da observacão ao desenvolvimento da oficina filosófica

Propaganda
DA OBSERVACÃO AO DESENVOLVIMENTO DA OFICINA
FILOSÓFICA: RELATOS DA EXPERIÊNCIA NO ESTÁGIO
SUPERVISIONADO EM FILOSOFIA
Dulce Regina dos Santos Pedrossian1 - UCDB
Gisela de Moura Bluma Marques2 - UCDB
Grupo de Trabalho - Práticas e Estágios nas Licenciaturas
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este artigo descreve as atividades desenvolvidas no período do Estágio Supervisionado do
Curso de graduação em Filosofia da Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, durante o
segundo semestre letivo de 2014, com alunos do ensino médio, em uma escola estadual na
cidade de Campo Grande - MS. Iniciamos a experiência com o estágio tendo acesso ao
Projeto Político Pedagógico da instituição escolar e, realizando sua análise de modo a obter
um maior conhecimento a respeito do que a instituição escolar pretende ou idealiza, seus
objetivos, metas e estratégias permanentes, tanto no que se refere às suas atividades
pedagógicas, como às funções administrativas. Durante a fase de observação realizada, em
sala de aula, percebemos que a hierarquia oficial mediante as notas escolares interfere na
discriminação e na exclusão dos estudantes; a mera informação supera a formação e reflete no
uso da tecnologia como fim em si mesmo, no consumismo, no individualismo e na
indiferença em relação ao outro; os movimentos sociais como combate à discriminação e à
desconsideração do bem comum; desigualdades entre ensinos público e particular. Já no
desenvolvimento do Projeto intitulado “Oficinas filosóficas: o preconceito”, junto às
disciplinas de Filosofia e Sociologia, tivemos a finalidade de propiciar atividades de
intervenções formativas relacionadas à esfera educacional. Isto é, como a escola visa formar
jovens conscientes de sua pertença na sociedade, este projeto, portanto, buscou proporcionar
espaços de reflexão aos alunos, por meio da associação reflexiva entre teoria e prática. Nas
oficinas filosóficas, através da uma metodologia ativa o tema preconceito denotou ser
complexo, abrangente e suscitou discussões; o preconceito ou bullying implica um tipo de
violência que provoca sofrimento no indivíduo; a dinâmica utilizada assegurou espaços para
trocas de experiências e mudanças de atitudes.
Palavras-chave: Estágio supervisionado. Preconceito. Discriminação. Mudanças de atitudes.
1
Psicóloga. Acadêmica do 6º semestre do Curso de Filosofia da Universidade Católica Dom Bosco-UCDB. Email: [email protected].
2
Mestre em Educação. Pedagoga. Prof.ª Supervisora do Estágio Supervisionado em Filosofia I e II da
Universidade Católica Dom Bosco-UCDB. Professora Pesquisadora do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica (PIBIC). E-mail: [email protected]
ISSN 2176-1396
10252
Introdução
Neste artigo, temos a finalidade de realizar um relato das atividades desenvolvidas na
disciplina Estágio Supervisionado I do Curso de Filosofia da Universidade Católica Dom
Bosco - UCDB, de Campo Grande – MS, no período de agosto a outubro/2014. Para isso,
registramos a análise do Projeto Político Pedagógico, os dados das observações desenvolvidos
nas disciplinas de Filosofia e Sociologia, nos 1º 2º e 3º anos do Ensino Médio e, também, das
avaliações realizadas pelos estudantes que participaram do projeto “Oficinas filosóficas: o
preconceito”.
