A crítica wittgensteiniana à teoria da identidade de Ramsey

Propaganda
A crítica wittgensteiniana
à teoria da identidade de Ramsey
Anderson Luis Nakano
Doutorando em Filosofia pela
UFSCar. Bolsista FAPESP
andersonnakano@
gmail.com
Palavras-chave
Ramsey, Wittgenstein, logicismo, identidade, funções em
extensão.
Resumo
Ramsey foi certamente o primeiro a mourejar, do ponto de vista
técnico, nas consequências da eliminação, feita pelo Tractatus de
Wittgenstein, do sinal de identidade enquanto uma função proposicional legítima. No plano da aritmética cardinal dos Principia Mathematica, as consequências desta eliminação eram devastadoras e
minavam o projeto logicista como um todo. Por outro lado, Ramsey acreditava que a teoria do Tractatus, segundo a qual o método
propriamente matemático consiste em trabalhar com equações,
encontrava dificuldades insuperáveis. Em face destas dificuldades,
Ramsey procurou defender, contra Wittgenstein, uma posição logicista segundo a qual as equações corretas da aritmética podem ser
concebidas como tautologias (e as incorretas como contradições).
Para isto, Ramsey procurou legitimar uma outra definição do sinal
de identidade, que não estivesse exposta às mesmas críticas que
Wittgenstein fizera à tentativa de Russell de defini-lo a partir do
princípio leibniziano de identidade dos indiscerníveis. Para isto,
Ramsey introduz a noção de “função em extensão”, a qual serviria
como uma ferramenta para extensionalizar a lógica, possibilitando
um cálculo lógico de extensões. Neste contexto, o presente trabalho procura elucidar, em um primeiro momento, os detalhes deste
movimento apresentado sucintamente neste resumo e, posteriormente, os argumentos que Wittgenstein move contra Ramsey, em
particular a denúncia de circularidade que o filósofo austríaco faz à
definição de Ramsey da identidade.
Ramsey foi certamente o primeiro a mourejar, do ponto de vista
técnico, nas consequências da eliminação, feita pelo Tractatus de
Wittgenstein, do sinal de identidade enquanto uma função proposicional legítima. O trabalho de Ramsey, neste âmbito, dividiu-se em
duas frentes. Na primeira delas, Ramsey dedicou-se ao problema
da tradução dos enunciados dos Principia Mathematica de Russell,
em particular dos que faziam uso do sinal de identidade, para uma
linguagem que fazia uso da convenção tractariana de exprimir a
identidade entre objetos ou variáveis por meio da identidade do
sinal que representava estes objetos ou variáveis1. Na segunda, Ramsey investigou os efeitos destrutivos da eliminação da identidade
para a aritmética baseada, tal como nos Principia Mathematica
de Russell, em uma teoria intensional das classes. A consequência
mais imediata da eliminação do sinal de identidade é o fato de que
nenhuma descrição (dada por uma função proposicional, por uma
função material) pode ela própria garantir que ela é satisfeita por
31
1 Cf., em particular, Frank Plumpton Ramsey: Identity, em: Maria Carla Galavotti (ed.):
Notes on Philosophy, Probability and Mathematics, Napoli: Bibliopolis, 1991, pp. 155–69.
