DA OBSERVACÃO AO DESENVOLVIMENTO DA OFICINA FILOSÓFICA: RELATOS DA EXPERIÊNCIA NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM FILOSOFIA Dulce Regina dos Santos Pedrossian1 - UCDB Gisela de Moura Bluma Marques2 - UCDB Grupo de Trabalho - Práticas e Estágios nas Licenciaturas Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Este artigo descreve as atividades desenvolvidas no período do Estágio Supervisionado do Curso de graduação em Filosofia da Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, durante o segundo semestre letivo de 2014, com alunos do ensino médio, em uma escola estadual na cidade de Campo Grande - MS. Iniciamos a experiência com o estágio tendo acesso ao Projeto Político Pedagógico da instituição escolar e, realizando sua análise de modo a obter um maior conhecimento a respeito do que a instituição escolar pretende ou idealiza, seus objetivos, metas e estratégias permanentes, tanto no que se refere às suas atividades pedagógicas, como às funções administrativas. Durante a fase de observação realizada, em sala de aula, percebemos que a hierarquia oficial mediante as notas escolares interfere na discriminação e na exclusão dos estudantes; a mera informação supera a formação e reflete no uso da tecnologia como fim em si mesmo, no consumismo, no individualismo e na indiferença em relação ao outro; os movimentos sociais como combate à discriminação e à desconsideração do bem comum; desigualdades entre ensinos público e particular. Já no desenvolvimento do Projeto intitulado “Oficinas filosóficas: o preconceito”, junto às disciplinas de Filosofia e Sociologia, tivemos a finalidade de propiciar atividades de intervenções formativas relacionadas à esfera educacional. Isto é, como a escola visa formar jovens conscientes de sua pertença na sociedade, este projeto, portanto, buscou proporcionar espaços de reflexão aos alunos, por meio da associação reflexiva entre teoria e prática. Nas oficinas filosóficas, através da uma metodologia ativa o tema preconceito denotou ser complexo, abrangente e suscitou discussões; o preconceito ou bullying implica um tipo de violência que provoca sofrimento no indivíduo; a dinâmica utilizada assegurou espaços para trocas de experiências e mudanças de atitudes. Palavras-chave: Estágio supervisionado. Preconceito. Discriminação. Mudanças de atitudes. 1 Psicóloga. Acadêmica do 6º semestre do Curso de Filosofia da Universidade Católica Dom Bosco-UCDB. Email: [email protected]. 2 Mestre em Educação. Pedagoga. Prof.ª Supervisora do Estágio Supervisionado em Filosofia I e II da Universidade Católica Dom Bosco-UCDB. Professora Pesquisadora do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). E-mail: [email protected] ISSN 2176-1396 10252 Introdução Neste artigo, temos a finalidade de realizar um relato das atividades desenvolvidas na disciplina Estágio Supervisionado I do Curso de Filosofia da Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, de Campo Grande – MS, no período de agosto a outubro/2014. Para isso, registramos a análise do Projeto Político Pedagógico, os dados das observações desenvolvidos nas disciplinas de Filosofia e Sociologia, nos 1º 2º e 3º anos do Ensino Médio e, também, das avaliações realizadas pelos estudantes que participaram do projeto “Oficinas filosóficas: o preconceito”. Elucidamos que para o desenvolvimento das “Oficinas filosóficas: o preconceito”, partimos do Projeto: Oficinas Filosóficas, de Marques (2011), que tem como objetivo propiciar atividades de intervenções formativas relacionadas à esfera educacional. A autora sublinha que, como a escola visa formar jovens conscientes de sua pertença na sociedade, atividades dessa natureza tendem a proporcionar espaços de reflexão aos alunos mediante a associação reflexiva entre teoria e práxis, de modo que possam articular a tríade sentir, pensar e agir. Nesse sentido, entende que as oficinas filosóficas ganham um caráter abrangente à medida que não se circunscrevem ao espaço educacional, mas tendem a sensibilizar os estudantes na perspectiva do desenvolvimento do compromisso social, político e cultural em relação a sociedade em que estão inseridos. Assim sendo, sua proposta é de que se estruture a aula de filosofia e sociologia como um tipo de “oficina de conceitos”, na qual os estudantes e professores examinem os conceitos criados na história da filosofia/sociologia como instrumentos a serviço da resolução de problemas específicos, e igualmente, procurem