Elucidamos que para o desenvolvimento das “Oficinas filosóficas: o preconceito”,
partimos do Projeto: Oficinas Filosóficas, de Marques (2011), que tem como objetivo
propiciar atividades de intervenções formativas relacionadas à esfera educacional. A autora
sublinha que, como a escola visa formar jovens conscientes de sua pertença na sociedade,
atividades dessa natureza tendem a proporcionar espaços de reflexão aos alunos mediante a
associação reflexiva entre teoria e práxis, de modo que possam articular a tríade sentir, pensar
e agir. Nesse sentido, entende que as oficinas filosóficas ganham um caráter abrangente à
medida que não se circunscrevem ao espaço educacional,
mas tendem a sensibilizar os
estudantes na perspectiva do desenvolvimento do compromisso social, político e cultural em
relação a sociedade em que estão inseridos. Assim sendo, sua proposta é de que se estruture a
aula de filosofia e sociologia como um tipo de “oficina de conceitos”, na qual os estudantes e
professores examinem os conceitos criados na história da filosofia/sociologia como
instrumentos a serviço da resolução de problemas específicos, e igualmente, procurem
construir conceitos a esse respeito.
Caminho percorrido
O método adotado na disciplina Estágio Supervisionado I de Filosofia abarcou, nos
termos de Crochík et al. (2013), diversas técnicas, diversos procedimentos, pois diversos
foram os ângulos pelos quais o objeto foi estudado. Com isso, evidenciamos os seguintes
procedimentos metodológicos durante o estágio supervisionado I: inicialmente de coleta de
dados, tendo o Projeto Político Pedagógico da escola como base, seguindo das observações
nas salas de aula nas disciplinas de Filosofia de Sociologia, e posteriormente
o
desenvolvimento de uma Oficina Filosófica com o intuito de estar colaborando para reforçar
10253
a conscientização e a dimensão ética, assim como aprofundamento no compromisso sóciopolitico-cultural, dos adolescentes nos três anos do ensino médio.
As observações nas salas de aula ocorreram no período de um mês quando foram
feitas descrições das dinâmicas nas aulas das disciplinas de Filosofia e Sociologia nas treze
(13) turmas dos 1º 2º e 3º anos do Ensino Médio perfazendo, o total de 30 horas/aula com
cerca de 20 alunos por turma.
Quanto às Oficinas filosóficas, que totalizaram 40 horas/aulas, iniciamos as atividades
após apresentação do projeto em seis turmas sendo: dois primeiros anos, dois segundos e
dois terceiros anos, com a participação total de 105 estudantes.
A sistematização do projeto se deu com base nas contribuições de Gallo (2013),
seguindo os seguintes passos:
a) etapa de sensibilização: para que os alunos fossem movidos pelo tema, propõe-se
a análise em grupo da música Sem Preconceito, de Túlio Dek, com objetivo de fazer
com que os alunos “sintam na pele” um elemento filosófico por meio de um
elemento não filosófico;
b) etapa da problematização: transformar o tema em problema, fazer com que o
problema mova em cada um dos estudantes o anseio de busca de soluções, ou
seja, a finalidade é problematizar diversos de seus aspectos, em várias
perspectivas;
c) etapa da investigação: trata-se de revisitar conteúdos da filosofia/sociologia e, de
outras áreas do conhecimento de modo interessado, isto é, relacionados ao
problema;
d) etapa de conceituação: a intenção, também, é fazer uma relação entre os diferentes
elementos que nos permitam recriar ou criar conceitos com a educação na
atualidade.
Descrição da fase de observação
No que diz respeito às observações nas salas de aula, a figura do professor como
mediador foi algo que mereceu destaque. Nessas salas – em que comumente as carteiras se
encontravam dispostas em fileiras uma atrás da outra, excetuando quando a dinâmica da aula
demandava trabalhos em grupos, – o professor chama a atenção para o fato de a sociedade
começar a mudar a partir do comportamento de todos, e, para isso, aludiu sobre a necessidade
de estudo para que os argumentos tenham conteúdos, bem como sinalizou que, para
10254
conhecermos a verdade, é necessário colocarmos os conhecimentos em dúvida, isto é, é
preciso que questionemos e analisemos de modo cuidadoso algo para que possamos ter
certeza. A partir das contribuições de Platão e de Aristóteles, o professor exemplificou que,
nesta sociedade, todos estão juntos, mas cada um luta por si e não para o bem comum de
todos. Assim, sem ter como objeto de análise a educação inclusiva, o professor trouxe,
conforme contribuições de Crochík (2006), elementos fecundos em relação ao respeito à
diferença e à diversidade.
