Cunha, W.H.de A. 1988. Algumas notas sobre o comportamento e outras características da içá e
do bitu por ocasião do vôo nupcial. Naturalia, São Paulo, 13: 11-13.
Delabie, J.H.C. 1989. Observações sobre a ocorrência de poliginia em colônias de Acromyrmex
subte"aneus brunneus Forel 1893, em cacauais (Formicidae, Myrmicinae, Attini), Anais da
Soe. Entomol. Brasil, 1989, 18:193-197.
Delabie, J.H.C; H.G. Fowler & M.N Schlindwein. 1993. Ocorrência do parasita social Pseudoatta
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trópicos. Resumos, IV International Symposium on Pest Ants, XI Encontro de Mirmecologia,
Belo Horizonte, 1993, sp.
Diehl-Fleig, E. 1993. Sex ratio and nuptial flight pattern of the leaf-cutting ants Aeromyrmex heyeri
and A. striatus (Hymenoptera, Formicidae). Ins. Soe. 40: 111-113.
Hamilton, W.D. 1971. Geometry for the selfish herdoJ. Theor. Biol. 31:295-311.
Hebers, J.M. 1993. Ecological determinants of queen number in ants. In: Queen Number and
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Hõlldobler, B. & E.O. Wilson. 1990. The ants. Cambridge. Havard University Press, 732p.
Kaspari, M.,J. Pickering & D. Windsor. 2001. The reproductive flight phenology of a neotropical
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Kerr, W.E. 1961. Acasalamento de rainhas com vários machos em duas espécies da tribo Attini.
Ver. Brasil. Biol. 21:45-48.
Lopatina, E.B., V.E. Kipyatkov. 1993. The influence of temperature on brood development in the
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(Hymenoptera, Formicidae). Actes Col!. Ins. Soe. 2 :61-74.
Mariconi, F.A.M.1970. As saúvas. Editora Agronômica Ceres, São Paulo, 167 p.
Moser, J.C. 1967. Mating activies of Atta texana (Hymenoptera: Formicidae). Ins. Soe. 14 :295312.
Nascimento, I.C do & J.H.C. Delabie. 1998. Calendário de revoadas e ecologia do vôo de
fecundação de Formicidae (Insecta, Hymenoptera) na região de Ilhéus, Bahia. Resumos, Livro
2, XVII Congresso Brasileiro de Entomologia, Rio de Janeiro -RJ, 1998, 835.
Peeters, C. & Ito, F. 2001. Colony dispersal and the evolution of queen morphology in social
Hymenoptera. Ann. Rev. Entomol. 46:601-630.
Nascimento, I.C do. 2002. Fenologia do vôo nupcial e amostragem em comunidade de Formigas
(Hymenoptera: Formicidae) em área de Mata Atlântica do município de Viçosa, Minas Gerais.
Tese de Magister Scientae, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, 99 p.
Quirán, E.M. & B.M.C. Molas. 1998. Vuelo nupcial y fundación de colonias de Acromyrmex
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Ver. Soc. Entomol. Argent. 57:67-70.
Torres, J.A., R.R. Snelling, M. Canais. 2001. Seasonal and nocturnal periodicities in ant nuptial
flights in the tropics (Hymenoptera: Formicidae). Sociobiology. 37:601-624.
Vinson, SB; L. Greenberg, H.G. Fowler & J.H.C. Delabie. 1993. Chemical mimicry between a
leaf-cutting ant and its social parasite. Resumos, IV International Symposium on Pest Ants, XI
Encontro de Mirmecologia, Belo Horizonte, 1993, sp.
CO - Resumos do 19° Congresso Brasileiro de Êntomologia, Manaus, Amazonas, Brasil, 16 a 21
de junho de 2002, Sociedade Entomológica do Brasil, Instituto de Pesquisas da Amazônia,
Universidade do Amazonas.
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