universidade gama filho

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UNIVERSIDADE GAMA FILHO
ANA CRISTINA SILVA IATAROLA
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Princípio norteador de justiça tributária e sua limitação pelos direitos
fundamentais: mínimo existencial versus não confisco tributário
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Área de Concentração:
Direito, Estado e Cidadania
Rio de Janeiro
2005
2
UNIVERSIDADE GAMA FILHO
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Princípio norteador de justiça tributária e sua limitação pelos direitos
fundamentais: mínimo existencial versus não confisco tributário
ANA CRISTINA SILVA IATAROLA
Dissertação de Mestrado apresentada na
Universidade Gama Filho como parte dos
requisitos para obtenção do título de Mestre
em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Lobo Torres.
Agosto/2005
3
Dedico este trabalho a minha pequena Victória
Maria pelas horas em que lhe privei do meu convívio e de
nossas brincadeiras, pelas incansáveis perguntas sobre
quem é essa “tal de Justiça”, o que era “Tributo” e de
quando eu terminaria, na esperança de um mundo
melhor. E por colorir a minha vida.
Ao Marco, meu grande amor, por sua paciência e
por seu apoio incondicional nesta jornada em busca do
conhecimento.
Aos meus pais, exemplo de vida, de fé e de
otimismo, e por serem simplesmente perfeitos dentro de
suas limitações humanas.
4
Agradeço ao Prof. Dr. Ricardo Lobo Torres, por ter
compartilhado seu conhecimento, por seu empenho e
preciosas orientações, por ter aberto caminhos para serem
trilhados e por sua dedicação e talento como mestre.
Aos professores do Mestrado da Universidade
Gama Filho, em especial ao Prof. Dr. José Ribas Vieira e
ao Prof. Dr. Francisco Mauro Dias, pelos incentivos na
busca pelo conhecimento.
Débora, por sua amizade, gentileza e por sua
certeza de que chegaríamos ao fim.
5
“Nada mostra mais claramente o caráter de uma
sociedade e de uma civilização do que a política fiscal
que o seu setor público adota.”
Schumpeter
6
RESUMO
O princípio da capacidade contributiva tem origens no ideal de justiça fiscal, para o
qual deve haver uma distribuição eqüitativa, justa e adequada da carga tributária
entre os membros da sociedade. Cada pessoa deve contribuir para as despesas do
Estado na proporção de sua capacidade contributiva, de forma que o ônus tributário
suportado guarde relação com sua capacidade econômica, assegurando a não
tributação do mínimo existencial, protegendo o cidadão contra o excesso da exigência
tributária que possa ter o efeito de confisco. Assim, para que a atividade tributária
atenda aos interesses da coletividade e respeite os direitos fundamentais aclamados
constitucionalmente, deve pautar-se dentro dos parâmetros de razoabilidade,
observando o limite mínimo e máximo dessa atividade. O princípio da capacidade
contributiva está inserido no artigo 145, § 1º de nossa atual Constituição. É um
princípio constitucional expresso, consagrado como critério de justiça distributiva,
uma vez que propaga a tese igualitária da distribuição da carga tributária. Tem
alcance amplo e se traduz num instrumento eficaz na concretização de uma
tributação ideal, exprimindo a finalidade de justiça fiscal visada em nossa Carta
Política. Reúne em sua observância os direitos fundamentais da limitação do poder
de tributar, evitando que a tributação possa cercear os direitos constitucionalmente
consagrados.
Palavras Chaves: Capacidade; justiça; mínimo-existencial; confisco.
7
ABSTRACT
The contributing capacity principle relies on the fiscal justice ideal, based on a
balanced, fair and adequate taxation charge system for the various elements of
society. Every citizen should contribute for the state’s general obligations and
expenses, so that the taxation system keeps a closer relationship to every individual’s
economic condition, assuring no taxation on the minimum living possessions and
activities, thus protecting all citizen against over taxation that characterizes a
confiscation act. Therefore, in order that the taxation government activity can meet the
legal interests of community and show respect to its constitutionally recognized
fundamental rights, it must be established within reasonability parameters, regarding
both upper and lower limits for these taxation activities.The contributing capacity
principle is established by the 145 article, § 1st of our present State Constitution as a
clear explicit constitutional principle, assumed to be the main distributive justice
criteria, considering that it carries the idea (thesis) of a balanced taxation charge
policy. It has a wide approach and reveals to be efficient for an ideal taxation system
achievement, expressing the real targets of fiscal justice as stated in our constitution.
It includes in its observance, the fundamental rights associated to the taxation activity
limitations, thus avoiding constitutional universal rights constraints.
Key words: Capacity contributive; justice; minimum living; confiscation.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................09
CAPÍTULO I - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
. Seção I – ASPECTOS GERAIS .............................................................................14
. Seção II- A TRIBUTAÇÃO CONTEMPORÂNEA .................................................18
II.1- Pós- positivismo ......................................................................................19
II.2- Dogmática Principialista .........................................................................21
III.3- Pós-positivismo e tributação ...............................................................24
. Seção III – JUSTIÇA TRIBUTÁRIA .........................................................................28
CAPÍTULO II - O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, PRINCÍPIO
NORTEADOR DE JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
. Seção I – ESCORÇO HISTÓRICO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA .........................................................................................................38
I.1- Origem e Histórico ...................................................................................38
I.2- O seu tratamento nas Constituições Brasileiras ..................................42
. Seção II- ESTUDO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ........................................44
II.1 Conceito de Capacidade Contributiva ....................................................44
II.2- Capacidade Contributiva x Capacidade Econômica ............................51
II.3- Princípio da Capacidade Contributiva na Constituição Federal de
1988...................................................................................................................54
II.3.1- SENTIDO DA EXPRESSÃO “SEMPRE QUE POSSÍVEL” ....................55
II.3.2- SENTIDO DA EXPRESSÃO “CARÁTER PESSOAL” ............................59
II.3.3- SENTIDO DA FRASE “FACULTADO À ADMINISTRAÇÃO
TRIBUTÁRIA, ESPECIALMENTE PARA CONFERIR EFETIVIDADE A ESSES
OBJETIVOS, IDENTIFICAR, RESPEITADOS OS DIREITOS INDIVIDUAIS E
NOS TERMOS DA LEI, O PATRIMÔNIO, OS RENDIMENTOS E AS
ATIVIDADES ECONÔMICAS DO CONTRIBUINTE”. ......................................61
II.4- O Princípio Da Capacidade Contributiva no Direito Comparado........64
. Seção III- APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA.......70
III.1- Os Impostos e a Capacidade Contributiva ..........................................70
III.1.1- IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÔNIO ..................................................71
III.1.2- IMPOSTOS INDIRETOS........................................................................74
III.2- Os Tributos Vinculados e a Capacidade Contributiva .......................77
III.2.1- CONTRIBUIÇÕES E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA .........................79
9
III.2.2-
CONTRIBUIÇÃO
DE
MELHORIA
E
A
CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA................................................................................................82
III.2.3- TAXAS E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ...........................................83
III.3- Tributos Extrafiscais .............................................................................86
. Seção IV-
OS SUBPRINCÍPIOS: PROGRESSIVIDADE, SELETIVIDADE E
PROPORCIONALIDADE ............................................................................................89
Iv.1- Progressividade .....................................................................................89
Iv.2- Seletividade ............................................................................................95
Iv.3- Proprocionalidade ................................................................................97
CAPÍTULO III - A LIMITAÇÃO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA PELOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS ...................................................................................100
. Seção I- O MÍNIMO EXISTENCIAL .......................................................................104
I.1- Mínimo existencial no Brasil ..............................................................106
I.2- Os fundamentos da proteção ao mínimo existencial .........................110
I.2.1- FUNDAMENTO NO PRINCÍPIO DA LIBERDADE ...............................111
I.2.2- FUNDAMENTO NO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE SOCIAL.........113
I.2.3-FUNDAMENTO
NO
PRINCÍPIO
DA
(IN)CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA.............................................................................................114
. Seção II- O NÃO CONFISCO TRIBUTÁRIO ........................................................117
II.1- Conceito de confisco ..........................................................................118
II.2- Efeito de confisco ................................................................................121
II.2.1EFEITO DE CONFISCO E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA ............................................................................................127
. Seção III-
A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E A CARGA TRIBUTÁRIA
BRASILEIRA ............................................................................................................129
CONCLUSÃO ...........................................................................................................135
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................141
ANEXOS ...................................................................................................................147
9
INTRODUÇÃO
Em nenhuma outra época vivemos problemas tão gigantescos e
numerosos com evidência para o aumento das desigualdades sócio-econômicas
culminando com o desrespeito aos direitos fundamentais que comprometem a
democracia e a paz.
Devido ao aumento crônico dos déficits públicos, pela maciça expansão
da despesa pública provocada pela máquina administrativa ineficiente e onerosa das
políticas econômicas mal sucedidas, pela incapacidade de diminuição de gastos
públicos e também pela corrupção, temos presenciado a constante necessidade de
o Estado aumentar o volume da arrecadação tributária; sendo que o poder tributário,
muitas vezes, é exercido com inobservância dos princípios invocados por nossa
Constituição.
O poder de tributar é um dos mais fortes poderes do Estado. É um
importante instrumento de política pública e está no centro das atenções e revoltas
políticas, econômicas e sociais. Há outras formas de custeio do Estado, mas a
atividade tributária é uma das principais e a mais adequada em termos de
sustentabilidade a longo prazo, desde que desenvolvida dentro dos parâmetros que
nossa Carta Constitucional traçou; pois a necessidade financeira do Estado não
permite uma distribuição arbitrária dos tributos entre os cidadãos, sendo necessário
que seja exercida de uma maneira justa e adequada, para a obtenção de uma
estrutura tributária ideal.
O dever de contribuir é um pressuposto à existência do Estado, uma vez
que é da atividade tributária que se tem maior quantitativo de receitas para custear a
máquina estatal, sendo também um instrumento de transformação da sociedade e
um elemento contribuidor para o fortalecimento dos princípios democráticos. Assim,
10
é necessário que haja uma relação juridicamente determinada entre o dever de
contribuir e os direitos de quem suportará o ônus tributário, pois sem essa
conformação não há como falar em Estado Democrático de Direito.
É uma tendência da doutrina contemporânea a vinculação entre a
atividade tributária e os direitos fundamentais, onde a proteção desses direitos é um
fator essencial para a solidificação de um Estado Democrático de Direito. E nesta
visão contemporânea, temos que a tributação existe como forma de realização da
justiça social, com o propósito de se alcançar uma vida digna para todos; sendo os
direitos dos contribuintes construídos a partir dos direitos de liberdade e de
propriedade.
Como a tributação hodierna envolve questões de uma sociedade
pluralista, desigual e injusta, deve-se buscar justiça na tributação, sendo necessária
a definição de um sistema tributário igualitário; de modo que o Estado ao exercer a
atividade tributária distribua de forma equânime a carga tributária entre os membros
da sociedade, para que os cidadãos contribuintes paguem tributos proporcionais e
razoáveis em conformidade com a sua capacidade contributiva.
Sendo o princípio da capacidade contributiva o mais importante princípio
de justiça tributária, este é imprescindível para o exercício dos outros direitos
assegurados na Carta Magna, uma vez que possui grande relevância na
compreensão da igualdade na tributação, na afirmação da cidadania e na redução
das desigualdades sociais.
O princípio da incidência segundo a capacidade contributiva é de
verificação bastante complexa, e enquanto princípio geral de direito tributário
encontra-se limitado pelos direitos de liberdade. As limitações constitucionais desse
princípio podem ser analisadas sob dois aspectos: um quantitativo e outro
11
qualitativo. O quantitativo protege o cidadão contra o excesso de tributação e do
desrespeito ao mínimo necessário à sobrevivência digna;
o aspecto qualitativo
garante o contribuinte contra as discriminações arbitrárias e os privilégios odiosos
concedidos a terceiros e também pelas imunidades subjetivas previstas no texto
constitucional1.
O presente trabalho tem a pretensão de estudar o princípio da capacidade
contributiva, princípio mais importante de justiça tributária, a sua origem, evolução
histórica através dos tempos, sua inserção em nosso atual ordenamento jurídico
constitucional, sua aplicação e a sua limitação sob o aspecto quantitativo pelos
direitos fundamentais. Para isto, primeiramente, foi necessário traçar o cenário
constitucional em que nosso estudo se acha encartado, o que foi feito no primeiro
capítulo, onde analisamos a tributação contemporânea, sob uma dogmática
principialista, onde os princípios passaram a ocupar o coração das Constituições
modernas.
No segundo capítulo, tratamos do estudo do princípio da capacidade
contributiva, seu histórico, conceituação e também como a norma constitucional
acolheu este princípio, procuramos distinguir as expressões relacionadas à
capacidade contributiva e o sentido das expressões “sempre que possível” e “caráter
pessoal” dadas por nosso texto constitucional.
Foi feito um balanço doutrinário e jurisprudencial no direito pátrio e
também no direito comparado, uma vez que, atualmente, é raro um texto
constitucional que não exige, expressa ou implicitamente, que os cidadãos
contribuam para o custeio das necessidades do Estado segundo a sua capacidade
contributiva. Uma vez que é universal a consciência desse princípio como norma de
1
TORRES, Ricardo Lobo. A legitimação da capacidade contributiva e dos direitos fundamentais do
contribuinte. In SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário - homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo:
Editora Quartier Latin do Brasil, V.I, 2003, p. 435.
12
justiça, este é um critério impossível de ser desprezado na busca por uma tributação
justa. Para perquirir este estudo, utilizamos a metodologia de revisão bibliográfica,
fazendo um estudo descritivo-analítico das questões, elaborando análise de
conteúdos e confrontação das correntes doutrinárias e jurisprudenciais pertinentes
ao tema.
Sobre a aplicação do princípio da capacidade contributiva, analisamos a
aplicação às diversas espécies tributárias, no sentido de verificar se em todas elas
este princípio se faz presente, uma vez que as posições doutrinárias são
divergentes.
Para bem expor o princípio da capacidade contributiva,foi necessário
também, tratar de seus subprincípios, pois o estudo da capacidade contributiva
obrigatoriamente passa pela análise dos princípios da progressividade, da
seletividade e da proporcionalidade.
No último capítulo, ponto central do trabalho, centramos a pesquisa no
estudo da limitação deste princípio norteador de justiça tributária pelos direitos
fundamentais, uma vez que estes direitos são constantemente questionados diante
do poder de tributar. Na análise da limitação, examinamos o relacionamento entre
este princípio e os direitos fundamentais sob o aspecto quantitativo, traduzidos na
imunidade do mínimo existencial e na vedação dos tributos com efeito de confisco,
posto que estes assumem a característica de mandamentos limitadores do princípio
da capacidade contributiva, e são garantias constitucionais do contribuinte
decorrentes dos direitos fundamentais.
Assim,
procuramos
estabelecer
o
limite
vertical
da
capacidade
contributiva, onde está somente terá início após a dedução dos gastos necessários
ao mínimo vital e como não é possível mensurar onde esta capacidade termina,
13
analisamos o princípio da vedação de tributos com efeito de confisco como seu limite
superior.
No final do último capítulo analisamos a carga tributária brasileira e como
o nosso sistema tributário vem sendo exercido; nessa seção fizemos uma
comparação entre a tributação de nosso país e a dos países desenvolvidos em
termos de carga tributária, no sentido de verificar se nosso país vem obedecendo o
princípio constitucional da tributação em conformidade com a capacidade
contributiva.
Sendo esse princípio um dos pilares da justiça fiscal, um princípio que
busca uma justa tributação pelo seu conteúdo igualitário, temos que este colabora
para o exercício da cidadania, para a constituição da democracia e para a
implantação de uma sociedade livre e justa. Assim, a importância deste tema vem da
necessidade latente de se alcançar uma estrutura tributária ideal, sob o ponto de
vista da igualdade, da equidade e da justiça em termos fiscais, assegurando o
exercício dos direitos fundamentais consagrados por nossa Carta Magna.
O assunto é bastante árido e pluridimensional, embora se torne
apaixonante à medida que se avança na pesquisa. Evidentemente, este trabalho
não
teve a pretensão de esgotar o estudo sobre o princípio da capacidade
contributiva, limitamos a trabalhar nossa atenção em algumas das principais
questões atinentes a este princípio, tencionando empreender uma reflexão sobre a
fenomenologia deste princípio basilar da justiça fiscal e de sua limitação sob o
aspecto quantitativo pelos direitos fundamentais.
14
CAPÍTULO I- ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Seção I- ASPECTOS GERAIS
Da análise histórica da humanidade, em suas diversas perspectivas,
verificamos que a idéia de tributação2 surge muito antes da de Estado e está
intrinsecamente ligada à noção de poder, aparecendo sempre que este está
presente3,
consolidando
uma
realidade
onipresente
que,
inevitavelmente,
acompanha o modo da vida dos homens, pois o tributo é o instrumento básico
viabilizador de qualquer sociedade. E em cada época, de acordo com a concepção
particular de Estado há um sistema tributário diferente.
Da impossibilidade de viver isoladamente e a constante necessidade de
evoluir levou o homem a buscar a união com seus semelhantes para alcançar os
objetivos que seriam inatingíveis por um só indivíduo. Dessa forma, da união das
famílias, dos clãs, surgiram os primeiros agrupamentos sociais, que em princípio,
organizaram-se politicamente para se fortalecerem e defenderem seus interesses
comuns.
Da vida em sociedade, vários foram os interesses oriundos da vivência
em grupo, e de alguma forma, estes deveriam ser custeados pelos membros da
sociedade, que deveriam colaborar/contribuir para fazer face aos custos dessas
necessidades comuns, dentre elas, a principal foi a de organização de defesa,
traduzida como necessidades militares.
2
A atividade tributária existe nas mais remotas e primitivas organizações sociais, embora a tributação dos
tempos modernos seja diferente da dos tempos antigos, onde a tributação de hoje somente tem em comum com
aquelas o nome. Nas palavras de Ricardo Lobo Torres, “Tributo é uma figura que surge historicamente na época
moderna, sendo inútil procurá-lo em períodos anteriores, nos quais só por analogia pode ser visualizado”.
(TORRES, Ricardo Lobo . Ética e justiça tributária. In SCHOUERI, Luís Eduardo, ZILVETI, Fernando
Aurélio. Direito tributário – Estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética. 1998, p. 173).
3
O tributo é vetusta e fiel sombra do poder político há mais de 20 séculos. Onde se ergue um governante, ela se
projeta sobre o solo de sua dominação. (BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar.
Atualiz. Misabel de Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.1)
15
No início, os governantes, procuraram atender seus próprios interesses,
ambições e, também, daqueles que o mantinham no comando. Neste contexto, os
tributos assumiram um caráter de fiadores dos interesses desses governantes,
deixando
as
necessidades
comuns
de
serem
atendidas
primeiramente,
intensificando a tributação das classes mais abastadas4.
A introdução de valores humanistas na sociedade, através de movimentos
filosóficos, contribuíram para que se procurasse uma justa atividade tributária. Os
movimentos sociais e filosóficos passaram a assumir a idéia de que a sociedade
deveria organizar-se politicamente, para instituir uma ordem maior e justa.
Como sociedade politicamente organizada, instituição necessária ao
convívio e desenvolvimento humano, surge o Estado como gestor do interesse
comum, onde recebe atribuições e encargos na organização da vida social. Para
cumprir suas finalidades e promover o bem-estar coletivo, proporcionando utilidades
e comodidades à sociedade que o criou, este necessita de recursos financeiros, o
que obtém, basicamente, através de seu poder fiscal, exigindo coercitivamente dos
membros da sociedade, determinada quantia para custear os serviços públicos
colocados à disposição dos mesmos.
Contudo, o poder de tributar deve ser exercido dentro de certos
parâmetros e deve buscar a promoção do bem comum e se tornar um instrumento
de política sócio-econômica, onde o tributo ultrapassa o limite meramente fiscal,
deixando de ser apenas uma fonte de receita para o Estado para assumir a posição
de meio de realização de justiça social.
4
Na Idade Média, em tese, a única tributação sobre os nobres era o serviço militar, ou o pagamento da
Fonsadera, tributo exigido para gastos de guerra, reparo de fossos e castelos, sendo pago somente por aqueles
que não podiam ir pessoalmente ao campo de batalha.
16
Assim, o tributo5, desde suas origens, pode ser representado por duas
formas, uma como instrumento de submissão e a outra como meio de solidariedade
do grupo social. Solidariedade porque é através dos tributos que o Estado possui
condições de redistribuir a renda entre os mais carentes e positivar a idéia de
fraternidade defendida na Revolução Francesa.
Na
conversão
da
atividade
tributária
como
instrumento
de
desenvolvimento político socioeconômico, o tributo assume um papel de fomentador
das estruturas da cidadania e do fortalecimento da dignidade da pessoa humana. A
noção de tributo como via de participação no processo de construção social é um
axioma basilar de nossa época, podendo ser visto como um instrumento de
cidadania, uma vez que a tributação moderna não mais está adstrita à função de
obtenção de recursos para o Estado6. Hoje, se constitui em um dos principais
instrumentos de repartição de riqueza e desenvolvimento econômico, sendo também
utilizado como instrumento de intervenção do Estado na economia.
Apesar dessa visão moderna dos tributos, o poder de tributar também
pode ser visto como o poder de destruir, quando não exercido dentro de certos
limites. É muito conhecida a tese do juiz americano John Marshall, que em 1819, no
caso “McCulloch versus Maryland”, pontuou que “o poder de tributar envolve o poder
de destruir”7. Assim, para que a atividade tributária não seja vista como uma relação
5
Tributo aqui mencionado tal como entendemos nos dias de hoje. Pois embora a atividade tributária tenha
surgido com o próprio nascimento da coletividade, a tributação das civilizações antigas e mesma a da sociedade
medieval, não se equivale à definição moderna, pois o tributo era sinônimo de prestação típica de sujeição de
um povo para outro, somente assumindo as características hodiernas a partir da Idade Moderna. ( neste sentido
ver : TORRES, Ricardo Lobo. A idéia de liberdade no Estado patrimonial e no Estado fiscal. Rio de Janeiro:
Renovar, 1991, p. 2).
6
Não devemos esquecer que o tributo não é cobrado para atender os interesses e as necessidades do Estado. Ele
tem destinação específica: é a de servir como instrumento concretizador da satisfação das exigências materiais e
imateriais dos componentes da textura social, fortalecendo, assim, a expressão da cidadania e da valorização da
dignidade humana em sua conceituação máxima. ( DELGADO, José Augusto. A interpretação contemporânea
do Direito Tributário e os princípios da valorização da dignidade humana e da cidadania. In FISCHER,
Octávio Campos (coord.).Tributos e direitosfFundamentais. São Paulo: Dialética, 2004, p. 156).
7
No original:” the power to tax involves the power to destroy”. (UCKMAR, Victor. Princípios comuns de
direito constitucional tributário. Tradução GRECO, Marco Aurélio. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 19)
17
de força e de submissão, esta deve ser balizada sob certos limites para que atenda
aos interesses da coletividade e respeite os direitos individuais.
O poder do Estado de tributar não é absoluto, não atua livremente, se
manifesta dentro do conceito de ordem jurídica e a ela está subordinado, possuindo
limites de atuação. Nesse diapasão, o poder de tributar não pode ser uma atividade
abusiva, deve observar os limites da imposição tributária e ser compatível com as
liberdades dos contribuintes, respeitando os direitos fundamentais daquele que
suportará a carga tributária.
E no afã de restringir o poder de tributar, muitas Constituições modernas
açambarcaram os princípios em seus textos, de forma implícita ou expressa,
reconhecendo, nos direitos fundamentais do homem, a proteção necessária contra
as agressões às liberdades individuais.
Nesta seara, a necessidade financeira do Estado não permite uma
distribuição arbitrária dos tributos entre os cidadãos, é necessário que seja exercida
de uma maneira justa e adequada para a obtenção de uma estrutura tributária ideal,
sob o ponto de vista da igualdade, da equidade e da justiça fiscal, onde a justiça
fiscal pode ser entendida como justiça distributiva. Deve haver uma correspondência
justa entre o gravame e a capacidade econômica daquele que irá suportar encargo
tributário.
Assim, a atividade tributária deve pautar-se dentro de certos parâmetros
de razoabilidade8, observando o limite mínimo e máximo da tributação, para que
haja uma distribuição eqüitativa do ônus tributário entre todos os membros da
sociedade, devendo estes colaborarem para o financiamento dos gastos do Estado
8
Nas palavras de Ricardo Lobo Torres: a razoabilidade permite o equilíbrio entre o mínimo existencial e a
capacidade contributiva e a determinação do limite máximo de riqueza suscetível de imposição, além do qual se
caracteriza o efeito confiscatório.( TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 2003, p.452.)
18
na proporção de sua capacidade de contribuição, podendo esta ser maior ou menor
de acordo com sua capacidade econômica .
Como limite mínimo, a fixação da carga tributária deve respeitar a não
tributação do mínimo existencial9, que se configura no respeito da dignidade da
pessoa humana com os direitos sociais.
E como limite máximo a proibição da
tributação com efeito de confisco, onde a imposição tributária não deve inviabilizar o
exercício das liberdades econômicas e o direito de propriedade.
Diante dessa necessidade de restringir a atividade tributária e visando
assegurar os direitos dos contribuintes contra os arbítrios do poder estatal, as
Constituições modernas passaram a fazer referência à cobrança de tributos e traçar
limites ao poder de tributar.
Seção II- A TRIBUTAÇÃO CONTEMPORÂNEA
O Direito Tributário recebeu forte impacto de uma perspectiva póspositivista e principiológica do fenômeno jurídico.
A relação da tributação
contemporânea não é apenas uma relação de poder, mas uma relação jurídica e,
assim, está submetida a um disciplinamento jurídico que nada mais é que um
sistema de normas orientadas por princípios jurídicos.
A tributação de nossa época está subordinada a princípios e diretrizes na
elaboração, interpretação e aplicação de suas normas, onde estes princípios
norteadores da atividade tributária garantem os direitos fundamentais do ser humano
contra o poder estatal de tributar.
9
O mínimo existencial confunde-se com a própria questão da pobreza e abrange qualquer direito considerado em
sua dimensão essencial e inalienável. “É necessário garantir que todos tenham acesso àqueles bens essenciais
que se considera constituírem as condições mínimas para que se possa agir como agente moral- por outras
palavras, agir livremente, ou fazer o uso da liberdade”. ( ESPADA, João Carlos. Direitos sociais e cidadania.
Lisboa: Imprensa Nacional, 1997, p. 263).
19
II.1- O Pós-positivismo
A partir da superação histórica do jusnaturalismo, com o advento da
promulgação dos códigos, incorporando de forma generalizada o direito natural aos
ordenamentos positivos, o positivismo tornou-se a filosofia dos juristas. O direito
positivado passou a ser acreditado como única forma legítima de se fazer justiça.
Mas com o tempo, este movimento sujeitou-se a várias e profundas críticas,
provenientes de uma reação intelectual que chegou a um fracasso político. A
decadência deste estava associada à indignação diante das barbáries promovidas
pelos episódios históricos, que em nome da lei10, se valeram para disfarçar os
arbítrios praticados pelos regimes totalitários, arbítrios estes que promoveram um
desrespeito ao ser humano que ultrajou a consciência da humanidade.
Os acontecimentos da época, diante das desastrosas conseqüências
geradas pelo desrespeito aos direitos da pessoa humana, serviram para mostrar que
a estrutura meramente formal do positivismo desassociado dos valores éticos já não
era passível de aceitação. O inconformismo deu margens a um conjunto amplo de
reflexões à cerca do Direito, promovendo um novo movimento denominado póspositivismo11. Este movimento retomou a discussão do direito sob um novo prisma,
que sem retornar à razão subjetiva do jusnaturalismo, ultrapassou o legalismo do
positivismo e introduziu idéias de justiça e legitimidade, consagrando o respeito aos
10
A decadência do positivismo é emblemática associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na
Alemanha. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro da legalidade vigente
e promoveram a barbárie em nome da lei. Os principais acusados de Nuremberg invocaram o cumprimento da lei
e da obediência a ordens emanadas da autoridade competente. ( BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e
aplicação da Constituição. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 325).
11
O pós-positivismo identifica um conjunto de idéias difusas que ultrapassam o legalismo estrito do positivismo
normativista, sem recorrer às categorias da razão subjetiva do jusnaturlismo. Sua marca é ascensão dos valores, o
reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos direitos fundamentais. Com ele, a
discussão ética volta ao Direito. O pluralismo político e jurídico, a nova hermenêutica e a ponderação de
interesses são componentes dessa reelaboração teórica, filosófica e prática que fez a travessia de um milênio para
o outro. (BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro.
In Revista Diálogo jurídico. Salvador : CAJ –Centro de Atualização Jurídica. V.1 nº6. setembro, 2001.
Disponível em http://www.direitopublico.com.br. Acesso em 21 de dezembro de 2004.)
20
direitos fundamentais da pessoa humana como forma de orientação da atuação
estatal.
Para Luís Roberto Barroso:
... o Pós-positivismo não surge com o ímpeto da
desconstrução, mas como uma superação do conhecimento
convencional. Ele inicia sua trajetória guardando deferência
relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as
idéias de justiça e legitimidade. O constitucionalismo moderno
promove, assim, uma volta aos valores, uma reaproximação entre
Ética e Direito. Para poderem beneficiar-se do amplo instrumental
do Direito, migrando da filosofia para o mundo jurídico, esses
valores compartilhados por toda a comunidade, em dado momento
e lugar, materializam-se em princípios, que passam a estar
abrigados na Constituição, explícita ou implicitamente12.
Assim, a partir da segunda metade do século XX, os desejos humanitários
promoveram uma reaproximação entre a ética e o direito, ao reintroduzir no
ordenamento jurídico as idéias de justiça e eqüidade.
Com a virada kantiana, a partir da década de 70, a partir da releitura do
imperativo categórico de Kant – “age como se a máxima de tua conduta pudesse se
transformar em lei universal”, a liberdade estava relacionada com a legalidade, uma
vez que era entendida como princípio de direito; agora, passa a ser vista sob um
novo enfoque. Ao lado da idéia de liberdade, foi incluída a regra de justiça, passando
a norma ética a exercer influência sobre a ordem jurídica positivada. Assim, faz
surgir todo um campo de estudos que salienta a utilização da argumentação para
uma melhor compreensão do Direito, uma aproximação da teoria dos direitos
fundamentais e da teoria da justiça, como também um reconhecimento dos
princípios na ordem jurídica.