Presenciamos, também, conflitos de opiniões entre alunos de uma determinada sala
com a coordenadora da escola devido à distribuição dos alunos por turma motivados por
problema de indisciplina. A queixa dava-se pela insatisfação de alguns estudantes dessa turma
terem internalizado que eles foram “jogados naquela sala porque eram ruins” e que
reprovariam. Percebemos, ainda, atitudes competitivas entre as turmas, isto é, uma delas se
colocando como melhor do que as outras em relação às suas produções e, consequentemente,
às notas. Assim, nos termos de Adorno (2000), a questão da hierarquia oficial por meio das
notas, do desempenho, ficou bem evidente nas duas situações e, por certo, interfere na
discriminação dos estudantes por meio da tipificação de melhor classe versus pior classe.
Cabe chamarmos a atenção para o fato de que o professor também discutiu sobre
temas diversos, como corrupção, drogas, eleições, e a complementação da carga escolar com
o 6º tempo. Em relação a esse último tema, um dos alunos disse da importância do Estado do
Mato Grosso do Sul, equiparar as escolas públicas estaduais com as particulares, em relação
aos conteúdos que são ministrados pois, entendia que os alunos “eram capazes de terem os
mesmos conhecimentos”. Percebemos, assim, a incorporação de condições de desigualdade
entre o ensino público e o particular.
Quando se tratava do tema da indústria cultural, outro aspecto observado, dessa vez
nas aulas de Sociologia, o professor mencionou sobre a necessidade de refletirem acerca do
que é essencial e o do que não é, pois o fenômeno da globalização vem criando necessidades
ao indivíduo e se não adquirimos determinado produto, somos excluídos. O professor,
também, alertou para que não ficassem se baseando no oráculo moderno facebook e no uso do
celular de modo indiscriminado em sala de aula e, que o processo educativo é mais
abrangente que a mera informação.
Isso nos reporta à caracterização dos tempos
hipermodernos, de Lipovetsky (apud GALLO, 2013) e, como afirma Roudinesco (2000),
estamos diante de uma sociedade que valoriza o indivíduo-máquina em vez do indivíduo
desejante, e em nome do sucesso econômico e da globalização a ideia de conflito social tende
10255
a ser suprimida porque se procura integrar as diferenças e as resistências em um único
sistema. Mas, como refletimos em outro trabalho, entendemos que a concepção do
encobrimento do conflito social faz parte da ideologia, que é anterior à atual fase da
globalização (PEDROSSIAN, 2009).
E, nos termos de Horkheimer e Adorno (1985),
associado ao consumismo, a apatia presente na contemporaneidade evidencia o recuo da
espontaneidade individual-humana para o âmbito privado, o que serve para domesticar a
frieza burguesa. Ou, em outros termos, na indiferença em relação ao outro.
Outro tema abordado pelo professor foram os movimentos sociais, descritos da
seguinte forma pelo docente:
Existem também movimentos cujo objetivo é desenvolver ações que favoreçam a
mudança da sociedade com base no princípio fundamental do reconhecimento do
outro, do diferente. Por meio desses movimentos, procuram se disseminar visões de
mundo e valores que proporcionem a diminuição dos preconceitos e discriminações
que prejudicam as relações sociais. Exemplos são os movimentos étnico-raciais de
minorias sexuais. Conforme o sociólogo alemão Axel Honneth, as lutas sociais vão
além da defesa de interesses e necessidades, tendo como alvo também o
reconhecimento individual e social. Quando um indivíduo se engaja em um
movimento de desrespeito, vergonha e injustiça inspiram outros indivíduos, de modo
que sua luta se transforma numa ação coletiva, de reconhecimento pessoal e social
(PEDROSSIAN, 2014, p. 67-68).