Anais do seminário dos
estudantes de pós-graduação
em filosofia da UFSCar
2014
10a edição
ISSN (Digital): 2358-7334
ISSN (CD-ROM): 2177-0417
pelo menos um objeto ou por exatamente um objeto ou ainda por
uma lista previamente dada de objetos. Por mais que se tente individuar um objeto por meio de uma descrição, nunca há garantias
suficientes, a partir da própria descrição, de que é esse objeto, e
apenas esse, que a satisfaz. Assim, dois objetos podem ter todas as
propriedades em comum, e ainda assim serem diferentes. Não que
a definição do sinal “=” de Russell2 seja inaceitável: na qualidade
de definição de um sinal, ela é irreprochável. No entanto, ela não
fornece aquilo que usualmente se chama de “identidade” de um
objeto, pois a proposição a = b, neste caso, pode muito bem ser
verdadeira e ainda assim o objeto a ser distinto do objeto b. No
plano da aritmética cardinal dos Principia Mathematica de Russell,
as consequências eram devastadoras: não há nenhuma garantia
de existir uma função proposicional satisfeita por, digamos, dois
objetos (o mesmo vale para três, quatro, etc.). Nesse sentido, ao se
definir o número 2, ao modo de Russell, como a classe de todos os
pares, o 3 como a classe de todos os trios, etc., não há nenhuma
garantia lógica de que estes números sejam distintos, já que ambas
classes podem muito bem ser vazias.
Por outro lado, Ramsey acreditava que a teoria do Tractatus, segundo a qual o método propriamente matemático consiste em trabalhar com equações3, encontrava dificuldades insuperáveis4. Em
face destas dificuldades, Ramsey procurou defender, contra Wittgenstein, que as equações corretas da aritmética podem ser concebidas como tautologias (e as incorretas como contradições), no sentido preciso que tais termos assumem no Tractatus. Que tautologias
e contradições seriam estas que cumpririam o papel de equações
e inequações? É bem conhecido o fato de que Ramsey introduz,
em sua obra Os Fundamentos da Matemática, um sinal para expressar a identidade entre dois objetos, um sinal que não estivesse
exposto às mesmas críticas que Wittgenstein fizera à tentativa de
Russell de defini-lo a partir do princípio leibniziano de identidade
dos indiscerníveis. A despeito disso, Ramsey não poderia tratar as
equações como simples identidades, já que números não são, pace
Frege, objetos. Seria preciso que ele traduzisse as equações para o
simbolismo da lógica (utilizando, neste processo, a forma mais geral da aplicação da equação), o que ia, é claro, ao encontro de sua
tentativa de vindicar o projeto logicista. Considere dois exemplos:
i) a equação 3 + 4 = 7 e ii) a inequação 3 ≥ 2. As tautologias correspondentes seriam dadas por:
i) xˆ(φx) ∈ 3 · xˆ(ψx) ∈ 4 · ¬(∃x)φx · ψx· ⊃φψ · xˆ(φx ∨ ψx) ∈ 7
(Se há exatamente 3 objetos que são φ e há exatamente 3 objetos
que são ψ e não há nenhum objeto que seja φ e ψ, então, para
toda função φ e ψ, há exatamente 7 objetos que são φ ou ψ).
ii) (∃3 x)φx ⊃φ (∃2 x)φx
(Se uma função φ é satisfeita por 3 objetos, então ela é satisfeita
por 2 objetos)
32
2 (a = b) = (f )f a ≡ f b Def.
3 Cf. Tractatus, aforismo 6.2341.
4 Cf. Ramsey: The Foundations of Mathematics and other Logical Essays, pp. 17-8.
Anais do seminário dos
estudantes de pós-graduação
em filosofia da UFSCar
2014
10a edição
ISSN (Digital): 2358-7334
ISSN (CD-ROM): 2177-0417
Considere, agora, i) a equação falsa 3 + 4 = 8 e ii) a inequação falsa 2 ≥ 3. Elas corresponderiam, na tradução proposta, às seguintes
proposições:
i) xˆ(φx) ∈ 3 · xˆ(ψx) ∈ 4 · ¬(∃x)φx · ψx· ⊃φψ · xˆ(φx ∨ ψx) ∈ 8
(Se há exatamente 3 objetos que são φ e há exatamente 3 objetos
que são ψ e não há nenhum objeto que seja φ e ψ, então, para
toda função φ e ψ, há exatamente 8 objetos que são φ ou ψ).
ii) (∃2 x)φx ⊃φ (∃3 x)φx
(Se uma função φ é satisfeita por 2 objetos, então ela é satisfeita
por 3 objetos)
No entanto, se as variáveis denotadas por “φ” e “ψ” percorrem
apenas funções materiais, então é evidente que as proposições acima não são contradições, e sim proposições com sentido. Para que
a primeira fosse verdadeira, bastaria que o lado esquerdo da implicação material fosse sempre falso, o que ocorre, p. ex., se não há
nenhum conceito material sob o qual caem exatamente 3 objetos.
