PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE I E II EMERJ

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PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE I E II
EMERJ – PROFESSORA CRISTIANE DUPRET
06 Tema: Da Periclitação da Vida e da Saúde I.
1) Considerações gerais:
a) Definição de perigo. Teorias;
b) A subsidiariedade em relação aos crimes de dano. Bem jurídico tutelado;
c) Diferença entre crimes de perigo abstrato e concreto;
d) Diferença entre crimes de perigo individual e crimes de perigo comum;
e) O elemento subjetivo nos crimes de perigo individual.
2) Crimes de perigo individual (artigos 130 a 132 do CP): sujeitos do delito. Tipicidade
objetiva e subjetiva.
3) Aspectos controvertidos.
4) Concurso de crimes.
5) Pena e ação penal.
07 Tema: Da Periclitação da Vida e da Saúde II. O crime de rixa.
1) Crimes de perigo individual (artigos 133 a 136 do CP): sujeitos do delito. Tipicidade
objetiva e
subjetiva.
2) Aspectos controvertidos.
3) Concurso de crimes.
4) Pena e ação penal.
5) O crime de rixa:
a) Considerações gerais;
b) Definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito. Tipicidade
objetiva e
subjetiva;
c) Aspectos controvertidos.
CRIMES DE PERIGO
Antes de estudarmos os tipos penais em análise, faz-se necessário que falemos de uma das
mais conhecidas classificações dos crimes:
- crimes de perigo
- crimes de dano
Lembrando ainda que os crimes de perigo dividem-se em crimes de perigo concreto e de
perigo abstrato.
O perigo seria um grau antecedente ao dano.
Vejamos alguns pontos essenciais quanto aos crimes de perigo:
DEFINIÇÃO DO PERIGO – TEORIAS
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- Teoria Subjetiva – por esta teoria o perigo não é mais do que uma mera criação do espírito
do homem.
- Teoria Objetiva – segundo esta teoria o perigo é um estado de fato concreto, real, um trecho
da realidade.
- Teoria Objetivo-Subjetiva – é uma realidade que exige um juízo mental para a apuração de
sua existência.
ESPÉCIES DE PERIGO:
Perigo Individual - quando o perigo afeta um indivíduo ou um número determinado de
pessoas. São os crimes do Art. 130 a 136 CP.
Perigo comum ou coletivo – quando o perigo afeta a um número indeterminado de pessoas
diz-se que tal crime é de perigo comum (Art. 250 a 285 CP).
ABSORÇÃO DO CRIME SUBSIDIÁRIO
O crime subsidiário de perigo fica absorvido pelo delito de dano quando o sujeito age com
dolo de dano e não com dolo de perigo. Excepcionalmente, porém, embora o sujeito tenha
praticado o fato com dolo de dano, continua respondendo por crime de perigo. É o que
acontece nos casos dos art. 130, § 1° e 131. Nestas hipóteses, se o sujeito agir com dolo e
causar a morte da vítima responderá por lesão corporal seguida de morte (129, § 3°). Se agir
com culpa e o mesmo resultado ocorrer, responde por homicídio culposo (121, § 3°).
ELEMENTO SUBJETIVO
O elemento subjetivo dos crimes de periclitação da vida e da saúde é, em regra, o dolo de
perigo: o sujeito pretende produzir um perigo de dano. A diferença entre dolo de dano e dolo
de perigo reside em que no primeiro o sujeito quer a produção do efetivo dano ao bem
jurídico protegido, enquanto no de perigo sua vontade se dirige a expor o bem a um perigo de
dano.
CRIMES DE PERIGO CONCRETO E ABSTRATO
QUESTÕES CONTROVERTIDAS
Quando falamos em perigo concreto, faz-se necessário que se comprove no caso concreto que
a conduta praticada pelo sujeito efetivamente causou perigo ao bem jurídico tutelado.
Geralmente, os tipos penais que descrevem crimes de perigo concreto contêm expressões
como: “gerando perigo de dano”, “gerando dano potencial”, “causando perigo”, etc. Desta
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forma, ao nos depararmos com tais nomenclaturas, sabemos que para que alguém incorra no
tipo penal, será necessária a comprovação de que a conduta praticada efetivamente gerou
perigo. Diferentemente, nos tipos penais que descrevem um perigo abstrato, não encontramos
menção ao perigo. Ou seja, basta a mera prática da conduta para que o crime esteja
consumado. Os crimes de perigo abstrato são, desta forma, crimes de mera conduta, de
simples atividade.
Nos crimes de perigo abstrato, a verificação do perigo é feita ex ante, ou seja, no momento da
prática da conduta, onde já se presume o perigo. Nos crimes de perigo concreto, a verificação
do perigo é feita ex post, ou seja, verifica-se se com o comportamento se configurou efetivo
perigo para a vítima.
Parte da doutrina critica as figuras penais que traçam um perigo abstrato. Vejamos o
entendimento do mestre Rogério Greco1:
“Hoje em dia, de acordo com os postulados garantistas, atentos aos princípios
informadores do Direito Penal, temos que procurar rechaçar os tipos penais
que contenham, à primeira vista, previsão de crimes de perigo abstrato, pois
que, por meio dessa modalidade de perigo, a lei penal presume a colocação
em perigo do bem juridicamente protegido pelo tipo.”
...”A nossa proposta de estudo, de acordo com um ponto de vista garanista,
será a de reinterpretar os tipos penais de perigo contidos na parte especial do
Código Penal, partindo do pressuposto de que deverão ser tratados como
infrações de perigo concreto, e não de perigo abstrato”
O mestre cita, ainda, posicionamento de Ferrajoli:
“nas situações em que, de fato, nenhum perigo subsista, o que se castiga é a
mera desobediência ou a violação formal da lei por parte de uma ação inócua
em si mesma. Também estes tipos deveriam ser reestruturados, sobre a base
do princípio da lesividade, como delitos de lesão, ou, pelo menos, de perigo
concreto, segundo mereça o bem em questão uma tutela limitada ao prejuízo
ou antecipada à mera colocação em perigo.”
Rogério Greco conclui pela reinterpretação dos tipos penais de perigo abstrato como tipos
penais de perigo concreto, afirmando que os crimes de perigo abstrato não resistem a uma
depuração principiológica, concluindo em citação à Ferrajoli que:
“Os princípios penais fundamentais são ferramentas indispensáveis a uma
perfeita ilação das leis penais”
Nos últimos anos, percebíamos que o legislador vinha se sensibilizando com as tendências
garantistas dentro de um novo rumo tomado pelo Direito Penal moderno, evitando descrição
de condutas de perigo abstrato. No entanto, recentemente, por meio de alteração promovida
1
Curso de Direito penal. Parte especial. Impetus. 2005, p. 342
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pela lei 11.705/08, percebemos o retorno de crime de perigo abstrato. O legislador, ao
modificar a redação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, retirou a expressão
“expondo a dano potencial”, transformando a embriaguez ao volante em crime de perigo
abstrato, em verdadeiro exagero legislativo e flagrante retrocesso aos novos ditames de um
Direito Penal garantista, e ainda, em clara ofensa ao princípio da proporcionalidade:
“Art.
306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com
concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)
decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que
determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou
proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo
automotor.
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência
entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime
tipificado neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)”
Muitos autores, como Damásio de Jesus, Luiz Flávio Gomes, Zaffaroni e Nilo Batista
criticam veementemente o crime de perigo abstrato. Damásio chega a concluir que não são
admissíveis delitos de perigo abstrato em nossa legislação, por violar o princípio
constitucional do estado de inocência (artigo 5º , LVII, CF).
É interessante trazer o entendimento Lênio Luiz STRECK2 , que aduz:
“Ora, será demais lembrar que somente a lesão concreta ou a efetiva
possibilidade de lesão imediata a algum bem jurídico é que pode gerar uma
intromissão penal do Estado? Caso contrário, estará o Estado estabelecendo
responsabilidade objetiva no direito penal, punindo condutas in abstracto,
violando os já explicitados princípios da razoabilidade, da proporcionalidade
e da secularização, conquistas do Estado Democrático de Direito.”
Nilo Batista, ao criticar a configuração de crimes de perigo abstrato, menciona a idéia de
alteridade do Direito Penal.
Citamos abaixo trecho de artigo de autoria de Luiz Flavio Gomes:
“A doutrina moderna refuta o reconhecimento do perigo abstrato, em razão
da adoção, pela Constituição Federal, do princípio da lesividade, comando
que pode ser extraído, implicitamente, do artigo 98, I, do aludido diploma.
Esse dispositivo trata dos juizados especiais e determina a sua competência
para as infrações penais de menor potencial ofensivo, deixando evidente a
2
STRECK, Lênio Luis. O "Crime de Porte de Arma" à Luz da Principiologia Constitucional e do Controle de
Constitucionalidade: Três Soluções à Luz da Hermenêutica, p. 54
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exigência de ofensividade da conduta, para que essa seja considerada fato
típico.
Em consonância com destacado preceito, também conhecido como princípio
da ofensividade do fato, para que se cogite a ocorrência de fato punível é
imprescindível que o comportamento do agente atinja concretamente o bem
jurídico tutelado pela norma (nullum crimen sine iniuria). Nessa esteira, vê-se
que o princípio da lesividade guarda intrínseca relação com a concepção
dualista da norma penal, de forma que além de se exigir um desvalor da
conduta, também é indispensável o desvalor do resultado naturalístico, o que
só se verifica com a afetação concreta do bem jurídico.
Assim, o Direito Penal só pode atuar quando a conduta do agente ofender um
bem jurídico, não sendo suficiente que essa se mostre apenas como imoral ou
inadequada.
Diante todo o exposto, entendemos que, exatamente em virtude do princípio
que estamos analisando, está proibida no Direito Penal a concepção de
perigo abstrato, o que nos leva a concluir, a depender do caso, pela não
recepção ou inconstitucionalidade das normas que a contemplam, como é o
caso de certos dispositivos do CTB”
Bitencourt3 sustenta que:
“O eventus periculi, resultante da prática de atos libidinosos de portador de
moléstia venérea com outra pessoa, é presumido, e esta presunção é juris
tantum, ou seja, admite prova em contrário. É o mínimo que s epode exigir em
um Estado Democrático de Direito, em que vige um direito penal da
culpabilidade e é proscrita a responsabilidade penal objetiva, para se poder
conviver com crimes de perigo presumido”
O entendimento acima também é compartilhado por Luiz Regis Prado4:
“O delito constante do art. 130 é delito de perigo abstrato. Presume-se o
perigo de contágio se o agente, contaminado por moléstia venérea, pratica ato
libidinoso capaz de transmiti-la. Tel presunção é iuris tantum, ou seja, admite
prova em contrário – por exemplo, se a vítima já se encontrar contaminada”
Outros autores, em comentário a leis especiais, defendem a continuidade de tais delitos. Nos
crimes de perigo abstrato, segundo Capez5:
3
Ob cit, pág. 200
Ob cit, pág. 154
5
Arma de Fogo - Comentários à Lei nº 9.437, de 20.2.1997”, ed. Saraiva, 1997, págs. 25-26
4
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“A opção política do Poder Legislativo em considerar o fato, formal e
materialmente, típico independentemente de alguém, no caso concreto, vir a
sofrer perigo real, não acoima a lei definidora de atentatória à dignidade
humana. Ao contrário. Revela, por parte do legislador, disposição ainda
maior de tutelar o bem jurídico, reprimindo a conduta violadora desde o seu
nascedouro, procurando não lhe dar qualquer chance de desdobramento
progressivo capaz de convertê-la em posterior perigo concreto e, depois, em
dano efetivo. Trata-se de legítima opção política de resguardar, de modo mais
abrangente e eficaz, a vida, a integridade corporal e a dignidade das pessoas,
ameaçadas com a mera conduta de sair de casa ilegalmente armado.