Não somente exemplificou ser uma conquista o fato de as mulheres votarem e terem o
mesmo direito de receber salários iguais ao do homem, bem como chamou a atenção para a
questão racial. Quanto a esse último tema, a indagação veio por parte de uma das alunas: “[...]
como chamar uma pessoa de pele escura sem a ofender? Se você chama uma de cor branca
de branca ela não se ofende, mas se você a chama de negra, ela fala: você é racista?”. O
professor respondeu que uma pessoa educada chama a outra pelo nome. Na ocasião, um dos
alunos disse que, se a pessoa afirma ser gay, as pessoas não o aceitam, e, retomando Crochík
(2006), o alvo do preconceito é percebido mediante estereótipos e, assim, desconsideram-se
os outros predicados que o indivíduo possui.
Oficina Filosófica como intervenção formativa
Nas seis salas do ensino médio, seguindo a etapa de sensibilização de Gallo (2013) –
que tem como finalidade fazer com que os alunos sintam na pele um elemento filosófico por
meio de um elemento não filosófico – procedemos à leitura em voz alta da música Sem
Preconceito de Túlio Dek para que os estudantes fossem envolvidos pelo tema. Depois,
solicitamos aos alunos que reunissem em grupo, e, com os grupos formados, partimos para a
10256
etapa da problematização. Ao procurarmos transformar preconceito em problema, fizemos
com que o problema mobilizasse em cada um dos estudantes o anseio de busca de soluções.
Em outros termos, procuramos estimular a consciência crítica dos estudantes, solicitando-lhes
que refletissem e discutissem sobre o fenômeno do preconceito com base nos aspectos
contidos na música e nas suas experiências de vida na família, na escola, nos espaços de lazer.
Podemos promover discussões em torno do tema em pauta, propondo situações em
que ele possa ser visto por diferentes ângulos e problematizado em seus diversos
aspectos. Nessa etapa, estimulamos o sentido crítico e problematizador da filosofia,
exercitamos seu caráter de pergunta, de questionamento, de interrogação.
Desenvolvemos também a desconfiança em relação às afirmações muito taxativas,
em relação às certezas prontas e às opiniões cristalizadas (GALLO, 2013, p. 97).
Após essa etapa, cada grupo nos informou acerca do que os participantes apreenderam
sobre o fenômeno do preconceito e fomos registrando o conteúdo das falas dos estudantes no
quadro de giz. Procuramos, assim, na etapa de investigação, a partir das concepções dos
alunos, revisitar os conteúdos da Filosofia e de outras áreas do conhecimento de modo
interessado e relacionados ao problema, tomando como ponto de apoio e de reflexão
especialmente o livro Preconceito, indivíduo e cultura, de Crochík (2006).
Trata-se de recriar os conceitos encontrados de modo que equacionem nosso
problema, ou mesmo de criar novos conceitos [...] Se, por um lado, na investigação
pela história da filosofia encontramos conceitos que são significativos para nosso
problema, tratamos então de deslocá-los para nosso contexto, recriando-os para que
apresentem possíveis soluções (GALLO, 2013, p. 98).
Após a realização das oficinas em cada uma das turmas especificadas, nos permitiram
encontrar diversos elementos que foram significativos para esclarecer sobre o fenômeno do
preconceito, e na sequencia procedemos avaliação das atividades pelos participantes.
Na ótica dos alunos
No que se refere às avaliações das oficinas filosóficas realizadas pelos cento e cinco
(105) alunos, o feedback foi positivo por parte de todos. Foi recorrente o fato de o tema do
preconceito ser complexo, abrangente e suscitar discussões, pois entendem que é um
fenômeno que ocorre no nosso dia a dia. Apontaram a dinâmica utilizada nos encontros como
adequada, pois propiciaram espaços para discussões, reflexões e trocas de experiências.
