Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra Mestrado

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Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Mestrado Integrado em Medicina
Introdução à Medicina I
Introdução
No âmbito da cadeira de Introdução à Medicina, nos dias 3 e 10 de Dezembro de
2010, desloquei-me à ala de psiquiatria do HUC a fim de participar na valência de
Psiquiatria. No primeiro dia, o Dr. Vasco Nogueira fez uma breve descrição do que era
a psiquiatria e explicou-nos como abordar os pacientes e como é que uma consulta
funciona. Posteriormente, o Dr. Vasco distribui-nos pelos tutores. Nesse dia a minha
tutora não estava presente, pelo que acompanhei duas internas no “interrogatório” a um
paciente.
No segundo dia, a minha tutora já estava presente e permaneci no seu
consultório, juntamente com a minha colega Carla e mais 3 raparigas do sexto ano.
Pessoalmente, o primeiro contacto com a tutora não foi do melhor. Contudo, ainda pude
assistir a duas consultas.
Primeiro dia (3/12/10)
Numa primeira parte, o Dr. Vasco explicou-nos que o objectivo destas valências
seria proporcionar ao 1º ano poder contactar com a prática médica: contactar com
doentes, observar de perto a relação médico-doente, e desta forma podermos
desenvolver aptidões de comunicação com os doentes.
Em psiquiatria há um conjunto de regras que se devem seguir de modo a
conseguirmos obter a informação que pretendemos do doente, ao mesmo tempo que o
fazemos sentir à vontade (sem que se quebre a estreita barreira médico-doente).
Nessa comunicação existem por vezes algumas barreiras/problemas que têm que
ser ultrapassados: informação “contaminada” pela própria personalidade do doente, o
que poderá levar a um diagnóstico erróneo; o “não” à vontade durante a consulta; a
presença de algo que possa perturbar o paciente (ex: barulho); entre outros.
Para que haja um feedback cooperativo e verosímil temos que trabalhar o
ambiente de consulta, para isso temos que passar para o lado do doente, olhar pelos seus
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Bruno Silva nº 3
Grupo III – Turma A
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olhos. O que para nós pode ser coloquial, para o doente poderá não ser. Normalmente,
perguntas de carácter íntimo pode ser desagradável (por exemplo).
É de uma boa conduta, ir chamar o paciente à sala de espera, deste modo o
doente sente-se valorizado e acabamos por criar uma boa relação, demonstrando
empatia e preocupação para com ele. A avaliação do doente começa logo assim que o
chamamos. A sua observação no “habitat” natural permite analisá-lo na sua forma mais
natural, onde ele se sente mais à vontade e onde não existem artifícios nem a
preocupação de ocultar algo (que possa ser relevante para o diagnóstico). Vemos com
quem é que ele está; como está; como é que se relaciona com os outros; como é a sua
marcha; se está stressado; entre outros aspectos.
A maior parte do exame físico, mental e psicológico é feita só pela observação.
Com isto ganhamos informação útil que nos indicarão como interagir.
Não nos podemos esquecer que eles não são só sintomas (o bipolar; o
esquizofrénico) mas são primeiramente pessoas, e como tal, a sua personalidade
condicionará a informação recolhida. Cabe a nós descodificar essa informação filtrada
pela personalidade do paciente: nem tudo o que ele diz pode ser considerado como
sintoma.
Todos os gestos e “passos” da consulta estão previamente estudados, para que
tudo corra fluentemente:
1. Chamá-lo e apresentarmo-nos;
2. Cumprimentá-lo;
Com um aperto de mão antecipado (gesto limpo e sem dúvidas),
demonstrando quais são as regras do jogo. Incute-se a distância e a
formalidade a ser respeitada, como que se tratasse de um contracto. Ao
mesmo tempo, proporcionamos um pouco de contacto e calor humano.
3. Chegar ao gabinete; Para que o processo seja fluído, entramos antes do
paciente, apontado o local onde este se poderá sentar.