construir conceitos a esse respeito. Caminho percorrido O método adotado na disciplina Estágio Supervisionado I de Filosofia abarcou, nos termos de Crochík et al. (2013), diversas técnicas, diversos procedimentos, pois diversos foram os ângulos pelos quais o objeto foi estudado. Com isso, evidenciamos os seguintes procedimentos metodológicos durante o estágio supervisionado I: inicialmente de coleta de dados, tendo o Projeto Político Pedagógico da escola como base, seguindo das observações nas salas de aula nas disciplinas de Filosofia de Sociologia, e posteriormente o desenvolvimento de uma Oficina Filosófica com o intuito de estar colaborando para reforçar 10253 a conscientização e a dimensão ética, assim como aprofundamento no compromisso sóciopolitico-cultural, dos adolescentes nos três anos do ensino médio. As observações nas salas de aula ocorreram no período de um mês quando foram feitas descrições das dinâmicas nas aulas das disciplinas de Filosofia e Sociologia nas treze (13) turmas dos 1º 2º e 3º anos do Ensino Médio perfazendo, o total de 30 horas/aula com cerca de 20 alunos por turma. Quanto às Oficinas filosóficas, que totalizaram 40 horas/aulas, iniciamos as atividades após apresentação do projeto em seis turmas sendo: dois primeiros anos, dois segundos e dois terceiros anos, com a participação total de 105 estudantes. A sistematização do projeto se deu com base nas contribuições de Gallo (2013), seguindo os seguintes passos: a) etapa de sensibilização: para que os alunos fossem movidos pelo tema, propõe-se a análise em grupo da música Sem Preconceito, de Túlio Dek, com objetivo de fazer com que os alunos “sintam na pele” um elemento filosófico por meio de um elemento não filosófico; b) etapa da problematização: transformar o tema em problema, fazer com que o problema mova em cada um dos estudantes o anseio de busca de soluções, ou seja, a finalidade é problematizar diversos de seus aspectos, em várias perspectivas; c) etapa da investigação: trata-se de revisitar conteúdos da filosofia/sociologia e, de outras áreas do conhecimento de modo interessado, isto é, relacionados ao problema; d) etapa de conceituação: a intenção, também, é fazer uma relação entre os diferentes elementos que nos permitam recriar ou criar conceitos com a educação na atualidade. Descrição da fase de observação No que diz respeito às observações nas salas de aula, a figura do professor como mediador foi algo que mereceu destaque. Nessas salas – em que comumente as carteiras se encontravam dispostas em fileiras uma atrás da outra, excetuando quando a dinâmica da aula demandava trabalhos em grupos, – o professor chama a atenção para o fato de a sociedade começar a mudar a partir do comportamento de todos, e, para isso, aludiu sobre a necessidade de estudo para que os argumentos tenham conteúdos, bem como sinalizou que, para 10254 conhecermos a verdade, é necessário colocarmos os conhecimentos em dúvida, isto é, é preciso que questionemos e analisemos de modo cuidadoso algo para que possamos ter certeza. A partir das contribuições de Platão e de Aristóteles, o professor exemplificou que, nesta sociedade, todos estão juntos, mas cada um luta por si e não para o bem comum de todos. Assim, sem ter como objeto de análise a educação inclusiva, o professor trouxe, conforme contribuições de Crochík (2006), elementos fecundos em relação ao respeito à diferença e à diversidade. Presenciamos, também, conflitos de opiniões entre alunos de uma determinada sala com a coordenadora da escola devido à distribuição dos alunos por turma motivados por problema de indisciplina. A queixa dava-se pela insatisfação de alguns estudantes dessa turma terem internalizado que eles foram “jogados naquela sala porque eram ruins” e que reprovariam. Percebemos, ainda, atitudes competitivas entre as turmas, isto é, uma delas se colocando como melhor do que as outras em relação às suas produções e, consequentemente, às notas. Assim, nos termos de Adorno (2000), a questão da hierarquia oficial por meio das notas, do desempenho, ficou bem evidente nas duas situações e, por certo, interfere na discriminação dos estudantes por meio da tipificação de melhor classe versus pior classe. Cabe chamarmos a atenção para o fato de que o professor também discutiu sobre temas diversos, como corrupção, drogas, eleições, e a complementação da carga escolar com o 6º tempo. Em relação a esse último tema, um dos alunos disse da importância