Com a reproaximação entre o direito e a ética, bem como do
reconhecimento dos valores na órbita jurídica, houve uma promoção e uma
referência aos princípios constitucionais, expressos ou implícitos.
12
BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., 2003, p. 326.
21
Este movimento contemporâneo promoveu a ascensão dos valores, o
resgate da teoria dos direitos fundamentais e fez surgir uma dogmática principialista.
Inaugurou uma nova concepção sobre a eficácia e a importância dos princípios, por
reconhecer a sua normatividade e a sua relevância no sistema jurídico, passando a
ser a síntese dos valores fundamentais consagrados no novo ordenamento jurídico.
II.2- Dogmática principialista
Com o pós-positivismo, os princípios obtiveram uma posição de relevo e
denunciaram a insuficiência da subsunção como método de aplicação das normas.
Foi concebido um sistema jurídico composto por regras e princípios, e assim, fez
nascer a teoria contemporânea dos princípios jurídicos, onde merece destaque,
dentre outros autores, o trabalho de Ronald Dworkin e Robert Alexy.
A teoria dos princípios tem como principal autor Ronald Dworkin, que
numa crítica ao positivismo propõe um modelo diferente; procura mostrar que os
métodos clássicos de produção de direito não são únicos e que o direito pode ser
redescoberto por seus operadores. Em sua tese, constrói uma teoria monista onde
direito e moral se confundem, ou seja, não mais são entendidos em termos de
separação estrita, pois ele reconhece a condição jurídica dos princípios-morais.
O modelo de Dworkin constrói um ordenamento jurídico aberto e propõe
um sistema formado por regras e princípios. Estes últimos têm a sua importância
ressaltada, sendo proclamados como normas jurídicas, passando a ter validade
jurídica, podendo, assim como as regras, imporem obrigação legal, uma vez que a
eles é atribuída eficácia plena.
Robert Alexy, posicionou-se muito próximo às idéias de Ronald Dworkin,
principalmente com a inserção dos princípios em seu modelo de sistema jurídico,
22
embora não adotando o conceito restritivo do jusfilósofo americano13. Mas de forma
diferente, o seu modelo compõe-se de regras, princípios e procedimentos.
Em sua Teoria dos Direitos Fundamentais, Alexy coloca que a distinção
entre regras e princípios14 pode ser considerada como o marco de uma teoria
normativo material dos direitos fundamentais, sendo o ponto inicial para responder
às dúvidas sobre a possibilidade e os limites de racionalidade no âmbito dos direitos
fundamentais. E, para a aplicação dos princípios, Alexy propõe procedimentos
racionais de ponderação, através de um processo argumentativo.
Diante desta nova fase, os princípios jurídicos passaram a ocupar um
novo espaço dentro do constitucionalismo contemporâneo, projetaram-se como
normas basilares de todo o ordenamento jurídico, dando coesão ao sistema,
assumindo uma posição hierárquica. Converteram-se em fonte primária de
normatividade e as novas Constituições promulgadas acentuaram a hegemonia
axiológica dos mesmos, convertendo-se, nas palavras de Paulo Bonavides15, no
coração das Constituições.
Por conseguinte, a positivação dos princípios nos textos constitucionais
traduz uma eficácia que vincula, de forma obrigatória, a sua observância, pois estes
sintetizam a idéia de direito e justiça vigentes ao refletirem os valores eleitos
constitucionalmente pela sociedade.
13
Dworkin, dividiu os princípios entre princípios em sentido estrito e diretrizes políticas, Robert Alexy não faz
esta distinção, para ele tudo são princípios, tanto as normas de direitos fundamentais do indivíduo como as que
ordenam a persecução de interesses da comunidade, e em relação aos direitos fundamentais concede apenas uma
prioridade prima facie, indicando um ponto de partida.
14
Alexy coloca que embora os princípios sejam espécies de normas, estes podem distinguir-se daquelas pela
generalidade e também pela forma qualitativa, demonstrando que essa diferença desponta com maior intensidade
quando se tem uma colisão de princípios ou um conflito de regras. Mas, o ponto decisivo para distinção entre
regras e princípios, é a idéia de que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na sua maior
medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes, onde as regras são mandatos definitivos e
os princípios são mandatos de otimização, que se caracterizam por poder serem cumpridos em diversos graus.
Por isso a forma de aplicação dos princípios é a ponderação (ALEXY, Robert. Teoria de los derechos
fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 83 e ss).
15
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 281.
23
Assim, os princípios assumiram uma posição de fonte primária de
normatividade no constitucionalismo contemporâneo, sendo incorporados aos
valores sociais, políticos e éticos, de forma explícita ou implicitamente, na tentativa
de construção de uma sociedade justa e democrática.
Paulo Bonavides ao sintetizar a evolução da teoria dos princípios, assim
se pronunciou:
Em resumo, a teoria dos princípios chega à presente fase
do pós-positivismo com os seguintes resultados já consolidados: a
passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata
para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor
de densidade normativa; a transposição crucial da ordem
jusprivatista ( sua antiga inserção nos Códigos) para a órbita
juspublicista (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da
distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos
princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência
Jurídica; a proclamação de sua normatividade; a perda de seu
caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de
sua positividade e concretude por obra sobretudo das
Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies
diversificadas do gênero norma, e finalmente, por expressão
máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais
significativo de seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos
princípios.
Fazem eles a congruência, o equilíbrio e a essencialidade
de um sistema jurídico legítimo. Postos no ápice da pirâmide
normativa, elevam-se, portanto, ao grau de norma das normas, de
fonte das fontes. São qualitativamente a viga-mestra do sistema, o
esteio
da
legitimidade
constitucional,
o
penhor
da
constitucionalidade das regras de uma Constituição. 16
Pode-se dizer que, esta nova dimensão do constitucionalismo, tem-se
mostrado como uma resposta adequada17 para impor respeito aos direitos
individuais e como limitação do poder estatal. Embora no limiar deste novo século,
esteja
havendo
um
refluxo
do
constitucionalismo,
uma
tendência
à
desconstitucionalização em nome da complexidade das transformações sócioeconômicas e da transnacionalização dos mercados; a Constituição, muitas das
16
Idem, ibidem, p. 294.
O constitucionalismo chega vitorioso ao inicio do milênio, consagrado pelas revoluções liberais e após haver
disputado com inúmeras outras propostas alternativas de construção de uma sociedade justa e de um Estado
democrático. A razão de seu sucesso está em ter conseguido oferecer ou, ao menos, incluir no imaginário das
pessoas: (i) legitimidade – soberania popular na formação da vontade nacional, por meio do poder constituinte;
(ii)limitação do poder – repartição de competências, processos adequados de tomada de decisão, respeito aos
direitos individuais, inclusive das minorias; (iii) valores- incorporação à Constituição material das conquistas
sociais, políticas e éticas acumuladas no patrimônio da humanidade. ( BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 310)
17
24
vezes, é colocada como entrave ao funcionamento do mercado, à competitividade e
à expansão da economia, apontando, assim, para o ritmo de regressão dos direitos
sociais e dos direitos humanos18.
II.3- O pós-positivismo e a tributação
Essa perspectiva contemporânea, onde a discussão ética volta ao centro
do Direito, e as perspectivas principiológicas do pós-positivismo provocaram um
grande impacto na área tributária, os princípios passaram a exercer grande
influência na elaboração e aplicação do direito tributário19. A virada kantiana no
Direito Tributário repercutiu pelo reconhecimento de valores que inspiraram os
princípios da tributação, constitucionalmente expressos ou implícitos.
No campo Tributário, o representante da virada kantiana foi Klaus Tipke20,
que sob a luz das teorias contemporâneas examinou o ordenamento positivo
tributário, formulou a teoria de que os postulados éticos se concretizam na ordem
jurídica. Ou seja, a ética não permanece no plano abstrato, pelo contrário, ela se
positiva na lei (visão kantiana suprapositiva), se transforma em direito tributário
18
Criticando a tendência do refluxo da Constituição em matéria tributária, Alberto Nogueira assim se
pronunciou: “Está, sem dúvida, na contramão da história, a idéia de “desconstitucionalização”, no pertinente a
matéria tributária, sendo ela própria, e não o texto em vigor, dessincrônica. Só poderá servir para a ruína da única
parte do sistema estruturado na Constituição, que tem a seu favor a tradição de instrumento eficaz de contenção
dos abusos legislativos, freqüentemente cometidos em parceria com o Poder Executivo. Desmontado esse
sistema constitucional, restará o descalabro inconteste da legislação infraconstitucional existente, que faz
amontoar o entulho autoritário anterior à redemocratização com o posterior, que se somarão às futuras investidas
do legislador ordinário e do Executivo. (NOGUEIRA, Alberto. Os limites da legalidade tributária no Estado
democrático de direito. Fisco x contribuinte na arena jurídica: ataque e defesa. Rio de Janeiro: Renovar, 1999,
2ª ed., p. 106).
19
No Brasil esta influência aconteceu de forma lenta, pois nossos tribunais adotaram o modelo de regras,
conforme o previsto no Código Tributário Nacional, artigo 108, que ao adotar estas regras de interpretação,
reservaram um papel secundário para os princípios; e a doutrina pátria apegou-se apenas ao princípio da
legalidade. Porém, nos últimos anos, algumas exceções foram observadas pelo Supremo Tribunal Federal,
recuperando, assim, em parte a importância dos princípios. (ADIn-1655, Relator Ministro Maurício Corrêa,
publicado no DJ de 24/10/97. Consulta no site do STF, disponível em http://www.stf.gov .br/jurisp.html. Acesso
em 18/12/2004).
20
Klaus Tipke, jurista Alemão foi autor do livro Justiça Fiscal na Teoria e na Prática e posteriormente publicou
um tratado, onde expôs a sua doutrina da justiça fiscal, intitulado como O Ordenamento jurídico tributário, em
três volumes, onde, traça os fundamentos sistemáticos e os princípios jurídicos do Direito Tributário, trata da
teoria da justificação dos impostos na Alemanha e busca demonstrar um sistema tributário coerente baseado no
princípio da capacidade contributiva.
25
positivo. Defende que a justa repartição do ônus tributário é um imperativo da ética,
vinculando esta à idéia de justiça.
Embora com esta visão moderna, Klaus Tipke tem sofrido críticas por
parte de Paul Kirchhof21, que preocupado mais com a liberdade do que com a
justiça, coloca como pano de fundo no relacionamento entre a ética e o direito a
questão dos direitos fundamentais, onde a justiça fiscal deve ser buscada na
moldura desses direitos.
Mas a tributação deve encontrar um equilíbrio entre liberdade e justiça,
pois esta relação é ponto de constante tensão no pensamento jurídico. No Direito
Tributário contemporâneo foi resgatada a idéia de justiça tributária que havia sido
repudiada pelo positivismo, e que, na atualidade, ganha concretude constitucional
através dos princípios constitucionais tributários, que passam a ser o canal de
comunicação entre o sistema jurídico e o sistema de valores éticos.
Assim, a importância dos princípios no campo tributário é enfatizada,
obrigando a sua observância, na tentativa de assegurar uma tributação racional,
justa, equilibrada e harmônica.
A atividade tributária passa a ser examinada sob a luz das teorias da
justiça e dos direitos humanos, frutos da aproximação entre a ética e o Direito; a
ética tributária se revela num equilíbrio entre a necessidade de recursos por parte do
poder estatal e a liberdade do cidadão. Neste contexto, a tributação justifica a
limitação da liberdade individual em nome da liberdade coletiva, onde o cidadão
busca no Estado proteger a sua liberdade individual e o Estado exige uma
contraprestação pecuniária para garantir-lhe a liberdade coletiva.
21
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário - valores e princípios
constitucionais tributários. Rio de Janeiro: Renovar, volume II, 2005, p. 9.
26
No Estado democrático fiscal, a liberdade adquire feição de igual
liberdade, se caracterizando como a liberdade que se aproxima da justiça na mesma
equação valorativa22, embora a tensão entre liberdade e tributo seja constante, pois
este pode implicar em opressão daquele quando exercido além dos limites aceitos.
Para Ricardo Lobo Torres “o tributo surge no espaço aberto pelas
liberdades fundamentais, o que significa que é totalmente limitado por essas
liberdades”, e conclui que:
O relacionamento entre liberdade e tributo é dramático, por
se afirmar sob o signo da bipolaridade: o tributo é garantia de
liberdade e, ao mesmo tempo, possui extraordinária aptidão para
destruí-la; a liberdade se autolimita para se assumir como
fiscalidade e se revolta, rompendo os laços da legalidade, quando
oprimida pelo tributo ilegítimo.23 ( os grifos não são do original)
É justamente pelo relacionamento dramático da relação tributária que o
poder fiscal fica restringido pelas liberdades individuais. A constante invasão do
Estado sobre a esfera dessas liberdades em busca de recursos tributários, faz com
que seja indispensável a aplicação dos direitos fundamentais na relação jurídicotributária, para a proteção das liberdades individuais contra as investidas do Estado
arrecadador. E, assim, esses direitos exercem uma permanente limitação do poder
do Estado em impor o dever de pagar tributos.
Um outro aspecto, também visualizado dentro constitucionalismo
moderno, e que traz conseqüências frente à tributação, causando uma intrigada
relação de força, é a pressão do Estado para executar as políticas características do
Estado social de direito e a necessidade de arrecadação para suportar essas
mesmas políticas, uma vez que as garantias individuais são constantemente
questionadas pelo poder de tributar.
22
23
Idem, ibidem, p. 83
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 2005, p. 4-6.
27
Este ponto é ainda mais sensível nos países subdesenvolvidos,
intitulados como de terceiro mundo, onde os custos estatais estruturais são
elevadíssimos e o Estado não consegue cumprir o seu papel no atendimento dos
direitos sociais contemplados nas Constituições, na promoção das políticas públicas
destinadas à atenuação das desigualdades sociais e na criação de ambiente
econômico saudável; tendo ainda como agravante uma carga tributária alta e uma
dívida pública elevadíssima.24
Assim, as Constituições modernas, além de uma inserção de direitos
sociais, possuem como traço comum as limitações do poder público e as garantias
dos direitos e liberdades do indivíduo, embora as limitações do poder estatal não
precisam de estar necessariamente escritas.
No plano tributário, esses direitos de liberdade não se relativizam, pelo
poder de tributar, pelo contrário, são limitadores do poder de tributar. Servem de
substrato, de parâmetros para que a imposição tributária seja exercida em
conformidade com a justiça fiscal, com uma distribuição igualitária do ônus tributário,
respeitando a capacidade de cada cidadão em poder contribuir para as despesas
públicas dentro dos limites impostos pela Constituição.
É dentro desse novo cenário constitucional que o nosso estudo se acha
encartado.
24
A arrecadação dos impostos e contribuições administrados pela Receita Federal e das demais receitas (taxas e
contribuições controladas por outros órgãos, excluídas as contribuições previdenciárias) atingiu o valor de
R$ 322,5 bilhões no período de janeiro a dezembro de 2004 e em 2005, no período de janeiro a junho assumiu o
patamar de R$ 175, 7 bilhões. E o serviço da dívida pública brasileira (interna e externa) consome mais da
metade do orçamento, em 2004, do orçamento federal foram 70,49% (soma das rubricas encargos financeiros da
União - 12,51% e refinanciamento da dívida pública mobiliária federal – 57,98%). Fonte: Lei n° 10.837 de 16 de
janeiro de 2004.
28
Seção III- JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
O ideal de justiça está inserido na alma do homem, que ao se tornar
consciente, principalmente com o convívio social iniciado com a experiência na
família, já sente em seu âmago a transformação moral, que passa a ser limite para
todos os seus atos. A concepção de justiça justifica várias ações do homem ou de
uma sociedade, e em nome dela, muitas guerras, revoltas e conflitos foram e ainda
são gerados.
A formulação de uma noção de justiça é bastante complexa, embora seja
um valor universalmente prestigioso e aclamado por todos. Não é objeto de nosso
trabalho o estudo profundo de suas teorias, mas tão somente entender como o valor
justiça tributária ganha concretude por seu princípio maior que é o respeito da
capacidade contributiva.
O tema da justiça é um assunto conflitante. E, embora exista uma
variedade de concepções sobre o que é justiça e a sua natureza, é inegável a idéia
de igualdade como elemento comum à maioria das concepções, pois esta é
essencial na aplicação de sua noção, numa tentativa de análise lógica do que é
justiça, de como estabelecer suas regras e de como efetivá-la. Ou seja, a igualdade
é o objetivo de quem pretende ser tratado com justiça.
Sendo sua conceituação um tanto confusa, a análise lógica de sua noção
é um permanente desafio aos filósofos do Direito, e não existe consenso entre estes
estudiosos sobre o seu significado. São vários os sentidos, planos e ideologias que
modelam o desenvolvimento de uma teoria da justiça. Segundo Chaim Perelman:
... toda visão do mundo molda a sua maneira os critérios de
conduta válida, não se ficará nem um pouco espantado de
constatar, ao estudar os textos relativos a noção de justiça, que
esta se encontra imersa na ambigüidade e na confusão, à primeira
vista ainda mais irremediáveis por resultarem, a um só tempo, da
29
variedade das ideologias que a modelam e da diversidade dos
planos nos quais se encontra desenvolvida uma teoria da justiça.25
No campo tributário não é diferente, a idéia de se fazer uma tributação
justa sempre foi aspiração da humanidade. A justiça tributária é um ideal almejado
por todos, mas não é uma mera utopia, uma figura retórica, é um valor que deve
alicerçar toda a atividade da tributação, principalmente por ter esta a capacidade de
“destruir” ou de “conservar”.26
Com a aproximação da ética e do direito no pós-positivismo, houve
também uma reaproximação entre justiça e liberdade no campo tributário, através do
resgate da teoria da justiça tributária, que compreende o processo justo na cobrança
dos tributos.
A justiça tributária é uma das formas da justiça fiscal, que é um termo
amplo que comporta a própria justiça tributária, a financeira (que abrange
transferências intergovernamentais e subvenções econômicas e sociais) e a
orçamentária (que trata do justo nas despesas e nas receitas públicas)27.
É através da justiça fiscal que se pode concretizar a justiça política, onde
o Estado promove a redistribuição de rendas através de suas instituições,
procurando alcançar os objetivos traçados constitucionalmente pelo Estado
Democrático de Direito. A justiça fiscal é um dos instrumentos para a promoção da
distribuição e redistribuição de rendas.
Pode-se dizer que a justiça tributária é por excelência uma justiça
distributiva, Klaus Tipke coloca que esta se concretiza como justiça contributiva, e
25
PERELMAN, Chaim. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.68.
A jurisprudência americana, através do julgado de Marshall afirmou que o poder de tributar envolve o poder de
destruir. Contrapondo à teoria de Marshall, o juiz Holmes afirmou que o poder de tributar não é o poder de
destruir, mas o dever de conservar e Frankfurter disse que o poder de taxar é o poder de assegurar a
sobrevivência do contribuinte. ( TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 1999, p. 45).
27
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit. 2005, p. 121-124.
26
30
para Ricardo Lobo Torres28 é em parte distributiva, com seus princípios específicos
(capacidade contributiva, distribuição de rendas), e também comutativa, no que
concerne às taxas e às contribuições.
Na vertente da justiça fiscal como justiça distributiva, a capacidade
contributiva é o mais importante dos princípios, onde cada um deve pagar o tributo
em conformidade com sua riqueza, consistindo, assim, em uma das regras de ouro
da justiça.
Na tentativa de dar um sentido à justiça material, Chaim Perelman tentou
definir a justiça a partir de uma lógica formal, optou por estabelecer como regra de
justiça a igualdade formal. Definiu a justiça formal como um princípio de ação,
segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados do
mesmo modo. Interessou-se em criar com a Nova Retórica, uma doutrina de
confrontação de argumentos contrários, que através de uma lógica de juízos de
valores, capazes de fornecerem critérios objetivos e universais, poderiam persuadir
por meio do discurso. Fez da igualdade o elemento invariável na relação de justiça,
uma vez que a idéia de igualdade sugere a todas as pessoas certa noção do que é
justiça, ou seja, ser justo é tratar de um mesmo modo as pessoas iguais, os seres
pertencentes à mesma categoria. Mas a concepção de igualdade fundamenta-se
em valores escolhidos de forma aleatória.
E assim, dentro de um conceito formal de justiça enumerou algumas
fórmulas de justiça distributiva 29:
1º - a cada qual a mesma coisa: esta fórmula preconiza uma concepção
igualitária de justiça e parece realizar o ideal de justiça perfeita, onde todos devem
28
29
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 1998, p. 185
PERELMAN, Chaim. Op. cit., p. 19.
31
ser tratados da mesma forma, uma distribuição idêntica de tudo a todos,sendo que
todos deve ser entendido como os membros da mesma categoria essencial.
2º - a cada qual segundo seus méritos: esta fórmula coloca a aplicação da
justiça de forma proporcional ao mérito da pessoa, o valor intrínseco do indivíduo.
3º - a cada qual segundo suas obras: para aplicação desta lição deve-se
levar em conta o trabalho, a produção ou o conhecimento dos indivíduos, nesta
fórmula o critério distributivo se atém aos resultados da ação humana.
4º - a cada qual segundo suas necessidades: esta fórmula pressupõe
uma desigualdade que deve ser evitada ou diminuída, se aproxima de uma
concepção de caridade, embora não possa ser considerada sinônima desta. Indica
que devem ser tratados da mesma forma as pessoas da mesma categoria com as
mesmas necessidades, sendo estas necessidades essenciais ao homem.
5º - a cada qual segundo sua posição: esta fórmula consiste no
tratamento das pessoas conforme a categoria a que pertençam. Considera como
justo o tratamento diferenciado para membros das classes diversas.
6º - a cada qual segundo a lei lhe atribui: com esta fórmula temos que o
justo é conceder a cada um o que a lei prescreve, ou seja, cabe ao juiz aplicar às
mesmas situações a mesma disposição legal, não sendo assim a aplicação da lei
um ato discricionário, mas uma observância da regra estabelecida; esta regra se
ajusta a todo e qualquer sistema jurídico, pois prescreve que a justiça deve respeitar
o direito positivo.
Dentre estas fórmulas, o princípio da capacidade contributiva se enquadra
na terceira, no sentido de que quem produz mais deverá contribuir com mais, e
quem possui menos condições irá contribuir com menos. Neste sentido, a tributação
deve respeitar o mínimo existencial e um máximo suportável, para que a tributação
32
não desestimule a pessoa, para que esta possa continuar produzindo. Também se
enquadra na quarta fórmula, onde o sentido da mesma remete para a sociedade a
obrigação de zelar por seus membros, um dever de solidariedade que se encontra
embutido na concepção do tributo. Mas aplicando esta fórmula ao princípio da
capacidade contributiva, temos que a tributação somente pode atingir o excedente
das condições mínimas indispensáveis a uma vida digna, onde este mínimo deve
estar excluído da tributação.
Klaus Tipke30 completa estes seis critérios apontados por Perelman com
um sétimo: a cada um segundo a sua capacidade, a significar que quem possui
maior renda ou maior patrimônio, deve pagar mais imposto. Embora, posteriormente,
moderou a sua visão da ética moral, extraindo dos princípios do Estado Social de
Direito e da justiça material o princípio da capacidade contributiva, afirmou que este
é o princípio fundamental de uma tributação materialmente justa e que encontra sua
justificativa na consciência jurídica geral e na razão prática.
O princípio da capacidade contributiva corresponde ao princípio do
Estado Social, não na medida em que todos devam pagar igualmente o mesmo,
mas na medida em que a carga tributária do indivíduo seja mensurada segundo sua
renda: quanto mais alta a renda, mais alto o imposto31.
Analisando as fórmulas apontadas por Perelman e fazendo uma
comparação de como o princípio da capacidade contributiva foi tratado pelas
Constituições Brasileiras de 1946 e 1988, Tércio Sampaio Ferraz Júnior32 conclui
que a imposição deste princípio na Carta Magna de 1946 está em conformidade com
30
TIPKE, Klaus. Apud TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 1998, p. 186
O princípio do Estado social dá à justiça um acento social; ele cuida para que a justiça não se esgote na
igualdade perante a lei, mas também vise mais a igualdade material, a fim de que a distribuição de renda e
patrimônio não seja tão ruim, a ponto de ameaçar a paz social. (TIPKE, Klaus. YAMASHITA, Douglas. Justiça
fiscal e princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 43-44)
32
JUNIOR, Tércio Sampaio Ferraz. Interpretação e estudos da Constituição de 1988. São Paulo: Editora Atlas
S.A., 1990, p. 54-58
31
33
a 3ª fórmula - a cada um segundo suas obras, onde este princípio foi colocado como
um valor que o legislativo deve respeitar ao tipificar as tributações. Já a Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 145, § 1º, aderiu a 4ª
fórmula, a cada um segundo suas necessidades, tendo o sentido de preceito
material de justiça. Esta Lei Maior autorizou o legislador a articular e configurar o
interesse público, levando em conta suas tarefas sociais; estabeleceu, assim, uma
missão ao Estado, pela via tributação, de diminuição das injustiças sociais, sendo
que para isto, possibilitou à Administração identificar o patrimônio, os rendimentos e
as atividades econômicas do contribuinte.
Por outro lado, na reflexão da justiça tributária como justiça distributiva,
John Rawls fornece uma filosofia política através de sua Teoria da Justiça33,
oferecendo
várias
reflexões
político-filosóficas
acerca
da
justiça
sobre
a
reformulação procedimentalista do contratualismo clássico, de forma a reabilitar o
liberalismo político através de uma articulação teórica dos ideais de liberdade,
igualdade e de justiça num sistema de direitos.
Indica os princípios básicos e demonstra, com a definição desses
princípios, que a sua concepção política de justiça pode ser compartilhada em uma
sociedade democrática, de cidadãos racionais, livres e iguais. Os princípios básicos
escolhidos pela sociedade de pessoas originalmente iguais ou em situação de
igualdade, livres e racionais deveriam encaminhar para a formação de bases
fundamentais a serem utilizadas nos acordos vindouros e na cooperação social.
Neste pacto hipotético, na posição original e sob o “véu da ignorância”, os princípios
33
Em sua “Teoria da Justiça”, publicada originalmente em 1971, Rawls objetivou apresentar uma concepção de
justiça que servisse para generalizar e elevar a um nível superior a teoria do contrato social, já conhecida e
desenvolvida por pensadores como John Locke, J. J. Rousseau e Kant. Discute a concepção de justiça como
eqüidade, examinando a maneira pela qual as idéias intuitivas básicas de sua concepção de justiça combinam
com uma concepção política da justiça para uma democracia constitucional. RAWLS, John. Uma teoria da
justiça. Trad. Carlos Pinto Correia. Lisboa: Editorial Presença, 1993.
34
que iriam vigorar posteriormente eram escolhidos. Com isto, acredita-se que os
princípios de justiça seriam o resultado de uma negociação eqüitativa, uma vez que
os participantes do processo estariam em situação de igualdade, sendo assim
incapazes de apregoar princípios que lhe pudessem beneficiar diretamente. Sendo
assim, os acordos fundamentais estabelecidos na posição original seriam
eqüitativos, consolidando a justiça como eqüidade.
A teoria da justiça, enquanto idéia contratualista, do jurisfilosófo John
Rawls tem influenciado com certa relevância o pensamento contemporâneo da
filosofia do direito, na medida em que apresenta uma correlação entre a justiça e a
igualdade, onde esta pode ser pensada entre os homens como possível de se
perceber na origem da sociedade.
Esse jurista americano trabalha o ideal de justiça apontando os princípios
mais apropriados aos cidadãos dotados de personalidade moral e habilitados a
participar da sociedade. Segundo Rawls, os princípios de justiça capazes de garantir
a liberdade e a igualdade e que serviriam para efetivar a distribuição eqüitativa dos
bens primários ou bens tidos como fundamentais para todos os homens, seriam:
1º - cada pessoa tem o mesmo direito irrevogável a um
esquema plenamente adequado de liberdades básicas iguais que
seja compatível com o mesmo esquema de liberdades para todos;
2º - as desigualdades sociais e econômicas devem
satisfazer duas condições: primeiro, devem estar vinculadas a
cargos e posições acessíveis a todos em condições de igualdade
eqüitativa de oportunidades; e, em segundo lugar, têm de
beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos da
34
sociedade (princípio de diferença) .
Com este dois princípios imantados pela igualdade, Rawls coloca que os
valores
sociais
devem
ser
distribuídos
igualmente,
somente
aceitando
a
desigualdade quando esta venha a trazer vantagens aos grupos menos privilegiados
da sociedade. O segundo princípio além de trazer a idéia da desigualdade, trata da
34
RAWLS, John. Justiça como equidade – uma reformulação. Tradução Cláudia Berliner. São Paulo: Martins
Fontes, 2003, p. 60.
35
distribuição de renda e de bens, posto que este princípio tem a função de corrigir os
defeitos da igualdade formal de oportunidades.
O princípio da diferença, que trata da distribuição dos bens na sociedade,
pode ser decomposto em três partes. A primeira diz respeito à distribuição da
desigualdade no âmbito da sociedade, devendo maximizar o bem-estar dos menos
favorecidos, de modo que traga um benefício maior para os representativamente
mais pobres. A segunda exige que as posições e funções na sociedade têm de
estar abertas a todos indistintamente. E, como última parte, coloca que os indivíduos
devem se encontrar em uma posição eqüitativa de oportunidades, com condições
mínimas de existência, uma vez que sem estas há uma inviabilização das liberdades
asseguradas pela ordem jurídica.
Assim, Rawls coloca que todos os homens têm o direito à liberdade e, em
função da existência das desigualdades sociais, deve-se prever um sistema de
vantagens para os menos favorecidos e uma justa igualdade de oportunidades. A
justiça como eqüidade objetiva mostrar uma base pública de justificação nas
questões de justiça política, levando-se em conta a existência de um pluralismo
razoável. A busca primordial da justiça consistirá na forma pela quais as instituições
sociais distribuem os direitos e deveres fundamentais, e de como determinam a
divisão dos benefícios na sociedade.
Colocando a teoria da justiça como equidade de John Rawls no campo da
justiça tributária, temos que com base em seus princípios de justiça, a atividade
tributária deve respeitar e promover o mínimo existencial e evitar as desigualdades
injustificadas.