Realizando a conduta descrita no tipo, o autor já estará colocando a
incolumidade pública em risco, pois protegê-la foi o desejo manifestado pela
lei. Negar vigência ao dispositivo nos casos em que não se demonstra perigo
real, sob o argumento de que atentaria contra a dignidade da pessoa humana,
implica reduzir o âmbito protetor do dispositivo, com base em justificativas no
mínimo discutíveis. Diminuindo a proteção às potenciais vítimas de ofensas
mais graves, produzidas mediante o emprego de armas de fogo, deixando-as a
descoberto contra o dano em seu nascedouro, o intérprete estará relegando o
critério objetivo da lei ao seu, de cunho subjetivo e pessoal. Privilegia-se a
condição do infrator em detrimento do ofendido, contra a expressa letra da
lei. A presunção da injuria, por essa razão, caracteriza mero critério de
política criminal, eleito pelo legislador com a finalidade de ofertar forma mais
ampla e eficaz de tutela do bem jurídico.”
JAKOBS6 refere que:
"a elevação dos crimes de perigo abstrato a mera infração contra a ordem
pública (como mera perturbação, ou ao menos principalmente perturbação da
ordem) a delito criminal (como ataque contra a identidade social) se fez
contando com boas razões para isso, ou, ao contrário, se fez de modo
intervencionista". Prossegue referindo que o que se busca na tipificação de
delitos de perigo abstrato "é a de manutenção da vigência da norma"
JURISPRUDÊNCIA ATINENTE AO TEMA:
1999.050.03544 - APELACAO - 1ª Ementa
DES.
VALMIR
DE
OLIVEIRA
SILVA
-
Julgamento:
14/12/1999
-
TERCEIRA
CAMARA
CRIMINAL
Lei das armas. Posse de arma sem registro. Disparos intra-muros e para o alto, em local habitado.
Substituicao da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Confissão. Crime de lesão cuja
objetividade juridica tem por destinatária a segurança coletiva, não de perigo abstrato, porque
6
JAKOBS, Günther. Sociedade, Norma e Pessoa, p. 25-27
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efetuar disparos de arma de fogo em lugar habitado ou em suas adjacências, em via publica ou em
direcao a ela rebaixa, afeta, danifica, lesa o nível de segurança protegido pela norma,dai' nao se
exigir a prova de perigo efetivo a uma pessoa concreta, quando do disparo, pois a coletividade e' o
sujeito passivo. Resposta penal desafia modificação, eis que o Magistrado sentenciante, considerando
preenchidos os requisitos dos incisos I, II e III, do artigo 77 do CP, concedeu ao apelante o "sursis"
penal simples, por dois anos, impondo-lhe a prestação de serviços `a comunidade durante o primeiro
ano do período de prova e mais as condições enumeradas no par. 2., do mesmo dispositivo legal,
circunstancias que, no meu ver, autorizavam a substituição da pena privativa de liberdade por uma
alternativa de prestação de serviços `a comunidade, unicamente, porque a adoção de tal medida e'
possível, inclusive, em se tratando de réu reincidente, desde que a reincidência não seja pelo mesmo
crime e os demais requisitos estejam satisfeitos, conforme disposto no artigo 44, pars. 2. e 3., do CP,
alterado pela Lei n. 9714/98, e cujo exame deve preceder ao do "sursis", simples ou especial. Parcial
provimento. (WLS)
2007.059.04778 - HABEAS CORPUS - 1ª Ementa
DES. MARCO AURELIO BELLIZZE - Julgamento: 18/09/2007 - TERCEIRA CAMARA CRIMINAL
HABEAS CORPUS. CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ARMA DESMUNICIADA. IRRELEVÂNCIA PARA A
CARACTERIZAÇÃO DO DELITO.Crime de porte ilegal de arma de fogo. Oferecimento de denúncia. Pretensão de
trancamento da ação penal por atipicidade da conduta. Arma desmuniciada. Irrelevância para a caracterização de
delito de perigo abstrato. Bem jurídico protegido. Segurança Pública, que se presume atingida com a mera
conduta de portar arma de fogo sem autorização e em desacordo com a determinação legal. Precedentes do
Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Presença de justa causa para o prosseguimento da ação penal. Denegação da
ordem.
DOS CRIMES EM ESPÉCIE
ART. 130
Perigo de contágio venéreo
Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a
contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
§ 1º - Se é intenção do agente transmitir a moléstia:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 2º - Somente se procede mediante representação.
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Bem jurídico tutelado – incolumidade física e a saúde da pessoa. Alguns doutrinadores,
como Magalhães Noronha e Rogério Greco, incluem a vida como bem jurídico tutelado.
Bitencourt discorda, sob o argumento de que o resultado morte não se encontra previsto pelo
tipo penal. Luiz Regis Prado cita a saúde como bem jurídico tutelado.
Sendo assim, temos a incolumidade como objeto jurídico. Ressalte-se que isso não deve ser
confundido com objeto material, que neste crime é a pessoa com quem o sujeito ativo
mantém relação sexual ou ato libidinoso.
Com a leitura do item 44 da exposição de motivos à parte especial, percebemos os motivos
que levaram o legislador à tipificação da conduta:
“Entre as novas entidades prefiguradas no capítulo em questão, depara-se,
em primeiro lugar, com o “contágio venéreo”. Já há mais de meio século, o
médico francês Desprès postulava que se incluísse tal fato entre as species do
ilícito penal, como já fazia, aliás, desde 1866, a lei dinamarquesa. Tendo o
assunto provocado amplo debate, ninguém mais duvida, atualmente, da
legitimidade dessa incriminação. A doença venérea é uma lesão corporal e de
conseqüências gravíssimas, notadamente quando se trata da sífilis. O mal da
contaminação (evento lesivo) não fica circunscrito a uma pessoa determinada.
O indivíduo que, sabendo-se portador de moléstia venérea, não se priva do
ato sexual, cria conscientemente a possibilidade de um contágio extensivo.
Justifica-se, portanto, plenamente, não só a incriminação do fato, como o
critério de declarar-se suficiente para a consumação do crime a produção do
perigo de contaminação. Não há dizer-se que, em grande número de casos,
será difícil, senão impossível, a prova da autoria. Quando esta não possa ser
averiguada, não haverá ação penal (como acontece, aliás, em relação a
qualquer crime); mas a dificuldade de prova não é razão para deixar-se de
incriminar um fato gravemente atentatório de um relevante bem jurídico. Nem
igualmente se objete que a incriminação legal pode dar ensejo, na prática, a
chantagens ou especulação extorsiva. A tal objeção responde cabalmente
Jimenez de Asúa (O delito de contagio venéreo): “... não devemos esquecer de
que a chantagem é possível em muitos outros crimes, que, nem por isso,
deixam de figurar nos Códigos. O melhor remédio é punir severamente os
chantagistas, como propõem Le Foyer e Fiaux”. Ao conceituar o crime de
contágio venéreo, o projeto rejeitou a fórmula híbrida do Código italiano
(seguida pelo projeto Alcântara), que configura, no caso, um “crime de dano
com dolo de perigo”. Foi preferida a fórmula do Código dinamarquês: o
crime se consuma com o simples fato da exposição a perigo de contágio. O
eventus damni não é elemento constitutivo do crime, nem é tomado em
consideração para o efeito de maior punibilidade. O crime é punido não só a
título de dolo de perigo, como a título de culpa (isto é, não só quando o agente
sabia achar-se infeccionado, como quando devia sabê-lo pelas
circunstâncias). Não se faz enumeração taxativa das moléstias venéreas
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(segundo a lição científica, são elas a sífilis, a blenorragia, o ulcus molle e o
linfogranuloma inguinal), pois isso é mais próprio de regulamento sanitário.
Segundo dispõe o projeto (que, neste ponto, diverge do seu modelo), a ação
penal, na espécie, depende sempre de representação (e não apenas no caso em
que o ofendido seja cônjuge do agente). Este critério é justificado pelo
raciocínio de que, na repressão do crime de que se trata, o strepitus judicii,
em certos casos, pode ter conseqüências gravíssimas, em desfavor da própria
vítima e de sua família”
A expressão “moléstia venérea” é elemento normativo do tipo penal. Cabe à medicina
definir o rol das moléstias venéreas. Cabe ressaltar que é cediço na doutrina que a AIDS não
caracteriza moléstia venérea.
Existe controvérsia quanto à classificação do crime. Para Rogério Greco, trata-se de crime
próprio, já que só pode ser praticado por pessoa que esteja contaminada. Capez e Bittencourt
entende tratar-se de crime comum. Luiz Regis Prado não cita expressamente a classificação
do crime, mas afirmam que pode ser praticado por qualquer pessoa, desde que contaminada.
Quanto ao elemento subjetivo, este também é alvo de inúmeras controvérsias, geradas pela
expressão “sabe ou deve saber que está contaminado”. Rogério Greco 7 destaca que o item 44
da exposição de motivos admite expressamente a modalidade culposa. No entanto, o Mestre
complementa, criticando a disposição legal, no sentido de que o art. 18 não permite
modalidade culposas salvo em casos previstos expressamente em lei. Sustenta, portanto, que
o crime só pode ser praticado a título de dolo, ainda que eventual (quando o sujeito deve
saber que está contaminado). Capez, Luiz Regis Prado e Damásio se posicionam no mesmo
sentido. Para Magalhães Noronha, haverá culpa quando o sujeito deve saber estar
contaminado.
Bitencourt8 tem posicionamento bastante interessante, acompanhado também por Rogério
Greco, sustentando que as expressões “sabe” e “deve saber” não são definidoras de dolo
direto e eventual. Sustenta que na modalidade “sabe”, o sujeito ativo também pode agir com
dolo eventual, desde que ele assuma o risco do perigo, sem o querer diretamente, muito
embora não seja admissível o dolo direto na modalidade “deve saber”. Ou seja, a elementar
“sabe” diz respeito exclusivamente à moléstia venérea e não ao elemento subjetivo do agente.
Bitencourt menciona, ainda, que o tipo de dolo deve ser aferido no momento da dosimetria da
pena.
Importante destacar que seja em que modalidade de dolo ocorrer a conduta, este dolo é
direcionado ao perigo e não ao dano, sob pena de descaracterizar o delito em estudo, para
constituir nova modalidade típica.~
7
8
Ob cit, p. 354-355
Tratado de Direito Penal. Vol 2. 8a. Ed. Saraiva, pag. 197-199
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Quanto à possibilidade de tentativa, a doutrina é unânime em admitir a possibilidade nos
casos em que a vítima está para manter relação sexual com a pessoa contaminada e por
exemplo, é avisada por terceiro da contaminação. O sujeito contaminado n ao terá conseguido
expor a perigo por circunstâncias alheias a sua vontade. Mencionam expressamente a
possibilidade de tentativa: Rogério Greco, Luiz Regis Prado, Bitencourt e Capez.
