Projeto de Iniciação Científica – Pibic ESTIMATIVAS DE CURVATURAS EM CURVAS DISCRETAS GEOMETRIA PROJETIVA Alunos: Iuri Sobral/ Pedro Chaves Moreira Orientador: Marcos Craizer Introdução A geometria projetiva surgiu com as dificuldades dos artistas do Renascimento de dar aos quadros que pintavam uma forma tal que as pessoas, ao olharem, identificassem o objeto real sem dificuldades. Isso levou os artistas a estudarem profundamente as leis que determinam a construção de projeções; e com esses estudos eles chegaram a teoria fundamental da perspectiva geométrica, que se expandiu, através de um pequeno grupo de matemáticos franceses motivados por Gerard Desargues. Desargues publicou um tratado original sobre seções cônicas, aproveitando idéias de projeção, mas esse trabalho foi ignorado e esquecido pelos matemáticos da época e todas as publicações desapareceram, e o que os levou a tal falta de interesse sobre esse trabalho foi a geometria analítica que foi introduzida dois anos antes por René Descartes e uma terminologia excêntrica adotada por ele. Mas o geômetra Michel Chasles conseguiu ressuscitar o trabalho de Desargues ao escrever sobre a história da geometria, após encontrar uma cópia manuscrita de seu estudo feita por um de seus seguidores. Assim, o trabalho de Desargues foi reconhecido como um dos clássicos no desenvolvimento da geometria projetiva. O ressurgimento da Geometria projetiva foi impulsionado por Poncelet, um prisioneiro de guerra russo, que sem livros nas mãos criou sua grande obra sobre a geometria projetiva publicada em 1822 com o título de “Tratado das propriedades projetivas das figuras”. Esta obra deu início ao chamado “grande período da história da geometria projetiva”, que abriu espaço aos grandes matemáticos. O trabalho de Desargues e Poncelet levou os geômetras a classificar a geometria em duas categorias: Propriedades métricas, que levam em conta as medidas das distâncias e dos ângulos e as Propriedades descritivas, que tratam das relações e posições dos elementos geométricos entre si. Objetivos Estudar uma metodologia de análise geométrica diferente das convencionais, buscando aplicar esse conhecimento em curvas parametrizadas em R2 e R3, calculando seus comprimentos e curvaturas projetivas. Ao se fazer isso, podemos efetuar transformações lineares em curvas, verificando suas curvaturas projetivas antes e depois das transformações, analisando-as e comparando-as mediante a Geometria Projetiva. Utilizando-se do programa de computador Maple 9, podemos plotar tais curvas e observá-las graficamente para obter resultados visuais e coerentes com os cálculos. Metodologia Dada uma certa curva A(t), parametrizada em R3, podemos calcular seu comprimento projetivo σ pelas seguintes relações: H(t) = r – (1/3)pq + (2/27)p3 – (1/2)q’ + (1/3)pp’ + (1/6)p’’; sendo: p = - |A(t)’’’A(t)’A(t)| / |A(t)’’A (t)’A (t)|; q = |A(t)’’’A(t)’’A(t)| / |A(t)’’A(t)’A(t)|; r = |A(t)’’’A (t)’’A (t)’| / |A(t)’’A(t)’A(t)|; ∂σ/∂t = H1/3; A partir do H(t), podemos obter a curvatura projetiva K, grandeza de maior importância para todo o projeto de pesquisa: K = H(t)-2/3[– (1/2)p’ – (1/6)p2 + (1/2)q – (H(t)’’/3 H(t)) + (7 H(t)’2/18 H(t)2)]; No entanto, ao utilizar o programa Maple 9, simplificamos de forma significativa o trabalho, criando procedimentos que, dada uma certa curva, o programa calculava o comprimento e a curvatura projetiva. Para calcular o comprimento projetivo, o código de programação é: calculosigma:= proc(A) with(LinearAlgebra): with(VectorCalculus): A1:=TangentVector(A,t); A2:=TangentVector(A1,t); A3:=TangentVector(A2,t); M1:=<<A3>|<A1>|<A>>; M2:=<<A3>|<A2>|<A>>; M3:=<<A3>|<A2>|<A1>>; M4:=<<A2>|<A1>|<A>>; p:=-Determinant(M1)/Determinant(M4); q:=Determinant(M2)/Determinant(M4); r:=Determinant(M3)/Determinant(M4); H:=r - (1/3)*p*q + (2/27)*p^3 - (1/2)*diff(q,t) + (1/3)*p*diff(p,t) + (1/6)*diff(p,t$2); sigma:= int(H^(1/3),t); end proc; Para calcular a curvatura projetiva, o código de programação é: calculoK:= proc(A) with(LinearAlgebra): with(VectorCalculus): A1:=TangentVector(A,t); A2:=TangentVector(A1,t); A3:=TangentVector(A2,t); M1:=<<A3>|<A1>|<A>>; M2:=<<A3>|<A2>|<A>>; M3:=<<A3>|<A2>|<A1>>; M4:=<<A2>|<A1>|<A>>; p:=-Determinant(M1)/Determinant(M4); q:=Determinant(M2)/Determinant(M4); r:=Determinant(M3)/Determinant(M4); H:=r - (1/3)*p*q + (2/27)*p^3 - (1/2)*diff(q,t) + (1/3)*p*diff(p,t) + (1/6)*diff(p,t$2); K:=simplify(H^(-2/3)*( (-1/2)*diff(p,t) - (1/6)*p^2 + (1/2)*q - (1/3)*diff(H,t$2)/H + (7/18)*(diff(H,t))^2/H^2 ),power, assume=positive); end proc; Conclusões A partir dos métodos e recursos utilizados, foi possível determinar comprimentos e principalmente curvaturas projetivas de curvas, geralmente espirais logarítmicas, observando-as em R3. Também foi comprovado que, após uma transformação linear, uma curva tem a sua curvatura projetiva inalterada. Referências [1] Introdução à geometria projetiva (2004). BARROS, Abdênago Alves de; ANDRADE, Placido F. A.; [2] Elementos de geometria projectiva. ALBUQUERQUE, Luís de. [3] Projective geometry. COXETER, H. S. M.. [4] Foundations of projective geometry. HARTSHORNE, Robin. Observação do orientador: O trablho acima foi realizado pelo aluno Iuri Sobral. Este aluno teve que interromper o projeto de pesquisa por motivos pessoais e foi substituído por outro aluno, Pedro Chaves Meurer Moreira, que iniciou um novo projeto, cujo relatório segue abaixo. Os Irracionais Têm Medida Total Aluno: Pedro Chaves Meurer Moreira Orientadores: Marcos Craizer / Flavio Erthal Abdenur Objetivo: Provar que ao se escolher um número qualquer na reta real R, de maneira realmente aleatória, a probabilidade de este ser um irracional é de 100%. A princípio, os números racionais parecem ser mais abundantes que os irracionais. Isso porque os primeiros são muito mais utilizados no cotidiano. Assim, o teorema a ser demonstrado é, primeiramente, surpreendente. Teremos que revisar teoria dos conjuntos, alguns tipos de funções, definir cardinalidade e enumerabilidade e estudar um pouco sobre probabilidade. I) O que é um conjunto? Um conjunto é uma reunião de objetos denominados elementos do conjunto. A relação mais simples entre um elemento e um conjunto é a de pertinência. Assim, um elemento x pode pertencer ou não a um determinado conjunto X. No primeiro caso dizemos que x pertence a X ou x X. Já no segundo dizemos que x não pertence a X ou x X. Dizemos também, que A está contido em B ou A B se todos os elementos pertencentes a A também pertencem a B. Um conjunto é definido quando conhecemos todos os elementos que pertencem a ele, ou então, se sabemos uma regra de associação. No segundo caso, podemos dizer que o elemento pertence ao conjunto se possuir uma determinada característica. Exemplos: Um conjunto A formado por A = {Fiat, Ford, GM} é definido apesar de não conhecermos nenhuma lei associativa. A possui três elementos. Um outro conjunto B é formado por todas as circunferências de 2 com raio maior ou igual a um metro. Neste caso, o objeto só fará parte de B se atender às condições de circunferência e seu raio for maior ou igual a um metro. Seria impossível escrever todos os elementos de B, mas dado um objeto qualquer sabemos se ele pertence ou não a B. Esse conjunto terá infinitos elementos. Surge ai uma noção de finitude de conjuntos a qual será discutida um pouco mais à frente, pois para isso é necessário entendermos o que é uma função e algumas de