do Estado do Mato Grosso do Sul, equiparar as escolas públicas estaduais com as particulares, em relação aos conteúdos que são ministrados pois, entendia que os alunos “eram capazes de terem os mesmos conhecimentos”. Percebemos, assim, a incorporação de condições de desigualdade entre o ensino público e o particular. Quando se tratava do tema da indústria cultural, outro aspecto observado, dessa vez nas aulas de Sociologia, o professor mencionou sobre a necessidade de refletirem acerca do que é essencial e o do que não é, pois o fenômeno da globalização vem criando necessidades ao indivíduo e se não adquirimos determinado produto, somos excluídos. O professor, também, alertou para que não ficassem se baseando no oráculo moderno facebook e no uso do celular de modo indiscriminado em sala de aula e, que o processo educativo é mais abrangente que a mera informação. Isso nos reporta à caracterização dos tempos hipermodernos, de Lipovetsky (apud GALLO, 2013) e, como afirma Roudinesco (2000), estamos diante de uma sociedade que valoriza o indivíduo-máquina em vez do indivíduo desejante, e em nome do sucesso econômico e da globalização a ideia de conflito social tende 10255 a ser suprimida porque se procura integrar as diferenças e as resistências em um único sistema. Mas, como refletimos em outro trabalho, entendemos que a concepção do encobrimento do conflito social faz parte da ideologia, que é anterior à atual fase da globalização (PEDROSSIAN, 2009). E, nos termos de Horkheimer e Adorno (1985), associado ao consumismo, a apatia presente na contemporaneidade evidencia o recuo da espontaneidade individual-humana para o âmbito privado, o que serve para domesticar a frieza burguesa. Ou, em outros termos, na indiferença em relação ao outro. Outro tema abordado pelo professor foram os movimentos sociais, descritos da seguinte forma pelo docente: Existem também movimentos cujo objetivo é desenvolver ações que favoreçam a mudança da sociedade com base no princípio fundamental do reconhecimento do outro, do diferente. Por meio desses movimentos, procuram se disseminar visões de mundo e valores que proporcionem a diminuição dos preconceitos e discriminações que prejudicam as relações sociais. Exemplos são os movimentos étnico-raciais de minorias sexuais. Conforme o sociólogo alemão Axel Honneth, as lutas sociais vão além da defesa de interesses e necessidades, tendo como alvo também o reconhecimento individual e social. Quando um indivíduo se engaja em um movimento de desrespeito, vergonha e injustiça inspiram outros indivíduos, de modo que sua luta se transforma numa ação coletiva, de reconhecimento pessoal e social (PEDROSSIAN, 2014, p. 67-68). Não somente exemplificou ser uma conquista o fato de as mulheres votarem e terem o mesmo direito de receber salários iguais ao do homem, bem como chamou a atenção para a questão racial. Quanto a esse último tema, a indagação veio por parte de uma das alunas: “[...] como chamar uma pessoa de pele escura sem a ofender? Se você chama uma de cor branca de branca ela não se ofende, mas se você a chama de negra, ela fala: você é racista?”. O professor respondeu que uma pessoa educada chama a outra pelo nome. Na ocasião, um dos alunos disse que, se a pessoa afirma ser gay, as pessoas não o aceitam, e, retomando Crochík (2006), o alvo do preconceito é percebido mediante estereótipos e, assim, desconsideram-se os outros predicados que o indivíduo possui. Oficina Filosófica como intervenção formativa Nas seis salas do ensino médio, seguindo a etapa de sensibilização de Gallo (2013) – que tem como finalidade fazer com que os alunos sintam na pele um elemento filosófico por meio de um elemento não filosófico – procedemos à leitura em voz alta da música Sem Preconceito de Túlio Dek para que os estudantes fossem envolvidos pelo tema. Depois, solicitamos aos alunos que reunissem em grupo, e, com os grupos formados, partimos para a 10256 etapa da problematização. Ao procurarmos transformar preconceito em problema, fizemos com que o problema mobilizasse em cada um dos estudantes o anseio de busca de soluções. Em outros termos, procuramos estimular a consciência crítica dos estudantes, solicitando-lhes que refletissem e discutissem sobre o fenômeno do preconceito com base nos aspectos contidos na música e nas suas experiências de vida na família, na escola, nos espaços de lazer. Podemos promover discussões em torno do tema em pauta, propondo situações em