Movimentos Sociais: questões de gênero e educação na

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Movimentos Sociais: questões de gênero e educação na
Experiência do MST
Djacira Maria de Oliveira Araujo1
As relações de gênero decorrem de mudanças nas relações
pessoais e embora as mudanças nas relações de poder
influenciam mudanças de comportamento ela não é decisiva
na construção de novas relações de gênero. Essas mudanças
só ocorrerão se estiverem pautadas enquanto proposta de
revolução dentro da revolução, porque a opressão de gênero
não é um simples fenômeno capitalista. A mudança das
relações sociais exige uma renovação dos valores, da cultura,
e das relações humanas. (MST, 2003, p. 90)
Ao problematizar os desafios dos movimentos sociais na perspectiva de fortalecer e
valorar novas práticas educativas e formativas nas relações de gênero faz-se necessário
trazer junto a reflexão da questão histórica das desigualdades sociais e políticas e como os
movimentos sociais vem enfrentando essas questões.
As relações sociais de gênero, classe e etnias, tem por fundamento a estrutura que
se desenvolve a partir da forma como a sociedade organiza e controla a produção e a
reprodução da existência. É a partir das bases materiais que a sociedade, em cada época,
organiza as suas instituições para dar conta de reproduzir e manter o equilíbrio de
determinadas configurações econômicas, políticas e ordens sociais e de poder. Entre estas
instituições se inserem a educação, vista aqui em uma perspectiva mais ampla do que os
complexos sistemas escolares.
Existem diversas formas de se interpretar o poder: o poder econômico, o poder
político, o poder do conhecimento e o poder da comunicação, que são as formas mais
visíveis de seu exercício. Porém estes espaços e instrumentos de poder estão interligados
no complexo sistema da sociedade e do qual também faz parte a educação. E nesta
perspectiva que devemos buscar entender a natureza e concepção das práticas educativas
para então inquerir e perceber o papel que os movimentos sociais estão expressando nas
suas ações pedagógicas.
As sociedades patriarcais e classistas vêm expressando relações de poder que se
1
Militante do MST, mestre em educação pela Universidade Federal da Bahia e Coordenadora
Pedagógica da Escola Nacional Florestan Fernandes em Guararema – SP.
caracterizam como desigualdade, opressão e exploração de alguns grupos sobre outros.
Entretanto, a sociedade não é estática, ela está em constante movimento produzido pelas
contradições inerentes à forma organização e controle das forças produtivas e seu
complexo sistema de relações sociais.
Neste sentido, trago presente as contribuições de Mészáros (2005) quando afirma
que compreender como a sociedade organiza o trabalho é a condição para entender
à
educação. O autor observa que o complexo sistema de divisão social do trabalho incide nos
sistemas de transmissão, reprodução e produção de conhecimentos. Nessa mesma
perspectiva Safiotti (1976) observa que o controle e regulação dos processos produtivos e
reprodutivos é determinante do nível de participação socioeconômica e política. O que a
leva afirmar que a condição de inferioridade numérica das mulheres em setores
estratégicos da produção e nas instâncias decisórias da sociedade, e das suas organizações
sociais e sindicais, diminui o seu poder de negociação das condições de trabalho, ao
mesmo tempo em que reduz a força de pressão da categoria e da classe como um todo.
Assim, na perspectiva desta análise, deve-se olhar para os processos educativos buscando
entender como neles se reproduz o complexo sistema de relações sociais e de trabalho e
como ele expressa a definição dos papeis e funções sociais entre os sexos e quais
contradições apresentam.
Considerando que a divisão social e sexual do trabalho é a base da reprodução das
relações de gênero, e que a cultura influencia na perpetuação das relações poder entre
classes, e entre gênero e etnias; é que situamos a nossa reflexão para então buscar
compreender como se insere a educação, sendo que esta tanto pode se constituir enquanto
espaços de reproduzir o modelo social quanto pode contribuir para as transformações na
perspectiva nova formação social.