suas particularidades. II) O que é uma função? Função é uma lei que associa cada elemento de um conjunto A, chamado domínio, a um único elemento de um conjunto B, chamado contradomínio. É como se um elemento de A atingisse um único elemento de B. O elemento do contradomínio associado a um elemento do domínio x é chamado de a imagem de x e é representado por f(x). O conjunto formado pela imagem de todos os elementos de A é chamado conjunto imagem representado por f(A). Representamos uma função f por f: A → B As condições básicas para se ter uma função são: a) Todo o elemento do domínio deve ser associado a um no contradomínio. b) Cada elemento do domínio só pode ser associado a um único elemento do contradomínio. Exemplos: Podemos criar uma lei que associa um triângulo, em 2, ao seu perímetro. O domínio seria o conjunto formado por todos os triângulos do plano e o contradomínio formado por números reais. Percebe-se que cada triângulo se associa a apenas um número, sendo a lei de associação válida para todos os triângulos do plano. Logo essa lei é uma função. Já uma lei que associa uma pessoa ao seu carro preferido não pode ser considerada função. Isso porque alguém pode não gostar de nenhum carro ou então preferir dois ou mais carros igualmente. No primeiro caso, temos um elemento do domínio sem ser associado a um do contradomínio e no segundo, temos um elemento do domínio sendo associado a mais de um elemento do contradomínio. III) Tipos particulares de funções Entendendo bem o conceito de função percebemos que existem muitas delas. Logo podemos dividir aquelas que apresentam mesmas características em tipos distintos. Serão apresentados três tipos de funções: Injetivas, Sobrejetivas e Bijetivas. a) Funções injetivas: Uma função f: A → B é chamada injetiva se cada elemento do conjunto imagem é atingido por um único elemento do domínio. Assim dados dois elementos do domínio x e y, f(x) = f(y) se, e somente se, x = y. Exemplo: Dado o conjunto A = {-3, 2, 5} e B = {-6, -3, 4, 7, 10} um exemplo de função f:A→B injetiva seria f(x) = 2x, em que os elementos de f(A)={-6, 4, 10} são atingidos apenas uma vez por elementos de A satisfazendo assim, a condição de injetividade. b) Funções sobrejetivas: Uma função f: A→B é sobrejetiva se para cada elemento y de B existe ao menos um elemento x em A tal que f(x) = y. Ou seja, se o conjunto imagem coincide com o contradomínio, f(A) =B. Exemplo: Dado o conjunto A={-2,-1,0,1,2} e B={0,1,4} um exemplo de função f: A → B sobrejetiva seria f(x) = x2. Nesse caso todos os elementos de B são atingidos por pelo menos um elemento de A. c)Funções bijetivas: Uma função f: A → B é bijetiva se atende as condições de injetividade e sobrejetividade ao mesmo tempo. Exemplo: Dados conjuntos A = {0, 4, 8} e B= {2, 6, 10} um exemplo de função f: A → B bijetiva seria f(x) = x+2. Cada elemento de B é atingido por apenas um elemento de A e todos os elementos de B são atingidos. Um fato interessante é que podemos tornar funções injetivas e sobrejetivas em bijetivas fazendo algumas restrições no domínio ou no contradomínio. No caso das injetivas basta fazer com que o contradomínio coincida conjunto imagem. Já no caso das sobrejetivas, é necessário acabar com as ambigüidades, retirando os elementos do domínio que atingem o mesmo elemento no conjunto imagem. Exemplos: Se pegarmos o exemplo de funções injetivas em que A = {-3, 2, 5} e B = {-6, 3, 4, 7, 10}, para tornar a função f: A → B bijetiva basta retirarmos os elementos {3, 7}, que não são atingidos, do contradomínio obtendo o conjunto C = {-6, 4, 10}. A função f: A → C é bijetiva. Se usarmos o exemplo de funções sobrejetivas em que A={-2,-1,0,1,2} e B={0,1,4} para tornar a função f: A → B bijetiva basta retirarmos os elementos {-2, 1}, que causam ambigüidades, do domínio obtendo o conjunto C = {0, 1, 2}. A função f: C → A é bijetiva. IV) Conjuntos notáveis Iremos conhecer alguns conjuntos que são importantes para a demonstração do teorema. Todos os conjuntos apresentados estão contidos no conjunto dos numero reais a) Conjunto dos números Naturais ( ): O conjunto dos números Naturais é aquele formado por = {1,2,3,4,...