No gabinete há normalmente uma mesa (sem coisas em cima), que separa o médico do
paciente, como forma de barreira institucional.
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4. Falamos na diagonal para parecer mais informal e para que o doente possa
ter vários pontos de fuga com o olhar, especialmente para falar de assuntos
mais delicados.
5. Uma das primeiras perguntas é: “O que é que o traz cá?” Esta pergunta
aberta permite ao doente responder o que quiser. Não podemos assumir logo
que ele seja doente e por isso esta é uma pergunta aberta e não julga.
6. Ouvir. Saber ouvir é muito importante. Devemos fazê-lo activamente,
transmitindo serenidade e calma, demonstrando o nosso interesse pelo que o
paciente diz. Assim, eventualmente, acabará por abordar o(s) assunto(s) que
pretendemos. Ao mesmo tempo que o ouvimos devemos anotar algumas
palavras do que é mais importante e tentar explorar certos aspectos não
muito claros.
7. O encerramento tem que ser cuidadoso, abrindo sempre a possibilidade do
paciente acrescentar mais alguma coisa ao que tenha dito. Devemos também
dar 2 ou 3 indicações, como por exemplo pedir-lhe para fazer mais desporto,
ou para que deixe o álcool.
Após esta breve explicação, o Dr. Vasco mostrou-me parte das instalações e
acompanhou-me até a um paciente depressivo ansioso. O qual foi acompanhado por
mim e por mais duas colegas do 4º ano, que estavam a fazer o seu historial clínico.
Durante essa hora (aproximadamente) foram-lhe feitas perguntas de modo a perceber
quais os antecedentes e qual o meio em que vive.
2º Dia (10/12/10)
Nesse dia eu e mais uma colega estivemos no gabinete da Dra. Helena Rita e
assistimos a dois casos. Um primeiro, bipolar, com esquizofrenia afectiva, delírios,
alucinações auditivas, deprimido (com tentativas de suicídio), face triste, discurso
arrastado, insónias e que aparentemente esteve preso por suspeitas de pedofilia.
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Um segundo, preocupado com problemas pessoais e com a casa, diz-se bem disposto,
medo de ser alvo de vingança, desorientado: por vezes não tem a certeza onde está, nem
em que data estamos.
Pessoalmente o primeiro dia da valência foi mais interessante do que
propriamente o segundo, pois neste segundo dia não gostei muito da atitude da tutora
em dizer que não aceitaria alunos do 1º ano, pelo que tivemos que nos “encostar” a um
canto do gabinete e ficar quietos e em silêncio, limitando-nos a ouvir e a observar.
Felizmente, estávamos com 3 colegas do 6º ano que nos ajudaram e mostraram-se
cooperantes e compreensíveis para connosco. Ignorando o atrito existente num primeiro
contacto, é de notar o ambiente natalício do gabinete, com música e decoração a
condizer.
Caso-problema
O caso problema que escolho é o que assisti no primeiro dia de valência. Paciente do
sexo masculino, 50 anos de idade diagnosticado com depressão e ansiedade, internado à
quase um mês.
Apresenta um quadro depressivo há quase um ano após factor de stress laboral,
medicado com cipralex (escitalopram) e mirtazapina (aumenta directamente a
quantidade de serotonina e noradrenalina entre neurónios – efeito duplo serotonérgico e
adrenérgico).
O escitalopram é um antidepressivo da classe dos inibidores selectivos da recaptação da
serotonina, utilizado no tratamento e prevenção de recaídas ou recorrências de
depressão e transtorno do pânico.
À cerca de 6 meses que apresentava dificuldades em dormir. Actualmente queixa-se que
dorme poucas horas (insónia).