Ricardo Lobo Torres ao analisar a teoria de Rawls aponta as principais
influências dessa teoria no âmbito da justiça fiscal:
36
No campo da justiça fiscal John Rawls extrai importantes
conseqüências a partir do princípio do “maximin”, que se inclui na
concepção de “justice as fairness” e que leva as pessoas, em
razão do véu da ignorância, a aceitar desigualdades que
maximizem as expectativas dos grupos menos afortunados da
sociedade, ou seja, que lhes garanta, na pior das hipóteses, um
mínimo social. Desenvolve, com base no economista americano
Richard Musgrave, extensa lição sobre a igualdade entre gerações
e sobre o mínimo existencial.35
A atividade tributária se enquadra na idéia de justiça distributiva e deve
obedecer a idéia de igualdade eqüitativa na repartição do ônus tributário. Ou seja,
cada qual deve contribuir para as despesas do Estado na medida de sua riqueza, de
modo que, através da tributação e do dever de cooperação social da sociedade para
com todos os seus membros, possa haver uma distribuição de rendas e uma
promoção do mínimo necessário a uma vida digna.
Klaus Tipke ao construir sua teoria a respeito da justiça tributária denota a
influência recebida da visão procedural e da teoria da justiça com imparcialidade de
John Rawls, bem como da teoria da justiça formal de Chaim Perelman. Concretiza o
conceito de justiça como: “Justiça por meio de um tratamento isonômico; tratamento
isonômico segundo um critério adequado à matéria; justiça social- tributação
socialmente justa com base num princípio adequado à matéria, que somente pode
ser sacrificado por princípios do mesmo valor”.36
A partir da retomada da ética fiscal, formula uma teoria onde a justiça se
forma a partir de princípios justos, que cria uma medida uniforme e proporciona um
tratamento isonômico e imparcial a todos. Afirma que o princípio da igualdade é
uma decorrência do postulado da justiça, onde qualquer desigualdade deve vir
justificada. E, ao apontar o princípio da capacidade contributiva como o critério justo
de repartição da carga de impostos, estabelece que a atividade tributária deve ser
uma política de justiça e não mera política de interesses.
35
36
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 2005, p. 85.
TIPKE, Klaus. YAMASHITA, Douglas. Op. cit., 2002, p. 22.
37
Assim, o princípio da capacidade contributiva é ressaltado como
expressão da justiça fiscal e utilizado para justificar os tributos, apoiando-se na tese
da interpretação da norma tributária pelo método teleológico, analisa os parâmetros
que o legislador deve utilizar para determiná-lo.
No Direito Tributário, a justiça se dá por meio do tratamento isonômico,
que deve ser orientado pelo princípio da capacidade contributiva, pois este é o único
princípio justo de comparação para a aplicação do princípio da igualdade37 .
Em sua teoria estabelece duas regras de justiça financeira: a cada um de
acordo com a sua necessidade e a cada um de acordo com a sua capacidade, a
primeira orienta a justiça das subvenções de acordo com os interesses conjunturais
ou econômicos do Estado e a outra, a justiça tributária.
Assim, a justiça tributária tem como pressuposto a defesa da igualdade na
tributação, mediante eqüitativa repartição da carga fiscal, tendo como expressão
maior o princípio da capacidade contributiva, que é a medida de justiça fiscal por
excelência; deve haver uma igualdade na distribuição do ônus tributário, respeitando
o mínimo existencial e, devendo a igualdade ser entendida como universalidade da
tributação38.
O princípio da capacidade contributiva está subordinado à idéia de justiça
distributiva, uma vez que promove a tese igualitária. É o mais importante dos
princípios de justiça fiscal por reunir em sua observância os direitos humanos
fundamentais da limitação do poder de tributar, formando, assim, um quadro
valorativo de tensão e ponderação na aplicação das garantias constitucionais39.
37
TIPKE, Klaus. Sobre a unidade da ordem jurídica tributária. In SCHOUERI, Luís Eduardo, ZILVETTI,
Fernando Aurélio. Direito Tributário – Estudos em homengem a Brandão Machado. Trad. Luis Eduardo
Schoueri. São Paulo: Dialética. 1998, p. 64.
38
TIPKE, Klaus. Princípio da igualdade e idéia de sistema no direito tributário. In MACHADO, Brandão
.Direito tributário – Estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Editora Saraiva, 1984,
p. 518.
39
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 2003, p. 434
38
CAPÍTULO II - O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, PRINCÍPIO
NORTEADOR DE JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
Seção
I-
ESCORÇO
HISTÓRICO
DO
PRINCÍPIO
DA
CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA
A questão da capacidade contributiva, como justiça da tributação não é
um problema novo da ciência jurídica, pelo contrário, a doutrina aponta sua elevada
antiguidade. Há milênios, aqueles que são obrigados a contribuir pugnam pela
justiça na decretação e liquidação dos tributos.
Podem ser encontrados registros desta questão ao longo da história, até
mesmo na antiguidade clássica, e sua origem remonta do próprio surgimento da
atividade tributária e da idéia de justiça fiscal.
I.1- Origem e histórico
Segundo Becker40, este princípio deriva do tronco filosófico da justiça
distributiva que deita raízes na Grécia Antiga, não sem antes haver preocupado os
egípcios, ou seja, no Antigo Egito já prevalecia a idéia de que o tributo deveria
guardar relação com a riqueza daqueles que os deveriam pagar.
Na Inglaterra, a Magna Carta, assinada pelo rei João Sem-Terra em
1215, apesar de ser um documento essencialmente feudal, representou um avanço
no delineamento de direitos hoje consolidados, embora lhe faltasse o elemento
essencial da universalidade.
Carlos Palao Taboada41 indica que, provavelmente, desde que se criaram
os impostos, em algum momento remoto da história, percebeu-se que estes
40
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 1972, p. 437.
TABOADA, Carlos Palao. Isonomia e capacidade contributiva. In Revista de direito tributário nº 4. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 126.
41
39
deveriam ser recolhidos de acordo com a riqueza daqueles que deveriam pagá-los.
A filosofia medieval deu maior precisão a essa idéia, creditando a Santo Tomás de
Aquino a determinação de que cada um deveria pagar os tributos secundum
facultatem ou secundum equalitem proportionis; e segundo este teólogo haveria
impostos justos ou injustos, conforme obedecessem ou não a este critério, ou seja, a
não instituição de impostos justos seria pecado e os impostos injustos não deveriam
ser pagos, pois correspondiam a um procedimento arbitrário dos soberanos.
Esta idéia levou Adam Smith a demonstrar uma necessidade de equidade
na tributação, devendo haver relação entre a capacidade contributiva e o valor a ser
determinado como tributo. Através de sua obra a fundamentação deste princípio
ganhou contornos de ciência e acabou por se propagar nas sociedades ocidentais
como expressão maior da justiça tributária, sustentou que: “os súditos de cada
Estado devem contribuir o máximo possível para a manutenção do Governo, em
proporção a suas respectivas capacidades, isto é, em proporção ao rendimento de
que cada um desfruta, sob a proteção do Estado”.42
Pregava que os cidadãos tinham o dever de contribuir para as despesas
do Estado na proporção de seus recursos para que possam gozar da proteção do
Estado, ou seja, o ônus suportado pelos cidadãos deveria sê-lo apenas e tão
somente na medida de sua aptidão econômica para concorrer com o financiamento
das despesas estatais.
Adam Smith traçou quatro regras tributárias – justiça, certeza,
comodidade e economia, conhecidas com os cânones ou máximas, onde o cânone
da justiça sugere a observância do princípio da capacidade no custeio dos gastos do
42
SMITH, Adam. A Riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. Trad. de Luiz João
Barúna. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1985, p. 247.
40
Estado. Nestas máximas, ainda hoje válidas, estão fixadas as raízes do sistema
tributário.
Com o advento do liberalismo, em que a principal idéia era o absenteísmo
estatal da vida social, não houve uma preocupação especial com os efeitos
econômicos dos gastos públicos ou com a arrecadação tributária. Com efeito, a
doutrina liberal orientou-se pela noção de que a administração pública era ineficiente
e com gastos improdutivos; difundiu-se a crença de que a arrecadação tributária
deveria limitar-se ao máximo indispensável, balizada apenas por objetivos
puramente fiscais.
Para neutralizar os excessos do liberalismo, surgiu a convicção de que
apenas através do Estado seria possível obter a contraposição capaz de suprir as
necessidades sociais emergentes. Neste contexto, o Estado começa a ser cada vez
mais solicitado a intervir na vida social, toma corpo a doutrina do intervencionismo e
de Estado dirigista. São exigidas medidas de planejamento econômico e social, uma
intervenção direta e dirigente na economia e um sistema de prestações em todos os
níveis da vida social.
O tributo passa a não se revestir mais do aspecto meramente fiscalista,
de simples meio de obtenção de recursos para o Estado, passando também a
encerrar objetivos extrafiscais que visam a uma dimensão nitidamente social.
Na evolução histórica do princípio da capacidade contributiva formaramse várias teorias na busca de um critério justo para a distribuição do encargo fiscal.
A teoria do igual sacrifício da doutrina utilitarista defendeu que a tributação em
conformidade com a capacidade contributiva encontrava sua justificativa no igual
sacrifício dos contribuintes e, serviu de embasamento para a idéia de
progressividade. A teoria do benefício também se prestou para fundamentar o
41
princípio da capacidade contributiva. Benvenuto Griziotti43, para verificar o potencial
econômico do contribuinte, defendeu a tese de que se deveria criar um nexo de
causalidade entre a capacidade contributiva e a obrigação tributária.
Na história da humanidade, a idéia de justiça fiscal se enraizou e os
acontecimentos de muitos fatos históricos relevantes podem ser atribuídos ao
arbítrio na atividade de tributação, que, em maior ou menor grau, desrespeitava a
dignidade e o sentimento de justiça dos obrigados ao seu pagamento, como por
exemplo, a Revolução Francesa e a Inconfidência Mineira, dentre outros.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789 fez
referência ao princípio da capacidade contributiva em seu artigo 13: “doit être
également répartie entre tous les citoyens, en raison de leurs facultés”, a
contribuição para as despesas da administração deveria ser igualmente repartida
entre todos os cidadãos do Estado na proporção de seu patrimônio.
A Constituição Francesa de 1791 influenciou a maioria das Constituições
que acolheram o princípio da capacidade contributiva em seus textos ou que
passaram a respeitá-lo como um corolário do princípio da igualdade. Desenvolveu o
conceito de que os tributos são uma contrapartida para os benefícios concedidos
pelo Estado na proteção de sua pessoa e de sua propriedade. Assim, esta
Constituição declarou que a regra da distribuição do encargo das despesas públicas
deveria ser feito de modo igual entre os cidadãos, respeitando suas faculdades.
Posteriormente este tema passou a fazer parte de vários textos
constitucionais, a Constituição Francesa de 1848, por exemplo, em seu artigo 15
rezava que “cada cidadão contribui para o imposto na proporção de suas faculdades
e de sua fortuna”. A Constituição Alemã de 1919 (Weimar), em seu artigo 134
43
ZILVETI, Fernando Aurélio. Princípios de direito tributário e a capacidade contributiva. São Paulo: Quartier
Latin, 2004, p. 149.
42
também fez menção ao princípio da capacidade contributiva. Outro exemplo que
deve ser lembrado, é a Constituição Italiana de 1947, que em seu artigo 53
expressou que “todos são obrigados a pagar impostos em conformidade com sua
capacidade contributiva.” A Constituição Brasileira, a Constituição Argentina, a
Espanhola, também fazem menção a este princípio, mas utilizam a expressão
capacidade econômica como sinônima de capacidade contributiva. Podemos dizer
que vários foram os países que consagraram este princípio em suas Constituições.
Assim, a partir do século XX, nos países ocidentais este princípio passou
a ser aceito como um princípio constitucional que deverá orientar o poder tributário
do Estado, um princípio que convalida a tributação e garante a justiça fiscal.
É neste contexto histórico que se identifica a origem da capacidade
contributiva, que acabou por se tornar marca presente na quase totalidade das
ordenações ocidentais contemporâneas.
I.2- Seu tratamento nas Constituições Brasileiras
Em nosso país, historicamente, este princípio apareceu na Constituição
Imperial de 1824, que em seu artigo 179, inciso XV mencionava que “ninguém será
isento de contribuir para as despesas do Estado, na proporção de seus haveres”.
Assim, sob a influência das Declarações de Direitos do século XVIII, inscrevia-se a
noção da correspondência entre pagamento de tributos e capacidade de contribuir;
estava também embutido neste artigo o princípio da generalidade, onde “ninguém”
se traduzia na idéia de generalidade.
As Constituições posteriores deixaram de prestigiar o princípio da
capacidade contributiva, se omitindo em relação a ele, embora a consciência jurídica
do país o reconhecesse.
43
A Constituição Federal de 1946 trouxe de modo expresso este princípio
em seu artigo 202: “Os tributos terão caráter pessoal sempre que isto for possível, e
serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”. Apesar de vir
de modo expresso e de forma clara, tal proposição diretora não era vista como
provida de executoriedade.
A Emenda Constitucional 18 de 1965 retirou este dispositivo do texto da
Constituição, revogando, assim, o princípio da capacidade contributiva como
mandamento constitucional. Este princípio não figurou na Constituição de 1967 e
não na Emenda Constitucional 1/1969.
Embora tenha sido deixado de constar expressamente no texto
constitucional, ficou ínsita a sua idéia no sistema tributário, uma vez que continuou a
nortear a tributação via anseio de justiça tributária, onde para muitos doutrinadores,
continuava implícito na Carta de 1969, por esta adotar um regime democrático44.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, na seção I do capítulo
do Sistema Tributário Nacional, o princípio da capacidade contributiva ressurge
novamente na seara constitucional como princípio expresso e com um significado
particularmente importante. Foi acolhido na Carta Magna como um princípio
segundo o qual o cidadão tem a garantia de não sofrer uma exação fiscal acima de
sua capacidade econômica.
A forma como está colocado este princípio em nossa atual Constituição foi
alvo de muitas críticas, também ensejou interpretações divergentes à vista da
redação de seu texto, bem como se entrelaça com outros direitos e garantias
constitucionalmente consagrados. É o que passaremos a analisar.
44 Na visão de Baleeiro este princípio permaneceu na CF de 1969, pois que esta adotou um regime democrático,
assegurando que todos são iguais e declarando que a especificação de direitos e garantias expressas não excluía
outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adotava. ( BALEEIRO, Aliomar, op.
cit, p.687).
44
Seção II- ESTUDO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
II.1- Conceito de Capacidade Contributiva
Conceituar de forma precisa e abrangente o que é capacidade
contributiva é uma tarefa árdua e tem sido objeto de várias discussões,
principalmente pela idéia de justiça a que está vinculada. Mas na doutrina, tanto na
nacional quanto na estrangeira, podemos encontrar vários entendimentos sobre o
conceito deste princípio, bem como sobre as expressões capacidade econômica e
capacidade financeira para se referirem à capacidade contributiva.
O conceito do que possa representar a idéia de capacidade contributiva
encontra-se ligado à noção de justiça em matéria de tributação, e carrega em si a
marca do princípio constitucional da igualdade.
A noção de capacidade contributiva está ligada a duas considerações
básicas para a imposição tributária, que são o conteúdo econômico e a idéia de
justiça da tributação. Assim, no que diz respeito ao princípio da capacidade
contributiva não se pode negar o fundamento econômico-financeiro do conceito,
muitas vezes identificável com “capacidade econômica”, e não se pode refutar seu
conteúdo jurídico-político, na medida em que se encontra amalgamado com a idéia
de justiça tributária, que é fruto da visão pós-positivista de nosso tempo.
O conceito de capacidade contributiva foi proposto pelo financista italiano
Benvenuto Griziotti para significar a capacidade econômica de pagar tributos, definiu
este princípio como “a potencialidade que possuem os submetidos à soberania fiscal
para contribuir para os gastos públicos”.45 Este autor estabeleceu uma correlação
entre a capacidade contributiva e os serviços públicos, onde esta erigia-se como
elemento causal da obrigação tributária. Ou seja, este autor concebeu a capacidade
contributiva como causa última do dever de pagar impostos, onde estes eram
45
GRIZIOTTI, Benvenuto. Principios de la ciência de las finanzas. Buenos Aires, Depalma, 1949, p. 215.
45
graduados de acordo com os benefícios recebidos pelos indivíduos por meio dos
serviços públicos.
Em sua conceituação, temos que a capacidade contributiva é a riqueza
disponível após serem satisfeitas as necessidades elementares de existência. Este
financista introduziu na dogmática jurídico-tributária o conceito de capacidade
contributiva, atraindo a atenção dos juristas para o assunto que não tinha
reconhecimento da ciência jurídica. Embora no campo tributário houvesse quem
negasse qualquer traço jurídico deste princípio, considerando-o apenas como um
conceito financeiro estranho à juridicidade da tributação, um conceito vago e de
difícil aplicação concreta46.
A tese de Griziotti foi repelida na doutrina italiana, pois defenderam que
no plano jurídico era impossível formular um juízo sobre a existência da relação
entre serviços públicos e o imposto.
Com o excessivo e estéril positivismo provocado pelo progressivo
distanciamento das teses sustentadas pela Escola de Pavia, o trato da capacidade
contributiva pelos positivistas a conduziu a uma noção parajurídica47 e de
insuscetível aferição concreta, o que a relegou a um plano secundário.
Este
conceito parajurídico recebeu várias críticas, pois neste sentido o princípio da justiça
dos tributos era considerado como um princípio não jurídico. Sainz de Bujanda48
defendeu a juridicidade do princípio da capacidade contributiva, criticou este
Nesta linha, apontamos Giuliani Fonrouge e no direito brasileiro Alfredo Augusto Becker. (OLIVEIRA José
Marcos Domingues de. Op. cit. p.26-27).
47
Como exemplo, temos a orientação excessivamente positivista do mestre do Direito Tributário - Giannini, que
sustentou que o princípio da capacidade contributiva era um conceito parajurídico. (GIANNINI. Apud
OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Op. cit. p. 26 e 32-33)
48
O que em nenhum caso se poderia afirmar com fundamento é que seja um conceito parajurídico, já que,
inclusive nos ditos ordenamentos, a repartição tributária só poderá reputar-se legítima se inspirada em uma idéia
de justiça, ainda que esta tenha de buscar-se fora da letra dos textos positivos. (os grifos não são do original).
SAÍNZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda y derecho. V. III. Madri: Instituto de Estúdios Políticos, 1963, p.
181-185.
46
46
conceito, colocando que no máximo poderia ser um conceito paralegal quando não
consagrado expressamente nos ordenamentos tributários.
O jurista italiano Emilio Giardina49 revitalizou o princípio da capacidade
contributiva, definindo-o como a possibilidade de suportar o ônus tributário; ou seja,
é a capacidade econômica de pagar tributos, traduzida como a posse de uma
riqueza em medida suficiente a fazer frente à exigência fiscal. Este autor, na
tentativa de dotar de eficiência o artigo 53 da Constituição Italiana, acabou por
criticar conceitualmente este princípio, destacando a sua força econômica e
colocando-o como sem parâmetro científico para determinar o papel do contribuinte
no custeio das despesas estatais. Mas a obra de Giardina é importante como um
indicativo de mudança de atitude frente ao princípio da capacidade contributiva,
onde passaram a admitir a possibilidade de declarar inconstitucional uma lei por
ofensa a este princípio.
Outros afirmaram que apesar do conceito econômico-financeiro possuir
feições jurídicas, por ser verdadeiro pressuposto da lei tributária, entre os que assim
o conceituaram temos Rubens Gomes de Sousa50.
Ruy Barbosa Nogueira51 considerou que: “a capacidade contributiva está
inserida no sistema tributário como um conceito jurídico indeterminado”, fazemos
aqui a ressalva de que mesmo sendo considerado como indeterminado, não deixa
de ser jurídico por esse motivo.
49
GIARDINA, Emílio. Le basi teoriche del princìpio della capacità contributiva. Milano: Dott.A. Giuffrè Ed.,
1961, p.3 e 434-439.
50
Em síntese, capacidade contributiva é a soma de riqueza disponível depois de satisfeitas as necessidades
elementares da existência, riqueza essa que pode ser absorvida pelo Estado sem reduzir o padrão de vida do
contribuinte e sem prejudicar as suas atividades econômicas. Trata-se, portanto, de um conceito tipicamente
econômico, mas que adquire um efeito jurídico desde que seja adotado pela lei como base da
tributação.(SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. São Paulo: Resenha Tributária,
1982, p. 95).
51
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1995, p.13.
47
Pela linha histórica, se afirmou como um princípio jurídico de grande valor
no debate da igualdade no campo tributário. A patente correlação entre o princípio
da igualdade e o princípio da capacidade contributiva levou-o a correntes
doutrinárias divergentes, onde alguns sustentam ser o princípio da capacidade
contributiva um desdobramento, uma manifestação do princípio da igualdade e
outros defendem que a capacidade contributiva é um princípio com conteúdo
próprio.
Juristas como Ignazio Manzoni52, Roque Antônio Carrazza53, José
Maurício Conti54, Misabel Derzi55 e Alcides Jorge Costa56 dentre outros,
conceituaram a capacidade contributiva como um desdobramento do princípio da
isonomia, ou seja, um critério para mensurar a igualdade ou desigualdade; com isto,
vislumbram a capacidade contributiva como um simples aspecto em que se
desdobra o princípio da igualdade e não uma regra autônoma.
Esta corrente também é alvo de críticas, principalmente em nosso Direito
pátrio após a edição da Constituição Federal de 1988, pois esta deu status de
princípio à capacidade contributiva no sistema tributário nacional, uma vez que diz
respeito à composição estrutural e funcional do sistema.
52
O principio da Capacidade contributiva é uma afirmação da uniformidade ou igualdade tributária
(MANZONI, Ignazio. Il principio della capaictà contributiva nell’ordinamento constituzionale italiano. Torino,
G.Giappichelli Editore, 1965, p. 14)
53
O princípio da capacidade contributiva – que informa a tributação por meio de imposto- hospeda-se nas dobras
do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos”. (CARRAZZA, Roque
Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 8ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p.60 ).
54
O princípio da capacidade contributiva nada mais é do que um desdobramento do princípio da igualdade no
sistema constitucional tributário. (CONTI, José Maurício. Princípios tributários da capacidade contributiva e da
progressividade. São Paulo: Dialética, 1997, p. 26).
55
A capacidade contributiva é um desdobramento de um mesmo e único princípio, o da igualdade. (DERZI,
Misabel Abreu Machado. Princípio da igualdade no direito tributário e suas manifestações. In V Congresso
brasileiro de direito tributário – Princípios constitucionais tributários. São Paulo: IDEPE/RT, 1991, p. 163).
56
A igualdade tributária no Brasil, consiste em tributar da mesma forma todos os que têm a mesma capacidade
contributiva.( COSTA, Alcides Jorge. Capacidade contributiva. In Revista de direito tributário nº 55. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1991, p. 300).
48
Na linha de que a capacidade contributiva não é um mero desdobramento
do princípio geral da isonomia tributária, temos Luciano Amaro57 e Hugo de Brito
Machado58 que defendem a tese de que a capacidade contributiva não deve ser
interpretada como simples forma de manifestação do princípio geral da isonomia.
Na mesma postura, Marco Aurélio Greco critica quem define o princípio
da capacidade contributiva como um desdobramento da igualdade, afirmando que
este posicionamento era aceito quando o mesmo não estava consagrado pela
Constituição Federal de modo expresso. O modo como foi disposto na Carta Magna
de 1988 modifica a relação entre os dois princípios; pois o da capacidade
contributiva se antepõe ao da igualdade, tendo como objetivo uma justa tributação, e
o da igualdade tributária aparece no texto constitucional como limitação ao poder de
tributar. Nas palavras de Marco Aurélio Greco:
Neste contexto, a igualdade tributária deixa de ser um
princípio informador da tributação para se transformar em
critério de distribuição da carga tributária, `a vista da mesma
manifestação de capacidade contributiva. A capacidade
contributiva deixa de ser um desdobramento da igualdade
para se vincular diretamente à liberdade e à solidariedade
no sentido de busca da justiça. Ou seja, detectada a
capacidade contributiva a ser captada pelo imposto ( e, em
certas hipóteses, pelas contribuições), o respectivo poder de
tributar deverá ser exercido positivamente no sentido de
alcançá-la, ao mesmo tempo em que deverá atender a uma
limitação, qual seja, fazê-lo com isonomia, sem
discriminações. Em suma, isonomia é o critério de
atingimento da capacidade contributiva ( pelo menos em se
tratando de impostos e contribuições) e parâmetro de
aplicação e interpretação das normas que disciplinam a
exação. (os grifos não são do original)59.
Nesta linha crítica, temos então que antes da Constituição Federal de
1988 os dois princípios se conjugavam; assim, para se ter igualdade tributária dever57
O postulado em exame avizinha-se do princípio da igualdade, na medida em que, ao adequar-se o tributo à
capacidade dos contribuintes, deve-se buscar um modelo de incidência que não ignore as diferenças evidenciadas
nas diversas situações eleitas como suporte de imposição. E isto corresponde a um dos aspectos da igualdade,
que é o tratamento desigual aos desiguais. Mas em situações iguais o princípio da capacidade contributiva não se
resume a dar igualdade de tratamento. ( AMARO. Luciano, Direito tributário brasileiro. São Paulo: Editora
Saraiva, 9ª ed., 2003, p. 138.)
58
MACHADO, Hugo de Brito. Temas de direito tributário. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1993, p.28.
59
GRECO, Marco Aurélio. Contribuição (uma figura sui generis). São Paulo: Dialética, 2000, p. 193.
49
se-ia observar o princípio da capacidade contributiva. Agora, do modo que veio
expresso em nossa Carta Constitucional, temos que primeiro deve-se verificar a
existência de capacidade contributiva para que a tributação se justifique, para depois
ser instituída a imposição tributária sem violação da igualdade.
A evolução do conceito de capacidade contributiva é vislumbrada em três
momentos por Carlos Palao Taboada60, no primeiro a noção de capacidade
contributiva não passando de um princípio de justiça intuitiva, em que a tributação
deveria guardar alguma relação com a riqueza de quem suportaria o ônus tributário.
No segundo momento, é visto como conteúdo material e formal do princípio da
igualdade, uma complementação desta. Nesta fase começa a absorvê-la para
passar a ser entendida como um limite a partir do qual atua o princípio da igualdade.
E no último, é entendido como a especificação concreta do princípio da igualdade,
onde não mais é visto como princípio abstrato e formal, mas com conteúdo
autônomo e determinado. Segundo este autor, a crise em relação ao conceito de
capacidade contributiva se dá justamente pelo retorno deste princípio à sua
concepção original, como princípio norteador de justiça passa a se identificar com a
idéia de que a atividade tributária não pode deixar de manter um relacionamento
estreito com a riqueza de quem sofrerá a imposição tributária.
Geraldo Ataliba e Cléber Giardino61 registram que o princípio da
capacidade contributiva se traduz na exigência de moldar a tributação de modo a
adaptá-la à riqueza dos contribuintes, e a define como a “real possibilidade de
diminuir-se patrimonialmente, sem destruir-se e sem perder a possibilidade de
persistir gerando a riqueza de lastro à tributação”.
60
TABOADA, Carlos Palao. Op. cit., p. 125-154.
ATALIBA, Geraldo. GIARDINO, Cléber. Imposto de renda – capacidade contributiva -aparência de
riqueza- riqueza fictícia- renda escritural- intributabilidade de correções monetárias. In Revista de direito
tributário nº 38. São Paulo: Revista dos Tribunais, outubro-dezembro, 1986, p. 143.
61
50
José Marcos Domingues de Oliveira analisa a capacidade contributiva
sob os aspectos objetivos e subjetivos, onde o objetivo leva em conta a riqueza do
contribuinte e o subjetivo as particularidades pessoais do contribuinte, afirma que:
A capacidade contributiva é um conceito que se
compreende em dois sentidos, um objetivo ou absoluto e outro
subjetivo ou relativo.No primeiro caso, capacidade contributiva
significa a existência de uma riqueza apta a ser tributada
(capacidade contributiva como pressuposto da tributação),
enquanto no segundo, a parcela dessa riqueza que será objeto da
tributação em face das condições individuais (capacidade
contributiva como critério de graduação e limite do tributo).62
Assim, o conceito objetivo é visto como um pressuposto ou fundamento
jurídico do imposto, uma diretriz para a eleição das hipóteses de incidência, embora
não se esgote nesta escolha63. Já o aspecto subjetivo é aquele que está vinculado
aos critérios relacionados à aptidão real de cada pessoa em poder arcar com o ônus
tributário, assim, a partir do critério subjetivo, temos que a capacidade contributiva se
inicia após a dedução dos gastos da exploração e manutenção da atividade
econômica , bem como do mínimo necessário a um vida humana digna.
Klaus Tipke64 ressalta o princípio da capacidade contributiva como
expressão da justiça fiscal e na defesa da validade jurídica deste princípio o justifica
com a teoria do mínimo existencial.
Podemos, assim, verificar que o conceito de capacidade contributiva pode
ser analisado sob o ângulo estrutural, ou seja, a capacidade de suportar o ônus
tributário, bem como sob o ângulo funcional, segundo o qual é usado como critério
na aplicação do princípio da igualdade.
62
OLIVEIRA, José Marcos, Domingues. Op. Cit. p. 33.
A capacidade econômica objetiva não se esgota na escolha da hipótese de incidência, já constitucionalmente
posta, na quase totalidade dos impostos. É necessária a realização de uma concreção paulatina, que somente se
aperfeiçoa com ao advento da lei ordinária da pessoa jurídica competente. Ou seja, é necessário que o legislador
saiba, que nos impostos incidentes sobre a renda, o patrimônio, a propriedade e seus acréscimos por quaisquer
formas de transmissão, autorizar a dedução imprescindível das despesas e gastos necessários à aquisição e
manutenção da renda, da propriedade e do patrimônio. E será, no quadro comparativo entre a Constituição e as
leis inferiores (complementares e ordinárias), que a questão da capacidade econômica objetiva ganhará
importância. ( DERZI, Misabel Abreu Machado. “Notas e atualização”. In BALEEIRO, Aliomar. Op. cit.p.
692).
64
TIPKE, Klaus. Op. cit., p. 27-29
63
51
Ricardo Lobo Torres65 conclui que o conceito de capacidade contributiva
somente pode ser entendido pela intermediação dos princípios legitimadores da
igualdade,
ponderação
e
razoabilidade,
concomitantes
com
as
limitações
constitucionais ao poder de tributar e com a possibilidade fática da mensuração da
riqueza
daqueles
que
irão
suportar
a
imposição
tributária;
uma
saída
procedimentalista e discursiva onde se procura encontrar o significado da norma e
encaixá-la ao fato pela teoria da argumentação.