}, os números positivos que não possuem parte decimal. O zero não pertence ao conjunto. b) Conjunto dos números Inteiros ( ): O conjunto dos números Inteiros é formado por ={...,-2,-1,0,1,2,...}, ou seja, é a reunião dos números Naturais com seus valores negativos incluindo o zero. Os números Naturais estão contidos nos inteiros, c) Conjunto dos números Racionais ( ): Um número é Racional se pode ser escrito como uma razão de dois inteiros. Assim x , se x = p/q tal que p e q e q diferente de zero. Dízimas periódicas simples e compostas são números racionais, pois podem ser escritos na forma de fração. Exemplos: São números racionais 2/3, -17/6, 0,333..., 3,135135135. Percebemos que os números inteiros estão contidos nos números racionais, d) Conjunto dos numero Irracionais ( ): O conjunto dos números Irracionais é formado por aqueles que não podem ser escritos na forma de razões de inteiros. Em outras palavras são os números reais que não são racionais. As dízimas não periódicas são irracionais. A parte decimal do número é infinita e aleatória (não se repete). Exemplos: São números irracionais o número PI π, o número de Euler e e (2)1/2. V) Conjuntos finitos e infinitos A princípio é muito fácil identificar se um conjunto é finito ou infinito, mas existe uma maneira matemática para defini-los e entende-los melhor. Iremos utilizar alguns teoremas sem demonstrá-los para não nos estendermos muito. a) Conjuntos Finitos: Iremos definir In como sendo o conjunto de números naturais que vai de 1 a n. Assim, In = (1, 2, 3, ..., n). Ou In = {p / 1 ≤ p ≤ n}. Um conjunto X é finito se é vazio ou se existe uma bijeção f: In → X. Exemplos: O conjunto A dos números naturais pares menores ou iguais a 10 é um conjunto finito, pois conseguimos construir uma bijeção f: I5 → A, em que f(x) = 2x É fácil perceber que In possui n elementos e, por f ser uma bijeção, X também possuirá n elementos. De maneira mais geral, se f: X→Y é uma bijeção e um dos conjuntos é finito, então o outro também será e ambos terão o mesmo número de elementos. Essa bijeção f é chamada de contagem dos elementos de X, pois podemos fazer f(1) = x1, f(2) = x2,... f(n) = xn. b) Conjuntos Infinitos: Um conjunto X é dito infinito se ele não é finito, ou seja, não existe uma bijeção entre nenhum In e X. Todos os conjuntos notáveis apresentados anteriormente são infinitos. VI) Conjuntos Enumeráveis e Não Enumeráveis. Mostramos que quando um conjunto A é finito, podemos escolher uma bijeção f: In → A denominada contagem dos elementos tal que f(1) = x1, f(2) = x2, f(3) = x3, ..., f(n) = xn. Poderemos fazer algo fazer algo parecido com alguns conjuntos infinitos. É claro que no caso infinito não estaremos “contando” seus elementos uma vez que possuem infinitos elementos, mas sim os colocando em ordem. Surge então o conceito de enumerabilidade de um conjunto Um conjunto X é enumerável se ele é finito ou se existe uma bijeção f: → X. Neste caso, podemos escrever f(1) = x1, f(2) = x2,..., f(n) = xn,... Assim X= {x1, x2,..., xn,...