que ele possa ser visto por diferentes ângulos e problematizado em seus diversos aspectos. Nessa etapa, estimulamos o sentido crítico e problematizador da filosofia, exercitamos seu caráter de pergunta, de questionamento, de interrogação. Desenvolvemos também a desconfiança em relação às afirmações muito taxativas, em relação às certezas prontas e às opiniões cristalizadas (GALLO, 2013, p. 97). Após essa etapa, cada grupo nos informou acerca do que os participantes apreenderam sobre o fenômeno do preconceito e fomos registrando o conteúdo das falas dos estudantes no quadro de giz. Procuramos, assim, na etapa de investigação, a partir das concepções dos alunos, revisitar os conteúdos da Filosofia e de outras áreas do conhecimento de modo interessado e relacionados ao problema, tomando como ponto de apoio e de reflexão especialmente o livro Preconceito, indivíduo e cultura, de Crochík (2006). Trata-se de recriar os conceitos encontrados de modo que equacionem nosso problema, ou mesmo de criar novos conceitos [...] Se, por um lado, na investigação pela história da filosofia encontramos conceitos que são significativos para nosso problema, tratamos então de deslocá-los para nosso contexto, recriando-os para que apresentem possíveis soluções (GALLO, 2013, p. 98). Após a realização das oficinas em cada uma das turmas especificadas, nos permitiram encontrar diversos elementos que foram significativos para esclarecer sobre o fenômeno do preconceito, e na sequencia procedemos avaliação das atividades pelos participantes. Na ótica dos alunos No que se refere às avaliações das oficinas filosóficas realizadas pelos cento e cinco (105) alunos, o feedback foi positivo por parte de todos. Foi recorrente o fato de o tema do preconceito ser complexo, abrangente e suscitar discussões, pois entendem que é um fenômeno que ocorre no nosso dia a dia. Apontaram a dinâmica utilizada nos encontros como adequada, pois propiciaram espaços para discussões, reflexões e trocas de experiências. Conforme expresso por alguns dos alunos participantes da avaliação: “[...] o tema foi relevante e conseguiu ser discutido, e transmitimos as ideias e conscientizamos a todos, mostrando casos da sociedade”; “[...] é um assunto que fala da realidade dos acontecimentos 10257 e de como as pessoas são preconceituosas e de como têm dificuldade em aceitar seu próximo”. Outros alunos disseram que gostaram da dinâmica das oficinas porque todos tiveram “[...] oportunidade de participar, e a professora ter explicado tudo conforme passado no quadro” e, também, por conta da “Ministração do conteúdo pela professora estagiária”; “Do debate e das explicações”, o que evidencia, mais uma vez, a importância do professor como mediador do processo ensino-aprendizagem. Percebemos que foi recorrente o fato de apontarem as discussões em grupo como algo bom. Um dos alunos apontou que a parte que mais gostou foi quando “[...] os alunos discutiram sobre o preconceito, porque quando nós discutimos, nós aprendemos; escutar não adianta muito, interagir sim”. Outros disseram: “Na hora das discussões, pois tivemos espaço e um momento para contar coisas que sabemos e até aconteceu conosco”; “[...] assim aprendemos mais um com o outro”. Também, sinalizaram o poder dos grupos, tal como afirmado por um dos alunos: “[...] quando estamos em grupos, podemos ser influenciados a ser preconceituosos e temos que prestar atenção bastante neste ponto”. Os alunos demonstraram, ainda, que o preconceito provoca sofrimento no indivíduo e que sua manifestação ocorre em diferentes esferas sociais, como família, escola, trabalho, enfim, na sociedade. Conforme disse alguns dos alunos: “[...] é um tema que muitas famílias não conversam com seus filhos, talvez se fosse mais conversado não teríamos tanto”; “[...] é um tema que sempre está atualizado e que se tem muito a discutir; e onde se abre o que pensar sobre como anda ou é a sociedade e nós mesmos”. Uma das alunas disse: “[...] a minha vida inteira sofri preconceito pelo fato de ser magra” e outra chamou a atenção para a “[...] parte que fala do ‘preconceito oculto’: é a pessoa que tem preconceito, mas não demonstra”. Muitos dos alunos chamaram a atenção para a necessidade de mudanças de atitudes, pois entendem que atitudes preconceituosas geram discriminação, desigualdade e diferença entre as pessoas, a exemplo de uma aluna que disse: “[...] devemos mudar para que não cometamos mesmo erro com os nossos filhos de