II.2- Capacidade Contributiva X Capacidade Econômica
Capacidade contributiva é algo diverso de capacidade econômica. As
duas expressões muitas das vezes são usadas como sinônimas, mas mesmo
usadas de forma equivalente, estas são distintas. Existem ainda autores que utilizam
a expressão “capacidade financeira”.
Juristas italianos defenderam a tese de que estas expressões não
significam a mesma coisa, e as diferenciaram em suas doutrinas. Dentre eles
podemos citar Frederico Maffezzoni e Francesco Moschetti. Este último, ao buscar
as justificativas das isenções dos tributos na Constituição Italiana, assim as
distinguiu:
Capacidade econômica é apenas uma condição necessária
para a existência de capacidade contributiva, posto que esta é a
capacidade econômica qualificada por um dever de solidariedade,
quer dizer, por um dever orientado e caracterizado por um
prevalente interesse coletivo, não se podendo considerar a riqueza
do indivíduo separadamente das exigências coletivas.66
Estas distinções colocaram que a capacidade contributiva é aquela
capacidade relacionada com a imposição parcial ou total, sendo a capacidade
65
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 2005, p. 292.
MOSCHETTI, Francesco. El principio de capacidad contributiva. Madri: Instituto de Estúdios fiscales, 1980,
p. 279.
66
52
econômica da pessoa enquanto sujeito passivo da relação jurídico-tributária, já a
capacidade econômica é aquela ostentada por uma pessoa que não é contribuinte.
Ives Gandra da Silva Martins67 também adota a tese de distinção entre
estas duas expressões, afirma que apesar de serem dimensões da capacidade de
pagar tributos, estes dois conceitos não se confundem; faz a distinção destes
afirmando que a capacidade contributiva está relacionada com a imposição
específica ou global e que, nos termos da lei, vincula a dimensão econômica
particular com o poder tributante e a capacidade econômica existente independente
dessa vinculação, é apenas uma exteriorização do potencial de riqueza do indivíduo.
Para este mesmo autor, a capacidade contributiva somente se inicia após as
deduções dos gastos destinados à satisfação das necessidades básicas do
contribuinte.
Assim, para os defensores da distinção entre as duas expressões, deveria
ser feita a diferenciação segundo um critério de avaliação formulada de acordo com
o extrato social em que se aplica, uma vez que a capacidade econômica é um
pressuposto necessário para a existência da capacidade contributiva, pois esta
somente se iniciaria a partir da satisfação daquela. Ou seja, a capacidade
econômica é um dado anterior à capacidade contributiva, esta somente se
configurará se aquela ultrapassar um mínimo necessário à dignidade da existência
humana.
Assim, podemos dizer que a capacidade contributiva constitui uma
capacidade econômica específica, referindo-se apenas à aptidão do contribuinte de
arcar com determinada imposição tributária. Admite-se a possibilidade de uma
pessoa ter capacidade econômica e não ter condições de contribuir para o Fisco.
67
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Capacidade econômica e capacidade contributiva. In MARTINS, Ives
Gandra da Silva ( coord.) Caderno de Pesquisas Tributárias. Vol.14 São Paulo: Editora Resenha Tributária e
Centro de Estudos de Extensão Universitária, 1989, p. 33.
53
Porém, a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 145, § 1º, não
reconhece a distinção entre os dois conceitos e faz uso da expressão capacidade
econômica como sinônimo de capacidade contributiva.
Misabel Derzi68 justifica que a Constituição Federal de 1988 adotou a
expressão capacidade econômica para afastar as criações jurisprudenciais,
administrativas ou legais que buscassem atingir fatos que não estivessem
assentados em realidades econômicas.
Diante da forma constitucional de tal princípio, Ricardo Lobo Torres
considera as expressões sinônimas e assim disserta:
Capacidade contributiva é capacidade econômica do
contribuinte, como, aliás, refere a Constituição Federal de 1988,
mantendo a tradição da Constituição Federal de 1946, coincidindo
também com a Constituição da Espanha. É, pois, capacidade de
pagar (ability to pay) como dizem os povos de língua inglesa,
significando que cada um deve contribuir na proporção de suas
rendas e haveres, independentemente de sua eventual
disponibilidade financeira.69
Comparando a posição doutrinária acima, verificamos que a mesma está
compatível com o texto de nossa Carta Magna, onde as duas expressões são
utilizadas como sinônimas. Pois nosso texto constitucional ao determinar que os
impostos devem ser graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte,
não utiliza a expressão capacidade contributiva, mas capacidade econômica ao se
referir à capacidade contributiva. Assim, para o direito brasileiro, capacidade
contributiva é o mesmo que capacidade econômica.
Hugo de Brito Machado70 afirma que as construções doutrinárias italianas
não são válidas para o direito brasileiro, porque nossa Constituição, diferentemente
da Italiana, não se reporta à capacidade contributiva, mas à capacidade econômica.
68
DERZI, Misabel Abreu Machado . “Notas e atualização”. In BALEEIRO, Aliomar. Op. cit.p. 690
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 79.
70
MACHADO, Hugo de Brito. Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988.
São Paulo: Dialética, 2001, p. 75.
69
54
Zilveti71 conclui que capacidade econômica é o mesmo que capacidade
contributiva, envolvendo tanto as condições pessoais do contribuinte quanto a
riqueza que possui, a fim de opor a obrigação de respeito a esse princípio.
O entendimento mais difundido por nossa doutrina é de que não existe
distinção entre os referidos conceitos, pois a capacidade econômica é sempre
presumida, pois sem ela não se pode nem falar em tributação.
Com relação à expressão capacidade financeira, esta não se refere a
capacidade contributiva, como alguns autores afirmam, pois a Constituição Federal
de 1988 ao afirmar a aplicação do princípio da capacidade contributiva levou em
conta
a capacidade econômica do contribuinte e não a financeira, assim, o
contribuinte
deve
pagar impostos de acordo com as
rendas e patrimônio,
independente da falta de capacidade financeira.
II.3- Princípio da Capacidade Contributiva na Constituição Federal de 1988
O princípio da capacidade contributiva está presente na Constituição da
República Federativa do Brasil em seu artigo 145, §1º que dispõe o seguinte:
Art. 145- (...)
§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter
pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente
para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados
os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os
rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
O constituinte brasileiro não foi feliz na redação do referido texto acima,
pois a forma como está expresso suscita interpretações divergentes e dúvidas a
respeito de sua aplicação no direito brasileiro. Da análise do texto acima, e para um
perfeito entendimento deste princípio, mister se faz apurar o real sentido das
expressões “sempre que possível” e “caráter pessoal” constantes no enunciado, bem
71
ZILVETI, Fernando Aurélio. Op. cit.251
55
como a faculdade concedida à administração tributária para poder identificar o
patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte para conferir
efetividade ao caráter pessoal e ao princípio da capacidade contributiva.
II.3.1- SENTIDO DA EXPRESSÃO “SEMPRE QUE POSSÍVEL”
Para compreendermos o alcance da expressão “sempre que possível” no
enunciado do artigo iremos analisar se esta se refere apenas ao caráter pessoal
dos impostos ou também à sua graduação segundo a capacidade econômica do
contribuinte.
O alcance da referida expressão sobre o princípio da capacidade
contributiva enseja posições dúbias a seu respeito, muitas delas controversas.
Há autores que defendem que a expressão “sempre que possível”
somente se aplica ao caráter pessoal e não à capacidade econômica. Dentre estes
podemos citar Ives Gandra da Silva Martins72 que critica o fato da expressão ter sido
colocada no início do parágrafo, permitindo que se entenda que a expressão
comandaria não apenas a graduação pessoal, mas também a capacidade
contributiva, para este autor a expressão trata-se de uma imperfeição lingüística,
onde está inadequadamente localizada dentro da frase.
Leandro Paulsen73 também seguiu a corrente de Ives Gandra, afirmou
que “a expressão sempre que possível refere-se ao caráter pessoal do imposto”.
Américo Lacombe74 ao interpretar o texto constitucional salienta que a expressão se
refere apenas ao caráter pessoal dos impostos, conclui que “sempre que possível os
72
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Op. cit., 1989, p. 42
PAULSEN, Leandro. Direito tributário constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Ltda, 2003, p. 76.
74
LACOMBE, Américo Lourenço Masset. Igualdade e capacidade contributiva. In V Congresso brasileiro de
direito tributário – princípios constitucionais tributários. São Paulo: Edição IDEPE/RT- separata da Revista de
Direito Tributário, 1991, p. 157
73
56
impostos terão caráter pessoal, sendo graduados, em qualquer caso, segundo a
capacidade econômica do contribuinte”.
Seguindo este mesmo raciocínio, Hugo de Brito Machado assim conclui
sua interpretação do citado artigo constitucional:
... Realmente, a expressão sempre que possível diz respeito
apenas à atribuição de caráter pessoal aos impostos. Não à
graduação destes segundo a capacidade econômica dos
contribuintes.
(...)
Por isto não temos dúvida em afirmar que o sentido da
cláusula sempre que possível contida no artigo 145 § 1º, da
Constituição Federal, é o de permitir a existência de impostos sem
caráter pessoal, e não de permitir imposto que não seja graduado
segundo a capacidade econômica do contribuinte75. (os grifos não
são do original)
Assim, com base nesta corrente podemos verificar que todos os impostos,
ainda que não permitam uma aferição direta da capacidade contributiva, sujeitam-se
a este princípio. Em outro capítulo abordaremos a aplicação deste princípio às
demais espécies tributárias.
Por um outro lado, contrapondo à posição acima, existem autores, como
é o caso de Alcides Jorge Costa76 e Luciano Amaro77, que admitem que a expressão
se refere também à capacidade contributiva, pois existem impostos incompatíveis
com esta espécie de graduação. Para os defensores desta corrente, o espírito da
norma constitucional é a obrigatoriedade do imposto ter caráter pessoal e ser
graduado segundo a capacidade econômica do contribuinte, quando, por sua
natureza, o tributo se prestar a esta observância. Assim, a cláusula “sempre que
possível” deve ser entendida como aplicável aos requisitos de caráter pessoal e de
graduação segundo a capacidade contributiva.
75
MACHADO, Hugo de Brito. O Princípio da capacidade contributiva. In Caderno de pesquisas tributárias 14.
São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1989, p. 124-126.
76
COSTA, Alcides Jorge. Op. cit.p. 301
77
AMARO, Luciano. Op. cit., p. 137.
57
Adotando a última posição doutrinária, temos que o constituinte ao utilizar
a expressão “sempre que possível” também se referiu à graduação dos impostos em
conformidade com a capacidade econômica do contribuinte em suportar o ônus
tributário. Mas neste caso, não podemos afirmar que se trata de uma mera
recomendação constitucional; o legislador infraconstitucional não é livre para
obedecer, ou não, a este preceito constitucional; apenas foi infeliz a redação do
artigo 145, § 1º da Carta Magna, pois reconheceu, em algumas hipóteses, o fato de
uma norma poder não ter aplicação, não em razão de inexistir vontade do legislador
infraconstitucional, mas por não ser, tecnicamente, possível sua aplicação em alguns
impostos.
Adam Smith78 em sua obra “A Riqueza das Nações: Investigação sobre
sua Natureza e suas Causas” já fazia referência ao sentido da expressão “sempre
que possível” ao afirmar em sua clássica definição que “os súditos de todos os
Estados devem contribuir para a manutenção do governo, tanto quanto possível, em
proporção das respectivas capacidades”. Assim, nas palavras desse autor a cláusula
não é permissiva, mas deverá ser observado o referido princípio tanto quanto
possível.
A este respeito, Aliomar Baleeiro79, também coloca que a cláusula não é
permissiva, tampouco instrumento de atribuição de poder discricionário ao legislador,
pois o advérbio sempre acentua o grau de imperatividade e abrangência do
dispositivo.
Segundo Marco Aurélio Greco80 são três as noções ligadas à expressão
em estudo que podem delimitar o seu alcance. Na primeira hipótese a mesma
78
SMITH, Adam. Op. cit. p. 485.
BALEEIRO, Aliomar. Op. cit. p. 694.
80
Nas palavras de GRECO, há três noções na expressão “sempre que possível”: um sempre que possível sem
força; um sempre que possível fraco e um sempre que possível forte. (GRECO, Marco Aurélio. Op.cit., p.
187/188).
79
58
poderia assumir uma noção de simples recomendação, que o legislador deveria
observar sempre que fosse possível. Esta primeira noção nega qualquer sentido ao
dispositivo, pois assume uma posição sem força. Outra noção que se pode extrair
da referida expressão é o sentido negativo do princípio; este limite negativo impõe
que somente se crie um imposto onde houver manifestação de capacidade
contributiva, não podendo existir esta figura tributária sem capacidade de suportar o
ônus tributário; ou seja, sem a capacidade contributiva faltaria um dos pressupostos
constitucionais para a exigência do imposto. A terceira noção envolveria não apenas
o sentido negativo, mas também um aspecto positivo; nesta noção assumiria o
sentido de que somente quando não fosse possível é que o legislador poderia deixar
de atender à capacidade contributiva. Ou seja, assume uma interpretação de sempre
que possível forte, onde somente não terá aplicação quando não for possível a sua
captação, pois quando esta puder ser aferida, a lei sempre terá que atender ao
princípio. Assim, tanto pelo aspecto negativo (ausência de capacidade contributiva)
quanto pelo aspecto positivo (era possível determinar a capacidade e não foi
observada) a norma tributária poderá ser considerada inconstitucional.
Temos, então, que o alcance deste princípio é amplo e não se restringe
apenas para obrigar a aplicabilidade do mesmo quando for detectada a existência de
capacidade contributiva. O sentido da expressão “sempre que possível” indica um
caminho que o legislador deve percorrer, sempre que isto for possível, pois introduz
na discussão a existência de um juízo de direcionamento, que deve guiar a
apuração dos valores a serem atendidos no contexto da atividade tributária.
59
II.3.2- SENTIDO DA EXPRESSÃO “CARÁTER PESSOAL”
É importante estabelecer qual a intenção do legislador constituinte ao
afirmar que os impostos terão caráter pessoal sempre que possível.
O texto constitucional de 1988 consagrou a pessoalidade tributária ao
determinar que os impostos deverão ter caráter pessoal. Ao destacar expressamente
este preferência, a Constituição Federal de 1988 está adotando a clássica distinção
de que os impostos podem ter caráter pessoal ou caráter real81. Podemos dizer que
houve a constitucionalização dessa classificação, e também, uma preferência do
legislador constituinte pelos impostos pessoais, pois estes são aqueles que melhor
expressam a capacidade contributiva daquele que suportará a imposição tributária.
Sacha Calmon82 ao tecer comentários sobre a Constituição Federal de
1988 faz críticas a este artigo no que diz respeito a “pessoalidade“, pois o próprio
constituinte não levou em consideração essa recomendação ao formular a lista dos
impostos que os entes públicos poderiam criar. Para este autor, caberia ao
constituinte obedecer suas prescrições ao listar a distribuição das competências
tributárias, de modo a não permitir a repercussão da transferência do encargo
financeiro a terceiros.
Hugo de Brito Machado define imposto pessoal como aquele em cuja
quantificação, seja através da base de cálculo, seja da alíquota, ou de ambas, são
81
ZILVETI faz uma crítica a esta classificação colocando que o imposto não incide sobre a “coisa/ bem” mas
sim sobre a riqueza que a “coisa”representa. Uma vez que quem responde pela riqueza gravada pelo imposto é
sempre a pessoa do contribuinte, onde a obrigação tributária será sempre pessoal, e para argumento de sua
crítica, utiliza a Súmula 539 do STF que entendeu como inconstitucional a lei municipal que reduzia o imposto
predial urbano sobre imóveis ocupados para residência do proprietário, neste sentido reconheceu o STF que não
há como abstrair a pessoalidade dos impostos classificados como “reais”. (ZILVETI, Fernando Aurélio. Op.
cit.p. 266-267).
82
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Editora Forense,
1993, p. 89.
60
consideradas as condições pessoais de cada contribuinte; e o imposto real aquele
cuja quantificação leva-se em conta apenas a matéria tributável objetivamente83.
Assim, os impostos ditos pessoais são aqueles que levam em
consideração na determinação da hipótese de incidência elementos nitidamente
integrantes do aspecto pessoal inerente à pessoa do sujeito passivo da obrigação
tributária, considerando a sua condição econômica especial e levando-se em conta
os índices que melhor valorem esta situação, por sua natureza são diretos. Os
impostos reais são aqueles cujo aspecto material da hipótese de incidência descreve
um fato ou acontecimento independentemente do elemento pessoal.
O legislador constituinte privilegiou, pela redação do texto constitucional,
a criação de impostos de caráter pessoal, onde a personalização dos impostos está
condicionada à viabilidade jurídica na sua criação, por isso utilizou a expressão
“sempre que possível os impostos terão caráter pessoal”. Assim, somente será
aceita a criação de impostos reais quando não for possível a pessoalidade dos
mesmos, ou seja, foi determinado ao legislador para que sempre que possível
institua a tributação com o uso do critério da pessoalidade.
Neste sentido, Misabel Derzi ao fazer comentários a este princípio em
notas do livro de Aliomar Baleeiro afirma que:
a cláusula não é permissiva, nem confere poder
discricionário ao legislador; ao contrário, acentua o grau de
imperatividade e abrangência do dispositivo, deixando claro que,
apenas sendo impossível, deixará o legislador de considerar a
pessoalidade para graduar os impostos de acordo com a
capacidade econômica subjetiva do contribuinte.84
A expressão indica que a personalização está condicionada à viabilidade
jurídica de ser considerada a situação individual do sujeito passivo numa dada
83
84
MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., 1989, p.68.
DERZI, Misabel de Abreu Machado. “Notas e atualização”. In BALEEIRO, Aliomar. Op. cit.p. 694
61
hipótese de incidência tributária, onde sempre que a estrutura do aspecto material
de incidência tributária o comportar deverá ser observado.
A relação entre essa classificação e o princípio da capacidade contributiva
é a possibilidade econômica de pagar o tributo, que os ingleses chamam de ability to
pay (habilidade para pagar), onde essa possibilidade de suportar o peso econômico
do tributo varia de acordo com as características de renda e patrimônio de cada
contribuinte, em análise nitidamente pessoal85.
Assim, a personalização do imposto pode ser vista como uma das faces
da capacidade contributiva, à qual, o imposto pessoal deve sempre ser adequado a
este princípio. Isto não significa dizer que os impostos reais não devam ser
informados pelo princípio da capacidade contributiva, devem observar também este
postulado universal de justiça fiscal.
II.3.3- SENTIDO DA FRASE “FACULTADO À ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA,
ESPECIALMENTE PARA CONFERIR EFETIVIDADE A ESSES OBJETIVOS,
IDENTIFICAR, RESPEITADOS OS DIREITOS INDIVIDUAIS E NOS TERMOS DA
LEI, O PATRIMÔNIO, OS RENDIMENTOS E AS ATIVIDADES ECONÔMICAS DO
CONTRIBUINTE”.
A faculdade atribuída pela Constituição Federal ao administrador para
poder identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do
contribuinte é inerente ao exercício de atividades próprias da autoridade
administrativa, uma vez que sem esta faculdade não teria como efetivar o poder de
tributar. Esta faculdade corresponde ao poder investigatório do fisco para aferir as
atividades, os bens e as rendas dos contribuintes, de modo a fortalecer os
elementos de controle e apurar o cumprimento da obrigação tributária.
85
BECHO, Renato Lopes. Tributação das cooperativas. São Paulo: Dialética, 1998, p. 58.
62
O texto constitucional confere esta faculdade à administração tributária
principalmente para possibilitar a observância dos princípios enunciados no § 1º do
artigo 145, ou seja, conferir o caráter pessoal, gradual e a capacidade contributiva
do contribuinte. A referência a essa faculdade não deve ser entendida como
restritiva, e a expressão “especialmente” não significa exclusivamente.
Ives Gandra da Silva Martins86criticando a disposição constitucional,
assim se pronunciou:
Considero que o final do discurso do § 1º do artigo 145 é a
demonstração inequívoca do caráter ideológico e pouco científico
que a dicção possui.De inicio, o direito de fiscalizar é um direito
inerente à Administração dentro das regras próprias do Direito
Administrativo.
(...)
À nitidez, tal direito de a Administração fiscalizar, que já
tinha no passado e continua no presente, é irrelevante como fonte
geradora de imposição, que só pode ser de lei para conferir o
caráter pessoal a um incidência ou determinar sua graduação.
Por esta razão, a própria expressão “nos termos da lei” é a
expressão que reduz às suas dimensões atuais o princípio
constitucional. ( os grifos não são do original)
A crítica de Ives Gandra é que esta faculdade concedida ao fisco neste
artigo da Constituição é simplesmente explicitante, pois esse direito está implícito no
poder de tributar, assim como a limitação deste já está consagrada em outras
prescrições constitucionais.
O poder investigatório do fisco, também de forma expressa sofreu
limitações que o próprio texto constitucional mencionou, que são o respeito aos
direitos individuais e a observância da lei; ou seja, somente pode exercer esse
direito de fiscalização nos termos em que a lei dispuser e esta não pode ferir os
direitos e garantias individuais do contribuinte.
A expressão “nos termos da lei” é utilizada para indicar que é este o
instrumento competente para demarcar a atividade da administração tributária, e
86
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Op. cit., 1989, p. 84.
63
esta deverá observar as limitações constitucionais dessa demarcação. Neste
sentido, a lei que reger o direito investigatório não poderá violar qualquer dos
princípios constitucionais e nem outros que a lei, mesmo a ordinária, outorgar aos
indivíduos, uma vez que o texto constitucional não é exaustivo.
Em relação a esse direito e sua limitação, em 2001 a Lei complementar
105 que tratou da quebra de sigilo bancário por procedimento administrativo foi alvo
de críticas e de demandas judiciais87, trouxe à discussão o questionamento de que
o poder investigatório concedido ao fisco através da quebra do sigilo bancário por
procedimento administrativo88, independente de autorização judicial, estaria
violando os direitos fundamentais, fundados no direito de preservação da intimidade
e à vida privada do contribuinte( artigo 5o inciso X da CF/88) ou no sigilo de dados
(inciso XII do art. 5o da CF/88).
Como cabe à lei dizer os meios e os modos pelos quais a Administração
utilizará a faculdade concedida pelo texto constitucional, podemos dizer que não
existe campo para o arbítrio no exercício desse direito investigatório do Fisco, pois
este ficará jungido aos limites traçados na Constituição Federal e na lei.
87
A respeito, ver Embargos Infringentes em Apelação Cível nº 2002.04.01.002515-4/RS – Relator
Desembargador Federal Wellington Mendes de Almeida, sessão do dia 04/12/2002, onde decidiram que à
utilização pelo Fisco das informações bancárias a fim de lançar crédito tributário é imprescindível a autorização
judicial ( Informativo do TRF4, dez/2002).
Decidindo contrariamente, AI 2001.04.01.045127-8/SC, onde foi afirmado que o acesso fiscal a dados
da movimentação financeira dos contribuintes, no bojo de procedimento fiscal instaurado, não afronta os direitos
e garantias individuais de inviolabilidade da intimidade, da vida provada, da honra e da imagem das pessoas e de
inviolabilidade do sigilo de dados assegurados no artigo 5º, incisos X e XII da CF/88, conforme entendimento
sedimentado no tribunal. ( Informativo TRF4, set/2001).
88
Esta Lei concedeu ao fisco, independente de autorização judicial, o direito de utilizar as informações de dados
da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza
Financeira - CPMF para constituição de crédito tributário , uma vez instaurado o procedimento administrativo
(Embora a redação original da lei que instituiu a CPMF - Lei 9311/96 vedasse a utilização das informações
dessa para constituição de crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos).
64
II.4- O Princípio da Capacidade Contributiva no Direito Comparado.
Na consciência contemporânea de todos os povos civilizados, o princípio
da capacidade contributiva está arraigado na idéia da atividade tributária; foi
difundido por todo o mundo e é amplamente aceito, onde podemos dizer que são
várias as nações que o constitucionalizaram ou, no mínimo, o positivaram.
No direito comparado, há bons exemplos da efetividade deste princípio,
que já mereceu uma vasta elaboração doutrinária mundial.
O tema da capacidade contributiva tem levado as cortes constitucionais
de diversos países a se manifestarem sobre a validade deste princípio na tributação
e também sobre a sua relação com o princípio da igualdade.
Como ressaltamos, a capacidade contributiva vem consagrada de modo
expresso em vários textos constitucionais contemporâneos, por conseguinte, muitos
dos países que não o adotam expressamente em suas leis fundamentais não estão
alheios a ele, pois o consideram de modo implícito ou através da jurisprudência de
seus tribunais, é o que passaremos a analisar.
A Carta Constitucional Italiana é explícita ao proclamar este princípio,
utilizando, inclusive, a expressão “capacidade contributiva” em seu artigo 53: “todos
tem a obrigação de contribuir para as despesas públicas na medida de sua
capacidade contributiva. O sistema tributário é inspirado nos critérios de
progressividade”. O texto constitucional italiano não deixa dúvidas quanto à adoção
do princípio da capacidade contributiva, onde este princípio tem sido relacionado à
igualdade na tributação, também tem sido invocado no combate à evasão fiscal,
onde se considera esta conduta antisonômica na repartição da carga fiscal.
Um bom exemplo jurisprudencial é a decisão nº 97 da Corte Italiana de
10/07/1968, que firmou a isenção do mínimo existencial como atuação do princípio
65
da capacidade contributiva e como igualdade na tributação, assumindo a posição de
que a tributação não pode confiscar os meios indispensáveis à existência
fundamental do homem89.
Assim como na Constituição Italiana, a capacidade contributiva está
também contemplada na Constituição Boliviana90 que faz previsão em seu artigo 8º,
determinando como dever fundamental das pessoas contribuir em proporção da sua
capacidade econômica para o sustento dos serviços públicos. A Carta Magna da
Republica Dominicana91 faz também referência expressa a este princípio, colocando
a sua observância junto com o dever fundamental de contribuir para as despesas
públicas. Do mesmo modo, a Carta Constitucional do Peru92, em seu artigo 77º,
estabelece este princípio como uma determinação constitucional de que todos
devem contribuir com os tributos de forma eqüitativa.
A Constituição Espanhola93, em seu artigo 31º determina de forma direta que
a imposição tributária deverá ater-se, dentre outros, ao princípio da capacidade
contributiva; afirma que todos, mediante um sistema tributário justo, inspirado nos
princípios da igualdade e progressividade, contribuirão para as despesas públicas
em harmonia com sua capacidade econômica, vedando o alcance confiscatório.
A jurisprudência espanhola dá uma grande relevância ao princípio da
capacidade contributiva, onde é visto como um dos critérios para a justa distribuição
89
ZILVETI, Fernando Aurélio. Op. cit.p. 361.
Artículo 8º - Toda persona tiene los siguientes deberes fundamentales: (...) d. De contribuir, em proporción a
su capacidad econômica, al sostenimiento de los servicios públicos. (disponível em
www.georgetown.edu/pdba/constituons/ acessado em 04/04/2005).
91
Art. 9º. .. e) Contribuir em proporción a su capacidad contributiva para las cargas públicas. (disponível em
www.georgetown.edu/pdba/constituons/ acessado em 04/04/2005).
92
Art. 77º: Todos tienen el deber de pagar los tributos que les corresponden y de suportar eqüitativamente las
cargas estabelecidas por la ley para el sostenimiento de los serviços públicos. (disponível em
www.georgetown.edu/pdba/constituons/ acessado em 04/04/2005).
93
Todos contribuirán al sostenimiento de los gastos públicos deacuerdo com su capacidad econômica mediante
um sistema tributário justo inspirado em los princípios de igualdad y progressividad, que, em ningún caso,
tendrá alcance confiscatorio. ( disponível em
www.georgetown.edu/pdba/constituons/
acessado em
04/04/2005).
90
66
da imposição tributária. A Corte Constitucional o considera como “o mais valioso
suporte da equidade na distribuição dos impostos”94.
Neste sentido, a Corte Constitucional tem se manifestado a respeito desse
princípio como limite ao legislador na hora de legislar sobre tributação; como
exemplos, temos a decisão 221/1992 de 11 de dezembro de 1992 e o Acórdão nº
37/1987, afirmando que para a instituição de impostos deve ser respeitada a justa
repartição do ônus tributário em conformidade com a capacidade econômica dos
contribuintes. Este princípio foi indicado também como limite para a utilização da
extrafiscalidade pelo legislador na decisão nº 150/199095.
Tem sido também entendimento dessa Corte que o princípio contido no
artigo 31 da Carta Espanhola não esgota o princípio da justiça tributária, o qual exige
outros critérios como a proporcionalidade e a generalidade para torná-lo efetivo;
assim também, tem aceitado a progressividade para atender ao princípio da
capacidade contributiva, com o objetivo de conquistar a justiça redistributiva96.
A Constituição Bolivariana da Venezuela de 1999, assim como no Brasil,
também não utiliza a expressão capacidade contributiva em seu artigo 31697,
também trata deste princípio como forma de um sistema tributário justo, onde este
deverá fazer a distribuição das cargas públicas segundo a capacidade econômica
dos contribuintes.
94
ZILVETI, Fernando Aurélio. Op. cit., p. 360
Idem, ibidem, p. 358-360.
96
Idem, ibidem,p.358-359.
97
Artículo 316. El sistema tributario procurará la justa distribución de las cargas publicas según la capacidad
económica del o la contribuyente, atendiendo al principio de progresividad, así como la protección de la
economía nacional y la elevación del nivel de vida de la población, y se sustentará para ello en un sistema
eficiente para la recaudación de los tributos.( disponível em www.georgetown.edu/pdba/constituons/ acessado
em 04/04/2005.)
95
67
A Suíça98 faz também menção a este princípio, quando afirma que as
pessoas jurídicas devem ser tributadas segundo a sua capacidade econômica, de
acordo com um critério tão uniforme quanto possível. A Constituição da Nicarágua99
de 1987, também faz referência a este princípio em seu artigo 114, embora não
utilize a expressão capacidade contributiva.