}. Essa função é conhecida por enumeração dos elementos. Exemplo: O conjunto dos números inteiros é enumerável, pois podemos construir uma bijeção f: → que associa os números ímpares a números positivos e os números pares a negativos, f(x) = { (x-1)/2 se x é ímpar, -(x/2) se x é par} Vemos todos os conjuntos finitos e mesmo alguns infinitos podem ser enumerados, colocados em “ordem”. Mas será que todos os conjuntos infinitos são enumeráveis? George Cantor, matemático do século XIX, conseguiu provar que existem conjuntos não-enumeráveis. Para tal, usou um argumento conhecido por diagonal de Cantor. Demonstração (por absurdo): Seja A o conjunto de todas as seqüências infinitas formadas pelos números 0 e 1. Iremos supor que esse conjunto é enumerável. Então A = {S1, S2, S3,..., Sn,...}. Assim teremos: S1 = (x11, x12, x13...) S2 = (x21, x22, x23...) S3 = (x31, x32, x33...) E assim por diante até infinito. O elemento xij representa o j-ésimo termo da seqüência i. Escolhemos uma seqüência S’ em que seu n-ésimo termo (x’n) seja diferente do n-ésimo termo da seqüência Sn (xnn). Em outras palavras se xnn = 1 colocamos x’n = 0, caso contrário, x’n = 1. Fazemos isso para n indo de 1 até infinito . Sabemos que S’ não é igual à seqüência S1, pois os elementos x1 de cada uma são diferentes. Também sabemos que S’ não é igual a S2, pois os elementos x2 de ambas também diferem. O mesmo acontecerá com S3 e com qualquer seqüência Sn que pertença ao conjunto A. Nesse ponto chegamos num absurdo, pois vemos que a seqüência S’não pertence ao conjunto A, mas isso não poderia ocorrer já que A é o conjunto de todas as seqüências infinitas formadas por 0 e 1 e a priori deveria conter S’. Provamos que existem conjuntos não enumeráveis já que o conjunto A é nãoenumerável. O método é conhecido como diagonal de Cantor, pois ao pegar o elemento xnn de cada seqüência é como se escolhemos todos os elementos da diagonal principal da matriz formada pelas seqüências. Já sabendo que existem conjuntos enumeráveis e não enumeráveis o próximo passo é descobrir se os racionais e os irracionais são enumeráveis ou não. Faremos isso primeiro com os racionais e em seguida com os irracionais. VII) Cardinalidade Cardinalidade de um conjunto é o seu número de elementos. Assim, quando temos conjuntos finitos, o maior será aquele que possui maior cardinalidade. Tratando-se de conjuntos infinitos essa comparação fica um pouco mais complicada. Por exemplo, qual conjunto é maior, o dos números naturais ou dos números inteiros? A principio o maior seria dos números inteiros. Mas ambos não são infinitos, possuindo assim cardinalidade igual? Definição1: Se dois conjuntos A e B possuem mesma cardinalidade então existe uma bijeção f: A → B entre eles. Por definição, não é possível construir uma bijeção f: A → B entre um conjunto A enumerável e um conjunto b não-enumerável. Concluímos que eles não possuem a mesma cardinalidade. Os não enumeráveis possuem maior cardinalidade. É como se os não enumeráveis fossem “mais infinitos” do que os enumeráveis. O próximo passo é verificar se os racionais e os irracionais são enumeráveis ou não-enumeráveis. VIII) Enumerabilidade dos Racionais Demonstração da enumerabilidade dos racionais: Nessa demonstração será usado um algoritmo não definido matematicamente, mas de fácil compreensão. Fazemos uma matriz M com o conjunto dos racionais positivos em que o elemento aij da matriz é dado pela razão de j/i. 1/1 2/1 3/1 4/1 5/1... 1/2 2/2 3/2 4/2 5/2 1/3 2/3 3/3 4/3 5/3 1/4 2/4 3/4 4/4 5/4 M= Definimos um algoritmo que irá enumerar os elementos do conjunto o seguinte método: + fazendo 1) Se o elemento pertencer à linha 1 e à: 1.a) uma coluna ímpar, o próximo elemento será aquele que está a sua direita. 1.b) uma coluna par, o próximo elemento será aquele que está na sua diagonal à esquerda. 2) Se pertencer à coluna 1 e à: 2.a) uma linha par, o próximo elemento será aquele que está embaixo. 