amanhã”. Especificaram atitudes preconceituosas em relação à orientação sexual, ao pobre, à cor, etc., como disseram alguns alunos: “[...] acredito que nossa sociedade é extremista e leiga nesse assunto tanto quanto do racismo. É uma coisa que certamente deve ser debatido e estudado”; “[...] as explicações sobre o preconceito, sobre o racismo, isso é um assunto muito legal de se aprender. Assim, nós podemos ter mais cautelas antes de falar algo que magoe os outros”; “[...] nós brasileiros falamos que preto é pobre e branco é rico”; “[...] ontem quando fui fechar o portão da minha 10258 casa, passou um rapaz negro e eu fiquei com medo; mas eu pensei nisso que eu estava sendo preconceituosa”. Quando indagados da parte que mais gostaram da atividade, uma aluna disse que gostou “[...] da parte da riqueza e da pobreza; que não é todos que são ricos e nem todos são pobres, mas que cada um tem seu jeito”. Outros se referiram à música Sem Preconceito de Túlio Dek que foi lida para que os alunos sensibilizassem como o tema: “[...] a música, que realça bem nossa sociedade”; “[...] a música porque eu achei muito interessante, por tudo o que está acontecendo hoje em dia, está na letra da música”; “[...] a lição que ela passou foi bem tocante e me fez refletir”; “A parte onde lemos a música, pois a lição que ela passou foi bem tocante e me fez refletir”. Outro elemento demonstrado foi à preocupação por parte de alunos com o ENEM, de modo que o professor mencionou que determinados temas devem ser estudados e refletidos com vistas a terem bom desempenho. Observamos, aqui, que a performance dos alunos para o ingresso em um curso superior suplanta a formação para a vida. Ainda, dois alunos aproximaram o preconceito do bullying. Um deles disse: “Sim, porque na minha opinião é muito importante falar sobre esse assunto preconceito, porque pode acontecer com a família, com os irmãos, isso também leva ao bullying na vida cotidiana”. E outro não deixou de fazer um verso: Sem Preconceito. Que diferença faz se meu cabelo é enrolado ou liso, a parada é fazer teu próprio estilo. Pessoas que fazem o bullying contra pessoas que têm o cabelo como no ditado popular,' ruim'. Já passei por situações assim de ver pessoas chamando uma garota de super shock por causa do seu cabelo[...] O preconceito está no mundo inteiro, deixando pessoas com depressão e outros tipos de distúrbios. A importância é ser feliz e cuidarmos cada vez mais de seu próprio nariz [...] PRECONCEITO NÃO É UM DIREITO É UM DEFEITO[...] (PEDROSSIAN, 2014, p. 43). Aliás, Antunes e Zuin (2008) explicam que o bullying aproxima-se do conceito de preconceito, especialmente quando se direciona para os aspectos sociais que determinam os grupos-alvo. Acrescentam que tal proximidade leva à suposição de que o que nos dias atuais tem sido intitulado bullying é um fenômeno há muito conhecido pela humanidade, mas que recebeu nova nomeação pela ciência pragmática que se ilude ao tentar dominá-lo via aconselhamentos e classificação. Como disse uma das alunas, “[...] o preconceito é um dos maiores problemas da sociedade [...] pode acontecer preconceito com toda a população, não importa se é branco ou preto, importa o que você é, não o que os outros pensam ou que dizem a respeito de você”. 10259 Nesse sentido, ainda que nossa constituição enquanto indivíduo aconteça por intermédio do outro, atitudes pensadas em relação a nós mesmos e em relação ao outro não deixam de ser um meio de combatermos esse tipo de violência. Somando-se a isso, por mais que tenhamos esclarecido aos alunos sobre o fato de que somos diferentes, ainda que a sociedade, por intermédio da indústria cultural, fomente a homogeneização em vez da diversidade, há o entendimento da luta pela igualdade, como exemplificado por três estudantes: “Que todos somos iguais embaixo da terra”; “Sim, falar sobre que todos somos iguais é bem interessante e importante porque viver sem preconceito”; “O racismo, para mostrarmos que somos todos iguais”. Talvez a defesa pela igualdade possa ser explicada pelo fato de que temos que lutar pelos nossos direitos em meio a atitudes que alimentam a exclusão, a discriminação e o preconceito, e, obviamente, não negligenciarmos nossos deveres. Algumas considerações A escola – como instituição que faz parte da sociedade – reproduz o que ocorre dentro da totalidade social. Nas observações realizadas em sala de aula, presenciamos em certos momentos falta de limites em termos