No Chile100, a Constituição garante a todos a igual repartição dos tributos
em proporção da riqueza daqueles que irão suportar o encargo tributário ou segundo
a progressividade fixada em lei; também garante a igualdade da repartição dos
demais encargos públicos. Nesse país, vincula os princípios da igualdade, da
progressividade e também da proporcionalidade para cumprir o princípio da
capacidade contributiva, afirmando que, em nenhum caso, a lei poderá estabelecer
tributos desproporcionais ou injustos.
A Constituição da República Portuguesa não traz uma menção específica
sobre a capacidade contributiva; limita-se, em seu artigo 103, colimar a satisfação
das necessidades financeiras do Estado a uma justa repartição dos rendimentos e
das riquezas, e, em seu artigo 104 traça as balizas na cobrança dos impostos.
Assim, dá relevância à igualdade na tributação com o objetivo de uma justa
distribuição das cargas fiscais, ou seja, através da formulação genérica do princípio
da isonomia, se chega ao princípio da capacidade contributiva.
Também na Holanda, Síria, na Argentina, no México, no Equador e
Grécia, dentre outros, são encontrados dispositivos constitucionais tratando do
98
Art. 41 ter, c, sobre o imposto para a defesa nacional.( OLIVEIRA, José Marcos Domingues. Aspectos
jurídicos do princípio da capacidade contributiva. In Revista de direito da procuradoria geral . Rio de Janeiro:
Publicação do Centro de Estudos Jurídicos, 1987, nº39, p. 170).
99
Artículo 114 – (...) El sistema tributário debe tomar em consideración la distribuiçõn de la riqueza y de lãs
rentas. (disponível em www.georgetown.edu/pdba/constituons/ acessado em 04/04/2005.).
100
Articulo 19- La Constitución asegura a todas lãs personas: (....) 20º- La igual repartición de los tributos em
proporción a las rentas o em la progresión o forma que fije la ley, y igual reparticion de las demás cargas
públicas. (Constitución Política de la República de Chile/ 1980 - disponível em www.presidencia.cl , acessado
em 04/04/2005).
68
princípio da capacidade contributiva; usando ou não esta expressão, ou como
corolário de outros princípios, mas com o significado de que a tributação deve
sempre ser praticada levando-se em conta a capacidade de contribuir do sujeito
passivo, na medida de que se deve buscar uma justa distribuição das cargas
tributárias.
Contrariamente aos sistemas constitucionais do Brasil e da Itália, a
Constituição Canadense não menciona o princípio da capacidade contributiva, mas
a sua Suprema Corte, considerou a igualdade na repartição do ônus tributário e o
respeito ao mínimo existencial101.
O sistema norte americano também não contém em sua Constituição
dispositivo expresso sobre o princípio da capacidade contributiva, mas a Suprema
Corte Americana também firmou jurisprudência a respeito desse princípio, colocou
que o poder fiscal do Estado deveria ser exercido em consonância com os direitos
individuais assegurados na Constituição.
O sistema constitucional germânico, plasmado pela Lei Fundamental de
Bonn, promulgada em 1949, não dispõe de modo expresso sobre o princípio da
capacidade contributiva, mas, mesmo assim, este princípio possui uma relevância
fundamental no Direito Alemão. Este princípio está arraigado como um pressuposto
de fato para a imposição tributária, e vem sendo aclamado pela doutrina e pela
jurisprudência independentemente de estar jurisdicizado.
O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha tem exercido um papel
incisivo na exigência de moderação da atividade tributária, dá preponderância ao
princípio da igualdade consignado no artigo 3º, § 1º de sua Lei Fundamental, e
também, pela percepção voltada para o artigo 20, que define a República Federal
da Alemanha como Estado federal, democrático e social, demonstrou, assim, a
101
ZILVETI, Fernando Aurélio. Op.cit. p. 158.
69
necessidade de se assegurar o pagamento dos tributos ajustados à capacidade
econômica dos cidadãos. Praticamente o positivou na efetivação do princípio da
igualdade da tributação através da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal
e também como um direito fundamental vinculado ao princípio do Estado Social102.
Podemos dizer que a doutrina e a jurisprudência alemã reconheceram o princípio da
capacidade contributiva como conceito de igualdade e, também, como um direito
fundamental vinculado ao princípio do Estado Social.
Klaus Tipke falando sobre este princípio de justiça fiscal na Alemanha,
aduz que o princípio da capacidade é o critério adequado para efetivação do
princípio da igualdade aceito tanto pela doutrina quanto pelo Tribunal; pois o
princípio do imposto per capita e o princípio da equivalência não se mostram
adequados, onde o primeiro não leva em consideração o mínimo existencial
arraigado na dignidade humana e o segundo, equivale ao imposto como preço pelos
serviços prestados pelo Estado. Neste sentido entra em conflito tanto com o princípio
do mínimo existencial quanto com o princípio do Estado Social:
A Constituição Alemã não estatui critério algum para uma
tributação justa; em especial ela não menciona o princípio da
capacidade contributiva. Uma vez que o princípio da igualdade,
também positivado na Constituição Alemã, exige um critério
adequado de comparação, a ciência tributária teve de se ocupar
da questão: qual o critério de comparação ou qual o princípio de
comparação adequado ao Direito Tributário? Na Alemanha a
doutrina dominante na ciência dos impostos e também na ciência
do Direito dos impostos declara-se favorável ao princípio da
capacidade contributiva. Também vários acórdãos do Tribunal
Constitucional Federal se baseiam nesse princípio. ( os grifos não
103
são do original)
.
A jurisprudência alemã tem considerado o respeito à capacidade
contributiva como um princípio constitucional de justiça fiscal igualitária, sendo um
102
O princípio da capacidade contributiva corresponde aos princípio do Estado Social de Direito e à consciência
jurídica. É um princípio realista, pois devem pagar apenas aqueles que podem pagar. A inversão do princípio
(pagar impostos na proporção inversa da capacidade contributiva) é inaceitável sob o aspecto do Estado Social
(TIPKE, Klaus. Op. cit, 2002, p. 29)
103
Idem, ibidem, p. 28.
70
princípio que o legislador deve perseguir na elaboração das leis tributárias. Tem
como aliado para sua fixação na distribuição equânime da tributação o mínimo
existencial, uma vez que relacionou a proteção à família com o princípio da
capacidade contributiva, impondo ao legislador tributário o dever de proteger a base
econômica individual e familiar; por conseguinte, auxiliou na afirmação deste
princípio no direito tributário alemão104.
Seção III- APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Nesta parte do trabalho será analisado a aplicação do princípio da
capacidade contributiva com as várias espécies tributárias, no sentido de verificar se
em todas as espécies este princípio se faz presente; pois diferentemente do que
determinava o texto da Constituição de 1946, em seu artigo 202, que fazia referência
a “tributos”, a Carta Constitucional de 1988, em que pese a falta de clareza do
dispositivo, trouxe de forma expressa que o princípio da capacidade contributiva
informa apenas a tributação por meio de impostos.
O que interessa saber é se este preceito constitucional deve ser
interpretado nesse sentido literal, ou se estenderia às demais espécies tributárias,
norteando a criação dos demais tributos.
Para perquirir o assunto será feito uma análise da aplicação do princípio
da capacidade contributiva às diversas espécies tributárias.
III.1- Os impostos e a Capacidade Contributiva
No tocante aos impostos a tese da aplicação do princípio da capacidade
contributiva é menos conflituosa, pois além da determinação constitucional expressa,
104
BverfGE 82, 60-105, onde a decisão considerou a obrigação de sustento da família como uma expressão da
justiça fiscal vertical e horizontal, na avaliação do mínimo existencial das crianças. ( ZILVETTI, Fernando
Aurélio. Op. cit. P. 366)
71
é na tributação por meio dos impostos que se tem facilitada a mensuração dos
atributos do sujeito passivo do ônus tributário, ficando mais notadamente marcado o
caráter pessoal impresso no mandamento constitucional.
Ou seja, como princípio informador dos impostos, a capacidade
contributiva imprime a tendência de personalização dos mesmos.
Em relação aos impostos vamos analisar a aplicação do referido princípio
apenas aos impostos sobre o patrimônio e também sobre os impostos indiretos, uma
vez são nestes que a doutrina diverge quanto a sua aplicação.
III.1.1- IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÔNIO
A tributação sobre o patrimônio e a sua justificativa segundo o princípio da
capacidade contributiva é também um ponto polêmico na doutrina, tanto na nacional
quanto na estrangeira, onde encontramos teses favoráveis à aplicação do referido
princípio e teses que apontam que a tributação sobre o patrimônio é um afronta a tal
princípio, uma vez que não está tributando o rendimento patrimonial mas o próprio
patrimônio.
Klaus Tipke105, ao discorrer sobre a ordem tributária, afirma que a
propriedade embora seja um sinal de capacidade contributiva que corresponde a
uma riqueza, não representa a capacidade do proprietário do imóvel; defende que
estes impostos não podem ser cobrados da substância do patrimônio, mas de seus
rendimentos, pois sendo o patrimônio renda acumulada este já foi tributado por
ocasião da obtenção da renda.
Gaffuri e Birk, ambos citados por Zilveti106 sustentam, assim como Tipke,
que a tributação sobre o patrimônio não encontra justificativa alguma no princípio em
105
106
TIPKE, Klaus. Op. cit, 1998, p. 66.
ZILVETI. Fernando Aurélio. Op. cit., p. 271.
72
estudo, além de provocar um desestímulo à poupança, é também, um fomento à
evasão de divisas.
No Brasil, Paulo de Barros Carvalho, José Maurício Conti107 e Roque
Antônio Carrazza108 , dentre outros, são discordantes do entendimento de Klaus
Tipke, sustentam a tese da justificação desses impostos segundo a capacidade
contributiva, uma vez que esta revela-se com o próprio bem, sendo uma das formas
pelas quais ela se exterioriza, um vez que representa uma riqueza. Corroborando
com esta linha doutrinária, temos a posição de Geraldo Ataliba109 que ao analisar o
Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU concluiu que este está sujeito ao
princípio da capacidade contributiva.
Elizabeth Carrazza110 se manifesta que os impostos reais por incidirem
sobre o direito de propriedade, fizeram que o legislador infraconstitucional levasse
em conta o princípio da capacidade econômica como de natureza objetiva, pois a
propriedade de um bem móvel ou imóvel presume riqueza do contribuinte.
Assim, segundo esses autores, os impostos reais devem obedecer ao
princípio constitucional da capacidade contributiva, e para tornar concreto esta
observação apontam a progressividade.
No mesmo sentido o Tribunal de Justiça de São Paulo111 analisando a
ADin 014.927.0/8 julgou improcedente a ação, afirmando ser constitucional a
progressividade
das
alíquotas
do
IPTU.
A
fundamentação
de
voto
do
Desembargador Bueno Magano afirmou que no campo tributário a justiça distributiva
é realizada pela isonomia tributária e pelo princípio da capacidade contributiva, e
107
CONTI, José Maurício. Op. cit., p.92.
CARRAZZA, Roque Antônio. Op. cit., p. 62.
109
ATALIBA, Geraldo. IPTU- progressividade. In RDT, , n° 56, p. 83
110
CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU- Capacidade e progressividade. Igualdade e capacidade contributiva.
Curitiba: Juruá Editora, 1992, p. 92.
111
CONTI, José Maurício. Op. cit. p. 93-94.
108
73
que os impostos deveriam ser graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte, de modo que aquele que tem maior capacidade para ser tributado deve
receber maior carga fiscal, ou seja, sofrerá maior gravame quem tiver maior riqueza.
O STF, em decisões112 prolatadas antes da Emenda Constitucional n° 29,
de 13.09.00, firmou o entendimento de que os impostos de natureza real não podem
variar segundo a presumível capacidade contributiva do sujeito passivo prevista no §
1º do art. 145 da Constituição Federal, porque a capacidade econômica do
contribuinte, aquilatada mediante identificação do patrimônio, dos rendimentos e das
atividades econômicas do contribuinte, não tem sentido quando se está diante do
IPTU, que no sistema tributário nacional é inequivocamente um imposto real.
Porquanto, tem ele como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de
imóvel localizado na zona urbana do Município, sem levar em consideração a
pessoa do proprietário, do titular do domínio útil ou do possuidor. Por conseguinte,
os impostos sobre imóveis não estariam submetidos ao princípio em referência,
somente acatando a progressividade para a cobrança extrafiscal.
Mas a referida Emenda Constitucional autorizou a progressividade do
IPTU tanto para o caráter fiscal quanto na cobrança extrafiscal. Uma vez que com a
nova redação ao artigo 156, § 1°, da CF, o valor é agora variável em razão dos
seguintes critérios: valor, localização, uso, e função social. Com efeito, introduziu-se,
assim, o princípio da seletividade no regime jurídico do IPTU. Destarte, o STF
publicou, recentemente, a Súmula nº 668113 a fim de ratificar o entendimento já
consolidado, tanto em doutrina quanto na jurisprudência.
112
BRASIL. Supremo tribunal Federal . RE 229298-1 – Relator Min. Sydney Sanches, publicado no DJ de
28/08/98 p. 23; AI 230057/ SP- Relator Min, Maurício Corrêa, publicado no DJ de 12/11/1998, p 64; RE
215124/SP- Relator Min. Sydney Sanches, publicado no DJ 14/04/2000, p. 74. (Consulta no site do STF,
disponível em http://www.stf.gov .br/jurisp.html. Acesso em 03.05.2005).
113
É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da emenda constitucional 29/2000, alíquotas
progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.
74
Neste sentido, como adiante analisaremos, a progressividade é um
subprincípio da capacidade contributiva servindo para efetivar o princípio em estudo.
Assim, comungamos da idéia daqueles que apontam ser compatível a
sujeição desses impostos ao princípio da capacidade contributiva, considerando que
a progressividade é um instrumento inerente e eficiente na concretização com maior
perfeição de tal princípio; embora, em nossa doutrina pátria, haja quem defenda que
os sistemas de tributação progressivos não medem capacidade econômica, pois são
meros instrumentos de distribuição de riquezas no exercício da justiça social114.
III.1.2- IMPOSTOS INDIRETOS
A classificação dos impostos em diretos e indiretos, que apesar de ser
uma classificação frágil, carecedora de relevância jurídica para alguns115, é uma
classificação que no estudo da política da imposição fiscal assume grande interesse,
pois por meio dessa classificação podemos verificar os traços evolutivos da exação.
Os impostos diretos são aqueles que gravam diretamente a riqueza,
traduzida pela simples circunstância do sujeito passivo possuir patrimônio ou renda;
e os indiretos aqueles que não incidem sobre a riqueza em si, mas pela utilização,
circulação ou consumo. Podemos dizer também que os métodos impositivos diretos
são aqueles que não comportam a transferência do encargo tributário; e indiretos,
aqueles que permitem a transferência do ônus tributário para uma terceira pessoa.
(BRASIL. Supremo tribunal Federal. Súmula 668, publicado no DJ de 09/10/2003, p. 4. Consulta no site do
STF, disponível em http://www.stf.gov .br/jurisp.html. Acesso em 03.05.2005).
114
ZILVETI, Fernando Aurélio. Capacidade contributiva e mínimo existencial. In Direito tributário estudos em
homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 41.
115
Na linha crítica da divisão dos impostos em diretos e indiretos temos Geraldo Ataliba que informa que esta
classificação nada tem jurídica (ATALIBA, Geraldo. Op. cit. p. 142) e Becker que afirma ser esta divisão
impraticável por não estar baseada em critérios científicos ( BECKER, Alfredo Augusto. Op. cit. p. 538).
Entretanto o STF reconheceu esta classificação ao editar a Súmula 71, na qual faz menção a tributo indireto.
75
Os impostos indiretos de maior relevância no sistema Tributário Brasileiro
são o imposto sobre produtos industrializados – IPI e o imposto sobre operações
relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação - ICMS. Estes impostos possuem
previsão constitucional de serem regidos pelo princípio da seletividade, levando em
conta a essencialidade dos produtos no caso do IPI e a essencialidade das
mercadorias ou serviços no que se refere ao ICMS.
Justamente em função dessa seletividade é que há controvérsias na
doutrina a respeito da aplicação ou não do princípio da capacidade contributiva a
estes impostos.
Aqueles que defendem a tese da não aplicação do princípio adotam a
postura de que a seletividade não equivale à graduação ou à personalização, pois a
variação se dá em decorrência da essencialidade dos produtos, mercadorias ou
serviços e não da capacidade econômica de quem irá suportar o ônus tributário. Pois
tanto quem possui capacidade econômica ou quem não a possui pagarão o mesmo
imposto sobre o que vierem a consumir, somente sofrendo diferenciação em razão
de ser um produto essencial ou não.
Criticando este argumento, temos que, realmente, os produtos essenciais
são consumidos por toda a população, mas os produtos supérfluos apenas são
adquiridos por aqueles que já tendo satisfeito as suas necessidades essenciais
possuem recursos para a aquisição, e neste sentido, esta diferenciação se constitui
num critério que implica na homenagem do princípio da capacidade contributiva.
Assim, temos que a seletividade em função da essencialidade é uma forma
pela qual se aplica o princípio da capacidade contributiva, uma vez que a
76
seletividade é um subprincípio deste, onde segundo Ricardo Lobo Torres116 “o
tributo deve incidir progressivamente na razão inversa da essencialidade dos
produtos”.
Carrazza117 sustenta a tese de que certos impostos, por sua natureza,
não permitem que se atenda à capacidade contributiva, pois a carga destes são
repassadas para o preço da mercadoria. Corroborando este posicionamento, Alcides
Jorge Costa
118
coloca como incompatível a aplicação deste princípios aos impostos
indiretos, uma vez que o IPI e o ICMS são informados pela seletividade.
No mesmo sentido, o jurista alemão Kirchhoff119 defende que uma vez
que o princípio da capacidade contributiva se refere à carga individual, não é
possível ajustar os impostos indiretos à capacidade contributiva daqueles que
suportam o ônus tributário, pois estes se mantém no anonimato do mercado.
Porém, na doutrina estrangeira prevalece a tese da aplicação do princípio
da capacidade contributiva a todos os impostos, inclusive os impostos indiretos,
onde há transferência do ônus tributário para terceiros. Segundo Tipke, o princípio
da capacidade contributiva vale para todos os impostos, sendo eles diretos ou
indiretos, que precipuamente servem à finalidade fiscal, e conclui que “o princípio da
capacidade contributiva cuida da unidade do ordenamento jurídico tributário”120.
Aqueles que defendem a aplicação deste princípio a estes impostos
afirmam que este se entrelaça no debate sobre o consumo como critério de
mensuração da capacidade contributiva; segundo Conti121 é possível vislumbrar a
capacidade contributiva nas relações de consumo. E, para este autor é possível a
116
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit, 2004, p. 375.
CARRAZZA, Roque Antônio. Op. cit, p. 65.
118
COSTA. Alcides Jorge. Op. cit., p. 301.
119
KIRCHHOFF, Paul. Apud ZILVETI, Fernando Aurélio. Op. cit. p. 276.
120
TIPKE, Klaus. Op. cit, 2002, p. 32
121
CONTI, José Maurício. Op. cit.,p. 42.
117
77
aplicação deste princípio aos impostos indiretos, mas de maneira restrita, obrigando
a não tributação do mínimo vital e a não-utilização do tributo com efeito de confisco.
Zilveti122 também aceita a possibilidade da aplicação do princípio da
capacidade contributiva aos impostos indiretos, mas faz uma ressalva quando
ocorrer o fenômeno da substituição tributária.
Assim,
estes
impostos
por
não
permitirem
de
forma
clara
a
individualização da renda do contribuinte, de forma a mensurar a capacidade
econômica, trazem a problemática de estarem ou não sujeitos ao princípio da
capacidade contributiva, mas esta dificuldade não exclui a aplicação do referido
princípio a estes impostos.
III.2- Os Tributos vinculados e a Capacidade Contributiva
Embora expressa na Constituição Federal vigente a aplicabilidade apenas
aos impostos e não ao gênero tributos, há, na doutrina, quem defenda uma
abrangência mais ampla deste princípio, advogando que ele se aplica às demais
espécies tributárias.
Na defesa de que o princípio da capacidade contributiva não se aplica aos
tributos vinculados123 temos, dentre outros, Américo Lacombe124 que afirma que “as
taxas não podem ser graduadas segundo a capacidade econômica dos
contribuintes, uma vez que a base de cálculo a elas inerente não mensura um
atributo ou algo próprio do sujeito passivo, mas uma atividade do sujeito ativo”.
122
ZILVETI, Fernando Aurélio. Op. cit. p. 278.
Geraldo Ataliba classificou os tributos em duas grandes espécies, distinguindo-as pela diversidade dos regimes
jurídicos a que se submetem e, para tal classificação utilizou como fundamento a previsão ou não, na hipótese de
incidência da norma tributária, de uma atuação estatal em relação ao contribuinte. Segundo tal critério, aquele
mestre classificou os tributos em vinculados e não vinculados. Sendo que os primeiros seriam aqueles em que o
legislador vinculou o nascimento da obrigação tributária a uma atuação estatal, e os segundos, aquele em que não
houver tal vinculação. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Revista dos tribunais,
1991, p.121).
124
LACOMBE, Américo Lourenço Masset. Princípios constitucionais tributários. São Paulo: Malheiros
Editores, 1996, p. 158.
123
78
No mesmo sentido, Elizabeth Nazar Carrazza125 aponta que a capacidade
contributiva aplica-se somente aos impostos, já que somente esses incidem sobre
fatos do mundo econômico independentes de qualquer atuação estatal.
Misabel Abreu Machado Derzi126 afirma que enquanto a base de cálculo
dos impostos deve mensurar um fato que indique capacidade econômica do próprio
contribuinte, nos chamados tributos vinculados, principalmente as taxas e
contribuições, ela dimensiona o custo da atuação estatal ou a vantagem imobiliária
auferida pelo contribuinte, advinda da obra pública.
Ricardo Lobo Torres salienta que apesar do princípio da capacidade
contributiva não informar diretamente os tributos vinculados, pois estes são regidos
pelo princípio do custo/benefício127, admite-se que esses tributos possam ser
influenciados pelo princípio da justiça fiscal no que concerne à isenção de certas
taxas e de contribuições de melhoria à população de baixa renda e aos carentes.
Esta tese sofre opiniões divergentes da doutrina que não comunga da
aplicação desse princípio aos tributos vinculados, pois para estes, na concessão
dessas isenções não quer dizer que se esteja aplicando este princípio, pois isto
somente ocorreria se o Estado pudesse cobrar, pelo mesmo serviço prestado ou
obra pública executada que acarretasse valorização imobiliária, valores diferentes,
de acordo com a riqueza individual de cada contribuinte.
Mas há aqueles que defendem que o princípio da capacidade contributiva
se estende às demais figuras tributárias, dentre eles, citamos Fernando Aurélio
125
CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Op. cit., p. 54.
DERZI, Misabel Abreu Machado. Comentários na atualização da obra de BALEEIRO, Aliomar. Direito
tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2005, p. 201.
127
O princípio do custo/benefício expressa a adequação entre o custo do bem ou serviço público e o benefício
auferido pelo cidadão. (TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 2004, p. 95-96)
126
79
Zilveti128 que em sua obra sobre o referido princípio, sustenta que as taxas e
contribuições de melhoria podem encontrar justificativa neste princípio.
Hugo de Brito Machado129 ao discorrer sobre o assunto, afirma que no
que se refere à contribuição de melhoria este tem aplicação pela própria natureza
desse tributo, mas em relação às taxas, o princípio da capacidade contributiva há de
ter um tratamento específico, distinto do tratamento aos impostos.
José Maurício Conti também defende a corrente que este princípio deve
ser aplicado às demais espécies tributárias, afirmando que:
... o princípio da capacidade contributiva é aplicável a todas
as espécies tributárias. No tocante aos impostos, o princípio é
aplicável em toda a sua extensão e efetividade. Já no caso dos
tributos vinculados, é aplicável restritivamente, devendo ser
respeitados apenas os limites que lhe dão contornos inferior e
superior, vedando a tributação do mínimo vital e a imposição
tributária que tenha efeitos confiscatórios.130 ( os grifos não são do
original)
Adota-se a posição de que independentemente de previsão constitucional
explícita, o princípio da capacidade contributiva pode ser admitido em relação aos
tributos vinculados, embora não seja uma obrigatoriedade, o mesmo pode ser
aplicado como uma orientação, funcionando em seu aspecto negativo.
III.2.1- CONTRIBUIÇÕES E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
As contribuições, ou contribuições especiais, como são chamadas por
alguns doutrinadores, estão previstas no artigo 149 da Constituição vigente, e
possuem como característica a validação constitucional finalística da exigência, são
vinculadas ao motivo de sua criação.
128
ZILVETI, Fernando Aurélio. Op. cit. p. 284.
MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit. p. 70.
130
CONTI, José Maurício. Op.cit. p. 65.
129
80
Assim, as contribuições têm como fundamento para sua exigência a
solidariedade que emana da participação de um determinado grupo a que está
relacionada a finalidade constitucionalmente qualificada.
Nesta espécie tributária, também podemos apontar controvérsias quanto
a aplicação da capacidade contributiva, embora este princípio não seja o
fundamento para a exigência das contribuições, pois capacidade contributiva não é
finalidade, que é o elemento de validação constitucional das mesmas.
Assim, temos autores que defendem a sua aplicação a esta espécie
tributária, se não pelo motivo que inspira a sua instituição, mas pelo fato gerador da
contribuição, onde pode ser identificada a capacidade contributiva do sujeito passivo
que suportará o ônus tributário.
Como no Brasil temos contribuições sociais com base de cálculo onde é
possível a individualização do objeto a ser tributado; deste modo, é possível aferir a
capacidade contributiva, pois em alguns casos,
a base de cálculo destas
se
equivale à dos impostos131. Neste caso nos leva à polêmica da aplicação do
princípio a este tipo de exação, embora outros tipos de contribuições, não
comportem tal análise, pois incidem sobre qualquer manifestação de riqueza, não
sendo o fato gerador identificável à capacidade contributiva.
Neste sentido, Leandro Paulsen132 afirma que não há incompatibilidade
entre a aplicação do princípio da capacidade contributiva a esta espécie tributária,
pois estas podem ser constituídas com um fato gerador não-vinculado.
131
A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL tem como fato gerador a renda líquida do contribuinte,
meio de onde se conhece a verdadeira capacidade contributiva. Também, a contribuição do programa de
integração social - PIS e a contribuição para o financiamento da seguridade social – COFINS, por terem o fato
gerador semelhante ao do imposto de renda encontram identificação com o princípio da capacidade contributiva
( ZILVETI, Fernando Aurélio. Op. cit. p. 281)
132
PAULSEN, Leandro. Op. cit. p. 81
81
Regina Helena Costa133 aduz que o princípio da capacidade contributiva
tem aplicação no âmbito da contribuição social, na medida em que o texto
constitucional em seu artigo 195, § 9º, impõe tratamento diferenciado consoante
aspectos distintivos dos contribuintes.
Douglas Yasmashita134 defende a corrente de ser possível a aplicação
deste princípio às contribuições, embora entenda ser somente aplicável àquelas que
possuem finalidade arrecadatória, e diferentemente de Regina
Helena Costa,
quando observado o § 9° do artigo 195 da Constituição Federal de 1988 estas
deixam de observar o referido princípio, pois assumem caráter extrafiscal.
Marco Aurélio Greco expõe que a capacidade contributiva não se aplica
sempre às contribuições, nem se aplica obrigatoriamente a todas as contribuições; o
fato de não se aplicar sempre e nem obrigatoriamente, não significa que nunca
possa vir a ser aplicada. Neste sentido, conclui que embora não sendo obrigatória a
aplicação do princípio da capacidade contributiva em todas as espécies de
contribuição, esta deverá ser observada quando a lei instituidora da referida espécie
adotar um fato gerador que seja índice de capacidade econômica135.
Fernando Aurélio Zilveti136 também entende ser possível a aplicação
desse princípio a algumas contribuições previstas em nosso ordenamento jurídico,
quando o fato gerador escolhido for a renda do contribuinte.
133
COSTA , Regina Helena . Op.cit.,p. 60.
TIPKE, Klaus. YASMASHITA, Douglas. Op. cit. p. 66.
135
De fato, quando a lei indicar um fato gerador que denote manifestação de capacidade contributiva, esta deverá
ser atendida, pois embora situado num segundo momento da formulação da exigência, seu regime deverá atender
aos parâmetros de proporcionalidade e racionalidade, em função do próprio critério assumido pelo legislador
para fins de tributação. Se o legislador escolheu determinado fato, não o fez aleatoriamente. E se este fato denota
capacidade contributiva é porque esta foi reputada relevante e, portanto, deve ser levada em consideração.
(GRECO, Marco Aurélio. Op. cit. p. 195- 197).
136
ZILVETI, Fernando Aurélio. Op. cit. p. 283.
134
82
III.2.2- CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA E A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
No que seja pertinente às contribuições de melhoria, a norma
constitucional, que trata da instituição de tal tributo, afirma que a sua cobrança se
dará em decorrência de obras públicas que ocasionem valorização mobiliária. A
legitimação para a cobrança desta espécie tributária está na absorção, pelo Estado,
do plus acrescido ao valor do imóvel, provocado pela obra pública.
Neste plus acrescido ao valor do imóvel é que se encontra a discordância
entre os doutrinadores acerca da aplicabilidade do princípio da capacidade
contributiva, pois para alguns esta valorização não corresponde a índice de
capacidade contributiva, uma vez que o fato da obra pública valorizar o imóvel das
pessoas por ela beneficiadas, não significa aumento de riqueza.
Rubens Gomes de Sousa137 se manifesta que como estas contribuições
incidem sobre a valorização mobiliária estão sujeitas ao princípio em estudo, pois
esta valorização é um índice de capacidade contributiva.
Comungando da mesma opinião, Hugo de Brito Machado138 afirma residir
a aplicabilidade de tal princípio às contribuições de melhoria, embasando sua idéia
na afirmativa de que, na referida espécie tributária, a base imponível não está em
nenhuma dimensão da atuação
do Estado, mas sim na medida de sua
conseqüência, que é a valorização imobiliária.
Rebatendo esta posição Regina Helena Costa ressalta que:
Tentam, alguns, ver nessa mais-valia imobiliária causada
pelo Estado um índice de capacidade contributiva. Aparentemente
a assertiva é sedutora: a valorização do imóvel representa riqueza,
à qual se associa, necessariamente, a idéia de capacidade
contributiva.
Ocorre, porém, que a aludida riqueza foi proporcionada pelo
Poder Público, sendo alheia à capacidade contributiva do sujeito,
do mesmo modo como se verifica nas taxas.139
137
SOUSA, Rubens Gomes de. Op. cit., p. 438.
MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit, 2001, p. 71.
139
COSTA, Regina Helena, Op.cit. p. 59.
138
83
Na concepção dessa autora, não significa aumento de riqueza o fato da
obra pública valorizar o imóvel das pessoas por ela beneficiada, principalmente
quando exigido o pagamento do referido tributo que corresponde ao plus acrescido.
Ricardo Lobo Torres140 salienta que mesmo não aplicando este princípio
às contribuições de melhoria, esta espécie tributária deve também sofrer influência
desse princípio de justiça fiscal, não em relação à discussão rebatida acima, mas
em relação à observação de que as comunidades carentes devem estar isentas a
este tipo de tributo, pela incapacidade do cidadão de arcar com tal tributo.
III.2.3- TAXAS E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Na doutrina nacional a aplicabilidade do princípio da capacidade
contributiva às taxas é controvertida. Grande parte da doutrina pátria tem-se
inclinado pela não aplicação do princípio da capacidade contributiva a esta espécie
tributária, principalmente por ser esta um tributo vinculado cuja hipótese de
incidência consiste numa atuação estatal diretamente referida ao obrigado,
configurando o seu caráter remuneratório em relação a tal atuação do Estado, que
se traduz no exercício do poder de polícia ou na prestação de serviço público
específico e divisível prestado ao contribuinte ou colocado à sua disposição.
Justamente
devido
a
seu
caráter
remuneratório
é
que
alguns
doutrinadores141 justificam a não aplicação do princípio da capacidade contributiva
às taxas. Argumentam que o referido princípio é incompatível com a natureza dessa
140
TORRES, Ricardo Lobo. Op cit, 2004, p. 95.
Paulsen ao tratar do assunto afirma que: “O princípio da capacidade contributiva baseia-se num ideal de
justiça fiscal. Relativamente às taxas, porém, a justiça fiscal reside na sua simples cobrança, na medida em que,
além do pagamento dos tributos em geral, as pessoas que individualmente se beneficiem de serviço público
específico e divisível ou que exerçam atividade que exija fiscalização por parte do Poder Público, suportarão os
respectivos ônus. A própria cobrança da taxa, com vista ao ressarcimento do custo da atividade estatal, pois, já
realiza o ideal de justiça fiscal. Não é adequado, por ofensivo à própria natureza da taxa, pretender fazê-la variar
conforme a capacidade contributiva do contribuinte, eis que esta não entra em questão nas taxas, cujo fato
gerador é a atividade estatal e não fatos reveladores da riqueza do contribuinte”. (PAULSEN, Leandro. Op. cit.
p. 75).
141
84
exação, que é informada pelo princípio da retributividade. Portanto, deve manter
equivalência com a despesa efetuada pelo Estado, sem se verificar a capacidade
contributiva daquele que sofrerá a imposição tributária, pois esta é irrelevante para a
hipótese de incidência ou para a graduação da taxa, uma vez que o que se pretende
com a taxa é a remuneração da atuação estatal, sendo que essa remuneração deve
reportar-se ao custo da mesma, e não à capacidade contributiva do sujeito passivo.
Roque Antônio Carrazza142 se filia a doutrina de que a cobrança de taxas
não tem relação com o princípio da capacidade contributiva, sendo este princípio
aplicável apenas aos impostos, sendo as taxas informadas pelo princípio de
retribuição.
Com efeito, não discordamos de que o princípio da retributividade informa
às taxas, notadamente em virtude da natureza vinculada dessa exação, pois o que
se pretende é a remuneração do Estado, mas não vislumbramos uma absoluta
incompatibilidade delas com o princípio da capacidade contributiva. Ao revés, somos
partidários de que os dois princípios não se excluem mutuamente, mas conjugam-se
na determinação da taxa, embora a aplicação
do princípio da capacidade
contributiva se dê apenas no aspecto negativo.
Ou seja, a aplicação do princípio da retributividade se dá na determinação
do montante máximo a ser cobrado pelo Fisco a título de remuneração pela atuação
estatal, mas nada impede que a cobrança seja graduada de acordo com a
capacidade contributiva negativa dos contribuintes. Entendemos que, em virtude dos
princípios plasmados na Constituição Federal, as taxas não possuem sentido
apenas de remunerar a atividade estatal, se prestam também como instrumento de
142
O valor da taxa, seja de serviço, seja de polícia, deve corresponder ao custo, ainda que seja aproximado, da
atuação estatal específica. É claro que, neste campos, não precisa haver uma precisão matemática; devendo no
entanto existir uma razoabilidade entre a quantia cobrada e o gasto que o Poder Público teve para prestar aquele
serviço público ou praticar aquele ato de polícia.. Esta razoabilidade é aferível, em última análise, pelo Poder
Judiciário, mediante provocação do contribuinte interessado. (CARRAZZA, Roque Antônio. Op. Cit. p. 281).
85
políticas públicas de erradicação da pobreza e de distribuição de justiça fiscal.
Assim, a capacidade contributiva seria aplicada apenas em seu aspecto negativo,
como princípio da (in)capacidade contributiva.
Sacha Calmon Navarro Coêlho143 faz interessante abordagem sobre o
assunto, apresentando sugestiva resposta sobre a extensão do princípio da
capacidade contributiva aos tributos vinculados, onde a capacidade contributiva é
medida de forma negativa nestas espécies tributárias, ou seja, é a incapacidade
contributiva que irá desonerar o contribuinte. Ou melhor, não se perquire se o
contribuinte tem capacidade contributiva, mas se não tem. E é esta incapacidade é
que é o fundamento para concessão de isenção subjetiva de taxas.
Assim, podemos afirmar que as taxas não podem ter valor superior ao
custo da atividade econômica em função do princípio da retributividade, mas
poderão ter valor inferior, em virtude da incapacidade econômica dos destinatários
da atuação estatal, de maneira a respeitar a proteção ao mínimo existencial e a
dignidade da pessoa humana.
Pelos valores sociais talhados no texto constitucional, deve-se dar um
tratamento diferenciado aos cidadãos desprovidos de capacidade contributiva,
principalmente por ser estes os que mais necessitam de oferta de serviços públicos.
Essa situação já vem sendo observada por alguns Municípios e Estados que
isentam do pagamento de taxas as pessoas que não podem pagar.
Dentre as opiniões doutrinárias a favor da aplicabilidade do princípio em
estudo às taxas, embora em seu aspecto negativo, podemos citar dentre outros,
Ricardo Lobo Torres144, Fernando Aurélio Zilveti145 e Aurélio Pitanga Seixas Filho146.
143
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2002, p. 148/149.
144
O princípio da capacidade contributiva também se aplica às taxas, embora não o explicite a CF (...) Ao fixar o
valor das taxas o Estado não se limita a repartir os custos, senão que deve distribuir equitativamente a
86
III.3- Tributos Extrafiscais
O motivo primeiro e maior para a cobrança de tributos é a arrecadação
para os Estados, de modo a custear suas necessidades. Ocorre que nem sempre o
Estado tributa visando exclusivamente objetivos arrecadatórios, mas também para
incentivar , desestimular, induzir ou coibir comportamentos, tendo em vista outros
fins e a realização de outros valores. Ou seja, o Estado usa da atividade tributária
para poder executar suas políticas, sob o ponto de vista econômico ou social, uma
vez que o peso dos tributos é tão forte que faz com que isso seja possível.
Quando a atividade tributária é exercida com a finalidade extrafiscal, o
Estado está apenas fazendo uso de um instrumento de que dispõe para intervir na
economia e, com isto, realizar uma finalidade determinada pelo interesse público.
Assim, a extrafiscalidade consiste no uso dos instrumentos tributários visando
alcançar outros objetivos, que não apenas a captação de recursos para o Estado, e
sim o desenvolvimento de determinada política, tendo uma finalidade regulatória, e
sendo também uma forma do Estado praticar justiça social.
Um bom exemplo em nosso país é o IPTU progressivo previsto no artigo
182, § 4°, inciso II da CF/88, pois o imposto assume caráter de sanção com a
finalidade de reprimir a má utilização do solo urbano, de modo que o proprietário
atenda a função social estabelecida na lei.
No direito comparado também existem exemplos de tributação extrafiscal,
uma vez que se busca através da tributação outros objetivos almejados pelo Estado
responsabilidade fiscal, de modo a não onerar exageradamente aqueles que possuem renda menor. (TORRES,
Ricardo Lobo. Op. cit, 2004, p. 402).
145
A capacidade contributiva do cidadão deve ser respeitada pelo legislador, quando ele for fixar o valor das
taxas, de modo que não onere excessivamente aqueles que não tenham condições de suportar a carga, porém
precisam fazer uso dos serviços públicos. ( ZILVETI, Fernando Aurélio. Op cit, p. 285)
146
A carência de capacidade contributiva para pagar a taxa, se for total poderá levar o legislador a conceder
isenção integral do seu pagamento, como tem reconhecido a doutrina. (SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Taxa:
doutrina, prática e jurisprudência. Rio de Janeiro: Editora forense, 1990, p. 58)
87
que não simplesmente a arrecadação, como por exemplo, o imposto sobre cães
cobrado na Alemanha com a finalidade de desestimular a superpopulação canina147.
Segundo Luís Eduardo Schoueri148 esses tributos são chamados de
“tributos indutores”, uma vez que induz o contribuinte por meio de incentivos ou
desincentivos a determinadas condutas ou abstenções.
Através de incentivos fiscais, o poder público, reduzindo ou eliminando
determinado tributo, objetiva estimular os contribuintes a desempenharem certas
atividades. Ao agravar alíquotas, desestimula condutas consideradas lícitas, mas
não convenientes, sob o aspecto econômico, político ou social.
Outro exemplo de extrafiscalidade em nosso país foi a taxa de controle e
fiscalização ambiental –TCFA criada pela lei 10.165 de 27 de dezembro de 2000,
onde foi estabelecido um valor progressivo variando de acordo com o tamanho da
empresa e de seu potencial poluidor.
Mas nem sempre a extrafiscalidade tem relação com a capacidade
contributiva, principalmente quando usada como mecanismo inibitório.
E esta
relação da extrafiscalidade com a capacidade contributiva é outro tema que divide a
doutrina, pois existem duas correntes de pensamento: a primeira, que assevera ser
a extrafiscalidade uma exceção ao princípio da capacidade contributiva, e os que
proclamam a observância do referido princípio na tributação extrafiscal.
A corrente doutrinária que entende ser possível a harmonização entre a
observância da capacidade contributiva e atuação extrafiscal defende ser possível a
aplicação pelo menos quanto ao atendimento dos limites que o mesmo impõe, como
por exemplo, a observância do mínimo necessário e a não ocorrência de confisco.
147
148
ZILVETI, Fernando Aurélio. Op. cit. p. 195.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Apud ZILVETI, Fernando Aurélio. Op. cit. p. 190.
88
Para os que defendem a não aplicação do postulado da capacidade
contributiva quando se adota uma tributação extrafiscal, asseveram que se deixa de
fazer essa aplicação justamente para que sejam atingidas outras finalidades
constitucionalmente protegidas que não a mera captação de dinheiro para o Erário.
Elizabeth Nazar Carrazza149 entende não existir óbices constitucionais à
utilização das isenções com finalidades extrafiscais, uma vez que quando estas
forem exercitadas devem ser respeitados os parâmetros de razoabilidade, bem
como os princípios constitucionais que regem a atividade tributária do Estado.Para
esta autora, a tributação extrafiscal não pode se valer de suas características para
ferir o sentimento de justiça prevalecente no seio da sociedade a que se destina.
Sacha Calmon150 entende de forma diferente e defende que o princípio é
incompatível com a tributação extrafiscal, uma vez que esta funciona com o objetivo
de se buscar efeitos inibitórios. Este autor analisa a extrafiscalidade através de
isenções e outras técnicas exonerativas que funcionam como incrementos do
desenvolvimento econômico.
Zilveti151, assim como Tipke, adotam o sentido de que a extrafiscalidade
não guarda relação com o princípio da capacidade contributiva, pois a
extrafiscalidade têm condão de servir de política intervencionista no domínio privado
e neste sentido não é possível justificar a extrafiscalidade pela capacidade do
cidadão de arcar com o ônus tributário.
Concordamos com os autores que informam existirem parâmetros para o
exercício da extrafiscalidade, mas cremos que nesta prática é afastado o princípio da
capacidade contributiva.
149
CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Op. cit. p. 82
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. cit, 2002, p. 83.
151
ZILVETI, Fernando Aurélio. Op. cit. p. 199.
150
89
Seção IV- OS SUBPRINCÍPIOS: PROGRESSIVIDADE, SELETIVIDADE E
PROPORCIONALIDADE
Como todos os demais ramos da ciência jurídica, o Direito Tributário está
subordinado a princípios e limitações na elaboração, interpretação e aplicação de
suas normas. E, estas diretrizes são fixadas pela Constituição Federal sob a forma
de princípios e limitações ao poder de tributar, tutelando, assim, a atividade tributária
e, constituindo um instrumento de garantia dos direitos fundamentais do ser humano
e da sociedade.
Sendo a capacidade contributiva um princípio aberto e indeterminado,
temos que este pode se concretizar através de seus subprincípios na busca por uma
tributação justa.
Assim, nesta parte do trabalho iremos tratar da relação dos subprincípios
da progressividade, da seletividade e da proporcionalidade, pois o estudo do
princípio da capacidade contributiva envolve necessariamente a análise desses
outros, uma vez que estes estão voltados para dar maior justeza na distribuição da
carga tributária entre os contribuintes.
IV. 1 - Progressividade
O princípio da progressividade é também um dos caminhos para se atingir
a justiça tributária. O estudo da capacidade contributiva se coaduna com a análise
da questão da progressividade.
Para
a
verificação
da
progressividade
temos
que
distinguir
progressividade fiscal da progressividade extrafiscal; sendo esta última, a
progressão de alíquotas independente da variação da expressão econômica da
matéria tributável, visando certas atitudes ou omissões para se alcançar uma
90
determinada finalidade. Para a análise do princípio da capacidade contributiva
apenas nos interessa a progressividade fiscal, ligada ao objetivo de repartição
equânime do ônus tributário.
Aires F. Barreto152 assevera que a progressividade opera-se pelo
estabelecimento de alíquotas tanto maiores quanto o forem os níveis de intensidade
ou de grandeza de um específico fator ou aspecto do fato tributário.
No mesmo sentido, Aliomar Baleeiro153 conceitua os tributos progressivos
como aqueles cuja alíquota cresce à medida que se eleva a riqueza ou seu volume,
destoando dos tributos apenas proporcionais.
Rubens Gomes de Sousa154 define o imposto progressivo como um
imposto proporcional, onde esta proporcionalidade aumenta à medida que aumenta
o valor da matéria tributada.
Fernando Perez Royo155 considera progressividade como sendo uma
forma
de
tributação
cujas
pessoas
que
possuem
maior
riqueza
pagam
proporcionalmente mais do que aquelas que possuem menos. Para Hugo de Brito
Machado
156
a principal função da progressividade é a redistribuição da riqueza,
onde quem tem mais paga não apenas proporcionalmente mais, mas paga
progressivamente mais.
152
BARRETO, Aires F. Capacidade contributiva, igualdade e progressividade na Constituição de 1988. In V
Congresso brasileiro de direito tributário- Princípios constitucionais tributários. São Paulo: IDEPE/RT, 1991,
p.78.
153
BALEEIRO, Aliomar. Op. cit. p. 275.
154
SOUSA, Rubens Gomes. Op. cit. p. 171.
155
Se entiende por progresividad aquella caracterísitica de um sistema tributário según la qual a medida que
aumenta la riqueza de cada sujeto, aumenta la contribución em proporción superior al incremento de riqueza.
Los que tienen más contribuyen em proporción superior a los que tienen menos. (ROYO, Fernando Perez.
Derecho financiero y tributário- parte general. Madrid: Civitas, 1997, p. 39).
156
MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit, 2001, p.123.
91
Segundo Misabel Derzi157 progressividade é a graduação dos impostos,
de tal forma que, os economicamente mais fortes paguem progressivamente mais
por esses gastos do que os mais fracos, levando a uma maior justiça social.
Como o princípio da capacidade contributiva determina a variação da
cobrança dos tributos de acordo com a possibilidade do contribuinte suportar seu
peso econômico, o princípio da progressividade é um instrumento para se aferir a
justiça fiscal. Por meio da progressividade, as alíquotas se ascendem na proporção
em que a base de cálculo cresce, e neste sentido temos que o percentual a ser pago
do tributo cresce à medida que aumenta a capacidade econômica do contribuinte.
Assim, a progressividade faz com que as alíquotas dos impostos variem
de acordo com a capacidade contributiva. E neste sentido, para os adeptos do
vinculo entre os dois princípios, a progressividade é um instrumento para alcançar
equidade na tributação, objetivo primordial do princípio da capacidade contributiva.
A progressividade, historicamente, sofreu sérios questionamentos a
respeito de sua legitimidade e sobre o caráter de justiça fiscal em uma tributação
progressiva. Neste sentido, colecionou críticos e defensores sobre o vínculo entre a
capacidade contributiva e a progressividade, no sentido de ser tal instrumento
realizador ou não do princípio da capacidade contributiva.
Na defesa desse princípio, Conti158 conclui seu estudo sobre a
progressividade afirmando que este instrumentaliza a realização da capacidade
contributiva e por conseqüência o da igualdade, pois é o instrumento fundamental de
um ordenamento jurídico baseado na igualdade, bem como leva a uma tributação
justa e eqüitativa.
157
158
DERZI, Misabel de Abreu Machado. Op. cit., p. 178.
CONTI, José Maurício. Op. cit. p. 80.
92
Geraldo Ataliba159 ao tratar sobre progressividade e a sua relação com a
capacidade contributiva se coloca a favor da progressividade, afirmando que esta é
uma excelente maneira de se fazer realizar o princípio da capacidade contributiva
informador dos impostos e que como todos os impostos estão sujeitos à capacidade
contributiva, assim também estão sujeitos à progressividade.
Com o mesmo entendimento, Américo Lacombe160 sustenta que não há
como respeitar a capacidade contributiva sem a progressividade, uma vez que este
é uma decorrência lógica daquela, e, por conseguinte, todo imposto para atender ao
princípio deve ser progressivo.
Argumentando de forma contrária, Zilveti coloca que a progressividade é
pouco eficaz como instrumento de política fiscal distributiva da carga tributária,
diante da dificuldade de se medir a capacidade contributiva a partir da
progressividade, o que leva a afastar um princípio do outro. Para este autor:
Mesmo que procurássemos na progressividade a
justificação da igualdade na tributação, concluiríamos,
forçosamente, que os sistemas de tributação progressiva não
medem capacidade econômica, são meros instrumentos políticos
de distribuição de riqueza. Equivoca-se, portanto, quem afirma que
a igualdade de sacrifícios no suporte do custeio do Estado não se
atinja pela proporcionalidade e sim pela progressividade161.
Comungando do mesmo raciocínio, Leandro Paulsen162 entende que a
progressividade é incompatível com o princípio da capacidade contributiva, uma vez
que afasta o ideal de igualdade na tributação.
Aires F. Barreto163 também coloca que o fundamento da progressão na
Constituição de 1988 não é o princípio da capacidade contributiva, e que a relação
159
ATALIBA, Geraldo. Progressividade e capacidade contributiva. In V congresso brasileiro de direito
tributário- Princípios constitucionais tributários. São Paulo: IDEPE/RT, 1991, p. 49.
160
LACOMBE, Américo Lourenço Masset. Op. cit., p. 32.
161
ZILVETTI, Fernando Aurélio. Progressividade, justiça social e capacidade contributiva. In Revista dialética
de direito tributário. São Paulo: Dialética, n° 76 Janeiro / 2002, p. 29-31.
162
PAULSEN, Lenadro. Op. cit. p. 74.
163
BARRETO, Aires F. Op. cit., 1991, p.78- 79.
93
entre este princípio e a progressão de alíquotas não autoriza a progressividade ao
impor a graduação dos impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte.
Sobre este ponto, o STF já firmou entendimento de que a progressividade
tributária somente é aceita nas hipóteses taxativamente indicadas no texto da
Constituição Federal. A jurisprudência firmada pelo STF quando da análise da
inconstitucionalidade da lei 9.783/99164 é de que somente podem-se instituir
alíquotas progressivas quando houver previsão constitucional para tal, pois trata-se
de matéria sujeita a estrita previsão constitucional, inexistindo em relação à
progressividade tributária espaço de liberdade decisória para o legislador comum.
Em um outro julgado o STF também se posicionou de que o princípio da capacidade
contributiva não é o fundamento do princípio da progressividade165.
Para Tipke166, a alíquota progressiva é compatível com o princípio da
capacidade contributiva, embora este não exija necessariamente alíquotas
progressivas. Para este autor, a aplicação do princípio da capacidade contributiva
não é guiada pelo princípio da progressividade, mas pelo princípio da
proporcionalidade.
No Direito Comparado, temos que algumas Constituições previram
expressamente a progressividade como princípio geral, é o caso da Constituição
Espanhola167, que em seu artigo 31 prevê a progressividade ao lado da igualdade
em seu sistema tributário como forma de orientar uma tributação justa. A
164
ADIn 2010/ DF – Relator Min. Celso de Mello, publicado no DJ de 12/04/02, p. 51. Consulta no site do STF,
disponível em http://www.stf.gov .br/jurisp.html. Acesso em 08.05.2005.
165
BRASIL. Supremo tribunal Federal . RE 227.033/SP, publicado no DJ de 17/09/99, p. 59. Consulta no site do
STF, disponível em http://www.stf.gov .br/jurisp.html. Acesso em 08.05.2005.
166
TIPKE, Klaus. Op. cit, 2002, p. 35.
167
Todos contribuirán al sostenimiento de los gastos públicos deacuerdo com su capacidad econômica mediante
um sistema tributário justo inspirado em los princípios de igualdad y progressividad, que, em ningún caso,
tendrá alcance confiscatorio. ( disponível em www.georgetown.edu/pdba/constituons/ acessado em 04/04/2005)
94
Constituição Italiana e a Constituição Chilena168, de igual forma, também fazem
previsão do princípio da progressividade.
Em nosso Direito Constitucional Tributário, encontramos menção à
progressividade em nossa Carta Magna nos artigos 153, § 2º, inciso I – para o
imposto de renda e proventos de qualquer natureza; art. 153, § 4º - para o imposto
sobre a propriedade territorial rural; art. 156, § 1º - para o imposto sobre a
propriedade predial e territorial urbana; art. 182, § 4º, inciso II – para o IPTU
progressivo no tempo, para assegurar o cumprimento da função social da
propriedade urbana; art. 195, § 9º - para as contribuições sociais devidas pelo
empregador.
Em relação ao imposto de renda e proventos de qualquer natureza da
pessoa física, temos um bom exemplo de imposto progressivo, onde o que se busca
atingir através da progressividade é a capacidade contributiva, embora a
progressividade esteja contida em estreitas faixas169.
Pelo que foi exposto, temos a base de cálculo como fator da
progressividade, portanto, sendo maior a base econômica tributável, maior deverá
ser o ônus imposto a essa riqueza no suporte econômico dos gastos do Estado. Não
se trata, evidentemente da aplicação proporcional, onde se aplica uma alíquota
indiferente a qualquer variação da base de cálculo. Trata-se de verificar a dimensão
de uma determinada riqueza e tributá-la com maior ou menor ônus de acordo com a
sua intensidade, de maneira a fazer com que a riqueza seja tributada com a mesma
168
Art. 20- La igual repartición de los tributos em proporción a lãs rentas o em la progresión o forma que fije
laley, y igual reparticion de lãs demás cargas públicas. ( Constitución Política de la República de Chile/ 1980)
disponível em www.presidencia.cl , acessado em 04/04/2005).
169
Importante registrar que atualmente está previsto na legislação do imposto de renda da pessoa física apenas
duas alíquotas . Embora não se possa , em rigor, afirmar que essas alíquotas não sejam progressivas, uma vez
que a alíquota se eleva na medida em que cresce a base de cálculo, é evidente que, ainda assim, não se atende ao
desiderato da progressividade prevista na Constituição Federal. O estabelecimento de mais faixas de alíquotas,
como por exemplo ocorre na Suíça ( as alíquotas variam entre 5% e 55%) ou as que vigiam no Brasil até a Lei
7.713/88, inegavelmente atenderiam mais adequadamente os desígnios constitucionais.
95
pujança. Para isto estabelece alíquotas variáveis, de modo que incida uma alíquota
maior para maior base de cálculo verificada. Em outras palavras: quem tem mais
deve pagar mais.
Apesar das críticas, a progressividade pode ser reconhecida como um
eficiente instrumento para a realização da capacidade contributiva, de modo que se
reveste em um subprincípio desta.
IV.2- Seletividade
Ser seletivo implica em ter alíquotas diferenciadas dependendo do tipo de
produto/mercadoria/serviço, pois a razão dessa tributação diferenciada se dá em
função da essencialidade dos bens, produtos ou serviços a serem consumidos.
O critério para essa seletividade é dado pelo próprio constituinte ao
estabelecer que essa variação se dará em função do grau de essencialidade do
produto, uma vez que a graduação das alíquotas obedece a uma escala de utilidade,
assim, não poderá estabelecer critérios desvinculados da essencialidade do
consumo.
A Emenda constitucional n° 29 de 13 de setembro de 2000 também
estabeleceu alíquotas diferenciadas de acordo com a localização e o uso do imóvel,
o que não deixa de ser uma forma de seletividade para o IPTU.
Na seletividade o que importa é o objeto da tributação e não o sujeito
passivo, por isso é que há doutrinadores que não consideram os impostos que
devem observar este princípio como passível de atender à capacidade contributiva,
o que foi abordado no capítulo III.1.2 deste trabalho.
Para outros, entretanto, a seletividade em função da essencialidade é
uma forma pela qual se aplica o princípio da capacidade contributiva, uma vez que a
96
seletividade é um subprincípio desta. Assim, o tributo incide progressivamente na
razão inversa da essencialidade dos produtos, ou seja, recai sobre os bens na razão
inversa de sua necessidade para o consumo popular e na razão direta de sua
superfluidade170.
No mesmo sentido, Hugo de Brito Machado171 coloca que a seletividade
visa estabelecer o ônus tributário diferenciado levando-se em conta a necessidade a
ser atendida pelo produto tributado, de modo que os produtos mais necessários
sejam onerados em menor proporção.
A seletividade também é uma expressão do princípio da proteção do
mínimo existencial, pois impõe que os bens mais necessários sejam menos
gravados ou não sofram tributação em razão de sua utilidade para o cidadão na
satisfação de suas necessidades mais elementares.
Embora para a doutrina nacional o princípio da seletividade diga respeito
apenas ao abrandamento da tributação sobre produtos voltados à necessidade dos
mesmos, o desenvolvimento do estudo da proteção ao mínimo existencial impõe por
exigência e coerência que se atenda a não tributação de produtos, mercadorias e
serviços considerados essenciais à sobrevivência humana.
Nota-se que enquanto a progressividade diz respeito a um fator subjetivo,
levando em conta características do contribuinte, a essencialidade refere-se a um
fator objetivo, ou seja o bem. É na natureza do bem que se procura identificar a
existência ou não de capacidade contributiva do consumidor contribuinte.
Assim,
a
essencialidade
do
produto
constitui
um
critério
para
diferenciação de alíquotas que acaba implicando em homenagem ao princípio da
170
171
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit, 2005, p. 321
MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., 2001, p. 115
97
capacidade contributiva, uma vez que acaba gravando os produtos supérfluos mais
que os produtos essenciais.
IV.3- Proporcionalidade
A proporcionalidade é um parâmetro valorativo das ações do poder
público, e apesar de não estar previsto expressamente no texto constitucional, este
princípio encontra-se como um princípio orientador de nosso sistema tributário, e
pode ser usado pelo legislador infraconstitucional para todos os tributos não sujeitos
à progressividade.
A proporcionalidade é uma derivação do princípio da capacidade
contributiva e contrasta-se com a progressividade, pois essa promove uma elevação
de alíquotas à medida que aumenta a base de cálculo, e aquela mantém a mesma
alíquota percentual; em outras palavras, o tributo é considerado proporcional quando
a sua alíquota não se eleva em função do aumento da base de cálculo.
Assim, observe-se que, embora a alíquota expresse uma proporção, ela
permanece inalterada, indiferente à grandeza da riqueza tributável, embora o valor
do tributo cresça de acordo com a valor da matéria tributável, mas a proporção
permanece constante.
O princípio da proporcionalidade também denominado de princípio da
proibição do excesso, foi desenvolvido de forma promissora pelo Tribunal
Constitucional Alemão a partir da recepção das teorias francesas sobre o desvio,
excesso e abuso de poder. Passou a ter status de princípio constitucional,
transmigrando do Direito Administrativo para o campo Constitucional na limitação do
poder estatal frente aos direitos fundamentais do cidadão após a II Guerra Mundial,
98
tendo em vista que após a existência dos regimes totalitários, muitos juristas
denotaram a existência de leis injustas.
O mesmo caminho foi percorrido pelo direito Suíço e pelo Austríaco. Na
Itália também, por influência Alemã, a doutrina e a jurisprudência abrigaram o
princípio da proporcionalidade, embora de forma implícita172.
Em nosso direito pátrio, este princípio não se encontra de forma expressa
em nossa Constituição, mas a norma constitucional acolheu tal princípio de forma
implícita, bem como, apesar de ainda tímida, a nossa Corte Suprema vem utilizando
dos preceitos da razoabilidade ou proporcionalidade, acolhendo, assim, este
princípio em nosso direito pátrio.
O STF consignou a aplicação do princípio da proporcionalidade a vários
julgados, em diversas áreas do direito. No campo do Direito Tributário, citamos como
exemplo, dentre outros julgados173, o voto do Min. Orozimbo Nonato no RE n°
18.331174, onde manifestou que a poder de tributar deve ser exercido dentro dos
limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, comércio e da indústria
e com o direito de propriedade; a Representação n° 1077 julgado em 1984 referente
a Taxa Judiciária, onde foi relator o Ministro Moreira Alves, que considerou
inconstitucional a taxa judiciária fluminense por falta de equivalência razoável entre o
custo do serviço e a prestação imposta, onde a equivalência razoável equivale ao
custo real dos serviços e o montante a que pode ser compelido o contribuinte a
pagar 175.
172
CRETTON, Ricardo Aziz. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade- a sua aplicação no
direito ttributário. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2001, p. 58-67.