Quanto à consumação, esta terá ocorrido com a prática do ato libidinoso, independente de
contágio, sendo necessário o contato pessoal.
O par. 1º do art. 130 prevê modalidade qualificada, estabelecendo pena de 1 a 4 anos
quando houver dolo de dano. O item 45 menciona a tipificação desta modalidade qualificada:
“É especialmente prefigurado, para o efeito de majoração da pena, o caso em
que o agente tenha procedido com intenção de transmitir a moléstia venérea.
É possível que o rigor técnico exigisse a inclusão de tal hipótese no capítulo
das lesões corporais, desde que seu elemento subjetivo é o dolo de dano, mas
como se trata, ainda nessa modalidade, de um crime para cuja consumação
basta o dano potencial, pareceu à Comissão revisora que não havia
despropósito em classificar o fato entre os crimes de perigo contra a pessoa.
No caso de dolo de dano, a incriminação é extensiva à criação do perigo de
contágio de qualquer moléstia grave.”
Esta tipificação de perigo de contágio do par. 1º. tem dupla função: qualificar o crime e exigir
um elemento subjetivo especial, caracterizando a modalidade qualificada como um delito de
intenção.
Sendo assim, temos uma situação híbrida: caso exista dolo de dano, mas o sujeito não
produza efetivamente o contágio, mas tão somente o perigo, haverá crime do art. 130, na
forma qualificada. Caso o dolo seja de dano, mas produza o efetivo contágio, há controvérsia
na doutrina. Ressalte-se que há de ser mencionado o posicionamento de grande parte da
doutrina, a citar Luiz Regis Prado9, Damásio, Capez10 e Bitencourt11, que sustentam que o
efetivo contágio há de ser analisado na dosimetria da pena, como exaurimento do crime do
art. 130. Já Ney Moura Teles sustenta que se o contágio ocasionar lesão grave ou gravíssima,
responderá o agente por lesão corporal. Se ocorrer a morte, por lesão corporal seguida de
morte. Para Rogério Greco12, o sujeito deverá ser responsabilizado por lesão corporal seguida
de morte quando tinha a intenção de transmitir a moléstia, acabando por causar a morte da
vítima.
9
Curso de Direito Penal Brasileiro. RT. 3ª. Ed, p. 156
Curso de Direito Penal. Parte especial. Saraiva. 7ª. Ed. Vol 2. Pag. 175
11
Ob cit, pag. 201 – Bitencourt sustenta que o art. 130 constitui lex specialis em relação ao crime de lesão
corporal. Para ele, as lesões corporais sofridas estão absorvidas pela intenção de transmitir a moléstia. Apenas
no caso de ocorrer morte é que o sujeito responderá por lesão corporal seguida de morte – art. 129, par. 3º.,
CP. Bitencourt só admite o concurso de crimes quando se tratar de crimes contra os costumes, sendo
modalidade de concurso formal, sendo impróprios quando o sujeito tiver desígnios autônomos.
12
Ob cit, p. 365
10
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O parágrafo 2º do art. 130 estabelece que a ação penal é pública condicionada è
representação. A representação funcionará como condição de procedibilidade.
Ressalte-se que a prova de autoria exige em regra perícia para identificar se o sujeito ativo
estava contaminado, no caso em que a vítima não se contaminou. Por outro lado, o sujeito
ativo não é obrigado a produzir prova contra si mesmo. O próprio legislador mencionou tal
dificuldade na exposição de motivos, no já citado item 44:
“...Não há dizer-se que, em grande número de casos, será difícil, senão
impossível, a prova da autoria. Quando esta não possa ser averiguada, não
haverá ação penal (como acontece, aliás, em relação a qualquer crime); mas
a dificuldade de prova não é razão para deixar-se de incriminar um fato
gravemente atentatório de um relevante bem jurídico.”
Não esqueçamos, no entanto, de que a negativa em se submeter a qualquer exame, pode dar
margem a consideração de outros meios de provas. Um exemplo seria o testemunho de outra
pessoa que tenha sido efetivamente contaminada e que tenha mantido relações sexuais com o
sujeito ativo no mesmo dia em que a vítima não contaminada manteve.
Quanto ao consentimento do ofendido, trata-se de mais um tópico controvertido na doutrina.
Rogério Greco admite, desde que a lesão que possa vir a ser causada seja de natureza leve. Já
Bitencourt não admite a possibilidade de exclusão pelo consentimento do ofendido, tendo em
conta que existe interesse público no controle das doenças e este interesse público é
indisponível.
Pode ainda ocorrer a hipótese de crime impossível nos casos em que a vítima já se encontre
contaminada ou quando o sujeito ativo já esteja curado.
ART. 131 – PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE
Perigo de contágio de moléstia grave
Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está
contaminado, ato capaz de produzir o contágio:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Para Rogério Greco, o art. 131, da mesma forma que o art. 13º, par. 1º., narra um delito de
dano, já que a conduta do agente é finalisticamente dirigida a um resultado danoso. No
entanto, a lei penal se satisfaz meramente com o perigo, muito embora exija dolo de dano. O
crime é de natureza formal. Já Bitencourt especifica que o delito é de perigo, muito embora
com dolo de dano.
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A expressão “moléstia grave” é elemento normativo do tipo, e caracteriza ainda uma norma
penal em branco para a maioria da doutrina, que exige descrição e complementação pela
medicina. Dentre as moléstias graves, estão caracterizadas as que exigem notificação
compulsória. As moléstias venéreas também são caracterizadas como moléstias graves, mas
lembrando que no tipo penal do art. 130 exige-se a prática de ato libidinoso, enquanto o art.
131 é de forma livre, podendo ser praticado por qualquer ato apto a produzir o contágio
(pode, inclusive ser ato sexual, desde que a doença não seja venérea). A moléstia além de
grave deve ser contagiosa. Os meios para transmissão podem ser diretos ou indiretos,
sendo o primeiro o contato direto com a vítima e o segundo a utilização de objetos, mas
ressaltando que o sujeito deve estar contaminado. Não é possível que o sujeito decida
transmitir a moléstia de que outro está contaminado, por clara exigência do tipo penal. Se o
sujeito não está contaminado, mas pratica ato capaz de produzir contágio (ex.: com seringas
ou outros meios) poderá responder pelo crime previsto no art. 132 do CP.
Bitencourt sustenta que a moléstia grave não deve constar necessariamente de algum rol para
que possa caracterizar o crime:
“Ser grave e contagiosa decorre da essência da moléstia a não de eventuais
escalas oficiais. Por isso, a nosso juízo, o conteúdo do tipo penal do art. 131
não pode ser definido como norma penal em branco”
...Trata-se em verdade, daqueles crimes que, historicamente, a doutrina tem
denominado tipos anormais, em razão da presença de elementos normativos
ou subjetivos; neste caso, ambos estão presentes: a finalidade de transmitir a
moléstia (elemento subjetivo) e moléstia grave (elemento objetivo).”
Luiz Regis prado define como moléstias graves:
“aquelas que afetam seriamente a saúde, perturbando o funcionamento
regular do organismo”
Para esse doutrinador, além de estarem excluídas as doenças não contagiosas, também estão
excluídas as hereditárias.
Para Rogério Greco trata-se de crime próprio, enquanto para Bitencourt o crime é comum.
Para Rogério Greco, Capez e Bitencourt, o bem jurídico tutelado é a integridade corporal ou
a saúde da vítima, não se incluindo a vida como objeto jurídico. Para Luiz Regis Prado,
tutela-se a vida e a saúde da pessoa humana.
Trata-se de crime doloso, contendo ainda um elemento subjetivo especial, um especial fim
de agir, que o caracteriza como um delito de intenção. Não se admite modalidade culposa. Se
houver culpa na transmissão da doença, pode o sujeito responder por lesão culposa ou até
homicídio culposo, mas não responderá pelo art. 131.
Quanto ao exame de corpo de delito, servem as mesmas observações que fizemos para o
crime previsto no art. 130.
EMERJ – Periclitação da vida e da saúde
Professora Cristiane Dupret
Página 12
A ação penal é pública incondicionada.
Rogério Greco sustenta que caso o dolo seja de matar, o indivíduo deve responder por
homicídio consumado ou tentado.
A consumação se dará com a prática do ato capaz de produzir contágio. A efetiva
contaminação constituirá simples exaurimento para a maioria da doutrina. É possível a forma
tentada, desde que seja possível o fracionamento dos atos de execução.
Haverá crime impossível se o agente não estiver contaminado, se a vítima já estiver
contaminada ou se o meio for inidôneo.
Bitencourt aponta a possibilidade de erro de tipo e erro de proibição:
“Se o agente supõe que em relação a seu cônjuge não há a proibição de
transmitir o contágio da moléstia grave, incorre em erro de proibição. Tratase, no entanto, de erro inescusável, e, nesse caso, serviria somente para
reduzir-lhe a pena (art. 21, 2ª. Parte).
Seria possível a ocorrência eventual de erro de tipo? Embora de difícil
comprovação, em razão da necessidade do elemento subjetivo especial do
tipo, parece-nos que, em tese, também pode ocorrer erro de tipo. Quando, por
exemplo, o agente sabe que está contaminado, tem consciência de que é
portador de determinada moléstia, mas não sabe que se trata de moléstia
“grave””.
Se além de atingir a vítima, o sujeito deseja causar uma epidemia, pode haver concurso do
art. 131 com o artigo 267 do CP (desde que exponha a perigo número indeterminado de
pessoas).
ART. 132 – PERIGO PARA A VIDA OU SAÚDE DE OUTREM
Perigo para a vida ou saúde de outrem
Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:
Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.
Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou
da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços
em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais.
Vejamos o item 46 da exposição de motivos:
EMERJ – Periclitação da vida e da saúde
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“No art. 132, é igualmente prevista uma entidade criminal estranha à lei
atual: “expor a vida ou saúde de outrem a perigo direto e iminente”, não
constituindo o fato crime mais grave. Trata-se de um crime de caráter
eminentemente subsidiário. Não o informa o animus necandi ou o animus
laedendi, mas apenas a consciência e vontade de expor a vítima a grave
perigo. O perigo concreto, que constitui o seu elemento objetivo, é limitado a
determinada pessoa, não se confundindo, portanto, o crime em questão com
os de perigo comum ou contra a incolumidade pública. O exemplo freqüente e
típico dessa species criminal é o caso do empreiteiro que, para poupar-se ao
dispêndio com medidas técnicas de prudência, na execução da obra, expõe o
operário ao risco de grave acidente. Vem daí que Zürcher, ao defender, na
espécie, quando da elaboração do Código Penal suíço, um dispositivo
incriminador, dizia que este seria um complemento da legislação trabalhista
(Wir haben geglaubt, dieser Artikel werde einen Teil der
Arbeiterschutzgesetzgebung bilden). Este pensamento muito contribuiu para
que se formulasse o art. 132; mas este não visa somente proteger a indenidade
do operário, quando em trabalho, senão também a de qualquer outra pessoa.
Assim, o crime de que ora se trata não pode deixar de ser reconhecido na
ação, por exemplo, de quem dispara uma arma de fogo contra alguém, não
sendo atingido o alvo, nem constituindo o fato tentativa de homicídio.”
Como o tipo penal fala em perigo direto e iminente, trata-se de crime de perigo concreto.