Conforme expresso por alguns dos alunos participantes da avaliação: “[...] o tema foi
relevante e conseguiu ser discutido, e transmitimos as ideias e conscientizamos a todos,
mostrando casos da sociedade”; “[...] é um assunto que fala da realidade dos acontecimentos
10257
e de como as pessoas são preconceituosas e de como têm dificuldade em aceitar seu
próximo”. Outros alunos disseram que gostaram da dinâmica das oficinas porque todos
tiveram “[...] oportunidade de participar, e a professora ter explicado tudo conforme passado
no quadro” e, também, por conta da “Ministração do conteúdo pela professora estagiária”;
“Do debate e das explicações”, o que evidencia, mais uma vez, a importância do professor
como mediador do processo ensino-aprendizagem.
Percebemos que foi recorrente o fato de apontarem as discussões em grupo como algo
bom. Um dos alunos apontou que a parte que mais gostou foi quando “[...] os alunos
discutiram sobre o preconceito, porque quando nós discutimos, nós aprendemos; escutar não
adianta muito, interagir sim”. Outros disseram: “Na hora das discussões, pois tivemos espaço
e um momento para contar coisas que sabemos e até aconteceu conosco”; “[...] assim
aprendemos mais um com o outro”. Também, sinalizaram o poder dos grupos, tal como
afirmado por um dos alunos: “[...] quando estamos em grupos, podemos ser influenciados a
ser preconceituosos e temos que prestar atenção bastante neste ponto”.
Os alunos demonstraram, ainda, que o preconceito provoca sofrimento no indivíduo e
que sua manifestação ocorre em diferentes esferas sociais, como família, escola, trabalho,
enfim, na sociedade. Conforme disse alguns dos alunos: “[...] é um tema que muitas famílias
não conversam com seus filhos, talvez se fosse mais conversado não teríamos tanto”; “[...] é
um tema que sempre está atualizado e que se tem muito a discutir; e onde se abre o que
pensar sobre como anda ou é a sociedade e nós mesmos”. Uma das alunas disse: “[...] a
minha vida inteira sofri preconceito pelo fato de ser magra” e outra chamou a atenção para a
“[...] parte que fala do ‘preconceito oculto’: é a pessoa que tem preconceito, mas não
demonstra”.
Muitos dos alunos chamaram a atenção para a necessidade de mudanças de atitudes,
pois entendem que atitudes preconceituosas geram discriminação, desigualdade e diferença
entre as pessoas, a exemplo de uma aluna que disse: “[...] devemos mudar para que não
cometamos mesmo erro com os nossos filhos de amanhã”. Especificaram atitudes
preconceituosas em relação à orientação sexual, ao pobre, à cor, etc., como disseram alguns
alunos: “[...] acredito que nossa sociedade é extremista e leiga nesse assunto tanto quanto do
racismo. É uma coisa que certamente deve ser debatido e estudado”; “[...] as explicações
sobre o preconceito, sobre o racismo, isso é um assunto muito legal de se aprender. Assim,
nós podemos ter mais cautelas antes de falar algo que magoe os outros”; “[...] nós brasileiros
falamos que preto é pobre e branco é rico”; “[...] ontem quando fui fechar o portão da minha
10258
casa, passou um rapaz negro e eu fiquei com medo; mas eu pensei nisso que eu estava sendo
preconceituosa”.
Quando indagados da parte que mais gostaram da atividade, uma aluna disse que
gostou “[...] da parte da riqueza e da pobreza; que não é todos que são ricos e nem todos são
pobres, mas que cada um tem seu jeito”. Outros se referiram à música Sem Preconceito de Túlio
Dek que foi lida para que os alunos sensibilizassem como o tema: “[...] a música, que realça
bem nossa sociedade”; “[...] a música porque eu achei muito interessante, por tudo o que está
acontecendo hoje em dia, está na letra da música”; “[...] a lição que ela passou foi bem
tocante e me fez refletir”; “A parte onde lemos a música, pois a lição que ela passou foi bem
tocante e me fez refletir”.