2.b) uma linha impar, o próximo elemento será aquele que está na sua diagonal para cima e à direita. 3) Se não pertencer nem a linha 1 nem a coluna 1, escolhemos o próximo elemento usando a mesma direção e o mesmo sentido que foi usada no passo anterior. 4) O elemento q1 de + será m11 e começaremos a andar para direita. Aplicando o algoritmo uma vez, o elemento q2 será m12. Aplicando-o outra vez, o elemento q3 será m21. Repetirmos a operação 5 vezes, por exemplo, teremos que q4= m31; q5= m22; q6= m13; q7= m4; q8= m23. O esquema abaixo ilustra tais passos: 1/1 2/1 3/1 4/1 5/1... 1/2 2/2 3/2 4/2 5/2 M= 1/4 . . . 2/4 1/3 2/3 3/3 3/4 4/4 5/4 4/3 5/3 . Se aplicarmos o algoritmo infinitas vezes conseguimos cobrir todos os elementos dessa matriz infinita, ou seja, mostramos a enumerabilidade dos números racionais positivos. Não é difícil perceber que os números racionais negativos também são enumeráveis. Logo a reunião dos racionais positivos com os negativos também será enumerável, pois + U - é como se fosse uma duplicação de Q+. Para terminar a demonstração afirmamos que se incluirmos um número qualquer num conjunto enumerável, o novo conjunto será também enumerável. Incluímos o zero na reunião dos racionais positivos com os negativos e teremos o conjunto dos racionais que será , portanto enumerável. IX) Não-enumerabilidade dos Irracionais Demonstração da não- enumerabilidade dos irracionais: Primeiramente iremos mostrar que o conjunto dos números reais é não enumerável, pois assim a não-enumerabilidade dos irracionais é demonstrada mais facilmente. Utilizaremos um fato sem demonstrá-lo. Fato1: Se tivermos dois conjuntos X e Y tal que X Y com X enumerável e Y não enumerável então Y/X (lê-se Y - X) é não-enumerável. Escolhemos o intervalo fechado [0,1] da reta real. Definimos B como sendo o conjunto das seqüências infinitas e de dígitos {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9}. Provamos que S é infinito e não-enumerável, pelo mesmo motivo que o conjunto de seqüências infinitas e aleatórias de dígitos também é. Demonstração que S é não enumerável (por absurdo): Vamos supor que S seja um conjunto enumerável. Então S = {S1, S2, S3,..., Sn,...}. Assim teremos: S1 = (x11, x12, x13...) S2 = (x21, x22, x23...) S3 = (x31, x32, x33...) E assim por diante até infinito. O elemento xij representa o j-ésimo termo da seqüência i. Escolhemos uma seqüência S’ em que seu n-ésimo termo (x’n) seja diferente do n-ésimo termo da seqüência Sn (xnn). Em outras palavras se xnn = 1 x’n = 0, caso contrário, se xnn igual a qualquer outro número diferente de 1, x’n = 1. Fazemos isso para n variando de 1 a infinito . Sabemos que S’ não é igual à seqüência S1, pois os elementos x1 de cada uma são diferentes. Também sabemos que S’ não é igual a S2, pois os elementos x2 de ambas também diferem. O mesmo acontecerá com S3 e com qualquer seqüência Sn que pertença ao conjunto S. Nesse ponto chegamos num absurdo, pois vemos que a seqüência S’não pertence ao conjunto S, mas isso não poderia ocorrer já que S é o conjunto de todas as seqüências infinitas e formadas pelos números naturais que vão de 0 a 9 e a priori deveria conter S’. Queremos definir uma função bijetiva f: S → [0,1]. Surge então uma pequena sutileza, pois um mesmo elemento do contradomínio (ponto do intervalo entre [0,1]) pode ser atingido por dois elementos do contradomínio (representação numérica do ponto). Por exemplo, a representação numérica 0, 99999... e 1 do domínio atingem um mesmo ponto do contradomínio. Essa ambigüidade irá acontecer entre as representações finitas e aquelas que são dízimas terminadas em 999... Para acabar com essas ambigüidades iremos definir um novo conjunto S’ que será o conjunto S