173
Consulta no site do STF, disponível em http://www.stf.gov .br/jurisp.html. Acesso em 10.05.2005: ADin
948/GO- Min. Francisco Rezek, publicado no DJ de 17/03/2000, p.2; ADin 1651/PB- Min. Sydney Sanches,
publicado no DJ de 11/09/98; ADin 1926/ PE, Min. Sepúlveda Pertence, publicado no DJ de 10/09/99.
174
CRETTON, Ricardo Aziz. Op. cit., p. 70
175
Representação 1077/RJ. Relator Min. Moreira Alves, publicado no DJ de 28/09/1984, p. 15.965. Consulta no
site do STF, disponível em http://www.stf.gov .br/jurisp.html. Acesso em 10.05.2005:
99
Para Zilveti176, o campo de atuação da proporcionalidade é amplo, uma
vez que deve ser verificada não apenas em confronto com a lei, mas também na
aferição da ação do aplicador e do intérprete na norma restritiva de liberdade,
coibindo o excesso de rigor que lese o direito fundamental do cidadão.
Assim, a proporcionalidade tem sua aplicação limitada à garantia dos
direitos individuais, sendo uma proteção da liberdade individual do cidadão. Por
conseguinte, como a capacidade contributiva garante simetria da tributação e
protege
ao
mesmo
tempo
o
cidadão
contra
uma
tributação
abusiva
e
desproporcional, temos que a proporcionalidade serve à capacidade contributiva
como um instrumento para a justiça fiscal, pois para o estabelecimento desta não há
como fugir de considerações de razoabilidade-porporcionalidade.
Terminada a análise do princípio da capacidade contributiva, será
analisado agora a sua limitação pelos direitos fundamentais.
176
ZILVETI, Fernando Aurélio. Op. cit., p. 308.
100
CAPÍTULO III - A LIMITAÇÃO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA PELOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS
O constitucionalismo contemporâneo trouxe a inserção de amplas
declarações de direitos individuais e sociais nas Constituições atuais de vários
países. Não foi diferente no Brasil, onde a Constituição Federal de 1988 esculpiu um
capítulo inteiro sobre direitos e garantias fundamentais. Também a mensagem
preambular de nossa Carta Magna representa uma expressão de valorização dos
direitos fundamentais de cidadania; determina que a instituição de nosso Estado
Democrático de Direito tem a finalidade de assegurar o exercício dos direitos sociais
e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade
e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos.
No artigo 1° são proclamados como fundamentos do Estado Democrático
de Direito a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, bem como no artigo 3º
estabelece os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, onde
consta a
erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das
desigualdades sociais e regionais. E neste sentido, o poder de tributar tem que se
coadunar com estes fundamentos e objetivos buscados por nosso Estado, de modo
que possa trazer segurança nas relações entre o fisco e o contribuinte e estabelecer
uma política tributária profícua para que esta possa cumprir o seu papel de
realização de justiça fiscal.
Mas os direitos e garantias fundamentais não são apenas aqueles
expressos no artigo 5° de nossa Carta Magna, mas também todos aqueles
101
decorrentes do regime e dos princípios adotados por nossa Constituição, bem como
aqueles decorrentes dos Tratados e Convenções Internacionais de que nosso país
seja parte.
Os princípios fundamentais constantes em nossa Carta Magna revelam o
surgimento de uma ideologia constitucional em que os valores ligados à democracia
social, tais como justiça, solidariedade, cidadania, dignidade da pessoa humana,
trabalho, livre iniciativa são elevados à categoria de princípios informadores do
ordenamento jurídico.
Assim, a proteção dos direitos fundamentais177 é um fator essencial para
a solidificação de um Estado Democrático de Direito, onde estes devem ser
reconhecidos e respeitados, uma vez que se relacionam diretamente com a
consagração da dignidade humana e, por conseguinte, na construção de uma
sociedade mais justa.
Segundo Ingo Wolfgang Sarlet178 os direitos fundamentais podem ser
considerados simultaneamente como pressuposto, garantia e instrumento do
princípio democrático, onde estes garantem o direito das minorias contra eventuais
desvios de poder.
É uma tendência da doutrina contemporânea a vinculação entre a
atividade tributária e os direitos fundamentais179, uma vez que nesta visão
contemporânea, temos que a tributação existe como forma de realização da justiça
177
Neste trabalho iremos utilizar a expressão “direitos fundamentais” ou “direitos humanos” indistintamente,
embora para alguns autores possam ter sentidos distintos. Neste sentido vale o registro da obra de Alberto
Nogueira, onde são apontadas diferenças entre os termos em precisa reflexão. (NOGUEIRA, Alberto.
Reconstrução dos direitos humanos da tributação. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 11-20).
178
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto alegre: Livraria do Advogado, 3ª ed.,
2003, p. 66-67.
179
Os direitos fundamentais são tradicionalmente apresentados pela doutrina como um conjunto formado pelas
categorias dos direitos individuais, direitos políticos e direitos sociais, sendo este última categoria uma redução
da locução direitos sociais, econômicos e culturais. (BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos
princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 112113).
102
social, com o propósito de se alcançar uma vida digna para todos, onde os direitos
dos contribuintes são construídos a partir dos direitos fundamentais à liberdade e à
propriedade.
Como antes afirmado, a atividade tributária deve pautar-se por balizas
jurídicas que se conformam com os princípios vetores do Estado Democrático de
Direito consagrados na Constituição. Assim, os tributos devem ser exigidos de
acordo com os princípios estruturais postos na Constituição Federal, não apenas os
formadores do Sistema Tributário, mas todos os que regem nosso sistema jurídico,
de modo a atuar como instrumento de desenvolvimento socioeconômico, conduzindo
à valorização das estruturas da cidadania e fortalecendo a dignidade humana.
O poder normativo tributário submete-se aos direitos fundamentais
estabelecidos na Constituição,
e
ao instituir os
tributos o Estado não pode
embaraçar o exercício desses direitos, uma vez que a própria Carta Constitucional
assegura
o seu exercício, e , por conseguinte, não pode ao mesmo tempo
compactuar com uma tributação que tenha como efeito o desaparecimento desses
mesmos direitos.
Desse modo, o exercício do poder de tributar está limitado pelos
princípios constitucionais tributários e pelas imunidades, que são reconhecidos como
direitos individuais da pessoa humana contra a atividade tributária arbitrária do poder
público, uma vez que exortam dos direitos fundamentais do contribuinte. E, para que
a atividade tributária atenda aos interesses da coletividade e respeite os direitos
fundamentais aclamados em nossa Constituição deve se pautar dentro de certos
parâmetros de razoabilidade, observando o limite mínimo e máximo dessa atividade.
Dentro de tais limites temos a imunidade do mínimo existencial e o
princípio do não-confisco tributário que são mandamentos limitadores do princípio da
103
capacidade contributiva e garantias constitucionais do contribuinte decorrente dos
direitos fundamentais.
Embora o princípio da capacidade contributiva seja de verificação
bastante complexa e insuscetível de controle jurisdicional, este, enquanto princípio
geral de direito tributário encontra-se limitado pelos direitos fundamentais. Ou seja, o
Estado deve exigir que as pessoas contribuam para as despesas públicas na
medida da sua capacidade para contribuir, respeitando os direitos fundamentais do
contribuinte, assegurando a não tributação do mínimo existencial e protegendo o
cidadão contra o excesso da exigência tributária.
SegundoTorres180, o princípio da capacidade contributiva encontra-se
limitado pelos direitos da liberdade, afirmando que as limitações constitucionais
desse princípio podem ser analisadas sob o aspecto quantitativo e sobre o aspecto
qualitativo. O quantitativo protege o cidadão, no plano vertical, contra o excesso de
tributação ou o desrespeito ao mínimo necessário à sobrevivência digna. O aspecto
qualitativo garante ao contribuinte, no plano horizontal, contra as discriminações
arbitrárias e os privilégios odiosos concedidos a terceiros e também pelas
imunidades subjetivas previstas no texto constitucional letras “a”, “b”e “c” do artigo
150, inciso VI.
Neste trabalho, iremos analisar a limitação constitucional da capacidade
contributiva apenas no aspecto quantitativo, envolvendo os princípios constitucionais
da imunidade do mínimo existencial e da proibição de confisco, podemos dizer que a
capacidade contributiva tem início após a dedução dos gastos necessários ao
mínimo vital e como não é possível mensurar onde esta capacidade termina, temos
que o seu limite superior é a vedação dos tributos com efeitos confiscatórios.
180
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit, 2003. p. 435.
104
Seção I- O MÍNIMO EXISTENCIAL
O princípio de proteção ao mínimo existencial181 consiste na proibição
constitucional de tributar aquela parcela patrimonial voltada exclusivamente à
manutenção do cidadão ou à de sua família, de modo a preservar aqueles valores
indispensáveis à sua sobrevivência e à de seu núcleo familiar de forma digna.
Podemos dizer que a possibilidade constitucional de tributação não
começa com a pura e simples existência de riqueza, é necessário que essa riqueza
exceda ao mínimo necessário para a realização de direitos constitucionais básicos,
sem os quais torna-se impossível viver com dignidade.
Segundo Ricardo Lobo Torres182 o mínimo existencial não tem dicção
própria e nem conteúdo específico, abrangendo qualquer direito considerado como
essencial e inalienável a uma vida digna, ainda que originariamente não
fundamental183, abrangendo, assim, todas as condições mínimas para uma
existência com dignidade.
Embora não previsto de forma literal em nossa Constituição, o direito de
proteção ao mínimo existencial ou do mínimo vital necessário à manutenção do
cidadão e de sua família deriva do desdobramento de outros princípios plasmados
no texto constitucional, bem como se encontra implícito nas passagens pontuais da
Carta Magna que consagra a proteção da dignidade da pessoa humana.
181
Mínimo vital, mínimo material, mínimo essencial ou mínimo indispensável - todas expressões sinônimas
encontradas para a mesma realidade jurídica.
182
TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. In Revista de direito da
Procuradoria Geral. Rio de Janeiro: Publicação do Centro de Estudos Jurídicos n° 42, 1990, p. 69.
183
Embora não sejam originariamente fundamentais, o direito à alimentação, à saúde e à educação adquirem
status de direitos fundamentais no que concerne à parcela mínima sem a qual o homem não sobrevive, uma vez
que sem esses direitos a pessoa não tem a sua dignidade respeitada. ( BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit. p.
254-255)
105
Este princípio consiste no direito às condições mínimas de existência
humana digna, sendo um direito público subjetivo do cidadão, que garante as
condições iniciais para o exercício das liberdades.
E a preocupação com o mínimo vital tem uma grande importância na
história da tributação contemporânea, uma vez que esta nos dias atuais não se vale
apenas para exercer função arrecadatória, mas se envolve em promover a justiça,
pois assume uma posição de meio de realização de justiça social, sendo um dos
principais instrumentos de repartição de riqueza e desenvolvimento econômico.
Neste sentido, por exigência de justiça fiscal, se repugna a tributação de
valores que estejam voltados à manutenção das necessidades básicas do
contribuinte, eis que evidentemente, estes valores não são expressões da
capacidade contributiva que, como visto, é pressuposto necessário à referida
imposição tributária. O mínimo existencial também diz respeito à proteção das
atividades produtivas, uma vez a pessoa jurídica também terá sua capacidade
contributiva iniciada depois de satisfeitas as suas necessidades vitais.
A primeira noção de mínimo existencial no direito positivo tributário foi na
Alemanha em 1873, onde a lei fixou o valor de isenção fiscal como valor mínimo
necessário para a subsistência. Podemos dizer que a doutrina alemã foi quem mais
desenvolveu a não tributação do mínimo necessário para uma vida digna e esta
passou a influenciar os tribunais184 e o legislador ordinário no reconhecimento da
figura do mínimo existencial como intributável, bem como irradiou sua influência
acadêmica para outros países185.
184
O respeito ao mínimo existencial pessoal e familiar tem grande relevância na discussão tributária da
Alemanha, merecendo destaque as decisões do Tribunal constitucional, principalmente a decisão proferida em
1990, considerou que na tributação da renda uma quantia para o mínimo existencial da família deveria ficar
isenta de imposto, apenas o que ultrapasse este mínimo poderia ser submetido à tributação. (ZILVETI, Fernando
Aurélio. Op. cit., p. 206)
185
As decisões do Tribunal Alemão influenciaram outros países da Europa, especialmente a Espanha. Segundo
Diego Marín-Barnuevo Fabo a Espanha utilizou-se dos critérios inovadores contidos nas sentenças alemãs para a
106
I.1- O mínimo existencial no Brasil
Diversamente da doutrina alemã, no Brasil a questão do mínimo
existencial vem sendo tratada de forma tímida pela doutrina e jurisprudência, dentre
os doutrinadores que se dedicaram ao assunto, temos como destaque Ricardo Lobo
Torres que, apesar de não ser o primeiro a dedicar-se ao assunto186, foi sem dúvida
quem mais versou sobre a figura do mínimo existencial em nossa pátria, colocando
esta figura ao nível de direito fundamental do cidadão, uma vez que o coloca como
fundamento para as condições iniciais do exercício da liberdade.
Neste sentido, comungamos da teoria do citado mestre, uma vez que sem
estas condições mínimas de existência digna, não há como o cidadão gozar de seus
direitos fundamentais e, por conseguinte, a garantia do mínimo protege as
liberdades individuais.
José Souto Maior Borges187 aponta que o respeito ao mínimo existencial
se dá por várias razões de ordem prática, onde uma delas é que o tributo é
improdutivo se comparado com as despesas de sua arrecadação; outra razão
apontada é a de exigência de justiça fiscal, pois os pequenos contribuintes não
deverão sofrer maior redução em sua capacidade econômica. Também aponta que
os pequenos contribuintes já suportam de maneira mais dura os ônus dos impostos
indiretos, eis que estes não levam em consideração, na sua plenitude, a condição
especial dos que de fato contribuem.
aplicação do mínimo existencial do imposto de renda da pessoa física, principalmente quanto ao critério para
estabelecimento do valor da renda que representa o mínimo indispensável e que neste caso ficaria livre do poder
de tributar do Estado Espanhol, e também no estabelecimento do salário social- que constitui num valor
assistencial prestados pelas Comunidades autônomas para os cidadãos espanhóis necessitados. (FABO, Diego
Marín-Barnuevo. La proteccíon del mínimo existencial em el âmbito del IRRF. Madrid: colex, 1996, p. 64-74).
186
Rui Barbosa ao tratar do imposto de renda no Brasil afirmou a necessidade de excluir da incidência deste
imposto o mínimo necessário à existência das classes menos favorecidas. (TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit.,
1990, nota 14, p. 76).
187
BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 53.
107
Assim, a não tributação do mínimo vital se dá também por considerações
sociais diversas, mesmo porque é um contra-senso fomentar a pobreza num
primeiro momento, pois se retiraria dinheiro do cidadão através da incidência
tributária, para depois implementar políticas para combatê-la; eis que o Estado está
obrigado, por força constitucional, a implementar políticas que garantem aos
cidadãos condições dignas de sobrevivência, para fazer valer os preceitos
constitucionais plasmados em nossa Carta Magna como
liberdade,
à saúde, dentre outros
188
o direito à vida,
à
. Os fundamentos deste princípio serão
analisados adiante.
Em nossa história constitucional, temos que na Carta de 1946, este
princípio foi contemplado de forma expressa no artigo 15, § 1° que determinava que
não poderiam sujeitar-se à tributação os artigos que a lei classificasse como mínimo
indispensável à habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas
de restrita capacidade econômica. Entretanto, essa disposição não foi reproduzida
com todas as letras nas Constituições que a sucederam, mas com a promulgação da
“Constituição Cidadã” em 1988, a figura do mínimo existencial, embora não de
maneira expressa como no texto de 1946, foi contemplado em várias passagens
constitucionais, que protegem particularmente as situações relacionadas à dignidade
humana atreladas à ausência de qualquer capacidade contributiva para fazer frente
à imposição tributária do Estado.
Dentre as imunidades do mínimo existencial em nosso atual texto
constitucional temos o direito de petição aos poderes públicos e a obtenção de
188
O Brasil pagou no mês de abril/2005 o valor de R$ 7,117 bilhões a título de benefícios assistenciais a título de
amparo assistencial do idoso e das pessoas portadoras de deficiência- Lei 8742/93. (Fonte Boletim Estatístico da
Previdência Social , disponível em www.mpas.gov.br) E também de acordo com a pesquisa da Fundação
Getúlio Vargas a média per capita com gastos na área da saúde é de R$ 109, 00 por habitante (REZENDE,
Fernando. CUNHA, Armando ( coord). Contribuintes e cidadãos: compreendendo o orçamento federal. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2002, p. 135.)
108
certidões independente do pagamento de taxas( artigo 5°, XXXIV da CF/88); a
gratuidade da ação popular, do hábeas corpus e do hábeas-data ( artigo 5°, LXXII ,
LXXIII e LXXVII); a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos ( artigo 5°, LXXIV); a gratuidade do registro civil de
nascimento e da certidão de óbito para os reconhecidamente pobres na forma da lei
( artigo 5°, LXXVI); a imunidade de impostos das instituições de educação e de
assistência social sem fins lucrativos (artigo 150, VI, letra c); a imunidade do ITR da
pequena propriedade rural explorada pelo proprietário que não possui outro imóvel
(artigo 153, § 4°, inciso II); a imunidade de contribuição para custeio da seguridade
social para as entidades beneficentes de assistência social ( artigo 195, § 7°); a
garantia de prestação de assistência médica independente do pagamento de taxas
ou de contribuições para o sistema previdenciário ( artigo 196 e 198 da CF/88); a
prestação de assistência social, independentemente de contribuição, a quem dela
necessitar ( artigo 203); a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais
e a obrigatoriedade e gratuidade do ensino fundamental ( artigo 206, IV e artigo 208,
I); a previsão de programas suplementares de alimentação e assistência à saúde do
educando no ensino fundamental (artigo 212, § 4°) e a proteção da família pelo
Estado e a gratuidade da celebração do casamento civil ( artigo 226).
Este princípio aparece também invocado no aspecto negativo do princípio
da capacidade contributiva, nos princípios sobre os quais se baseiam o Estado
Social, como por exemplo, a erradicação da pobreza e a dignidade da pessoa
humana, no princípio da solidariedade e também nos direitos de liberdade, dentre
outros.
Neste sentido, é colocado ao legislador infraconstitucional ao estabelecer
as incidências tributárias o dever de criar isenções tributárias que resguardam a
109
imunidade tributária do mínimo vital em respeito aos preceitos constitucionais que
garantem esse mínimo. Neste sentido, Alfredo Augusto Becker189 adverte que a
regra constitucional impõe ao legislador ordinário não apenas o dever de escolher os
fatos-signos presuntivos de renda ou capital para a composição da hipótese de
incidência do tributo, mas também o dever de criar isenções tributárias que
resguardam a imunidade tributária do mínimo indispensável de capital e renda,
colocando que a definição do mínimo cabe ao legislador ordinário. Assim, carecendo
o mínimo existencial de conteúdo específico, a sua fixação será variável de acordo
com o conceito que for destinado às necessidades básicas da sociedade pelo
legislador ordinário, podendo esta variar no tempo e no espaço, uma vez que estas
necessidades podem ser diferentes em conformidade com a conjuntura política e
econômica de cada época190.
Rui Barbosa191 a definiu como uma incógnita muito variável, podendo ser
determinada apenas relativamente por apreciações aproximativas de financistas e
legisladores.
Em matéria tributária infraconstitucional, a legislação brasileira do Imposto
de Renda, ao fixar a base de cálculo do imposto, procurou atentar para o
estabelecimento do mínimo existencial, embora seja muito criticada por vários
doutrinadores, uma vez que deturpa o conceito deste mínimo existencial ao
estabelecer limites de deduções da base de cálculo de valores considerados como
essenciais, tais como despesas com educação.
Aires Barreto192 criticando a legislação do Imposto de Renda sustenta que
somente se pode falar em capacidade contributiva a partir da garantia de integridade
189
BECKER, Alfredo Augusto. Op. cit. p. 455.
Na doutrina Alemã também foi proposto por Tipke e Lang devido a esta variação na quantificação do
mínimo existencial, a fixação do mínimo regional, onde este teria uma variação de acordo com o custo de vida
local ( ZILVETI, Fernando Aurélio. Op. Cit. P. 206-208)
191
BARBOSA, Rui. Apud TORRES, Ricardo Lobo, Op. cit, 1990, nota 14, p. 76.
190
110
do montante mínimo indispensável à satisfação das necessidades primárias do
cidadão.
No Brasil, como na maioria dos países subdesenvolvidos, a questão do
mínimo existencial é muito delicada, uma vez que sequer os direitos sociais básicos
são atendidos, e a tributação pode agravar o problema da pobreza, se não se
atentar para o respeito a esta imunidade do mínimo vital.
I.2- Os fundamentos da proteção ao mínimo existencial
A indicação do fundamento do direito ao mínimo existencial é um assunto
controvertido na doutrina, e estas divergências principalmente consistem nas
peculiaridades dos textos constitucionais de cada país.
Algumas
Constituições
trazem
expressamente
a
indicação
deste
principio193, outras trazem de forma implícita, decorrendo de outros princípios
consagrados pelas Cartas Constitucionais, como é o caso da Constituição Brasileira
e da Italiana194, por exemplo.
Assim, em alguns países a doutrina e a jurisprudência têm retirado o
fundamento do mínimo vital dos princípios de justiça tributária, normalmente
presentes em seus textos constitucionais, notadamente ligados ao princípio da
capacidade contributiva, como é o caso da doutrina italiana195 e da espanhola196.
192
BARRETO, Aires F. Capacidade contributiva- progressividade. In Revista de direito tributário. São Paulo:
RDT, a. 15, n° 58, out./dez. 1991, p. 176-178
193
A Constituição do Japão em seu artigo 25 declara : Todos terão direito à manutenção de padrão mínimo de
subsistência cultural e saúde. ( TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 1999, p. 142)
194
A doutrina italiana por o considerar ligado ao princípio da capacidade contributiva relaciona este ao artigo 31
que protege à família, ao artigo 32 que trata da saúde, ao artigo 34 que trata da educação, ao artigo 38 que trata
das pensões para os cidadãos inábeis para o trabalho e desprovido dos meios necessários para viver e ao artigo
47 que trata do sistema de habitação. (MOSCHETTI, Francesco. Op. cit. p. 258).
195
Giardina também coloca o princípio da capacidade contributiva como fundamento do princípio do mínimo
vital. (GIARDINA, Emilio. Op. cit. p. 448)
196
Na Espanha tem-se considerado que a exigência de não submeter à tributação as rendas destinadas às
necessidades vitais se desprende do princípio da capacidade econômica contida no artigo 31 da Constituição
Espanhola. ( ver FABO, Diego Marín-Barnuevo. La proteccíon del mínimo existencial em el âmbito del IRRF.
Madrid: Colex, 1996, p. 13)
111
Porém, há casos como o da Alemanha, onde a sua Lei Fundamental não reconhece
os chamados princípios de justiça tributária, e neste caso, o mínimo vital é extraído
de outros princípios, como o da dignidade da pessoa humana, do Estado Social e
Democrático e do princípio geral da igualdade.
Por exemplo, o Tribunal Constitucional da Alemanha em 1990 em
sentenças que tinham por objeto a insurgência contra a diminuição do valor
estabelecido para abatimento por filho da base de cálculo a ser apurado para
pagamento do imposto de renda da pessoa física, decidiu através da interpretação
dos princípios da Constituição de Bonn de 1949, principalmente no princípio da
proteção à dignidade humana em conexão com o princípio do Estado Social e
Democrático, a obrigatoriedade de observância e preservação de valores mínimos
que estejam voltados à subsistência dos cidadãos alemães e que, os valores
referentes à manutenção dos filhos também estão inseridos nessa categoria,
merecendo também a proteção da imposição arbitrária do Estado197.
O que fica evidente em todos os casos é o grande esforço envidado pela
doutrina e jurisprudência no sentido de encontrar um fundamento constitucional para
a proteção do mínimo existencial.
I.2.1- FUNDAMENTO NO PRINCÍPIO DA LIBERDADE
Principalmente por influência da doutrina alemã, temos autores que
defendem que o fundamento do mínimo existencial é o princípio da liberdade, e
dentre estes apontamos Ricardo Lobo Torres, que coloca o princípio da capacidade
197
“ Art. 1 GG: La dignidad Del hombre es intangible. Respetarla y protegerla es obligación de todo poder
publico. Art. 20.1 GG: La República Federal alemana es un estado federal, democrático y social”. Esta decisão
garantiu o reconhecimento do comando constitucional de deixar isentas as rendas do sujeito passivo na medida
em que estas são necessárias para garantir as condições de vida mínima de uma vida digna.( Idem, ibidem, p. 3536).
112
contributiva apenas como um balizador desse princípio e não o seu fundamento,
uma vez que esta começa além do mínimo necessário à existência humana digna.
Este autor faz uma construção doutrinária atribuindo ao cidadão um direito
público subjetivo, garantindo uma imunidade tributária constitucional. Apresenta
como pré-constitucional, como decorrência do direito básico de liberdade, com
validade erga omnes. Defende a teoria de que o mínimo existencial está ancorado
na ética e se fundamenta na liberdade, onde sem o mínimo vital necessário à
existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as
condições iniciais para o exercício da liberdade, pois este perderia o seu valor sem a
condição fática para poder exercê-lo.198.
No mesmo sentido, ao escrever sobre cidadania, João Carlos Espada199
coloca que a garantia dos bens essenciais constituem as condições mínimas para
agir com liberdade ou fazer uso da liberdade; deve ser garantido que todos tenham
acesso a estes bens essenciais que constituem as condições mínimas para que se
possa agir livremente.
Fazendo um paralelo com a teoria da justiça de Rawls200 temos que este
também apresenta o mínimo existencial como pressuposto lógico indispensável à
coerência de sua construção teórica; pois a garantia de um conjunto mínimo de
condições materiais é pressuposto para que no estado original, ou seja, na posição
inicial eqüitativa de oportunidades, os indivíduos possam adotar o procedimento
eqüitativo. Podemos dizer que esta posição inicial equivale a um conjunto de
condições materiais mínimas, e que a carência desse mínimo inviabiliza a utilização
pelo homem das liberdades asseguradas pela ordem jurídica, e neste sentido o
198
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 1999, p. 146 e 151.
ESPADA, João Carlos. Op. cit., p. 85/86 e 263.
200
RAWLS. John. Op. cit, 1993, p. 221-222
199
113
referido autor aponta este mínimo como pressuposto não apenas do princípio da
diferença, mas também do princípio da liberdade.
Neste sentido, as condições para o exercício da liberdade se expressam
na imunidade do mínimo existencial, assumindo um status negativus, onde o direito
é protegido negativamente contra a intervenção estatal, ou seja, limita a
competência estatal para que esta não possa invadir a esfera da liberdade mínima,
liberdade esta considerada como direito ao mínimo imprescindível à sobrevivência.
Mas o direito de liberdade, fundamento do mínimo existencial, depende
também de prestações positivas, onde a proteção estatal visa garantir as condições
de liberdade.
I.2.2- FUNDAMENTO NO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE SOCIAL
Na doutrina, há também quem defende que o fundamento do princípio da
proteção do mínimo vital é o princípio da solidariedade social. Dentre estes temos
Francesco Moschetti201, que justifica o mínimo existencial no dever de solidariedade
da comunidade, onde aqueles que possuem aptidão para contribuir para os gastos
públicos devem fazê-lo no lugar daqueles que nada possuem.
A fundamentação da proteção do mínimo vital nas lições de Moschetti que
se apóiam no princípio da solidariedade são aplicáveis ao direito brasileiro, eis que
nossa Carta Magna acolhe o princípio da solidariedade no artigo 3°, inciso I como
nossos objetivos fundamentais.
Na doutrina pátria, Aliomar Baleeiro aponta o fundamento social da
proteção do mínimo existencial no princípio da solidariedade:
Além das razões inspiradas na solidariedade social, outras
de caráter prático e lógico condenariam impostos sobre criaturas
de reduzida capacidade contributiva. Segundo a concepção atual
201
MOSCHETTI, Francesco. Op. cit. 266-269.
114
de Estado, este deve assistência a todos os necessitados por
efeito de suas condições (idade, saúde, incapacidade de trabalho,
fase escolar, etc.) ou econômicas (pauperismo, desemprego, etc.).
Seria redondamente insensato, anti-econômico e trabalhoso
retirar, pelo imposto, recursos daqueles aos quais o Estado terá de
socorrer pelos canais da despesa.202
Evidentemente que o princípio da solidariedade se aplica também ao
sistema tributário, seja porque se encontra elencado como princípio fundamental
seja porque é perfeitamente adequado ao ímpeto constitucional de implementação
de valores de justiça social, através de todos os instrumentos previstos na
Constituição, inclusive o cunho extrafiscal inerente ao sistema tributário, que não
serve, senão para implementação dos valores contidos nos princípios fundamentais
do Estado brasileiro, previstos especialmente no preâmbulo constitucional e nos
artigos 1° ao 7° da constituição da República Federativa do Brasil.
I.2.3- FUNDAMENTO NO PRINCÍPIO DA (IN)CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Na doutrina brasileira temos que prevalece a tese da capacidade
contributiva como fundamento do mínimo existencial, evidentemente pelo aspecto
negativo, ou seja, na ausência da capacidade para contribuir, uma vez que esta
somente pode se reputar existente quando se aferir riqueza acima do mínimo
necessário.
Alfredo augusto Becker203 ao tratar dos alcances da eficácia da
capacidade contributiva colocou o mínimo existencial como uma “deformação”
sofrida pelo princípio da capacidade contributiva, uma vez que o sistema deve
resguardar a imunidade do mínimo indispensável às necessidades vitais básicas do
cidadão.
202
203
BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998, p.276.
BECKER, Alfredo Augusto. Op. cit., p. 453-457.
115
A doutrina espanhola e a jurisprudência de seus Tribunais204 apontam o
princípio da capacidade contributiva como fundamento constitucional da proteção do
mínimo vital. Sainz de Bujanda205 coloca que a isenção do mínimo vital é
indissociável do princípio da capacidade contributiva, uma vez que esta somente
pode-se reputar existente quando for aferida riqueza acima do mínimo existencial.