Outro elemento demonstrado foi à preocupação por parte de alunos com o ENEM, de
modo que o professor mencionou que determinados temas devem ser estudados e refletidos
com vistas a terem bom desempenho. Observamos, aqui, que a performance dos alunos para o
ingresso em um curso superior suplanta a formação para a vida. Ainda, dois alunos
aproximaram o preconceito do bullying. Um deles disse: “Sim, porque na minha opinião é
muito importante falar sobre esse assunto preconceito, porque pode acontecer com a família,
com os irmãos, isso também leva ao bullying na vida cotidiana”. E outro não deixou de fazer
um verso:
Sem Preconceito. Que diferença faz se meu cabelo é enrolado ou liso, a parada é
fazer teu próprio estilo. Pessoas que fazem o bullying contra pessoas que têm o
cabelo como no ditado popular,' ruim'. Já passei por situações assim de ver pessoas
chamando uma garota de super shock por causa do seu cabelo[...] O preconceito está
no mundo inteiro, deixando pessoas com depressão e outros tipos de distúrbios. A
importância é ser feliz e cuidarmos cada vez mais de seu próprio nariz [...]
PRECONCEITO NÃO É UM DIREITO É UM DEFEITO[...] (PEDROSSIAN,
2014, p. 43).
Aliás, Antunes e Zuin (2008) explicam que o bullying aproxima-se do conceito de
preconceito, especialmente quando se direciona para os aspectos sociais que determinam os
grupos-alvo. Acrescentam que tal proximidade leva à suposição de que o que nos dias atuais
tem sido intitulado bullying é um fenômeno há muito conhecido pela humanidade, mas que
recebeu nova nomeação pela ciência pragmática que se ilude ao tentar dominá-lo via
aconselhamentos e classificação.
Como disse uma das alunas, “[...] o preconceito é um dos maiores problemas da
sociedade [...] pode acontecer preconceito com toda a população, não importa se é branco
ou preto, importa o que você é, não o que os outros pensam ou que dizem a respeito de você”.
10259
Nesse sentido, ainda que nossa constituição enquanto indivíduo aconteça por intermédio do
outro, atitudes pensadas em relação a nós mesmos e em relação ao outro não deixam de ser
um meio de combatermos esse tipo de violência.
Somando-se a isso, por mais que tenhamos esclarecido aos alunos sobre o fato de que
somos diferentes, ainda que a sociedade, por intermédio da indústria cultural, fomente a
homogeneização em vez da diversidade, há o entendimento da luta pela igualdade, como
exemplificado por três estudantes: “Que todos somos iguais embaixo da terra”; “Sim, falar
sobre que todos somos iguais é bem interessante e importante porque viver sem preconceito”;
“O racismo, para mostrarmos que somos todos iguais”. Talvez a defesa pela igualdade possa
ser explicada pelo fato de que temos que lutar pelos nossos direitos em meio a atitudes que
alimentam a exclusão, a discriminação e o preconceito, e, obviamente, não negligenciarmos
nossos deveres.
Algumas considerações
A escola – como instituição que faz parte da sociedade – reproduz o que ocorre dentro
da totalidade social. Nas observações realizadas em sala de aula, presenciamos em certos
momentos falta de limites em termos de disciplina por parte dos estudantes, o que denota o
enfraquecimento da figura de autoridade que, decerto, é diferente de autoritarismo. Isto é, as
famílias vêm se modificando ao longo do tempo e, na contemporaneidade, os valores já não
são mais transmitidos de geração a geração, mas principalmente pelos meios de comunicação
de massa, de modo que tal modificação reflete na relação pais-filhos e, por conseguinte, na
relação professor-aluno.
Sabemos, também, que a questão da avaliação é algo discutível no âmbito educacional
e não desconsiderado pela escola. Pois, no Projeto Político Pedagógico (TEIXEIRA, 2014),
foi questionada a avaliação classificatória, onde o aluno é registrado de modo definitivo em
inferior, médio e superior por meio das notas. Contudo, a hierarquia oficial que diz respeito às
notas, ao desempenho, ao intelecto fez-se presente na escola.