Ao tratar das questões da educação de gênero na perspectiva dos movimentos
sociais, há que se tomar em conta que existem dois elementos basilares da fundamentação
das relações sociais, quais sejam: a divisão social e sexual do trabalho e a cultura que se
reproduz e justifica o sistema socioeconômico e político. Portanto, há que buscar entender
como estão se dando essas divisões nas relações cultivadas nas práticas educativas destes
movimentos sociais e da sociedade como um todo.
Partindo do desafio de dialogar, ainda que de modo breve, sobre abordagens e ações
dos movimentos sociais a respeito da questão da interface gênero e educação, trago aqui a
experiência do MST. Para esse movimento a discussão de gênero estar norteada como um
elemento estratégico de mudanças sociais necessárias à reformulação social que o mesmo
almeja alcançar. “Desde a criação do Movimento Sem Terra em 1984, existe a discussão
sobre como envolver toda a família no processo da luta pela terra. Homens, mulheres
jovens, idosos e crianças são todos e todas protagonistas de sua própria história” (MST,
2013 p. 93).
O Movimento Sem Terra, na sua dinâmica histórica de luta e organização, entende
que as mulheres e crianças são as principais vítimas da expropriação, exploração e
violência que tem se dado nas formações sociais. Neste sentido é que a questão de gênero
nas relações entre o feminino e o masculino tem ocupado o espaço central nas discussões e
trabalhos do setor de gênero do MST. Para esse movimento, as novas relações sociais
devem buscar a construção do novo homem e a nova mulher enquanto sujeitos com valores
humanistas, democráticos e solidários. Contudo, esse é um debate que tem ganhado força
apenas em algumas instâncias e coletivos, necessitando enraizar-se para ser assumido por
todos os partícipes do movimento. Isso se deve a próprias contradições internas. Nos
setores de maior presença masculina, é maior o desafio da politização do tema gênero.
É com estas preocupações que o MST tem buscado constituir espaços, fóruns,
documentos, lutas sociais, e vivências que apontem para esta construção. Mesmo que tais
iniciativas e debates ainda sejam vistos como incipientes frente aos objetivos que se
pretende alcançar, A organização de um setor interno que fomenta o debate sobre a
organizações de grupos de mulheres, reuniões de casais, seminários, palestras, definição de
linhas políticas sobre gênero, e o trabalho educativo voltado à inserção social da mulher
enquanto ser ativo,
O MST, como qualquer outra organização, não é uma ilha isolada da sociedade, ele
influencia e sofre influências desta sociedade, numa luta constante pela superação das suas
contradições. Por isso, é natural que no movimento também estejam presentes problemas
de relações de gênero. E, são justamente essas contradições internas que vêm desafiando o
MST, nas suas práticas educativas e escolares, a realizar trabalho no sentido de avançar na
construção de uma consciência de gênero no conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras
sem terra, em busca da construção de novas relações entre os homens e mulheres.
A escola também é lugar de viver e refletir sobre uma nova ética: (…) Nos
processos de transformação em que estamos envolvidos, um dos grandes desafios
tem sido romper com os valores da velha sociedade e construir valores pessoais,
coerentes com os processos de luta coletiva. Nossa tendência é repetir os vícios
que calçaram nossa personalidade até agora, tais como o individualismo, o
autoritarismo, a autossuficiência, ou a obediência cega, o machismo, o racismo,
etc. (MST, 2005, p.48)
O MST entende que a educação deve contribuir para a formação da criança, do
novo camponês e da nova comunidade que é um assentamento ou acampamento de
famílias sem terra. E, ao tratarmos da educação no sentido mais amplo, entendemos que o
próprio MST é uma escola, no sentido de que ele está impulsionando uma dinâmica de
transformação e construção de uma nova realidade no campo.