Neste tipo penal jamais poderá haver dolo de dano. É o caso clássico do atirador de facas.
A subsidiariedade do art. 132 é expressa. O princípio da subsidiariedade é um dos que
resolvem o conflito aparente de normas. No entanto, o tipo penal prevê a possibilidade de se
afastar o art. 132 quando o fato constituir crime mais grave. Quanto a essa previsão,
Bitencourt13 sustenta que ainda que o delito seja menos grave, restará afastado também o art.
132, argumentando da seguinte forma:
“O caráter subsidiário dessa infração, entendido como residualidade, vai
muito além dessa previsão expressa, pois, obedecendo-se ao princípio da
tipicidade, estará presente sempre que a conduta humana adequar-se,
especificamente, a qualquer outra descrição típica, independenemente da
sanção cominada: seja com igual punição, como ocorre com o crime de
perigo de contágio venéreo, seja como punição inferior, como ocorre com o
crime de maus tratos. Na realidade, nestas últimas hipóteses, a prescrição do
art. 132 é afastada pelo princípio da especialidade, segundo o qual a norma
especial afasta a norma geral.”
...a fórmula descrita no art. 132 apresenta uma outra característica muito
peculiar: é um crime residual! Em outros termos, só caracterizará esse crime
aquelas condutas perigosas que exponham a perigo a vida ou a saúde de
13
Ob cit, p. 216
EMERJ – Periclitação da vida e da saúde
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Página 14
outrem, que não estejam previstas em outras normas penais, quer sejam leis
extravagantes, quer sejam integrantes do próprio Código Penal. Mais ou
menos neste sentido já se manifestava o saudoso Magalhães Noronha, ao
afirmar: “todavia, não é apenas quando se trata de crime mais grave que o
art. 132 não tem aplicação. Não pode ser ele invocado sempre que o caso
estiver especificamente previsto em outra figura”
Como bem jurídico tutelado podemos apontar, agora sem controvérsias, a vida e a saúde,
como estabelece o próprio nome do tipo penal – perigo para a vida ou saúde de outrem.
Ressalte-se que determinadas pessoas não podem ser sujeitos passivos desse crime, seja
porque tem o dever de suportar o perigo ou em virtude da essência da profissão. Nelson
Hungria14 destacava que:
“deixa de haver o crime quando o periclitante tem o dever legal de afrontar
ou suportar o perigo, como no caso dos bombeiros, dos policiais, etc.
Igualmente inexiste o crime quando se trata de perigo inerente a certas
profissões ou atividades, como a dos enfermeiros, a dos amansadores de
animais, a dos toureiros, a dos corredores automobilísticos, a dos operários
em fábrica de explosivos, fogos de artifício ou outros produtos químicos, etc.”
Atenção: é necessária a comprovação efetiva de perigo, pois o mero descumprimento de
normas de segurança é contravenção penal prevista no art. 19 da Lei 8213/91.
Importante ainda ressaltar que estamos diante de um crime de perigo individual. Sendo
assim, a conduta deve causar perigo a pessoa determinada ou a pessoas determinadas (caso
em que haverá concurso formal ou material de crimes, de acordo com o número de condutas
praticadas), pois se houver exposição de perigo a número indeterminado de pessoas, tal
conduta poderá caracterizar crime de perigo comum, dentre os previstos a partir do art. 250
do CP.
Quanto à possibilidade ou não de concurso de crimes, devemos atentar sempre para os
resultados atingidos. Lembramos que o crime do art. 132 possui pena de três meses a um ano.
Sendo assim, se a vítima vier a morrer em virtude do comportamento que a expôs a perigo, o
sujeito responderá tão somente pelo crime de homicídio culposo. No entanto, se o resultado
ocasionado for a lesão culposa, o crime continuará sendo o do art. 132. Quando ocorrer
disparo de arma de fogo, teremos que analisar o caso concreto. Para a maioria da doutrina:
se o disparo for próximo a pessoa determinada para gerar perigo a ela ou ainda sem visar
qualquer pessoa determinada, o crime será o mais grave: disparo de arma de fogo – art. 15 da
lei 10826/03, desde que o fato ocorra em via pública ou em direção a ela. Caso ocorra em
local privativo, o crime será do art. 132, desde que o agente vise expor a perigo pessoa
determinada (se o local for ermo e não estiver ninguém presente o fato será atípico, ainda que
o local seja habitado, já que neste caso não haverá nenhuma possibilidade de se expor alguém
14
Coemntários ao Código Penal, 5ª. Ed, p. 420 apud Bitencourt, pag. 218
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a perigo, seja pessoa determinada ou pessoas indeterminadas15) e não tenha dolo de dano,
pois neste caso responderá por tentativa branca de homicídio.
Rogério Greco conclui:
Somente se configurará o delito do art. 132 do Código Penal mediante disparo
de arma de fogo, quando: a) o disparo for efetuado em lugar não habitado; 2)
não for em via pública ou em direção a ela; 3)quando o dolo não seja de
dano, vale dizer, quando o agente não tinha a intenção de ferir ou causar a
morte da vítima.”
A consumação deste crime se dará com a efetiva exposição a perigo. Pode ocorrer a tetativa
desde que fracionáveis os atos de execução.
O tipo penal possui figura majorada quanto ao transporte de pessoas para a prestação de
serviços. Ressalte-se que a elementar do tipo majorado exige necessariamente que o
transporte seja para prestação de serviços. Sendo assim, se for para qualquer outra finalidade,
como estudo, lazer, etc, não se constituirá a figura majorada.
O crime é de ação penal pública incondicionada.
Quanto ao consentimento do ofendido também há controvérsias no que tange ao art. 132.
Entendemos, com Rogério Greco que deve ser admitido o consentimento como excludente da
ilicitude desde que a probabilidade seja de causar lesão leve. Bitencourt não admite o
consentimento do ofendido.
ART. 133 – ABANDONO DE INCAPAZ
Abandono de incapaz
Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade,
e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:
Pena - detenção, de seis meses a três anos.
§ 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
Aumento de pena
§ 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:
15
Esse tembém é o entendimento de Rogério Greco . ob cit, p. 385
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I - se o abandono ocorre em lugar ermo;
II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.
III - se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos
Primeiramente, cabe ressaltar que o delito em estudo exige dolo de perigo, não se admitindo a
modalidade de culpa. Se o abandono tiver como finalidade a morte, o sujeito deverá
responder por este resultado e caso não o tenha conseguido atingir, por tentativa de
homicídio. Se o abandono for culposo, o agente só responderá em caso de ocorrer resultado
lesivo, podendo responder por lesão corporal culposa ou homicídio culposo.
Faz-se necessário o ato de abandonar, pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou
autoridade, e, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono. Trata-se de crime
próprio.
O bem jurídico tutelado é a vida e a saúde. Objeto material é a pessoa abandonada. Sujeito
ativo somente pode ser aquele que tenha uma obrigação legal ou contratual de cuidar,
guardar, vigiar ou ter a pessoa sob sua autoridade.
Na modalidade qualificada, crimes preterdolosos necessariamente, a pena é maior quando do
abandono resulta lesão corporal grave ou morte. Ao comentar tais figuras, Bitencourt16 tem
uma visão crítica, pois já que o agente garantidor é autor do crime de abandono, chegamos a
conclusão de que se ele se omite abandonando incapaz, seu crime será de abandono
qualificado pela morte, mas se a omissão for direcionada a alguém capaz, ele responderá pelo
resultado danoso. Pondera o Mestre:
“Quem abandonar alguém capaz (ou incapaz sem qualquer vínculo de
assistência) não responderá por crime algum, salvo se a conduta adequar-se
ao descrito na definição do crime de omissão de socorro (art. 135); contudo ,
se o abandonado for incapaz, havendo o especial vínculo de assistência,
responderá pelo crime de abandono de incapaz. Mas, na primeira hipótese,
existindo a condição de garantidor, o agente responderá por eventual
resultado danoso, pelo crime de homicídio, por exemplo, se não evitá-lo (art.
13, par. 2º); na segunda hipótese, sendo o abandonado incapaz, sobrevindo a
morte, o agente responderá somente pelo crime de abandono qualificado pelo
resultado (art. 133, par. 2º). Será racional, lógico e jurídico que, nesse caso, o
agente não responda, como garantidor, pelo resultado homicídio – somente
porque o sujeito passivo é incapaz de defender-se? Exatamente o incapaz, por
sua condição, mais carente da proteção penal, quando a conduta de
abandoná-lo é, teoricamente, mais desvaliosa, o agente não responde, como
garantidor, pelo resultado morte. No entanto, nas mesmas circunstâncias, não
havendo vínculo especial ou se tratando de capaz abandonado em perigo
16
Ob cit, p. 237-238
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grave, o agente que, com sua conduta, criou a situação responderá pelo
resultado se não evitá-lo”
Para Rogério Greco, quando o abandono resultar em lesão leve, deve o sujeito responder em
concurso pelo abandono e por lesão culposa. A maioria da doutrina não enfrenta a questão.
A consumação ocorre com a efetiva situação de perigo. O ato de abandonar sem a efetiva
causação concreta de perigo poderá caracterizar tentativa do crime. Consoante Anibal
Bruno17:
“Tentativa - Assim acontece , por exemplo, se e o agente é surpreendido
quando vai realizar a situação em que é provável que surja o dano, como é o
caso da mulher que vai expor o filho ao desamparo, mas no seu caminho é
apanhada e impedida de realizar o seu intento.”
Rogério Greco cita o seguinte exemplo:
“Imagine-se a hipótese em que a mãe já houvesse, efetivamente, abandonado
o seu filho. Entretanto, poucos minutos depois, a criança é encontrada, sem
que o tempo em que permaneceu sozinha, sem os cuidados da mãe, não tenha
sido suficiente para criar uma situação de perigo para vida ou mesmo para a
saúde dela.
Nesse caso, embora a mãe já tivesse esgotado o seu comportamento,
praticando a conduta de abandonar, a infração penal, ainda assim,
permaneceria na fase da tentativa, em face da inexistência de perigo
concreto”.
As majorantes do parágrafo 3º aplicam-s tanto a forma simples quanto à qualificada.
Ressalte-se que a majorante caracterizada por “local ermo” não pode ser local totalmente
abandonado, pois neste caso haveria dolo eventual na morte. Ressalte-se, ainda, que o local
deve ser habitualmente ermo, não bastando que ele seja acidentalmente solitário.
A ação penal é pública incondicionada.
ART. 134 – EXPOSIÇÃO OU ABANDONO DE RECÉM NASCIDO
Exposição ou abandono de recém-nascido
Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
17
Crimes contra a pessoa. P. 229 apud Rogério Greco, ob cit, p. 392
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Pena - detenção, de um a três anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - detenção, de dois a seis anos.
Trata-se de modalidade especial, privilegiada de abandono de incapaz. Faz-se necessária a
presença dos seguintes elementos:
- situação de exposição ou abandono
- condição de recém nascido
- especial fim de agir para ocultar desonra própria (honoris causa)
Trata-se, portanto, de um delito anormal, que possui um elemento subjetivo especial, um
especial fim de agir, sendo caracterizado portanto como um delito de tendência.
Nelson Hungria criticava as expressões “expor” e “abandonar”, pois para ele não havia
diferença substancial nestas condutas. De qualquer forma, diferentemente do art. 133, o art.