Há cerca de 15 dias que inicia crises de pânico, foi-lhe medicado com venlafaxina
(antidepressivo da classe dos inibidores selectivos da recaptação da serotonina e da
noradrenalina, indicado no tratamento da depressão e do transtorno de ansiedade
generalizada), mirtazapina, diazepam (fármaco da família dos benzodiazepínicos, usado
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como ansiolítico e sedativo, entre outros) e rivitril (tipo de benzodiazepina, inibidor leve
das funções do sistema nervoso central, indicado como ansiolítico). Teve duas crises de
pânico por dia nos últimos três dias. Isto pode ser indício da síndrome do pânico,
caracterizado por ataques de pânico esporádicos, intensos e recorrentes. Os ataques de
pânico são imprevisíveis, por isso o paciente torna-se stressado, ansioso e preocupado
com o próximo ataque.
Começou com retenção urinária, possivelmente resultante da medicação, por isso foi-lhe
reduzida a dose dos antidepressivos para metade, com agravamento do quadro clínico,
aumentando a frequência das crises de pânico. Teve que ser usado uma algália para o
ajudar na micção.
Numa consulta de rotina, foi-lhe feito um toque rectal, que revelou algumas
anormalidades na próstata. Segunda-feira irá receber o resultado dos testes de urologia.
Diz que a causa da depressão está relacionada com os problemas laborais e com o
problema na próstata. Já teve pólipos nasais (tratados à 5 e 10 anos) e nódulos nos
pulmões.
Teve uma infância feliz, com uma boa relação com os pais. Tem uma irmã deficiente.
Diz-se introvertido e sem problemas familiares.
Apresenta-se triste e desanimado, com pouca vontade para comer (perda de peso
associado), perdeu o interesse pelas coisas, falta de prazer nas actividades diárias,
distúrbios do sono (insónia), ansioso. Estes sintomas são característicos da depressão
nervosa.
O estado depressivo diferencia-se do comportamento "triste" ou melancólico que
afecta a maioria das pessoas por se tratar de uma condição duradoura de origem
neurológica acompanhada de vários sintomas específicos.
Dentro dos vários tipos de depressão, analisando os sinais e sintomas do
paciente, podemos enquadrá-lo numa depressão maior.
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A depressão está associada a um desequilíbrio em certas substâncias químicas no
cérebro. Os antidepressivos tentam restabelecer os valores normais dessas substâncias,
principalmente da serotonina.
Existem diversas causas para a depressão: factores psico-sociais, biológicos,
físicocs (traumatismos) e outros. Neste caso, o estado depressivo do paciente iniciou-se
devido a factores psico-sociais, após este ter sido alvo de stress laboral intenso. É
interessante que estatisticamente 85% dos pacientes com depressão têm sintomas de
ansiedade (como neste caso).
É de notar a postura do paciente ao longo da entrevista. Inicialmente, apesar do
seu tom melancólico, falava à vontade, olhando para nós e fixando o olhar nos nossos
olhos. À medida que continuávamos, ele foi finando mais irrequieto, cabisbaixo,
falando indirectamente para nós, passando por vezes as mãos pela cabeça como se
tivesse a ficar “desesperado”. Isto tornou-se mais evidente após tocarmos no assunto da
família. Ele disse o seu filho mais velho (11 anos) apercebeu-se do estado do pai,
preocupando-o. Também afirmou que já não tinha interesse por nada, nem pela família.
Contudo, nunca pensou em suicidar-se. Pessoalmente, acho que este paciente,
dependendo dos resultados das análises à próstata, poderá apresentar um risco elevado
de tentativa de suicídio, especialmente durante um ataque de pânico.
Conclusão
Na minha opinião, a valência de psiquiatria foi importante para esclarecer tanto o
trabalho dos psiquiatras como para desmistificar todo o preconceito envolto das alas
psiquiátricas como a “casa dos malucos” ou manicómio e dos próprios pacientes
(“malucos”). Foi muito interessante todo o tempo passado na ala psiquiátrica do HUC,
contudo achei mais proveitoso o 1º dia, pelo que no 2º dia da valência parece ter havido
alguns problemas de comunicação.
Agradeço imenso toda a paciência que o Dr. Vasco teve para comigo. Obrigado.
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