O mesmo raciocínio se aplica à segunda proposição: se não há nenhum conceito sob o qual caem dois objetos, a proposição é verdadeira. Mas, ora, se é assim, então, em termos gerais, a equação a +
b = c é compatível com a equação a + b = c + 1, e a inequação m ≥
n é compatível com a inequação m < n. Consequentemente, m < n
não pode ser a negação de m ≥ n e toda tentativa de aplicar a lógica na matemática levaria a resultados indesejados. Com isso, ía por
água abaixo toda a tentativa de tratar equações verdadeiras como
tautologias e falsas como contradições.
A conclusão de Ramsey é que não é possível dar conta da matemática via lógica sem funções do tipo ξ = a v ξ = b. É claro que, se
o sinal de identidade é permitido, então para cada extensão há um
conceito correspondente (i.e., para cada lista de objetos, há uma
descrição que é satisfeita por estes, e apenas por estes, objetos), e
as equações falsas acima se tornam, portanto, contradições. Em um
outro escrito, Ramsey chama estas funções de “propriedades formais’’, em contraste com as “propriedades reais” que são dadas por
conceitos materiais5. Na concepção de Ramsey, era absolutamente
imprescindível considerar propriedades formais no mesmo nível de
propriedades materiais, sob pena de deixar a verdade das proposições matemáticas – transvestidas em sua tradução lógica – depender de fatos contingentes.
É importante caracterizar este debate sobre a natureza da extensão
como um debate entre uma teoria “logicista” e uma teoria “anti-logicista”. O tratamento da extensão via conceito é essencialmente
logicista, e é por isso que a eliminação da identidade põe diversos
problemas para o logicismo. Ramsey concordava que nem toda
classe era definida por um conceito material, mas isto levava à
impossibilidade de tratar a matemática via lógica. É por isso que
Ramsey procurará fundamentar de outro modo a noção de um conceito formal (com o uso da identidade), afim de que se dispusesse
33
5 Cf. idem: Identity, p. 187.
Anais do seminário dos
estudantes de pós-graduação
em filosofia da UFSCar
2014
10a edição
ISSN (Digital): 2358-7334
ISSN (CD-ROM): 2177-0417
de um aparato suficiente para prover uma “lógica extensional”.
Que a matemática seja essencialmente extensional, na concepção
de Ramsey, isto era o resultado do fato que as relações e conceitos de que a matemática precisava não eram relações e conceitos
materiais/reais (actual)6. Assim, era preciso “extensionalizar” a
lógica para que ela desse conta desta característica constitutiva da
matemática. Em um certo sentido, Wittgenstein concorda com o
diagnóstico de Ramsey: a matemática trabalha com extensões. É o
passo que Ramsey dá na tentativa de tratar extensões pela lógica
que é condenado7. O fato é que, se a ideia de uma “função em extensão” não é permitida na lógica, o projeto logicista cai por terrra.
É por isso que, consequente com seu objetivo, Ramsey procurará
dar cidadania a esta noção que parece ter uma doppia vita – intensional e extensional. É precisamente a noção de “função em extensão” que aparece, para Ramsey, como uma noção que “completa” o
rol de intensões que os conceitos materiais não são capazes de prover; como uma noção que faz as vezes, na lógica, do “meramente
possível”.