Neste movimento, a preocupação em trabalhar pela superação das desigualdades de
gênero e pela valorização e ampliação da participação da mulher foi explicitada a partir de
1985, durante o seu I Congresso Nacional, no qual trinta por cento dos representantes eram
mulheres. Neste congresso foram aprovadas as normas gerais do MST, nas quais se
incluem normas a respeito da participação feminina. No documento Normas Gerais,
capítulo VIII, torna explicita a intencionalidade do Movimento dos Sem Terra de buscar
garantir a participação das mulheres em todos os níveis de atuação nas instâncias de poder,
e de representatividade, contudo, somente a partir de 1990 a discussão sobre gênero
começa a ser incorporada pelo MST.
Em 1995 o movimento reafirmou a necessidade de implantar suas linhas políticas
na questão de gênero, e então realizou seu primeiro Encontro Nacional de Mulheres SemTerra. Em 1997 define pela organização os coletivos nacionais e estaduais de gênero e o
debate do tema se propaga em diversos espaços do movimento.
Em 1999 o MST realiza o II Encontro Nacional de Mulheres, onde reelabora e
propõe linhas de ação para o coletivo de gênero, as quais foram aprovadas pela
coordenação nacional no mesmo ano. Em 2000 o MST realiza seu 4º congresso, onde
define como tarefa ampliar em todos os espaços o debate sobre gênero e o fortalecimento
da organicidade do setor e do conjunto do movimento. A partir deste período, o debate e
organicidade do setor de gênero e das políticas educativas e formativas sobre este temática
ganham força no interior do movimento.
No sexto congresso, realizado em fevereiro de 2014, o debate do tema torna-se
prioritário. Este evento é realizado com a participação de quinze mil delegados
representantes dos diversos estados onde o Movimento está organizado. O congresso
aponta como orientação para ajustes organizativos e formativos em todas as instâncias e
espaços do MST: “ampliar e garantir a participação efetiva das mulheres para além da
representação numérica, mas incorporar a reflexão da temática em todas as instâncias e
setores”. (MST, 2014)
Linhas políticas de Gênero do MST como ação e horizonte educativo
Não é fácil alterar as relações de gênero. É necessário todo um processo de
transformação dos paradigmas da organização social e do comportamento humano, o que
pode ser muito demorado. É preciso ter em conta que essas transformações devem
perpassar o conjunto dos espaços de vida social, especificamente o âmbito doméstico, as
estruturas educacionais, as esferas da comunicação e as relações sociais nas quais as novas
gerações estão se educando.
Por outro lado, os espaços de vivências que são criados pelo movimento social
tornam-se espaços de sociabilidades, nos quais podem exercitar novas práticas e ações
educativas ou, ao contrário, se tornarem espaços de conservação das velhas relações sociais
da sociedade classista e patriarcal. Por isso, é importante considerar que na experiência do
MST foram as próprias contradições que impulsionaram o debate das questões da luta pela
terra, das relações sociais como um todo, do método organizativo, e das suas proposta de
reforma agrária. Pois as contradições existentes se expressam em desigualdades e impõemse como exigências novas sociabilidades, na perspectiva dos objetivos que o movimento
almeja alcançar: a luta pela terra, a reforma agrária e a transformação social.
O MST assumir a existência de problemas da opressão das mulheres e vem
buscando desenvolver intencionalidades pedagógicas nas quais se incorporam a dimensão
do educar as novas gerações para novas relações sociais. Contudo, cabe ressaltar que a
consciência da opressão de gênero e o debate no interior do movimento foi resultado de
tensões e conflitos, os quais revelam, sobretudo, o protagonismo das mulheres. Pois são
elas quem vão se dando conta da necessidade de impulsionar o debate e ao mesmo tempo
pautar o reconhecimento de seus direitos, demandando novas formas de tratamento e
comportamento na produção da vida social, cultural e política nos assentamentos, nas
instâncias, nas ações e no cotidiano do movimento e da sociedade brasileira.