134 é um tipo penal misto alternativo, pois possui mais de um verbo nuclear.
O referido crime, assim como o estudado anteriormente, é de perigo concreto, valendo para
ele as mesmas observações que tecemos quanto ao bem jurídico tutelado, consumação e
tentativa.
Sujeito ativo do crime só pode ser a mãe na visão do Mestre Rogério Greco, Bitencourt e
Delmanto. Já Damásio, Nelson Hungria, Magalhães Noronha, Luiz Regis Prado admitem o
pai como sujeito ativo, desde que ele não esteja agindo em virtude da desonra da mulher
adúltera, pois neste caso a honra é dela e não dele.
Quanto ao sujeito ativo, a maioria da doutrina não estabelece ao certo até quando a criança
poderia ser considerada recém nascida. Bitencourt, no entanto, afirma que só poderia ser
aquela nascida há no máximo um mês e desde que o nascimento não tivesse se tornado de
conhecimento público.
Quanto às modalidades qualificadas, também estamos diante de crime preterdoloso.
A ação penal é pública incondicionada.
ART. 135 – OMISSÃO DE SOCORRO
Omissão de socorro
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Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à
criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em
grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal
de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
Os crimes omissivos classificam-se em omissivos próprios e impróprios. Crimes omissivos
impróprios são também chamados de comissivos por omissão. Nestes crimes, teremos a
figura do agente garantidor (art. 13, par. 2º do CP), que tem o dever de evitar o resultado e
quando não evita responde por este resultado, desde que não tenha empregado so esforço
suficiente para evitá-lo e desde que pudesse agir para evitá-lo. Imaginemos a mãe que leva o
filho menor à praia e se distraia conversando com uma amiga. Enquanto a mãe conversa, o
filho entra no mar e se afoga. Caso ocorra a morte, a mãe responderá por homicídio,
consoante a regra do art. 13, par. 2º , a do CP, uma vez que mãe se reveste da qualidade de
garante. Se qualquer outra pessoa que não seja agente garantidor se omitir e não prestar
socorro, não responderá pelo resultado, mas sim pelo crime de omissão de socorro, desde que
presentes todas as elementares do crime. Ou seja, quem não é agente garantidor não tem um
dever específico de agir para evitar o resultado, mas sim um dever genérico de
solidariedade com o próximo. Trata-se de crime omissivo próprio, puro ou perfeito. Os
crimes omissivos próprios, diferentemente do omissivo impróprio, encontram a conduta
omissiva descrita no tipo penal.
O crime pode ser praticado por qualquer pessoa, desde que essa não seja agente garantidora,
pois neste caso, o crime seria omissivo impróprio, devendo o agente responder pelo resultado
e não pelo art. 135 do CP. Analisaremos mais adiante a hipótese de concurso de agentes neste
crime. Trata-se de crime de dever, assim como o crime culposo. No crime culposo o agente
não observa dever objetivo de cuidado. Já no crime omissivo, o agente não observa o dever
de agir, de fazer algo. Sendo assim, o tipo penal que descreve um crime omissivo próprio traz
em si uma norma imperativa, mandamental, diferente do tipo penal que traça uma conduta
comissiva, em que se desobedece uma norma proibitiva. Ex.: a norma prevista no art. 121 do
CP é uma norma proibitiva: não matar. Já no art. 135, a norma é mandamental: prestar
socorro.
Para que o sujeito responda pelo tipo penal previsto no art. 135, é necessário que ele deixe de
ajudar criança abandonada ou extraviada, pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou
em grave ou iminente perigo, ou ainda quando ele deixe de chamar a autoridade
pública. Ressalte-se que o agente não tem a alternativa de prestar socorro ou de chamar a
autoridade pública. Só pode ele praticar o segundo mandamento do tipo penal (chamar a
autoridade pública) quando não for possível o socorro direto e imediato. Apenas quando ele
mesmo não puder prestar o socorro é que admite-se para exclusão do tipo que ele chame a
autoridade pública. Ressalte-se ainda que pode haver o crime de omissão de socorro quando o
sujeito corre risco pessoal ao tentar prestar ajuda direta. Caso o sujeito não possa prestar
ajuda direta, por correr risco pessoal, deve ele chamar a autoridade pública. Caso não preste o
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socorro diretamente e não chame a autoridade pública, responderá pela omissão de socorro.
Deve o sujeito acionar a autoridade pública competente para prestar o socorro, ou seja, a
polícia ou corpo de bombeiros.
Existe controvérsia na doutrina quanto à expressão criança. Rogério Greco, posição a qual
aderimos, sustenta que a expressão deve ser interpretada de acordo com o art. 2º do ECA, no
sentido de se considerar criança quem tem até 12 anos de idade incompletos. Já Bitencourt
18
sustenta que:
“Sustentamos, porém, que a solução deverá continuar sendo casuística e que
será criança, para efeitos penais, toda aquela que, concretamente, for incapaz
de auto defesa”
O bem jurídico tutelado no crime em estudo é a vida e a saúde, como nos crimes dos arts.
132, 133 e 134. Sendo assim, não haverá crime de omissão de socorro quando a omissão
estiver caracterizada quanto a um delito patrimonial sem emprego de violência ou ameaça,
posto que não há risco para saúde ou vida de outrem.
Quanto à consumação do crime, existe grande controvérsia na doutrina. Noronha afirma que
o crime estará consumado no momento e no lugar em que o sujeito ativo não cumpre o ato
devido. Também para Aníbal Bruno, Capez, Luiz Regis Prado e Bitencourt19, o crime é de
consumação instantânea, consumando-se no momento em que o sujeito deixa de agir. Aníbal
bruno afirmava que em determinadas situações, quando o perigo se prolonga, o crime pode
ter seu momento consumativo estendido.
No entanto, concordamos com Rogério Greco, no sentido de que dentro de uma visão
garantista do Direito Penal, não podemos admitir crimes de perigo abstrato. Sendo assim,
deverá ser considerado consumado o crime apenas se houver efetiva exposição de perigo da
vítima, caracterizando um perigo concreto. Rogério Greco20 afirma que:
“não é a simples omissão em socorrer, ou seja, a negativa em prestar socorro,
que consuma o delito em exame, mas sim a negação do socorro que importa,
concretamente, em risco para a vida ou para a saúde da vítima”
Ressalte-se ainda que é necessária a recusa de prestar socorro para que o crime esteja
consumado. Se o agente demora por negligência, mas presta o efetivo socorro, não deve ser
responsabilizado pela omissão.
Existe controvérsia no que tange ao dolo. Bitencourt sustenta que se o sujeito não omite
socorro com dolo de que a vítima morra, deverá ser responsabilziado por homicídio. Rogério
Greco não concorda com este posicionamento, sustentando que é indiferente a intenção,
desde que haja dolo de omitir socorro. Pensamos que deve o sujeito responder por omissão de
socorro, podendo sua intensidade do dolo ser verificada no momento da dosimetria da pena.
18
Ob cit, p. 256
Apud GRECO, Rogério, ob cit, pag. 418-419
20
Ob cit, pág. 420
19
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O dolo subseqüente não tem qualquer repercussão na esfera penal: seria o exemplo criado por
Damásio, do sujeito que atropela culposamente e ao verificar que a vítima é seu desafeto,
foge do local desejando sua morte.
A pena será aumentada se da omissão resulta lesão grave ou morte.
Não se admite tentativa nos crime omissivos próprios.
Crimes de omissão de socorro previsto nas leis especiais
Estatuto do Idoso:
Art. 97. Deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco
pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua
assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir, nesses casos, o socorro de
autoridade pública:
Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão
corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
Código de trânsito:
Art. 304. Deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato
socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de
solicitar auxílio da autoridade pública:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa, se o fato não constituir
elemento de crime mais grave.
Parágrafo único. Incide nas penas previstas neste artigo o condutor do veículo,
ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros ou que se trate de vítima com
morte instantânea ou com ferimentos leves.
Nos dois casos previstos acima, deixamos de aplicar o art. 135 do CP em razão do princípio
da especialidade.
Ressalte-se que o condutor de veículo automotor a que se refere o art. 304 é o sujeito
envolvido em acidente de trânsito, desde que não tenha culpa, pois se o condutor que omite
socorro é o que atropelou a vítima culposamente, seu crime será de lesão culposa (art. 303)
ou homicídio culposo (art. 302) , com a pena aumentada pela omissão de socorro.
O art. 304 em seu parágrafo único traça verdadeiro absurdo jurídico: a omissão de socorro a
cadáver.
Luiz Regis Prado21 sustenta que:
21
Ob cit, pág. 196
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“Tipificar a omissão de socorro a cadáver encerra inaceitável contra
senso.(...) o art. 304 é inconstitucional, por violar os mais elementares
princípios penais de garania”
Concurso de pessoas nos crimes omissivos: possibilidade de co-autoria e participação nos
crimes omissivos próprios e impróprios. Controvérsias na doutrina e na jurisprudência.
Primeiramente, não devemos confundir a questão da possibilidade de concurso de agentes nos
crimes omissivos com a chamada participação por omissão nos crimes comissivos. O que vamos
analisar agora é se na análise de um crime omissivo, seja próprio ou impróprio, podemos ter a coautoria e a participação. Ex.: Se duas pessoas estão dentro de um veículo e passam direto por um
local de acidente, sem parar para prestar socorro, podem responder pelo mesmo crime de omissão
de socorro em concurso de agentes? Ou cada um é autor em separado de seu próprio crime? É o
que vamos analisar agora. Logo em seguida, veremos a possibilidade da chamada participação
por omissão, em que analisaremos a conduta daquele que se omite a fim de possibilitar que a
conduta comissiva alheia dê causa a um fato típico, ilícito e culpável. Ex.: Aquele que deixa de
trancar uma porta ao sair, sabendo que terceira pessoa deseja entrar no local para subtrair bens,
pode ser partícipe por omissão no crime de furto?
Quanto ao concurso de agentes nos crimes omissivos, devemos primeiramente relembrar a
divisão dos delitos omissivos em próprios e impróprios. Os delitos omissivos são crimes de
dever, ou seja, atingem aqueles que tem dever de atuação. Enquanto nos crimes comissivos o
agente faz algo que não deveria fazer; nos crimes omissivos ele deixa de fazer aquilo que deveria
ser feito, inobservando uma norma mandamental. Nos delitos omissivos próprios (puros,
simples), inobserva-se um dever genérico de solidariedade humana, enquanto no crime omissivo
impróprio (comissivo por omissão, ou omissivo qualificado), inobserva-se um dever específico,
nos moldes do art. 13, par. 2º do CP, só podendo por eles responder o agente garantidor, seja pelo
dever legal (alínea a), pela assunção voluntária de custódia (alínea b) ou pela ingerência (alínea
c).
Nilo Batista, em sua obrai, faz a observação de que a maior parte da doutrina brasileira é muito
otimista quanto ao assunto concurso de agentes nos crimes omissivos, citando colocação de
Esther Figueiredo Ferrazii e de Frederico Marquesiii, concluindo que a doutrina oferece solução
singela, permitindo a participação de forma genérica, salvo alguns posicionamentos excepcionais,
como o de Damásio (que só admite a participação na omissão própria mediante um atuar
positivo), Luiz Regis Prado e Juarez Tavaresiv (que negam a possibilidade de co-autoria e
participação). Esclarece o autor a alta controvérsia existente em torno do tema na doutrina Alemã.