O modo pelo qual Ramsey introduz a noção de “função em extensão” – o único modo, segundo ele, viável – é um abandono da
concepção de “função” tal como concebida por Russell nos Principia Mathematica e por Wittgenstein no Tractatus, no sentido em
que a estrutura de uma proposição que é analisada em termos de
uma função em extensão e seus argumentos deixa de ter qualquer
vínculo com a estrutura da proposição que é valor da função para
aqueles argumentos. No caso de uma função unária, ela resulta,
segundo Ramsey (1931, p. 52, grifo e tradução nossos),
(...) de qualquer relação um-para-muitos em extensão entre
proposições e indivíduos; isto é, uma correlação, praticável ou
impraticável, na qual uma única proposição é associada a cada
indivíduo, sendo este o argumento da função, e a proposição
seu valor.
Assim
φ (Sócrates) pode ser Queen Anne está morta,
φ (Platão) pode ser Einstein é um grande homem;
φˆx sendo simplesmente uma associação arbitrária de proposições φx a indivíduos x.
Uma função em extensão será marcada por um sufixo e, portanto φeˆx.
Ora, como Ramsey adota, em seu sistema de lógica, o Axioma do
Infinito8, uma tal correlação é sempre impossível de ser feita na
prática. Mas isso, segundo Ramsey, pouco importa: embora uma
tal correlação não esteja disponível individualmente, ela sempre
estará incluída nas proposições que quantificam sobre a totalidade
de funções em extensão, e são precisamente estas proposições que
são importantes para a matemática, e não proposições que versam
sobre uma função em extensão particular.
34
6 Cf. Ramsey: The Foundations of Mathematics and other Logical Essays, p. 15.
7 Cf. Juliet Floyd: Wittgenstein on Philosophy of Logic and Mathematics, em: Stewart
Shapiro (ed.): The Oxford Handbook of Philosophy of Logic and Mathematics, Oxford:
Oxford University Press, 2005, p. 105 :“The heart of his unwillingness to follow Ramsey’s
approach to the foundations of mathematics was that he could not see what made the
notion of function-in-extension a logical notion”.
8 Cf. ibid., p. 61.
Anais do seminário dos
estudantes de pós-graduação
em filosofia da UFSCar
2014
10a edição
ISSN (Digital): 2358-7334
ISSN (CD-ROM): 2177-0417
35
A partir da introdução das funções em extensão, a identidade x =
y é definida como (φe ) · φe x ≡ φe y. Esta definição é adequada,
segundo Ramsey, pois quando x e y denotam o mesmo indivíduo, o
definiens se torna uma tautologia, caso contrário ele se torna uma
contradição. Em uma nota de rodapé9, Ramsey nota que a proposição (φ) · φx ≡ φy, por outro lado, também é uma tautologia caso
x e y denotem o mesmo, mas não é, no caso oposto, uma contradição, como também acontecia, como vimos, no caso da tradução
lógica de expressões aritméticas. Munido das funções em extensão,
Ramsey poderia evitar, por conseguinte, este problema e tratar
equações corretas como tautologias e equações incorretas como
contradições, concretizando assim o seu projeto logicista.
Não é de causar espanto o fato de Wittgenstein condenar10 tanto
a definição da identidade de Ramsey quanto a própria ideia de
função em extensão. A função em extensão abandona duas características centrais da noção de função proposicional como concebida pelo Tractatus: i) uma função em extensão não determina
uma forma lógica; ii) uma função em extensão não caracteriza o
sentido da proposição que é valor da função para um determinado
argumento, mas apenas seu “modo de apresentação”. Nesse sentido,
a função em extensão deixa de ter uma relação interna e essencial com o valor da função para um dado argumento, mas passa
apenas a ter uma relação externa e convencional com este valor.