A experiência de construção do MST se faz a partir da luta pela terra e do
assentamento das famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra. E, é a partir da
conquista da terra que as preocupações das famílias se deslocam para a organização do
trabalho e da produção, visando o atendimento às necessidades vitais. Com isso, passam a
estabelecer formas de organizar a vida e o trabalho nos territórios conquistados. E é a
forma de organização da produção que irá influenciar nas outras dimensões do viver, na
divisão social e sexual do trabalho e nas relações sociais delas resultantes.
No MST a organização do trabalho se diferencia de acordo com a formação cultural
e política de cada comunidade assentada. Contudo, a partir das experiências, o movimento
vem observando que, culturalmente, persistem relações desiguais entre os gêneros.
Geralmente, serão os homens a assumir a vida econômica da família e a vida coletiva dos
assentados, enquanto as mulheres têm uma participação inferior e marginalizada. Esse
fator, somado a sintomática falta de organização das mulheres, irá dificultar a sua
participação. Partindo desta compreensão, entende-se que, tanto no cotidiano quanto na
macroestrutura da sociedade, há uma opressão sobre as mulheres. Diante disso, é que o
coletivo de mulheres sem terra passou a demandar a definição das linhas políticas de
gênero para o conjunto da organização.
Um aspecto que contribuiu para fortalecimento da compreensão da necessidade de
avançar no trabalho educativo sobre gênero é o fato de que no bojo da luta pela reforma
agrária os e as Sem Terra vão entendendo que as dificuldades políticas e econômicas a cada
dia assume proporções maiores, exigindo força maior do movimento. Isso vai explicitar a
necessidade de uma maior articulação das forças internas do próprio movimento, inclusive
da participação feminina. A compreensão dos problemas comuns de luta e a consciência da
correlação de forças desfavoráveis exigem uma articulação entre todos: homens, mulheres,
jovens e crianças.
Outro elemento que incide sobre a necessidade de enfrentar os problemas referentes
às relações de gênero é a influência de outras organizações com as quais o Movimento se
articula. A Via Campesina, por exemplo, que tem por definição que toda a rede de
organizações a ela vinculadas garanta uma participação equitativa entre homens e
mulheres. Essa orientação externa impulsionou a organização interna do movimento na
perspectiva de ampliar a participação das mulheres e, consequentemente, novas práticas
formativas e educativas e novos comportamentos irão fazer parte das vivências e lutas do
MST. Com isso vai se elevando a percepção de que as mudanças na sociedade exigem a
mudança de valores e atitudes dos homens e mulheres para vivenciarem novas relações.
Desse modo há uma elaboração e uma intencionalidade nas linhas políticas do MST,
quando entende que não basta ter vontade de mudar, mas percebe que para isso
é
necessário reconstituir as formas de organização do trabalho, dos espaços escolares, da
organização familiar, e das instâncias de direção e representação política para que se
possibilite a participação ativa de todos, e o reconhecimento e valorização das capacidades
femininas, bem como a distribuição das responsabilidades políticas, e benefícios sociais e
econômicos.
Partindo destes fatores, o MST, através de seu coletivo de gênero, buscou a
conscientização sobre os direitos das mulheres e a necessidade de ampliar a representação
feminina em todos os espaços e instâncias. Com isso passou-se a desenvolver diversas
ações e lutas para conquistas de direitos das mulheres trabalhadoras do Campo, tais como:
direitos à previdência social, à terra, à saúde e à educação, etc.
Essas ações foram
pedagógicas para todos os seus membros e, sobretudo, para as mulheres. Como diz o MST
“a luta educa”.