Vejamos primeiramente os posicionamentos defendidos pela doutrina brasileira, para
posteriormente abordarmos o posicionamento da doutrina Alemã, ressaltando que a análise do
tema é muito mais doutrinária que jurisprudencial.
Rogério Grecov sustenta a possibilidade de co-autoria e de participação nos crimes omissivos
próprios, admitindo a co-autoria desde que cada agente possua o dever de agir naquele
determinado caso concreto, seguindo o entendimento defendido por Cezar Roberto Bitencourt:
EMERJ – Periclitação da vida e da saúde
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“Se o agente estiver igualmente obrigado a agir, não será partícipe, mas autor ou, como
pensamos ser possível, co-autor, desde que haja a consciência de anuir à omissão de
outrem. (...) Se duas pessoas deixarem de prestar socorro a uma pessoa gravemente
ferida, podendo fazê-lo sem risco pessoal, praticarão individualmente, o crime autônomo
de omissão de socorro. Agora, se essas duas pessoas, de comum acordo, deixarem de
prestar socorro, nas mesmas circunstâncias, serão co-autoras do crime de omissão de
socorro. O princípio é o mesmo dos crimes comissivos: houve consciência e vontade de
realizar um empreendimento comum, ou melhor, no caso de não realizá-lo
conjuntamentevi”
Ao sustentar a possibilidade de participação nos delitos omissivos, Bitencourt afirma que:
“A participação no crime omissivo ocorre normalmente através de um agir positivo do
partícipe que favorece o autor a descumprir o comando legal (tipificador do crime
omissivo). O paciente que instiga o médico a não comunicar a existência de uma
enfermidade contagiosa às autoridades sanitárias não é autor de delito autônomo, mas
partícipe de um crime omissivo.”vii
O raciocínio acima também é aplicado por Rogério Greco e Cezar Roberto Bitencourt aos crimes
omissivos impróprios.
Sheila Bierrenbach também manifesta-se, em sua obra, a favor da possibilidade de co-autoria e
participação nos crimes omissivos:
“Sendo perfeitamente factível a hipótese, não há por que rechaçar-se a co-autoria na
comissão por omissão. Deve-se proceder à sua acolhida, entretanto, nos precisos limites
preconizados por Jescheck. Assim é que , no exemplo da mãe que deixa de aleitar o filho,
se o pai assistir, impassível, aos acontecimentos e sobrevier o evento, responderão
ambos como autores de homicídio. Vale dizer, sendo possível a cada um dos garantes,
isoladamente, cumprir o mandamento legal, não há de se cogitar de co-autoria.”
Quanto à possibilidade de participação nos mesmos delitos omissivos impróprios, Sheila
Bierrenbach afirma que:
“...ocorre participação em crime omissivo impróprio por via de instigação ou
determinação”. (...) Sendo inconcebível a instigação por omissão, resta analisar a
participação ativa na prática de delito omissivo impróprio, hipótese que faz
multiplicarem-se as controvérsias. Nesta ordem, Armin Kaufmann aduz que o que a
dogmática designa como instigação à omissão de uma ação não é, senão, uma dissuasão
do cumprimento da ordem legal.viii Aquele que dissuade outrem ao cumprimento do dever
realiza, para o autor, um delito de comissão. Como se verifica, Kaufmann refere-se,
unicamente, às hipóteses em que preexiste intenção de salvar o bem por parte do garante,
agindo o terceiro no sentido de dissuadi-lo do cumprimento do dever. Irrelevantes, no
entanto, tais distinções, na medida em que a lei posta prevê ambas as formas de
participação – determinação e instigação -, equiparando-as (art. 31 do Código Penal).
(...)entendemos perfeitamente possível a instigação ou a determinação ao crime omissivo
impróprio.
EMERJ – Periclitação da vida e da saúde
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Página 24
Como vimos acima, Luiz Regis Pradoix segue o posicionamento de Juarez Tavares, sustentando a
impossibilidade de concurso de agentes nos delitos omissivos:
“Os delitos omissivos, como delitos de dever, também não dão lugar ao concurso de
pessoas (nem co-autoria nem participação). Neste sentido, assinala-se, com acerto, que
“há uma certa especialização dos sujeitos, quer porque se encontrem concretamente
diante da situação de perigo e, assim, estejam obrigados a atuar em face de um dever
geral de assistência, quer porque apresentem uma especial vinculação para com a
proteção do bem jurídico”. Tem-se que só pode ser sujeito ativo dos crimes omissivos
aquele que, em primeiro lugar, tiver capacidade de agir e se encontre em uma situação
típica; ou aquele que esteja vinculado a um dever de agir (posição de garantidor) e possa
fazê-lo para evitar o resultado. Não é concebível que alguém omita uma parte, enquanto
outros omitam o restante, pois o dever de atuar a está adstrito o autor é pessoal,
individual e, portanto, indecomponível (não tem sentido falar em divisão do trabalho por
falta de resolução comum para o fato). Cada qual transgride seu particular dever ou
obrigação”
Fernando Capez manifesta-se apenas no que tange à participação, admitindo como plenamente
possível o auxilia, o induzimento e a instigação.x
Damásio, Mirabete e Delmanto admitem apenas a participação.
Na doutrina Alemã, Roxin e Maurach admitem a co-autoria nos delitos omissivos. Welzel,
Kaufmann e Jescheck negam tal possibilidade. Roxin admite também a participação em crimes
omissivos. Jescheck, embora negue a co-autoria, admite participação. Já Welzel e Bacigalupo não
admitem sequer a participação nos crimes omissivos.xi
Para Welzel, aquele que dissuade alguém de prestar socorro deve responder por homicídio. Ou
seja, sua conduta deve ser levada para o campo dos crimes comissivos. Seu argumento é
fortíssimo: ele diz que se assim não fosse, quem dissuade alguém que não estivesse obrigado ao
socorro, mas que a ele estivesse decidido, ficaria impune, pois teria participado em conduta
atípica.
É famoso o exemplo de Kaufmann, em que afirma que se 50 nadadores assistem passivamente ao
afogamento de um menino, todos serão autores diretos da omissão de socorro. Cada um teria
deixado de observar o seu dever de agir. O mesmo se daria no caso de omissão imprópria. A
omissão de um não completa a omissão de outro.
Já na participação por omissão, devemos dividir o assunto em duas situações: participação moral
e material, ficando claro que não há de se falar em participação moral por omissão. Não é
possível imaginarmos um convencimento sem um atuar ativo, comissivo. Neste sentido, Rogério
Greco e Nilo Batista. Quanto à participação material por omissão, de acordo com parte da
doutrina, seria possível quando aquele que se omite não é agente garantidor, consoante
entendimento de Nilo Batista22, através do seguinte exemplo:
22
Apud Greco, Rogério. Ob cit, p. 461
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“Numa firma comercial, o empregado A vem subtraindo semanalmente certa importância
em dinheiro; B, que não é tesoureiro, nem caixa, nem exerce qualquer outra função que
fizesse possível conceber o dever especial, mas que pode de alguma forma facilitar o
acesso de A ao cofre, omite providências (chaves, horários, etc) que significariam
obstáculos à atividade de A, desejando, por raiva do patrão, que a perda patrimonial seja
expressiva”
Ressalte-se que quando analisamos as hipóteses acima elencadas, devemos ter cuidado para não
confundirmos a possibilidade para alguns de se punir a participação por omissão, com a mera
conivência ou participação negativa (crimen silenti), que ocorre quando o sujeito, sem ter o dever
de agir para impedir o resultado, omite-se durante a execução do crime. Para aqueles que
abordam o assunto, como Nilo Batista e Sheila Bierrenbach, na conivência inexiste cooperação,
caso em que a conduta omissiva do agente não poderia ser atingida pela lei penal. Ou seja, o
simples fato de o agente estar presente no momento da consumação ou o fato de não denunciar o
sujeito à autoridade competente não pode caracterizar omissão punível como participação, mas
tão somente como crime autônomo, ou até mesmo levar à impunibilidade. Também neste sentido
Fernando Capezxii e Anibal Bruno. Ex.: Se o sujeito se omite frente a um crime de homicídio,
responderá pelo delito autônomo de omissão de socorro (art. 135 do CP), pois havia risco para a
vida de outrem como preceitua e exige o art. 135, mas se apenas escuta um barulho, olha pela
janela e verifica um furto na casa do vizinho enquanto ele viaja, mas nada faz e volta a dormir,
não haverá participação por omissão no furto e nem mesmo delito autônomo.
ART. 136 – MAUS TRATOS
Maus-tratos
Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou
vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de
alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou
inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.
§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
§ 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14
(catorze) anos.
A previsão legal da conduta de “maus tratos” resulta da evolução da sociedade. Sabe-se que
em passado não tão distante, os filhos principalmente sujeitavam-se a total autoridade do pai.
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Página 26
O próprio conceito antigo de autoridade paterna extrapolava o que conhecemos hoje. Era
comum a aplicação de castigos imoderados. Com a evolução da sociedade, com a maior
preocupação existente com as crianças e adolescentes, o Código de menores de 1927 foi a
primeira lei a tratar de limites para tais castigos. O Código Penal de 1890 não trazia previsão
parecida com o atual art. 136. No entanto, várias leis anteriores alteraram a redação original
desse Código. Dentre tais alterações, foram incluídas as condutas relativas a castigos
imoderados, excesso de fadiga, privação de alimentos ou cuidados indispensáveis.
Posteriormente, em 1932, por meio do Decreto 22.213, todas estas alterações sofridas pelo
Código de 1890 foram reconhecidas como a Consolidação das Leis Penais. O Código Penal
de 1940, no art. 136, unificou todas as condutas previstas pela legislação pretérita, sob a
rubrica “maus tratos”. Ressalte-se que a legislação pretérita só contemplava como sujeito
passivo do crime o menor de dezoito anos.
O delito de maus tratos, seguindo a mesma tendência dos delitos anteriores, possui como
objeto jurídico a vida e a saúde. Objeto material do crime é a pessoa que vem a sofrer os
maus tratos.
O delito é composto por várias ações nucleares, caracterizando um tipo penal misto. Crime
próprio em relação ao sujeito ativo e ao sujeito passivo, só pode ser praticado por quem
preencha as condições previstas no tipo, quais sejam:
- Possuir sobre o sujeito passivo uma relação de autoridade, guarda ou vigilância. Autoridade
é o poder que uma pessoa tem sobre a outra, derivando esse poder de uma relação de direito
público ou privado. Ressalte-se que o marido não pode ser sujeito ativo do crime contra a
esposa, pois esta não está sob sua autoridade, guarda ou vigilância. Guarda é conceito
jurídico que se consubstancia em uma das modalidades de colocação em família substituta. O
tipo penal abarca tanto a guarda judicial quanto a guarda de fato. Podemos citar como
exemplo a avó que cria o neto, já que os pais moram em local distante e não se encontram
em condição de criar o filho, a guarda exercida pelos curadores, etc. Já a vigilância representa
situação esporádica, eventual e não permanente. Uma amiga que fica com o filho da outra
por algumas horas não tem a guarda, mas sim a vigilância da criança. Também trata-se de
vigilância a exercida pelos guias alpinistas, etc.
- A autoridade, guarda ou vigilância exercida deve ser necessariamente para fins de educação,
ensino, tratamento ou custódia. A educação contém sentido mais amplo que o ensino.
