O nascimento do Anglicanismo Furioso com a recusa de Clemente VII de anular seu casamento, Henrique VIII rompeu com o papa se declarou “chefe supremo da Igreja e do clero da Inglaterra” por Charles Girly-Deloision (C) AKG Images/Latinstock Durante dois anos, Henrique VIII lutou para que seu divórcio de Catarina de Aragão fosse decretado em Londres, enquanto ela brigou para que ele fosse negado em Roma. Em meados de 1529, o rei foi forçado a admitir a derrota. Em julho, o papa proferiu a decisão em favor de Catarina, determinando que o caso fosse julgado em Roma. Para pressionar o papa, o monarca convocou o Parlamento e ameaçou legislar contra o clero inglês e a autoridade do papa na Inglaterra. Durante sete anos, seguindo o ritmo do acirramento da tensão entre Londres e Roma e das derrotas de Henrique VIII, o Parlamento foi pressionado e votou as leis que levaram ao cisma, em 1536, e à excomunhão de Henrique VIII, em 1538. Essas leis transferiam para o rei os dividendos que o papado recebia em solo inglês, instituía Henrique VIII como chefe supremo da Igreja da Inglaterra – que ele passava a ter o poder de reformar, combatendo a heresia – e encerrava qualquer ligação com Roma. Outras medidas aumentaram o controle sobre a Igreja: a proclamação real de junho de 1534, que a obrigava a aceitar o rei como chefe espiritual, e a dissolução dos monastérios (1536-1540), beneficiando o monarca com todos os bens e recursos eclesiásticos. Nenhuma das leis abordava questões teológicas. Henrique VIII sempre se declarara católico e chegara a se opor a Lutero (15211522). Mas em 1536, foi preciso se aproximar dos huguenotes alemães, para conter Carlos V. A corte era partidária da Reforma, mas a facção protestante deixou de controlá-la após a morte de Ana Bolena. Em 1539, o rei impôs a volta ao catolicismo. Com a morte de Henrique VIII em janeiro de 1547, Eduardo VI ascendeu ao trono. Muitos se questionaram sobre a natureza da religião então praticada na Inglaterra. Eduardo, como a irmã Elizabeth, foi educado na fé protestante, fato surpreendente, considerando-se o catolicismo declarado pelo pai de ambos. Foi durante seu curto reinado (1547-1553), que a Inglaterra se tornou protestante. A guinada em direção ao protestantismo foi brutalmente interrompida pela Henrique VIII disputando com Carlos V diante do papa Leão X, autor desconhecido, c.1520 morte de Eduardo VI e pela ascensão ao trono da fervorosa católica Mary I, fi lha de Catarina de Aragão. Ela conclamou os súditos a aderir à fé católica, erradicar toda a legislação protestante de Eduardo VI e restaurar as ligações com Roma. No final de 1554, ela abriu mão do título de chefe suprema da Igreja da Inglaterra e impôs ao Parlamento a votação de uma lei restabelecendo a autoridade papal no reino. Mas, em 17 de novembro de 1558, Mary I morreu sem deixar descendentes e sem que o catolicismo tivesse reconquistado os ingleses. Assim, coube a sua meia-irmã Elizabeth, filha de Ana Bolena, substituí-la. Pela terceira vez em menos de dez anos, o reino mudou de religião. Todos acreditavam que Elizabeth era protestante, mas ninguém sabia qual seria o grau de protestantismo que ela reintroduziria na Inglaterra. As duas grandes leis votadas pelo Parlamento, entre abril e maio de 1559 provaram isso. O Ato de Supremacia restaurava a legislação de Henrique VIII (1533-1536), que levara ao rompimento com o papado, e também a promulgada por Eduardo VI em 1547. Em contrapartida, ele fazia de Elizabeth a governante suprema da Igreja inglesa, e não seu chefe supremo. Era preciso arrebanhar os católicos moderados sem afastar os protestantes menos radicais. Entre 1563 e 1571, os chamados Trinta Artigos fixaram os pontos da doutrina, estabelecendo que a Bíblia continha tudo o que é necessário para a salvação; que a ideia de purgatório e a veneração de imagens, relíquias e santos era contrária ao ensinamento de Cristo; e que somente dois sacramentos eram atestados pelo Evangelho. Elizabeth era protestante, mas não uma militante da fé. Estava mais preocupada com a unidade do reino do que com a reforma religiosa. A partir de 1571, ela se declarou contrária a toda e qualquer mudança, no âmbito religioso, forjando assim o que seria chamado de anglicanismo. Rei Henrique VIII, óleo sobre tela, autor des conhe cido, 1590-1610 Além de pela origem política e teológica, a emergência do anglicanismo se distingue do protestantismo no resto da Europa por outros fatos. A reforma inglesa foi imposta pela monarquia, mas com aceitação de um Parlamento. A reforma foi importada do exterior, por ondas sucessivas de exilados protestantes ingleses. E, apesar de todas as reviravoltas, a guinada para o protestantismo não se fez sob um banho de sangue. As execuções por motivo de não conformidade religiosa foram relativamente poucas: cerca de 570, das quais 239 católicas, entre 1509 e 1603. O caso da repressão das revoltas populares foi diferente, pois esses levantes foram considerados como sedições e por isso reprimidos com extrema iolência. Mas de modo geral, depois de esmagada a insurreição, a monarquia concedia o perdão aos revoltosos. CHARLES GIRY-DELOISON é professor da Universidade de Artois Leia mais no dossiê sobre a Dinastia Tudor na História Viva 110 Blog do Rosuca www.blogdorosuca.wordpress.com “Nosso Negócio é Fazer História”