de disciplina por parte dos estudantes, o que denota o enfraquecimento da figura de autoridade que, decerto, é diferente de autoritarismo. Isto é, as famílias vêm se modificando ao longo do tempo e, na contemporaneidade, os valores já não são mais transmitidos de geração a geração, mas principalmente pelos meios de comunicação de massa, de modo que tal modificação reflete na relação pais-filhos e, por conseguinte, na relação professor-aluno. Sabemos, também, que a questão da avaliação é algo discutível no âmbito educacional e não desconsiderado pela escola. Pois, no Projeto Político Pedagógico (TEIXEIRA, 2014), foi questionada a avaliação classificatória, onde o aluno é registrado de modo definitivo em inferior, médio e superior por meio das notas. Contudo, a hierarquia oficial que diz respeito às notas, ao desempenho, ao intelecto fez-se presente na escola. E, tendo em vista a finalidade deste artigo, destacamos os aspectos que merecem relevância nas observações realizadas em sala de aula: o professor trouxe elementos fecundos em relação à diferença e à diversidade, ao exemplificar que nesta sociedade as pessoas são individualistas e não focam no bem comum; o processo de formação denotou ser mais abrangente que a mera informação por meio do facebook, do consumismo e da indiferença em 10260 relação ao outro; a importância dos movimentos sociais como meio de combater a exclusão, a discriminação; e condições de desigualdades entre ensino público e ensino particular. Quanto às oficinas filosóficas, salientamos que as discussões foram ricas e que foi possível recriarmos os conceitos encontrados, nos termos de Gallo (2013), com vistas à minimização de atitudes preconceituosas em diferentes espaços sociais, como na família, na escola e na sociedade. Quanto ao feedback das avaliações desses encontros, podemos dizer que a dinâmica utilizada propiciou espaços para discussões, reflexões e trocas de experiências. Os alunos entenderam que o tema do preconceito é complexo, abrangente e suscita discussões. Se o preconceito, que se aproximou ao bullying, implicou um tipo de violência que provoca sofrimento no indivíduo, torna-se necessário refletirmos sobre nossas atitudes, pois atitudes preconceituosas geram discriminação, desigualdade e exclusão entre as pessoas. Diante do exposto, podemos dizer que não somente as observações realizadas em sala de aula, como também as “oficinas de conceitos” denotaram ser apropriadas quando trabalhamos o conceito de preconceito nas disciplinas de Filosofia e Sociologia com estudantes do ensino médio. Como disse um dos alunos: “[...] conseguimos discutir sobre o tema e analisar o ponto de vista de cada um”. Assim, por meio do particular nossa sociedade (que é constituída por indivíduos), é desvelada, isto é, fomenta o preconceito, mas ela mesma possui elementos que possam combater esse tipo de barbárie em relação ao outro. O tema do preconceito, enfim, recai sobre o tema da educação inclusiva notadamente em relação aos alunos com deficiência. Os elaboradores do Projeto Político Pedagógico da instituição, segundo Teixeira (2014), foram claros em afirmar que a educação inclusiva é contemplada em parte. Disseram que possuem assessoria técnica, como professores e intérpretes, além de a escola contar com uma sala multifuncional, mas faltam mobiliários adequados e investimentos nas capacitações continuadas para o corpo docente e administrativo para atender com qualidade os alunos. Informaram que os educadores são conscientes de que a inclusão ocorre dentro da instituição escolar, isto é, os alunos têm acesso, porém a permanência fica comprometida devido à falta de investimentos e de políticas públicas conforme os objetivos previstos em lei. REFERÊNCIAS ADORNO, T. W. A filosofia e os professores. In: ______. Educação e emancipação. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. p. 51-73. 10261 ANTUNES, D. C.; ZUIN, A. A. S. Do bullying ao preconceito: os desafios da barbárie à educação. Psicol. Soc., Porto Alegre, v. 20, n. 1, p. 33-42, 2008. CROCHÍK, J. L. Preconceito, indivíduo e cultura. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006. CROCHÍK, J. L. et al. Inclusão e discriminação na educação escolar. Campinas: Alínea, 2013. GALLO, S. Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas: Papirus, 2013. HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução de Guido Antonio de Almeida. 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