E, tendo em vista a finalidade deste artigo, destacamos os aspectos que merecem
relevância nas observações realizadas em sala de aula: o professor trouxe elementos fecundos
em relação à diferença e à diversidade, ao exemplificar que nesta sociedade as pessoas são
individualistas e não focam no bem comum; o processo de formação denotou ser mais
abrangente que a mera informação por meio do facebook, do consumismo e da indiferença em
10260
relação ao outro; a importância dos movimentos sociais como meio de combater a exclusão, a
discriminação; e condições de desigualdades entre ensino público e ensino particular.
Quanto às oficinas filosóficas, salientamos que as discussões foram ricas e que foi
possível recriarmos os conceitos encontrados, nos termos de Gallo (2013), com vistas à
minimização de atitudes preconceituosas em diferentes espaços sociais, como na família, na
escola e na sociedade.
Quanto ao feedback das avaliações desses encontros, podemos dizer que a dinâmica
utilizada propiciou espaços para discussões, reflexões e trocas de experiências. Os alunos
entenderam que o tema do preconceito é complexo, abrangente e suscita discussões. Se o
preconceito, que se aproximou ao bullying, implicou um tipo de violência que provoca
sofrimento no indivíduo, torna-se necessário refletirmos sobre nossas atitudes, pois atitudes
preconceituosas geram discriminação, desigualdade e exclusão entre as pessoas.
Diante do exposto, podemos dizer que não somente as observações realizadas em sala
de aula, como também as “oficinas de conceitos” denotaram ser apropriadas quando
trabalhamos o conceito de preconceito nas disciplinas de Filosofia e Sociologia com
estudantes do ensino médio. Como disse um dos alunos: “[...] conseguimos discutir sobre o
tema e analisar o ponto de vista de cada um”. Assim, por meio do particular nossa sociedade
(que é constituída por indivíduos), é desvelada, isto é, fomenta o preconceito, mas ela mesma
possui elementos que possam combater esse tipo de barbárie em relação ao outro.
O tema do preconceito, enfim, recai sobre o tema da educação inclusiva notadamente
em relação aos alunos com deficiência. Os elaboradores do Projeto Político Pedagógico da
instituição, segundo Teixeira (2014), foram claros em afirmar que a educação inclusiva é
contemplada em parte. Disseram que possuem assessoria técnica, como professores e
intérpretes, além de a escola contar com uma sala multifuncional, mas faltam mobiliários
adequados e investimentos nas capacitações continuadas para o corpo docente e
administrativo para atender com qualidade os alunos. Informaram que os educadores são
conscientes de que a inclusão ocorre dentro da instituição escolar, isto é, os alunos têm
acesso, porém a permanência fica comprometida devido à falta de investimentos e de políticas
públicas conforme os objetivos previstos em lei.
REFERÊNCIAS
ADORNO, T. W. A filosofia e os professores. In: ______. Educação e emancipação. 2. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. p. 51-73.
10261
ANTUNES, D. C.; ZUIN, A. A. S. Do bullying ao preconceito: os desafios da barbárie à
educação. Psicol. Soc., Porto Alegre, v. 20, n. 1, p. 33-42, 2008.
CROCHÍK, J. L. Preconceito, indivíduo e cultura. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2006.
CROCHÍK, J. L. et al. Inclusão e discriminação na educação escolar. Campinas: Alínea,
2013.
GALLO, S. Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio.
Campinas: Papirus, 2013.
HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos.
Tradução de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
MARQUES, G. M. B. Projeto: oficinas filosóficas. Apostila da disciplina de Estágio
supervisionado do Curso de Filosofia da UCDB. Campo Grande: UCDB, 2011.
PEDROSSIAN, D. R. S. A racionalidade tecnológica, o narcisismo e a melancolia. São
Paulo: Roca, 2009.
______. Relatório de estágio supervisionado em filosofia. Campo Grande: UCBB, 2014.
ROUDINESCO, E. Por que a psicanálise? Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2000.
TEIXEIRA, E. G. C. (Org.). Projeto político pedagógico. Campo Grande: Escola Estadual
Prof. Emydio Campos Widal, 2014.
Download