Com efeito, a função em extensão é, na verdade, um dicionário
que correlaciona objetos e proposições, e já não representa, como
a função proposicional legítima, uma característica comum a uma
classe de proposições. Dada uma proposição, digamos, “Sócrates é
ateniense”, é possível inferir a função proposicional que produziu
esta proposição para o argumento “Sócrates”, ao passo que, no
caso da função em extensão, esta inferência não pode ser feita,
já que a função em extensão não possui vínculo algum, a não ser
mediante uma convenção arbitrária, com o valor da função para
um dado argumento. Nesse sentido, ainda que o valor de uma certa
função em extensão φe para o argumento “Sócrates” seja de fato a
proposição “Sócrates é ateniense”, essa correlação não é algo que
se poderia obter a partir da análise da proposição ela própria, mas
é antes o produto de uma convenção simbólica, que já não tem
nenhuma ligação essencial com a estrutura proposicional.
Os argumentos que Wittgenstein move contra Ramsey e sua definição da identidade se encontram espalhados por diversos textos
do período intermediário de seu pensamento, que vão desde uma
carta pessoal ao próprio Ramsey até obras não publicadas como as
Observações Filosóficas e a Gramática Filosófica. Em todas elas há
uma denúncia de círcularidade da definição de Ramsey. Neste curto
texto, iremos nos ater apenas a uma metáfora que Wittgenstein
utiliza, nas Observações Filosóficas, para explicar o seu desconforto
9 Cf. Ramsey: The Foundations of Mathematics and other Logical Essays, p. 53.
10 A primeira crítica à Ramsey ocorre em uma carta de 1927, na qual Wittgenstein aponta para o fato de que a função de Ramsey para a identidade leva a contrassensos, e não
apenas a proposições sem sentido (tautologias e contradições). Cf. Ludwig Wittgenstein:
Wittgenstein in Cambridge: Letters and Documents 1911-1951 , ed. por Brian McGuinness, Malden: Blackwell, 2008, pp. 158-9.
Anais do seminário dos
estudantes de pós-graduação
em filosofia da UFSCar
2014
10a edição
ISSN (Digital): 2358-7334
ISSN (CD-ROM): 2177-0417
com a “teoria da identidade” de Ramsey. A exposição desta metáfora é suficiente, creio, para que se reconheça o penhasco em que tal
tentativa de definição da identidade deve necessariamente cair. Eis
a metáfora (Wittgenstein, 1964, p. 143, tradução nossa):
A teoria da identidade em Ramsey comete o erro que seria
cometido por alguém que dissesse ser possível usar um quadro
também como um espelho, mesmo que somente para uma
única postura. Dizer isso é ignorar que o essencial para um
espelho é justamente que dele se pode inferir a postura do
corpo que está a sua frente, ao passo que, no caso do quadro,
é preciso saber primeiramente que as posturas coincidem antes
de se poder entender o quadro como uma imagem de espelho.
Na metáfora, o espelho representa a noção legítima de função,
enquanto que o quadro usado como espelho representa a noção
de função em extensão, concebida como um dicionário que correlaciona objetos a proposições. Quando Wittgenstein afirma que o
essencial para um espelho é a possibilidade de inferir a postura do
corpo que está na sua frente, ele quer dizer que, para uma função,
é essencial que, dado um argumento para ela, seja possível inferir o
seu valor independentemente de qualquer correlação arbitrária. Se
f(ξ) é uma função legítima e a é seu argumento, o sentido da proposição f(a) não é modo algum determinado pela determinação de
Ramsey11– ou daquele que traçar efetivamente a correlação arbitrária proposta por Ramsey –, mas é simplesmente determinado pela
função e argumento eles próprios. Já no caso da função em extensão, afim de que seja possível utilizá-la como uma função legítima,
é preciso saber de antemão que a correlação foi feita corretamente,
que o valor de f(ξ) para o argumento a seja, de fato, f(a).