Educação abrange todos os ensinamentos que melhorem o indivíduo como pessoa de forma
geral, abrangendo lições do dia a dia relacionadas às experiências humanas em geral. A
educação pode abranger hábitos alimentares, de higiene, de moral, etc. Já o ensino é mais
específico e se relaciona diretamente com a vida acadêmica de alguém. O sujeito que detém a
guarda ou vigilância de outra pessoa para fins de ensino atua como um professor, a fim de
transmitir a inteligência de algum assunto específico. Tratamento abrange qualquer cuidado
relacionada à saúde de forma geral, seja física ou mental. Custódia abrange situações
autorizadas por lei.
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- Por fim, deve o sujeito ativo utilizar-se de meios próprios para que possa ser
responsabilizado pelo delito em estudo. Deve expor a perigo a vida ou saúde da pessoa que
está sob sua autoridade, guarda ou vigilância para fins de educação, ensino, tratamento ou
custódia, privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho
excessivo ou inadequado, quer abusando dos meios de correção ou disciplina.
Ou seja, para praticar maus tratos o sujeito deve praticar uma das seguintes condutas:
a)
b)
c)
d)
e)
f)
Privar a vítima de alimentação
Privar a vítima de cuidados indispensáveis
Sujeitar a vítima a trabalho excessivo
Sujeitar a vítima a trabalho inadequado
Abusar dos meios de correção
Abusar dos meios de disciplina
Cabe ressaltar que as situações acima, para que possibilitem a responsabilização do agente
pelo delito de maus tratos, devem ser analisadas casuisticamente, juntamente com as demais
elementares, a fim de se perquirir se a conduta praticada efetivamente expôs a perigo o bem
jurídico tutelado (vida ou saúde), tendo em vista ser o delito em estudo de perigo concreto.
Provavelmente, privar alguém de alimentação durante algumas horas não causará efetivo
perigo para a vida ou saúde. No entanto, a situação não será a mesma se a privação se
estender por alguns dias, ou dependendo do caso concreto, até mesmo por muitas horas.
Torna-se necessária a averiguação casuística, uma vez que uma privação excessiva pode até
mesmo caracterizar tentativa de homicídio.
Trabalho excessivo é aquele que em termos de qualidade, pode ser suportado pelo agente,
pois é compatível com suas forças. No entanto, o trabalho adequado por horas exageradas se
torna excessivo, podendo vir a caracterizar o crime se presentes as demais elementares
exigidas pelo tipo. Já o trabalho inadequado é aquele que não se apresenta compatível com as
características pessoais da vítima, não podendo a vítima suportá-lo em termos de qualidade.
As últimas duas últimas formas de se praticar maus tratos estão relacionadas a um fim
especial de agir. O agente age com a finalidade especial de corrigir ou disciplinar. Está
presente o chamado animus corrigendi ou disciplinandi. Neste caso, podemos visualizar a
existência de um dolo de dano, mesmo em se tratando de crime de perigo. No entanto, é
importante destacar que este dolo de dano pode originar, no máximo, uma lesão corporal leve
na vítima. A essa conclusão se chega por um critério de razoabilidade e proporcionalidade,
levando em consideração a pena dos tipos penais de maus tratos e lesão leve. Se, no entanto,
havendo dolo de lesão, o sujeito vem a causar lesão corporal grave ou gravíssima na vítima,
deverá responder pela lesão. Atenção: responderá pela lesão e não pelos maus tratos na forma
qualificada, pois a forma qualificada de maus tratos é modalidade de crime preterdoloso, só
podendo a lesão ser causada a título de culpa. Se houver dolo, ainda que eventual, o crime
não pode ser o do art. 136 em sua forma qualificada.
EMERJ – Periclitação da vida e da saúde
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Cabe ainda alertar o leitor para critérios de razoabilidade e proporcionalidade, principalmente
no que tange aos pais em relação aos filhos. Os pais possuem o ius corrigendi, ou seja, o
direito de educar e corrigir seus filhos, o que não se pode permitir é o excesso. O ato de
educar, ainda que por meio de castigos necessários, pequenas reprimendas, deve ser visto
como um bem para a criança, e algo absolutamente necessário aos pais, que visam a boa
criação de seus filhos. Não se pode tipificar como maus tratos a conduta necessária a essa boa
criação, mas apenas o excesso, algo que vai além do necessário para se educar.
Bitencourt23 destaca ainda:
“O corretivo aplicado pelo pai que resulta em leves escoriações ou
hematomas, não afetando a saúde do menor, nem colocando em risco sua
vida, não caracteriza o excesso do ius corrigendi. Contudo, nas mesmas
circunstâncias, a produção desse mesmo resultado decorrente da conduta de
tutor, curador, professores, diretores de instituições de ensino, enfermeiros,
carcereiros, entre outros, a nosso juízo, configura o crime de maus tratos,
residindo a diferença na distinção do grau de liberdade e intensidade das
prerrogativas aos pais em relação aos demais nominados. Em outros tempos,
os limites das atribuições dos genitores, inegavelmente, são muito superiores
em relação aos dos outros possíveis sujeitos ativos desse crime”
Ao comentar os maus tratos praticados no abuso dos meios de correção ou disciplina, Nelson
Hungria24, muito bem destacava a distinção de finalidade entre as formas de se praticar maus
tratos, afirmando que:
“Nas hipóteses anteriores, o agente procede por grosseria, irritabilidade,
espírito de malvadez, prepotência, ódio, cupidez, intolerância; mas nesta
última hipótese tem ele um fim em si mesmo justo, isto é, o fim de corrigir ou
de fazer valer a sua autoridade. É bem de ver, porém, que o justo fim não
autoriza o excesso de meio. Este é que a lei incrimina.”
A correção dos filhos de forma razoável apresenta-se como verdadeira excludente da
ilicitude, havendo controvérsia quanto a sua natureza. Francisco de Assis Toledo sustenta
tratar-se de estrito cumprimento do dever legal, enquanto Rogério Greco afirma tratar-se de
exercício regular do direito, posição a qual nos filiamos, tendo m vista que não se pode exigir
dos pais o dever de educar, corrigir os filhos:
“Não há um dever, a nosso ver, de corrigir os filhos aplicando-lhes castigos
moderados, mas sim um direito25.”
Eventual exagero na correção, em virtude de erro justificável pela própria criação dos pais,
poderá caracterizar modalidade de erro. Trata-se na verdade de exigência acerca da
consciência do abuso. Pode ser que o pai castigue o filho de forma imoderada, acreditando no
23
Ob cit, p. 270
Ob cit, p.451
25
GRECO, Rogério. Ob cit. P. 449
24
EMERJ – Periclitação da vida e da saúde
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Página 29
entanto que está agindo de forma absolutamente necessária e regular. Bitencourt 26 trata a
hipótese como modalidade de erro de tipo:
“é indispensável a consciência do abuso cometido. Aliás, a ausência dessa
consciência afasta o dolo, ocorrendo o conhecido erro de tipo”
Já para Rogério Greco, a hipótese será de erro de proibição indireto:
“Contudo, as pessoas são diferentes social, cultural e emocionalmente. Podem
ocorrer situações em que haja verdadeiro excesso nesse direito de correção
dos filhos, surgindo, portanto, o chamado abuso dos meios de correção ou
disciplina.
Poderá um pai alegar, nessa hipótese, o chamado erro de proibição indireto,
a fim de afastar a sua culpabilidade, isentando-o de pena, ou ver, pelo menos,
sua pena reduzida?
A resposta só pode ser positiva.”
Pensamos que a razão está no último posicionamento. Tendo em vista tratar-se a correção
moderada de excludente de ilicitude, o erro praticado refere-se a um erro sobre uma
discriminante. Logo, acredita o sujeito estar amparado por uma excludente quando na
verdade não está. Trata-se de erro sobre a descriminante, mas não no que se refere a sua
existência, mas sim sobre os limites. Sabemos que de acordo com a teoria limitada da
culpabilidade, o erro sobre os limites de uma excludente caracteriza erro de proibição e não
erro de tipo. Só haverá a excludente de erro de tipo quando o erro recair sobre os
pressupostos fáticos (art. 20, par 1º do CP), o que não é o caso quando ocorre castigo
imoderado.
Por se tratar de crime de perigo, deve estar caracterizado o dolo de expor a visa ou saúde de
outrem a perigo. No entanto, nem sempre poderemos identificar a existência de tal vontade
livre e consciente. No entanto, isso não servirá como impedimento para que o delito reste
caracterizado, uma vez que determinadas condutas praticadas demonstram que o sujeito
ativo, muito embora não tenha agido com vontade livre e consciente, assumiu o risco de tal
exposição, hipótese em que teremos a prática do crime com dolo eventual. O que não se
pode admitir é a prática do crime com culpa, pois o tipo penal não prevê modalidade culposa.
Desta forma, aquele que priva alguém sobre sua guarda, de alimentos, de forma dolosa
praticará maus tratos, mas aquele que o faz culposamente responderá pelo resultado
alcançado a título de culpa. Ex.: lesão corporal culposa.
O crime estará consumado com a efetiva exposição a perigo, por se tratar de crime de perigo
concreto, não bastando tão somente a prática da conduta. A tentativa será admissível desde
26
Ob cit, p. 270
EMERJ – Periclitação da vida e da saúde
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Página 30
que se possa visualizar o fracionamento da conduta, não ocorrendo a efetiva exposição a
perigo por circunstâncias alheias à vontade do agente.
O parágrafo 3º prevê a forma majorada, acrescentada pela lei 8069/90 (estatuto da criança e
do adolescente), quando o crime for praticado contra menor de quatorze anos.
A ação penal é pública incondicionada.
O leitor deve atentar para a aplicação do princípio da especialidade no que tange aos maus
tratos praticados, tendo em vista que há previsão da conduta não só no Código Penal, mas
também na lei 10741/03 (Estatuto do Idoso):
Art. 99. Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso,
submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e
cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho
excessivo ou inadequado:
Pena – detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e multa.
§ 1o Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
§ 2o Se resulta a morte:
Pena – reclusão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
Deve-se atentar para as características dos dois tipos penais, percebendo-se que o art. 99 do
Estatuto do Idoso não possui uma especial finalidade, um elemento subjetivo especial, mas
tão somente o dolo como elemento subjetivo geral. Muito embora apliquemos em regra o art.
99 por critérios de especialidade, devemos ter cuidado pois em determinados casos devemos
afastar a aplicação do Estatuto do Idoso e aplicar o art. 136 do CP, mesmo em se tratando de
vítima idosa, tendo em vista a eventual existência de um fim especial de agir e da existência
de relação que se refira a ensino, educação, tratamento ou custódia. Este também é o
pensamento do Mestre Rogério Greco27:
“Contudo, no art. 136, que não restringe a sua aplicação considerando a
idade da vítima, pode ser aplicado em detrimento do art. 99 do Estatuto do
Idoso, desde que o agente, embora praticando o delito contra vítima com
idade igual ou superior a 60 anos, o faça para fim de educação, ensino,
tratamento ou custódia.”
Outro cuidado diz respeito a evitar confusão entre o delito de maus tratos e a tortura prevista
na lei 9455/97:
27
Ob cit, p. 447
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“Art. 1º Constitui crime de tortura:
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de
violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de dois a oito anos.”