Os processos de organização, os métodos de discussão, reflexão elaboração e ações
realizadas pelos movimentos sociais são ricos em aprendizados teóricos, políticos e
metodológicos, os quais levam a uma maior sensibilização e politização sobre os
problemas de gênero. As mulheres são as principais propulsoras das discussões e das
mudanças que vão se desenvolvendo. Assim vai se construindo linhas de ação e
instrumentos que possibilitem avanços e fortaleçam novas relações de gênero. Neste
sentido é que se vislumbrou a importância de criar novas práticas na forma de organização
dos assentamentos, nos espaços de reuniões, no espaço doméstico e nos espaços escolares,
com vista a retomar o caráter social das atividades que na sociedade são impostas como
tarefas das mulheres. Ou seja, aquelas relacionadas ao trabalho doméstico e o cuidado das
crianças. A preocupação inicial era permitir maior liberação das mães para participarem de
outras atividades na comunidade e proporcionar às crianças formas de
sociabilidades.
Com isso surgiu a organização das cirandas infantis, espaços educativos que devem ser
garantidos em todas as atividades e espaços do MST em que homens, mulheres e
crianças participam. Posteriormente, ganha força o debate sobre a infância e o direito das
crianças do campo à educação infantil, garantida na lei. Dessa necessidade, amplia-se o
olhar sobre o papel da escola nos assentamentos e acampamentos dos sem terra:
Que a escola seja também um espaço de exercício prático dos valores que
caracterizam o novo homem, a nova mulher, a nova sociedade. (…) Tudo isso e
muito mais precisa começar a ser desenvolvido nas crianças desde cedo. E nos
adultos desde que possível. A escola precisa criar mecanismos de observação e de
avaliação entre as próprias crianças para que os conhecimentos viciados sejam
punidos e a nova ética seja estimulada dentro do próprio coletivo. E os professores
não podem esquecer que o exemplo pessoal vale mais do que todos os sermões ou
discursos que possa fazer... (MST 2005, p. 70)
Posteriormente também se aprofunda o debate sobre a infância no MST, em que o
foco se fixa no que se compreende como infância, como as crianças se educa, e se
relaciona em família, na sociedade e no MST. Outra questão levantada é da necessidade de
mudanças nas formas representativas do Movimento de modo a garantir a ampliação da
participação das mulheres. Em 2004 foi definida a linha política do critério de equidade de
participação entre homens e mulheres, definindo pela representação de um coordenador e
uma coordenadora em todas as instâncias. Tal definição também refere-se ao setor de
gênero, o qual ainda era percebido como um espaço de mulheres, sendo que este um setor
que os homens resistem participar.
A definição reflete a necessidade de novos comportamentos e nova ética, bem como
a necessidade de organizar espaços nos quais os homens irão se educando com a presença
das mulheres; e naqueles espaços de domínio masculino, que as mulheres possam ir
adentrando, superando os limites de participação, de representação e de valorização de suas
capacidades.
Também foi definido como linhas de ação para o setor do gênero: “garantir que o
cadastro e o documento de concessão do uso da terra seja em nome do homem e da
mulher; e a participação da mulher em todas as etapas do processos produtivos das áreas de
assentamento, ou seja, que elas estejam participando do planejamento da produção, da
comercialização e do consumo. Para tanto, deve se assegurar que as mulheres possam ser
sócias e dirigentes das cooperativas e associações. Assim, o MST, para avançar nas
intencionalidades propostas deve construir espaços de formação, capacitação e ações
políticas nas quais se garanta o critério de participação equitativa de homens e mulheres.
A participação política igualitária entre homens e mulheres é um dos elementos que
expressa níveis e formas de poder. No entanto, no MST se entende que há outros fatores,
quais sejam os condicionamentos existentes nas relações econômicas e de trabalho. Isto
quer dizer que as relações entre os proprietários e não proprietários; entre quem trabalha e
quem não trabalha; entre quem participa e quem não participa, de quem tem condições
econômicas e tempo para participar. Por isso é necessário recriar o modo de organizar a
vida para abrir possibilidades para que as mulheres participem e se façam representar; é
preciso reeducar os homens e a sociedade para irem se responsabilizando pela educação
das crianças e não jogar a total responsabilidade sobre as mulheres; é necessário repensar
os papeis sociais que homens e mulheres estão desenvolvendo e a importância e construir
outros valores.