Mas Ramsey poderia replicar que não é preciso utilizar funções
em extensão enquanto funções legítimas, mas apenas como um
instrumento para definir a identidade e, com isso, criar as bases
para um cálculo lógico de extensões. Mas seria isto possível? Pois
vamos supor que as funções em extensão não funcionem de modo
análogo a funções legítimas e suponhamos que alguém esteja em
dúvida a respeito da identidade entre dois objetos denotados por a
e b, isto é, se a verdade ou falsidade da proposição “a = b” está sub
judice. A definição proposta por Ramsey fornece supostamente um
critério segundo o qual se poderia decidir a respeito da verdade ou
da falsidade desta proposição. Mas, para isso, seria preciso percorrer a totalidade das funções em extensão para que uma tal questão
fosse decidida. Deixando de lado o problema do infinito – o que
Wittgenstein parece sugerir quando afirma que o problema surgiria
mesmo que o quadro fosse usado como espelho apenas para uma
única postura –, o problema pode ser colocado nos seguintes termos: como as funções em extensão não se comportam como funções legítimas, não basta que o nome da função e seu argumento
36
11 Compare com a crítica que o Tractatus faz, no aforismo 4.431, da teoria fregiana da
negação, utilizando a distinção entre função e índice. É uma característica de um índice
o fato de que não é suficiente conhecer o seu “significado” – se é que ele tem algum
significado – e o significado do nome que o índice acompanha para conhecer o significado do sinal composto do nome e do índice, assim como acontece com as palavras
compostas (p. ex., criado-mudo). É preciso ainda de uma nova determinação arbitrária
para conferir-lhe um significado.
Anais do seminário dos
estudantes de pós-graduação
em filosofia da UFSCar
2014
10a edição
ISSN (Digital): 2358-7334
ISSN (CD-ROM): 2177-0417
37
sejam dados para saber o valor da função para um tal argumento.
É preciso ainda de uma correlação arbitrária que vincula o argumento da função com uma proposição qualquer. Mas como traçar
esta correlação adequadamente sem saber, ex hypothesi, se a é ou
não idêntico a b? Afinal, é preciso saber se os valores da função,
para os argumentos a e b, podem ser distintos, o que acontece
apenas se a não é idêntico a b. Deste modo, malogra toda tentativa
de definir a identidade por meio de funções construídas arbitrariamente pois, na definição da função, cumpriria indicar, para cada
argumento distinto, um único valor para a função; e ao aplicar a
definição a um caso particular, surgiria novamente a questão de
saber se dois objetos são de fato idênticos ou distintos. E assim nos
moveríamos em círculo.
Dado o fracasso de toda e qualquer tentativa de se criar as bases
para uma “lógica extensional”, Wittgenstein será levado a vincular,
nas Observações Filosóficas, a teoria do número cardinal a uma
teoria extensional das classes, desvinculando a primeira de todo e
qualquer aparato lógico/intensional, de toda e qualquer tentativa
de se fornecer a forma mais geral da aplicação do número e das
equações aritméticas. O reconhecimento deste caráter autônomo da
aritmética, no entanto, merece ser considerado em mais pormenores do que este pequeno trabalho nos permite.
Anais do seminário dos
estudantes de pós-graduação
em filosofia da UFSCar
2014
10a edição
ISSN (Digital): 2358-7334
ISSN (CD-ROM): 2177-0417
38
Bibliografia
FLOYD, J. Wittgenstein on Philosophy of Logic and Mathematics,
em: Stewart Shapiro (ed.): The Oxford Handbook of Philosophy of Logic and Mathematics, Oxford: Oxford University
Press, 2005.
RAMSEY, F. P. Identity, em: Maria Carla Galavotti (ed.): Notes on
Philosophy, Probability and Mathematics, Napoli: Bibliopolis,
1991.
______. The Foundations of Mathematics and other Logical Essays.
London: Routledge, 1931.
WITTGENSTEIN, L. Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: Editora Edusp, 1993.
______. Wittgenstein in Cambridge: Letters and Documents 19111951 , ed. por Brian McGuinness, Malden: Blackwell, 2008.
______. Philosophische Bemerkungen, ed. por Rush Rhees, Frankfurt: Suhrkamp, 1964.
Download