excluindo o conjunto T formado por todas as seqüências terminadas em 999....O conjunto T é formado por racionais portanto é enumerável. Usando o Fato1 conclui-se que S’ é não enumerável. Utilizando S’ conseguimos construir uma função f: S’→ [0,1] que leva as seqüências de tipo 0, n1 n2 n3... em pontos do intervalo [0,1]. Ou seja, a representação dos pontos entre [0,1] nos próprios pontos. Como cada número é atingido por uma única representação numérica e todos os números do contradomínio são atingidos, a função f é uma bijeção. Utilizando o definição1, sabemos que o intervalo [0,1] possui a mesma cardinalidade do conjunto S, que é não-enumerável. Logo [0,1] é não-enumerável. Corolário1: Dados a<b então [a, b] é não-enumerável. Demonstração: Existe f: [0, 1] → [a, b] tal que f é uma bijeção, f(x) = x-a/b-a assim pelo definição1 [a, b] é não-enumerável. Como a reta real é um intervalo de números, ela também é não-enumerável. Sabendo que a reta real é um intervalo, podemos usar o corolário1 para concluir que é não-enumerável. Pela definição de conjuntos irracionais temos que = / sendo que .. Se enumerável e não-enumerável, então concluímos, pelo fato1, que é não-enumerável. X) Teoria da Probabilidade e demonstração do Teorema Falaremos um pouco sobre probabilidade, pois é essencial para a conclusão do teorema. Dois matemáticos serão mencionados: Lebesgue e Kolmogorov (ver informações sobre suas vidas no apêndice) a) Lebesgue Desenvolveu a chamada Teoria da Medida. Define uma função λ: ρ [0,1] → [0,1] que leva essencialmente todas as partes do intervalo [0,1] no seu respectivo tamanho, sendo o tamanho de um intervalo [a,b] = b-a. A imagem da função aplicada a um intervalo C, λ(C), é conhecida como a medida de Lebesgue de C. Vale lembrar que o intervalo não precisa ser contínuo. Exemplo: λ([1/3, 1/2]) = 1/2 – 1/3 = 1/6. b) Kolmogorov Usou a Teoria da Medida de Lebesgue para desenvolver sua teoria probabilística. Por ser tecnicamente sofisticada, só apresentaremos um caso particular da sua teoria. Tomando-se uma probabilidade uniforme no intervalo [0,1], ou seja, ao se fazer uma escolha aleatória, todos os números têm a mesma probabilidade de serem escolhidos, Kolmogorov define que: Se C é um intervalo e C [0,1] então a probabilidade de se escolher aleatoriamente um ponto x que pertença a C é igual à medida de Lebesgue de C. Ou P(x C) = λ(C). Assim, a probabilidade de um número estar em C é o “tamanho” do conjunto C. Usaremos uma propriedade, que faz parte da construção da medida de lebesgue, conhecida por sigma-aditividade. Propriedade sigma-aditiva: Dada uma família enumerável de conjuntos disjuntos Aα = {A1, A2, ..., An, ...} tal que Aα [0,1] então a medida de Lebesgue da união dos conjuntos pertencentes a família será o somatório das medidas de todos esses conjuntos, ou λ(UAi) = ∑λ(Ai) tal . que i Tomando uma família de conjuntos de pontos em que Ai = {xi} e usando a propriedade δ-aditiva apresentada, temos que λ(UAi) = ∑λ(Ai) = 0 uma vez que se pontos são adimensionais sua soma será também adimensional. Sendo os racionais um conjunto enumerável, se aplicarmos a função λ dos racionais no intervalo [0,1] teremos que a medida de Lebesgue dos racionais é 0. Assim, a probabilidade dos racionais também é 0 no intervalo [0,1]. Sendo zero a probabilidade dos racionais conclui-se que a probabilidade dos irracionais é 100%. Se estendermos essa demonstração do intervalo [0,1] para a reta inteira teremos que a probabilidade de se escolher um número irracional na reta real é de 100%. Bibliografia Lima, Elon Lages - Curso de Analise; v.1 12ed – Rio de Janeiro Lima, Elon Lages - Análise Real volume 1. Funções de uma variável 9ed. Rio de Janeiro: IMPA 2007