Desafios que exigem a ação permanente para novas práticas educacionais nas
relações de gênero.
Na sociedade de classe existe uma ordem de valores culturais e ideológicos nas
relações entre classes e entre gêneros que se adentram nos espaços políticos e sociais,
como a família, escola, trabalho e demais outros espaços sociais. Essa ordem de valores
deu forma a uma exclusão social, tanto quantitativa quanto qualitativa, nas relações
humanas. É o que podemos nominar de moral e valores burgueses. Essa moral tem
expressado uma cultura de discriminação e de desrespeito ao ser humano, principalmente a
mulher, que é constantemente tratada como objeto de exploração, venda e consumo. Para
romper com esse modelo, faz-se necessário mudar o modo de conceber a sociedade e o
pensamento que se elabora sobre ela e sobre as pessoas e procurar desenvolver novas
sociabilidades.
Avançar na construção de novas relações de gênero é uma tarefa que exige um
cuidado e atenção permanente. Nas lutas dos movimentos sociais é preciso enxergar com
nitidez o papel que homens e mulheres estão assumindo, analisando para onde essas
relações estão apontando, se almejam superar as desigualdades de classe, gênero, etnias,
entre outras.
Dessa maneira, a concepção que norteará as ações dos movimentos sociais é o
projeto político, cultural, econômico que deve orientar os pressupostos educativos e
metodológicos das suas práticas pedagógica. Responder qual o projeto de sociedade, qual a
concepção de educação e quais são os valores são parte da nossa formação do novo
camponês, do novo trabalhador e sujeito político. É essencial, para responder o que é mais
importante: que as crianças aprendam quais valores e comportamentos estão se produzindo
ou se reproduzindo nos processos educativos; e qual o modo de vida que se busca alcançar.
E isso não é tarefa apenas dos educadores. E sim de todos os que almejam mudanças na
natureza da sociedade, de todos e todas que estão vivendo sobre condições de opressão,
violência, discriminação e exploração econômica. Por isso, cabe aos movimentos e
militantes sociais incorporarem e construírem esse novo projeto societário; e isso é um
grande desafio.
As desigualdades de gênero começam nas famílias, são reforçadas nas escolas,
religiões, meios de comunicação que cotidianamente alimenta o machismo
através de propagandas que sujeitam a mulher a mero objeto de desejo e
consumo. Uma das expressões e também consequência deste padrão de gênero
desigual é o próprio trabalho socialmente necessário (cozinhar, limpar a casa,
lavar roupa, cuidar das crianças e idosos, cultivar a horta, cuidar de pequenos
animais, buscar água, etc.). (...) considerado como trabalho invisível, geralmente
realizado pelas mulheres e não considerado como trabalho porque não está
diretamente vinculado à geração de lucro e renda, mas sim à subsistência e
manutenção da família. (MST, 2013, p.93)
O MST entende que é necessário socializar as tarefas domésticas, criar espaços
coletivos para educar as crianças para novas relações; democratizar os processos de gestão,
os espaços de participação política e, reconhece ainda que é no cotidiano da família que
também deve se buscar superar os preconceitos e discriminação das meninas. Tem clareza
da importância de elaborar intencionalidades e de criar métodos e processos organizativos
nos seus territórios de modo a propiciar vivências em que os homens e as mulheres possam
estar participando de novas sociabilidades.
Para o MST a desigualdade de gênero é uma construção social, pautada em escala
de valores que tornam as pessoas vítimas da exploração e da opressão. E a sociedade
socialista que está no seu horizonte prescinde eliminar as formas de opressão, exploração e
desigualdade. Desse modo, este movimento reafirma a premissa marxista de que a luta
contra a opressão das mulheres se coloca como estratégia da emancipação humana, em que
a medida do grau de civilização da sociedade se expressa no nível de emancipação da
mulher.
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Petrópolis: Vozes, 1976.
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