A diferença entre a tortura e maus tratos está no elemento subjetivo. Enquanto nos maus
tratos temos dolo direto ou eventual de exposição da saúde ou vida a perigo, no delito de
tortura temos um dolo de dano, de causar intenso sofrimento físico ou mental à vítima. No
delito de tortura, o agente atua como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter
preventivo. Isto também não se confunde com o animus corrigendi dos maus tratos, pois
neste último, o agente atua para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia.
ART. 137 – RIXA
Rixa
Art. 137 - Participar de rixa, salvo para separar os contendores:
Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa.
Parágrafo único - Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo
fato da participação na rixa, a pena de detenção, de seis meses a dois anos.
Vejamos a disposição do item 48 da exposição de motivos da parte especial do CP:
48. Ainda outra inovação do projeto, em matéria de crimes contra a pessoa, é a
incriminação da rixa, por si mesma, isto é, da luta corporal entre várias pessoas. A
ratio essendi da incriminação é dupla: a rixa concretiza um perigo à incolumidade
pessoal (e nisto se assemelha aos “crimes de perigo contra a vida e a saúde”) e é
uma perturbação da ordem e disciplina da convivência civil.
A participação na rixa é punida independentemente das conseqüências desta. Se
ocorre a morte ou lesão corporal grave de algum dos contendores, dá-se uma
condição de maior punibilidade, isto é, a pena cominada ao simples fato de
participação na rixa é especialmente agravada. A pena cominada à rixa em si mesma
é aplicável separadamente da pena correspondente ao resultado lesivo (homicídio ou
lesão corporal), mas serão ambas aplicadas cumulativamente (como no caso de
concurso material) em relação aos contendores que concorrerem para a produção
desse resultado.
Segundo se vê do art. 137, in fine, a participação na rixa deixará de ser crime se o participante
visa apenas separar os contendores. É claro que também não haverá crime se a intervenção
constituir legítima defesa, própria ou de terceiro.
O Código não define rixa, mas a exposição de motivos a conceitua como a luta corporal entre
várias pessoas. Sendo assim, no delito de rixa não há de se identificar que um grupo luta
contra outro grupo, ou que uma pessoa lute contra outras duas, mas sim que todos os
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envolvidos estejam lutando de maneira generalizada, sem se identificar precisamente quem
briga contra quem, pois é justamente essa a diferença entre o delito de rixa e de lesão
corporal.
A rixa possui como bem jurídico tutelado a integridade corporal e a vida, além de
secundariamente tutelar a ordem e a segurança pública, caracterizando-se para a maioria da
doutrina em crime de perigo abstrato. Rogério Greco sustenta tratar-se de crime de perigo
concreto:
“Em que pese a afirmação majoritária da doutrina no sentido de que a rixa
deve ser entendida como um delito de natureza abstrata, ousamos discordar
desse posicionamento, haja vista que, quando da ocorrência do delito, o
perigo a que estão expostas a vida e a saúde serão, na verdade, concretos,
passíveis de serem demonstrados.”
Concordamos com a posição minoritária. Muito embora o perigo seja passível se ser
demonstrado sem que se exija tal efetiva exposição. Na verdade, é que a própria conduta
praticada, qual seja, o envolvimento em uma luta corporal entre várias pessoas, já demonstra
por si só o perigo, ou seja, sem a luta corporal não há o crime, mas a própria luta coporal
entre várias pessoas já efetiva o perigo, sendo portanto concreto e não abstrato. Não existe
possibilidade de ocorrer a conduta sem que haja efetiva exposição do bem jurídico tutelado a
perigo.
Trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa. Os envolvidos na rixa
são ao mesmo tempo sujeitos ativos e passivos. Levando em conta a presença de pelo menos
três pessoas para que exista o crime (podendo ser computado neste número mínimo, os
inimputáveis e os não identificados), trata-se de crime de concurso necessário, podendo
existir, no entanto, a participação em sentido estrito, ou seja, o concurso de agentes, daí a
diferença entre participação na rixa e participação no crime de rixa. Participa na rixa o
contendor, o participante da luta, participa do crime de rixa aquele que induz ou instiga
alguém a se envolver na luta corporal, ficando de fora, sem intervir materialmente, caso em
que será partícipe do crime do art. 137, havendo, portanto, concurso de agentes. Para que haja
consumação, torna-se necessário o início dos atos de execução de agressão, ainda que esta
agressão se consubstancie em arremesso de objetos, sem contato físico entre os envolvidos.
Tal é o posicionamento a maioria da doutrina, a citar Bitencourt28 e Rogério Greco29.
Magalhães Noronha afirmava que a consumação ocorria “no momento e no lugar onde
cessou a atividade dos contendores”.
A rixa é classificada pela doutrina em rixa ex improviso e rixa ex propósito. Rixa ex
improviso, como o próprio nome deixa transparecer é aquela que surge sem combinação
prévia. A luta entre várias pessoas surge de repente, enquanto na rixa ex proposito, há uma
combinação entre os contendores, que marcam hora e local para a luta. É importante ressaltar
que tal combinação não Pode ocorrer entre dois grupos perfeitamente identificáveis, onde um
28
29
Ob cit., 276
Ob cit, p. 459
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determinado grupo lutará contra outro, pois neste caso não há de se falar em rixa. Parte da
doutrina só admite a rixa ex improviso, sustentando que para a caracterização do crime é
indispensável o elemento surpresa:
“A natureza da rixa exige que não tenha sido preparada a luta. Não deve ser
este resultado de cogitação anterior de seus partícipes. Sem dúvida, pode
prender-se a fato há muito acontecido, a velha malquerença entre os rixantes.
Não importa. O ódio antigo ou a ira momentânea devem eclodir naquele
instante, repercutindo em sua consciência, impulsionando-lhes a vontade e
determinando-lhes a ação.”30
Torna-se possível a tentativa na rixa ex propósito, embora de difícil visualização, não
havendo possibilidade na rixa ex improviso.
Quanto à possibilidade de prática do crime por omissão, Rogério Greco31 admite tal
possibilidade no caso de agente garantidor:
“Entendemos que somente será possível a modalidade omissiva no delito de
rixa quando o omitente gozar do status de garantidor, Assim, por exemplo,
suponhamos que no interior da cela de uma delegacia de polícia, os cinco
detentos que ali se encontravam comecem a se agredir reciprocamente,
gerando uma pancadaria indiscriminada. O carcereiro, que tinha obrigação
legal de evitar, ou pelo menos, interromper as agressões, apartando os
contendores, a tudo assiste passivamente, divertindo-se, inclusive, com o
ocorrido.
Nesse caso, poderá o carcereiro, na qualidade de garantidor, ser
responsabilizado pelo delito de rixa, por omissão.”
Outro ponto importante para se destacar é a necessidade do animus rixandi para a
configuração do delito. Desta forma, não existirá crime quando a rixa for simulada, assim
como é possível alegar a excludente de legítima defesa quando a intenção for defender a si
próprio ou a terceiro.
- Rixa qualificada
Responderá por rixa qualificada todos os envolvidos na luta desde que haja resultado lesão
grave ou morte, ainda que esses eventos tenham atingido quem não é contendor, desde que
provenientes da rixa. Não se admite a tentativa de rixa qualificada. Aquele que tentar
matar alguém durante a luta, responderá por tentativa de homicídio, mas os demais
envolvidos responderão tão somente pela rixa simples, tendo em vista que a qualificadora se
dirige justamente a punir a participação em uma rixa da qual tenha resultado uma lesão grave
ou morte. No entanto, devemos analisar algumas indagações:
30
31
MORAES, Flavio Queiroz. Delito de rixa, p. 53 apud GRECO, Rogerio, ob cit, p. 459
Ob cit, p. 461
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a)
b)
c)
d)
Responderá por rixa qualificada também o responsável pela lesão ou morte?
Responderá por rixa qualificada a vítima da lesão grave?
Responde por rixa qualificada aquele que entrou na luta após o advento do resultado?
Qual a espécie de concurso de crimes a ser utilizado para o participante que responde
por rixa e pelo resultado?
e) A saída do agente antes da ocorrência dos resultados permite que ele responda pela
rixa qualificada?
Quanto à letra a, encontramos controvérsia na doutrina. Luiz Regis Prado e Rogério
Greco32 sustentam que o sujeito identificado responderá pelo resultado em concurso
com a rixa simples. Para Bitencourt33, responderá pelo resultado e pela rixa qualificada.
Quanto a letra b, também existe controvérsia na doutrina. Bitencourt afirma que:
“O participante que sofrer lesão corporal grave também incorrerá na pena
da rixa agravada em razão do ferimento que ele próprio recebeu”
Em sentido oposto, Rogério Greco34.
Entendemos que a vítima das lesões também deve responder pelo delito em sua forma
qualificada, tendo em vista que a punição maior não deriva da ocorrência da lesão em si, mas
sim do fato de ter participado de uma rixa que atingiu maiores proporções.
Quanto à letra c, a doutrina é unânime ao afirmar que aquele que entrou na luta após a
ocorrência do resultado não pode ser responsabilizado por este.
Quanto à letra d, também podemos apontar a controvérsia existente. O item 48 da exposição
de motivos menciona expressamente o concurso material, ao mencionar a soma das penas.
No entanto, existe entendimento no sentido de que o concurso existente será o formal35.
Quanto à letra e, a maioria da doutrina sustenta que aquele que se retira antes do resultado
também deve ser responsabilizado pela rixa qualificada, ao argumento de ter assumido o
risco de ter participado de uma rixa da qual pudesse resultar uma lesão grave ou morte. No
entanto, concordamos com a opinião de Luiz Regis Prado36 no sentido de que:
“Diante, porém, da regra insculpida no artigo 19 do Código Penal, há que se
fazer a seguinte ressalva: é preciso que o sujeito tenha contribuído para a
produção do resultado agravador, transgredindo – embora sem saber – o
cuidado objetivamente devido. Deve agir ao menos com culpa inconsciente,
não prevendo o resultado (morte/lesão) que lhe era possível prever,
32
33
Ob cit, p. 468
Ob cit, p. 278
34
Ob cit, p. 468
GRECO, Rogério. Ob cit, p. 467
36
Ob cit, p. 223
35
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inobservando a diligência objetiva que lhe era exigível. Não há
responsabilidade objetiva.”
i
Concurso de agentes, 2a. ed., 2004, Lumen Juris
“o concurso nos delitos de omissão não oferece, assim, qualquer dificuldade especial”
iii
“Nem há dificuldades maiores no assunto”
iv
“…podemos afirmar que nos crimes omissivos não há concurso de pessoas, isto é não há co-autoria nem
participação” – Tavares, Juarez. As controvérsias em torno dos crimes omissivos, Es. ILACP, 1996, p. 85-86
v
Curso de Direito Penal – Parte Geral. 9ª. Ed. Impetus. P. 473-478
vi
Tratado de Direito Penal. 11a. edição, Saraiva, p. 426
vii
Ob cit, p. 425-426
viii
No mesmo sentido Nilo Batista, ob cit, p. 88
ix
Curso de Direito Penal Brasileiro. 4ª. Ed, 2004, RT, p. 458
x
Ob. Cit, p. 333
xi
Apud Batista, Nilo. Ob cit. P. 88-89
xii
Curso de Direito Penal. Saraiva, 7ª. Ed, 2004. P. 331
ii
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