Diego Marín-Barnuevo Fabo206 sinteticamente reproduz a posição doutrinária
espanhola afirmando que a não submissão à tributação da renda destinada ao
atendimento das necessidades vitais se depreende do princípio da capacidade
contributiva prevista no artigo 31 da Constituição.
A jurisprudência e também a doutrina italiana ligam diretamente a defesa
do mínimo vital ao princípio da capacidade contributiva, sob um aspecto
irrenunciável de uma existência livre e digna do contribuinte e de sua família, onde o
contribuinte somente deve ser gravado a partir do limite mínimo indispensável para a
sua sobrevivência. A doutrina critica a teoria da utilidade defendida pelos autores da
“Escola de Pavia” por não respeitar necessariamente o mínimo existencial, pois esta
defendia que o cidadão deveria contribuir para as despesas públicas na proporção
dos serviços públicos postos à sua disposição207. Victor Uckmar208 traz a seguinte
observação:
Segundo a Corte italiana a isenção dos rendimentos
mínimos não só é legítima, pois atrelada a uma presunção racional
de falta de qualquer capacidade contributiva, mas é efetivamente
204
O Tribunal Constitucional afirmou que a capacidade contributiva deve ser apurada de acordo com as
circunstâncias pessoais, determinando a efetiva riqueza do contribuinte. Reconhece o mínimo existencial como
direito individual que limita o Estado a exigir do cidadão somente o que estiver de acordo com sua riqueza
efetiva. (ZILVETI, Fernando Aurélio. Op. cit., p. 212)
205
SAINZ DE BUJANDA. Op. cit. p. 197.
206
No original: Asi há sucedido en Espanã, donde, normalmente, se há considerado que la exigência de no
someter a gravamen la rendta destinada por los sujetos a la atención de sus necesidades vitales se desprende,
inequvocamente, del principio de capacidad económica contenido en el artículo 31 de la Constitución. (...) su
formulación actual tiene lugar através del reconocimiento de uma regla constitucional, deducida del principio
da capacidad econômica, que prohíbe someter a gravamen la riqueza destinada a la satisfacción de lãs
necesidades elementales del individuo. (FABO, Diego Marín-Barnuevo. Op. cit., p. 13)
207
Neste mesmo sentido, ver ZILVETI, Fernando Aurélio. Op. cit. p. 210-212.
208
Victor Uckmar. Op. cit. p. 73.
116
necessária, porque o legislador, se pode estabelecer
discricionariamente, em função de complexas avaliações
econômicas e sociais, qual é a medida acima da qual surge a
capacidade contributiva, não pode deixar de isentar da tributação
aqueles sujeitos que recebem rendimentos tão modestos a ponto
de serem apenas suficientes para satisfazer as necessidades
elementares da vida: se assim não dispusesse, a lei acabaria por
impor um dever tributário também onde não existe capacidade
contributiva.
Assim, o mínimo existencial não representa indicação de capacidade
contributiva, mas ausência desta. A proteção desse mínimo decorre justamente da
aplicação do princípio da incapacidade contributiva, podemos dizer que é uma
expressão do princípio da capacidade contributiva em seu aspecto negativo,
devendo o legislador infraconstitucional criar mecanismos de não tributação da
parcela mínima indispensável a uma vida digna.
Podemos dizer que apontar apenas o princípio da capacidade contributiva
como fundamento do princípio do mínimo vital não reflete com exatidão a completa
dimensão do que representa esse princípio para o Direito, deve-se conjugar o
princípio da capacidade contributiva em seu aspecto negativo com o princípio da
dignidade da pessoa humana e da liberdade.
A proteção do mínimo vital se coloca como um limitador da capacidade
contributiva no seu patamar inferior, onde esta apenas começa quando satisfeita
aquela, pois até o limite dos gastos necessários à manutenção de uma existência
digna para o contribuinte e para sua família não há o que se falar em capacidade
contributiva, uma vez que o patrimônio mínimo não denota capacidade de contribuir
para as despesas do Estado, e sim ausência desta.
E neste sentido, a imunidade do mínimo existencial se encontra calcada
na reserva dos direitos fundamentais, na intangibilidade desses direitos pelo Estado.
Neste contexto, podemos afirmar que tributar uma pessoa que nada tem
além do mínimo indispensável para sua sobrevivência, de modo que lhe seja
117
reconhecida a dignidade, é algo que repugna ao senso comum de justiça, à própria
racionalidade do sistema tributário e aos princípios esculpidos nas Constituições
modernas.
Seção II- O NÃO-CONFISCO TRIBUTÁRIO
Não basta a fixação de um limite mínimo, abaixo do qual a tributação
não pode operar seus efeitos, posto que uma tributação excessiva, que afete
substancialmente a renda ou a propriedade ou que desestimule o exercício de
determinada atividade econômica, é igualmente perniciosa.
A vedação de cobrança de tributo com o efeito confiscatório se insere no
rol das garantias dos contribuintes, sendo uma limitação ao poder de tributar, que
impede que o Estado, sob o manto da tributação, apodere de parte considerável da
propriedade ou da renda do contribuinte.
O confisco em matéria tributária agride a ética, de modo que transforma o
fato gerador em mero pretexto com finalidade de confisco, se expressando em
termos de desproporcionalidade e de irrazoabilidade entre o quantum como
elemento constitutivo do fato gerador. O ônus tributário não pode conduzir a um
aniquilamento do direito de propriedade sobre o qual recai, pois desse modo se
transformaria em instrumento de negação desse direito. Esta vedação constitucional
se caracteriza como uma verdadeira imunidade fiscal, onde nas palavras de Ricardo
Lobo Torres209 “é a imunidade de uma parcela mínima necessária à sobrevivência
da propriedade privada”, relacionando-se desse modo, com o direito de liberdade.
A vedação de cobrança de tributo com o efeito de confisco é uma garantia
constitucional decorrente dos direitos fundamentais do contribuinte, uma vez que
protege o direito de propriedade. É um limitador ao poder fiscal do Estado e um
209
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit, 2004, p. 64.
118
instrumento a serviço do sistema tributário justo que corresponde à conciliação do
interesse público de arrecadar tributos e o interesse particular de defender a sua
propriedade contra o arbítrio estatal, uma vez que o poder de tributar deve envolver
também o dever de conservar210, assim, este princípio impõe uma racionalidade à
atividade da tributação, protegendo o contribuinte contra o excesso.
O grande problema deste limitador não está em demonstrar a
necessidade de se impedir a tributação confiscatória, mas em estabelecer um
conceito preciso do que vem a ser um tributo com efeito de confisco, bem como de
identificar as raias do efeito confiscatório. Ou seja saber qual a medida da riqueza
suscetível de imposição tributária, de modo a saber quando uma imposição tributária
deixa de representar uma exigência legítima para tornar-se abusiva.
II.1- Conceito de confisco
A palavra confiscar vem do latim confiscare, e embora o conceito de
confisco não seja preciso, podemos considerá-lo como a tomada compulsória da
propriedade privada pelo Estado sem que se promova a justa indenização. Podemos
considerar
também
como
confisco
a
tributação
excessivamente
onerosa,
insuportável, não razoável que absorva a própria fonte da tributação. Assim, o termo
“confisco” utilizado no campo do direito tributário é conceituado diferentemente do
conceito aplicado ao direito penal.
210
Contrária a tese de Marshall que dizia que “the power to tax involves the power to destroy”, a própria
Suprema Corte americana se pronunciou dizendo que” o poder de tributar envolve também o de conservar”. No
Brasil, a idéia não deve ser diferente, a proibição constitucional de se utilizar o tributo com efeito de confisco
revela o dever de conservar a propriedade privada da tributação. Neste sentido o nosso STF já se pronunciou
afirmando que : “o poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, uma vez que aquele
somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, do comércio
e de indústria e com o direito de propriedade”. ( RE 18.331- disponível em http://www.stf.gov.br, acesso em 03/5/2005).
119
Ives Gandra Martins211 afirma que não é fácil definir o que seja confisco,
mas entende que haverá confisco sempre que a tributação retire a capacidade do
contribuinte de se sustentar e se desenvolver, entendendo ser toda a violação ao
direito de propriedade sem justa e prévia indenização dos bens materiais e
imateriais.
Aliomar Baleeiro212 interliga o princípio do não-confisco com o direito de
propriedade, com a livre iniciativa e a liberdade do exercício de profissão,
considerando como confisco todo o tributo que absorva parte considerável do valor
de propriedade, aniquila empresa ou impeça o exercício de atividade lícita e moral.
Héctor Villegas213 define confisco como a exigência tributária que excede
a razoável possibilidade de colaborar para os gastos públicos, isto é, quando a
tributação vai além da capacidade contributiva do particular afetado.
Carrazza214 também define como confiscatório o tributo que não leve em
conta a capacidade contributiva, aquele que esgota ou que tem a potencialidade de
esgotar a riqueza tributável das pessoas; dá um alcance bastante elástico,
colocando como confiscatório o que ultrapassa a capacidade contributiva como
aquela que alcança o mínimo vital.
Rafael Bielsa215 define como “o ato que em virtude de uma obrigação
fiscal determina injusta transferência patrimonial do contribuinte ao fisco, injusta pela
211
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Direitos fundamentais do contribuinte.In Caderno de Pesquisas
Tributárias. Nova série 6. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.) São Paulo: Editora Revista dos Tribunais:
Centro de Extensão Universitária, 2000, p. 49- 50).
212
BALEEIRO,Aliomar. Op. cit., 2003, p. 564.
213
VILLEGAS, Héctor. Curso de Direito Tributário. Tradução de Roque Antônio Carrazza. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1980, p.89.
214
CARRAZZA, Roque Antônio. Imposto de renda-pessoa física- In Revista de direito tributário. N° 74 São
Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 41.
215
BIELSA, Rafael. Apud TORRES, Ricardo Lobo. Direitos fundamentais do contribuinte. Caderno de
Pesquisas Tributárias. Nova série 6. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.) São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 2000, p. 168.
120
sua monta ou pela falta de causa jurídica, ou porque aniquile o ativo patrimonial”,
resumindo, quando não for justa e também não razoável.
Ruy Barbosa Nogueira216 dá uma dimensão bem ampla ao princípio da
vedação ao confisco, definindo-o como a absorção, através da tributação, da
totalidade do valor da situação ou do bem tributado, bem como de qualquer parcela
que exceda à medida legalmente fixada. E Diogo Leite de Campos217, dentro da
conceituação ampla dá um alcance ainda maior ao termo, se posiciona como
confiscatório o imposto que ultrapassar o necessário para cobrir as despesas
públicas.
Na tentativa de regulamentação desta garantia constitucional o exPresidente da República, Fernando Henrique Cardoso, propôs um anteprojeto de lei
complementar, definindo quando se consideraria uma tributação confiscatória,
estabelecendo o ponto a partir do qual o tributo estaria sendo utilizado com efeito de
confisco218.
As elaborações jurisprudenciais pouco têm esclarecido a respeito da
definição do confisco, ou seja, os tribunais não definem com precisão o limite entre o
confisco pela tributação excessiva e a garantia do direito de propriedade219. O
216
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Op. cit. p. 125.
CAMPOS, Diogo Leite de. CAMPOS, Mônica Horta Neves Leite de. Direito tributário. 2ª ed.. Belo
Horizonte: Del Rey, 2001, p.134-135.
218
Em seu anteprojeto previa que: “Art. 7°. Considerar-se-á caracterizada a utilização de tributo com efeito de
confisco sempre que seu valor, na mesma incidência, ou em incidências sucessivas, superar o valor normal de
mercado dos bens, direito ou serviços envolvidos no respectivo fato gerador ou ultrapassar 50% do valor das
rendas geradas na mesma incidência. (...)
§ 2°. Para os efeitos deste artigo computar-se-ão todos os tributos federais, estaduais ou municipais, que incidam
no bem, direito ou serviço com fatos geradores simultâneos, ou decorrente de um único negócio.”
Entre as justificativas do projeto, coloca que não é possível examinar o confisco a partir de cada tributo, mas da
universalidade de toda a carga tributária incidente sobre um único contribuinte. Pois, se a soma dos diversos
tributos incidentes representa carga que impeça o pagador de viver e de se desenvolver, estar-se-á perante carga
geral confiscatória, razão pela qual todo o sistema terá que ser revisto, mas principalmente aquele tributo que,
quando criado, ultrapasse o limite da capacidade contributiva do cidadão. Coloca que a solução esteja na criação
de um rito processual posto à disposição dos contribuintes, de modo que cada um, julgando-se atingido por
confisco em virtude da tributação por um ou vários impostos que tenha que suportar, possa ter como ajustar a
carga tributária que entende confiscatória. (MARTINS,Ives Gandra da Silva. Op cit., 2000, p. 50-51).
219
Na parte em que analisamos a expressão “efeito de confisco”, abordaremos algumas decisões no direito
comprado sobre as tentativas de se estabelecer um percentual de limitação para a imposição tributária.
217
121
confisco é tratado como tributação excessivamente onerosa, insuportável, nãorazoável, onde a imposição absorve a própria fonte da tributação. Ou seja, o Estado
apropria injustamente, através da fiscalidade, de todo ou parte do patrimônio ou dos
rendimentos dos contribuintes comprometendo-lhes a prática de uma atividade
profissional lícita ou ao exercício do direito a uma existência digna, com a satisfação
de suas necessidades vitais.
No Brasil, o STF , em setembro de 1999, quando do julgamento da ADIn
2.010 entendeu que implicava em confisco o aumento da contribuição previdenciária
do servidor público a patamares de até 25% associado à alíquota do Imposto de
Renda de 27,5 %, uma vez que a tributação se tornaria excessivamente onerosa e
comprometeria o exercício do direito a uma existência digna. 220
Através do exposto, temos que o conceito do princípio do não-confisco
somente pode ser retirado dos princípios constitucionais que garantem o direito de
propriedade e do direito de livre iniciativa, protegendo o contribuinte tanto da
tributação que se situe acima ou abaixo da capacidade contributiva, pois nos dois
casos o tributo estará destruindo os direitos fundamentais do contribuinte, impedindo
ou dificultando o desenvolvimento de suas atividades pessoais ou profissionais,
resultando, por conseguinte, o efeito de confisco.
II.2- Efeito de confisco
Não é fácil determinar precisamente quando um tributo tem ou não efeito
de confisco, tanto a doutrina quanto a jurisprudência não fornecem solução
satisfatória para esta questão, até pela própria dificuldade de conceituação do que
venha a ser confisco.
220
Consulta no site do STF, disponível em http://www.stf.gov .br/jurisp.html Rel. Min. Celso de Mello. Acesso
em 28.06.2005.
122
Do exame da norma constitucional temos que a Carta Magna não proíbe
apenas o ”confisco”, mas veda a utilização do tributo com “efeito de confisco”, que é
mais abrangente, tem maior amplitude que a simples vedação do confisco tributário.
A palavra “efeito” significa para fins jurídicos o resultado, conseqüência de uma
ação, assim, exatamente no chamado efeito é que poderemos avaliar em que
medida a utilização do tributo tem natureza confiscatória.
A Constituição espanhola assim como a brasileira prevê expressamente o
princípio do não-confisco tributário. Mas na Espanha é
utilizada a expressão
“alcance confiscatório”, o que nos parece que está mais ligada à noção quantitativa
desse princípio. A brasileira ao usar a expressão “efeito de confisco” foi mais
abrangente, não se preocupando apenas com o aspecto quantitativo221, mas
também o qualitativo.
Assim, temos que a garantia constitucional de não-confisco tributário deve
receber uma interpretação ampla, sendo que é pelo resultado que este princípio
deve ser interpretado. Diante dessa amplitude dada por nossa Carta Constitucional
através da expressão “efeito de confisco”, temos que esta garantia pode ser
considerada tanto uma garantia de direito, ligada aos princípios da segurança
jurídica, quanto uma garantia de justiça.
O efeito de confisco também pode ser verificado a partir de uma visão
global das incidências tributárias ou pode ser aferido isoladamente a partir de uma
incidência tributária específica, pois o efeito de confisco deve ser aferido em termos
de proporcionalidade e de razoabilidade da exação e do sistema como um todo.
221
Antes da CF/88, a nossa história constitucional apenas tratou o princípio do não confisco de forma expressa
na Constituição de 1934, onde inclusive chegou a estabelecer parâmetros objetivos para a caracterização do
efeito de confisco pela tributação. Em seu artigo 185 estabeleceu que nenhum imposto poderia ser elevado além
de 20% do seu valor ao tempo do aumento.
123
A expressão ”efeito de confisco” contida no artigo 150, IV da CF foi a
maneira que o constituinte encontrou para balizar o direito de propriedade, sendo
uma extensão da garantia desta, onde qualquer modalidade de tributação que
restrinja o uso do bem ou inviabilize que o mesmo possa gerar desenvolvimento e
vida digna ao contribuinte, ensejará no efeito de confisco. Assim, não é necessário
apenas a supressão total do direito de propriedade, podemos dizer que o legislador
constitucional foi muito feliz ao usar a expressão “efeito de confisco” no lugar
simplesmente do termo “confisco”.
A vedação pode ser entendida como a proibição de que a lei possa, ao
instituir o tributo, expropriar o bem ou impedir o exercício de determinadas
atividades, ou quando compromete a própria geração da “mais valia” pela fonte
produtora de riqueza. O efeito de confisco implica em redução da capacidade
econômica e, por conseguinte, da capacidade contributiva, pois o confisco retira não
apenas a capacidade do contribuinte se desenvolver, mas também a capacidade de
se manter, uma vez que inviabiliza as atividades econômicas e atenta contra o
direito de propriedade, impedindo o exercício de profissão e a existência digna.
Fábio Brum Goldschmidt analisa o efeito de confisco sob dois aspectos,
em sentido estrito e em sentido amplo, onde em ambos há ofensa da determinação
contida no artigo 150, IV do texto constitucional, pois destroem a propriedade
privada pela via da tributação, de modo oneroso e irrazoável, gerando a sensação
de penalização injustificada no contribuinte:
O conceito basilar, pensamos, pode ser chamado “efeito de
confisco em sentido estrito”. É aquele que se verifica no tributo
qualitativamente imposto de forma regular e inatacável. Trata do
uso qualitativamente legítimo do Poder do Estado de instituir e
arrecadar tributos, porém quantitativamente destruído. A
inconstitucionalidade aqui decorre do exagero no montante do
tributo. Diz com exações que, em princípio, seriam irretocáveis se
cobradas em valores menos elevados, mas que, na composição
do quantum , extrapolam as raias da razoabilidade, acarretando a
124
impossibilidade de pleno exercício de direitos constitucionalmente
assegurados( propriedade, liberdade e outros).
(...)
O sentido amplo, evidentemente, compreende o sentido
estrito e ainda se estende para alcançar outras hipóteses de
ofensa ao art. 150, IV, da Constituição, que não aquelas
decorrentes do simples abuso do poder de tributar. Nesta
categoria incluímos as exações viciadas do ponto de vista
qualitativo, que se afiguram excessivas porque extravasam as
fronteiras constitucionais/legais (não quantitativas) para a
instituição de tributos. 222 ( grifamos)
Assim, haverá “efeito de confisco” sempre que o legislador extrapolar
qualitativamente ou quantitativamente as determinações constitucionais traçadas
para o exercício do poder de tributar, sempre que houver transferência patrimonial
do particular para o fisco de maneira injusta, seja pelo montante, pela destruição da
propriedade ou pela falta de causa jurídica223.
No direito comparado encontramos algumas decisões jurisprudenciais que
fazem referência a partir de quando teríamos o efeito de confisco. Na Argentina,
apesar de não ter de forma explícita o princípio do não-confisco tributário em sua
Carta Magna, este direito foi garantido pela Suprema Corte Argentina224 que
abordou o assunto e adotou o limite de 33% para os impostos imobiliários e
sucessórios. Assim, considerou confiscatório o imposto imobiliário que consumisse
mais que o percentual de 33% da renda calculada, ou seja, da renda produzida pela
exploração normal média do imóvel, e também estipulou que seria confiscatório o
imposto sobre heranças e doações que excedesse ao percentual de 33% do valor
dos bens recebidos pelo beneficiário.
222
GOLDSCHMIDT, Fábio Brun. O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003, p. 100-101.
223
O programa de estabilização lançado em 15/03/199 pelo Presidente Fernando Collor de Mello, com o
bloqueio de cruzados pelo intitulado Plano Collor teve o efeito de confisco quando analisado pelos Tribunais,
uma vez que esse bloqueio tinha natureza jurídica de empréstimo compulsório, porém não criado por lei
complementar e não utilizado para a finalidade articulada no artigo 148 da CF/88. ( processo 90.03.032177-9 –
TRF 3ª Região, disponível em http://www.trf3.gov.br/acordao/index.php, acessado em 12.07.2005).
224
VILLEGAS, Hector. Op. cit. p. 93.
125
Na Espanha, o Tribunal Superior de Justiça da Catalunã analisou e
reconheceu o alcance confiscatório do imposto sobre jogos de sorte, que foram
aumentados em 300% sobre o montante das cotas únicas cobradas sobre as
máquinas recreativas225.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão adotou o chamado
princípio da repartição pela metade, onde o uso da propriedade deve servir da
mesma forma ao proveito privado e ao bem da coletividade. Assim, quando a
tributação supera a barreira dos 50% da renda, o Estado deixa de existir para
garantir a sociedade, e a propriedade é que passa a existir para sustentar o
Estado226, a decisão da Corte Alemã buscou encontrar um parâmetro dentro dos
limites de razoabilidade.
Em nosso direito pátrio, o STF no julgamento da ADIn 2010/DF,
considerou inconstitucional a carga tributária quando ultrapassou o percentual de
50% da remuneração do servidor público.
Temos que a nossa Corte Constitucional vem dando uma eficácia cada
vez maior a garantia constitucional do não-confisco, a ponto de estabelecer
parâmetros como acima demonstrado e estender a sua eficácia. Como exemplo, em
outubro de 2002 o STF em análise da ADIN 551/RJ, onde foi relator o Ministro Ilmar
Galvão, decidiu que os efeitos dessa garantia constitucional alcançam não apenas
os tributos, mas também às multas na área tributária227.
225
Idem, ibidem, p. 107.
O Tribunal Constitucional Federal contempla a oneração tributária do patrimônio de modo uno e estatui o
princípio da repartição pela metade: “o imposto sobre o patrimônio apenas pode adicionar-se aos demais
impostos sobre o rendimento, desde que a oneração tributária total dos rendimentos fictícios, numa visão
tipicante de receitas, despesas dedutíveis e outras desonerações, permaneça em torno da divisão pela metade
entre a mão pública e a mão privada”. (GOLDSCHMIDT, Fábio Brun. Op. cit. p. 237).
227
Na ementa da referida ADIn foi colocado que “a desproporção entre o desrespeito à norma tributariam e sua
conseqüência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do
contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal”. (disponível em
http://www.stf.gov .br/jurisp.html Rel. Min. Ilmar Galvão. Acesso em 28.06.2005).
226
126
Embora o efeito de confisco não seja algo que possa ser definido de
modo objetivo, pois qualquer tentativa de definição será considera insatisfatória, uma
vez que qualquer abrangência sob o aspecto material não resistiria ao tempo, uma
vez que sempre haveria problemas quanto ao aspecto temporal, pois uma realidade
não pode ser transportada para outra sem prejuízo de seu conteúdo.
Dentre os direitos e princípios consagrados em nossa Constituição
podemos apontar três que devem nortear a delimitação do que venha a ser “efeito
de confisco”, embora estes não sejam os únicos, pois se o efeito for analisado em
sentido amplo, como acima demonstrado, qualquer violação de regras ou princípios
da tributação que ensejar em obrigatoriedade de transferência patrimonial para o
fisco será considerado com o “efeito de confisco”. Como tentativa de delimitação
apontamos o direito de propriedade, o princípio da livre iniciativa e o princípio da
capacidade contributiva, como princípio geral que deve nortear o direito tributário.
A nossa Constituição garante o direito de propriedade bem como
fundamenta a ordem econômica na livre iniciativa, assegurando a todos o livre
exercício de qualquer atividade econômica; para isto, prevê em seu artigo 150, inciso
IV a proibição da instituição de tributos com efeito confiscatório, de modo que esta
atividade não aniquile o direito de propriedade e não prejudique o exercício da
profissão.
Podemos dizer que a existência de propriedade privada é o primeiro
balizador do efeito de confisco, e pressuposto basilar para a existência de um
sistema tributário, uma vez que é a propriedade privada quem dá sustentação ao
Estado capitalista, existindo, por conseguinte, uma relação de dependência
recíproca, pois sem esta propriedade não há o que tributar. Assim, a propriedade
privada é protegida contra a tributação discriminatória e exagerada.
127
A tributação deve necessariamente se harmonizar com os princípios da
ordem econômica. A liberdade não pode ser tolhida pela via da tributação, ou seja, a
atividade tributária não deve impedir a liberdade de iniciativa e de empresa, pois
ocorrendo tal situação estaremos também diante de um “efeito de confisco”.
Podemos dizer que a proibição do tributo com efeito de confisco se afirma
além da capacidade contributiva, sendo o termo final desta, uma vez que é
confiscatório o tributo que não respeita a capacidade contributiva. Há uma relação
íntima entre a proibição de efeito de confisco e o princípio da capacidade
contributiva, uma vez que ambos dizem respeito ao quantum poderá ser tributado. O
efeito de confisco tributário e sua relação com o princípio da capacidade contributiva
será objeto de análise no próximo tópico.
II.2.1- EFEITO DE CONFISCO E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Para muitos autores esta limitação constitucional ao poder de tributar é
uma derivação do princípio da capacidade contributiva, o ponto de partida, pois as
leis instituidoras dos tributos não podem obrigar o sujeito passivo a contribuir além
de suas possibilidades. Assim, a relação entre a vedação da tributação com efeito de
confisco e a capacidade contributiva é que os tributos não podem exceder a força
econômica do contribuinte, uma vez que o tributo desproporcional à capacidade
contributiva destrói esta.
A tributação com efeito de confisco configura imposição inconstitucional,
pois além de violar o preceito expresso na Constituição Federal, fere, também, o
princípio da capacidade contributiva228.
228
A este respeito, o TRF 5ª Região analisando os autos relativos às alíquotas estabelecidas pelo artigo 5° da
Lei 8033/90 relativas à incidência do Imposto sobre operações de crédito câmbio e seguro ou relativas a títulos
ou valores mobiliários salientou que embora seja difícil aferir a configuração de confisco, em face da ausência
de sua definição objetiva no direito nacional, vislumbrou a sua presença na análise da Lei acima, uma vez que as
128
A relação entre estes princípios estabelece o indispensável atendimento à
capacidade contributiva, para que seja verificado o grau entre a possibilidade e a
capacidade de suportar a imposição tributária, e por conseguinte, o limite a partir do
qual este grau destrói o patrimônio do contribuinte, tornando a tributação ilegítima.
Podemos dizer que o princípio do não-confisco tributário limita a
verificação da capacidade contributiva daquele que suportará o ônus tributário, serve
de base para estabelecer o limite máximo que poderá suportar cada contribuinte
com fundamento nos sinais exteriores de riqueza; uma vez que o legislador ao
graduar o tributo deverá observar a capacidade econômica de cada contribuinte,
respeitando os direitos fundamentais, pois a inobservância desses critérios leva à
uma tributação excessiva e injusta.
Carrazza229 coloca o princípio da capacidade contributiva como
fundamento do não confisco, afirmando que o excesso
de tributação viola
diretamente o princípio da capacidade contributiva, uma vez que qualquer imposição
excessiva, superior às possibilidades do contribuinte em suportar as cargas públicas
sem ter afetado seu direito a uma subsistência digna possui o efeito de confisco.
Na mesma linha de pensamento, José Maurício Conti230 ao analisar a
vedação ao confisco por meio de tributos e a capacidade contributiva, considerou
que este princípio constitucional é uma derivação da idéia de capacidade
contributiva, pois ao assumir caráter confiscatório o tributo estará atingindo valor que
exceda a capacidade contributiva.
Já o professor Ricardo Lobo Torres defende a tese de que a vedação da
utilização dos tributos com efeito confiscatório não decorre do princípio da
alíquotas traduziram exacerbação à capacidade contributiva dos obrigados, inviabilizando as operações
financeiras por eles realizadas. (MS 140.452/PB- relator Juiz José Delgado. Disponível em
http://www.trf5.gov.br, acessado em 12.07.2005)
229
CARRAZZA, Roque Antônio. Op. cit., p. 70.
230
CONTI, José Maurício. OP. cit. p. 55.
129
capacidade contributiva. Pois a proibição de tributos confiscatórios não está ligada a
idéia de justiça e não tem como fundamento a aplicação do princípio da capacidade
contributiva, é uma imunidade fiscal, tendo como fundamento a liberdade individual;
somente considera confisco a tributação excessivamente elevada, além da
capacidade econômica como se pode depreender de sua lição231.
Este princípio constitucional que veda a utilização de tributos com efeito
de confisco e que limita a competência para instituir ou aumentar tributos é também
um componente a mais do princípio de justiça tributária, um importante ingrediente
na elaboração de uma tributação mais justa, sendo uma projeção do princípio da
capacidade contributiva, uma vez que a tributação não pode ir além da possibilidade
dos contribuintes concorrerem aos gastos públicos, sob pena de
ter o efeito
confiscatório.
Nos dizeres de Klaus Tipke232, “a capacidade contributiva termina de
modo onde começa o confisco que leva à destruição da capacidade contributiva”.
Seção III- A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E A CARGA TRIBUTÁRIA
BRASILEIRA
Na Constituição Federal de 1988 não há um limite quantitativo para a
carga tributária total233 a ser suportada pelos contribuintes, mas a nossa Carta
231
. A imunidade contra os tributos confiscatórios está em simetria com a do mínimo existencial, fundada
também na liberdade: enquanto aquela impede a tributação além da capacidade contributiva, a imunidade ao
mínimo vital protege contra a incidência fiscal aquém da aptidão para contribuir. A proibição de tributo
confiscatório, em suma, não decorre do postulado ético da capacidade contributiva, senão que constitui princípio
de proteção da liberdade, que, pode ser violentada nos casos de tributação excessiva. (grifos no original).
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 1999, p. 130.
232
TIPKE, Klaus. Op. cit., 1998, p. 65.
233
A carga tributária traduz a parcela de dinheiro que o Estado retira compulsoriamente dos membros da
sociedade, trata-se de um coeficiente entre o total das receitas tributárias e o valor do Produto Interno Bruto-PIB,
por exemplo, em 2004 o total de arrecadação de receitas tributárias foi de 634,39 bilhões e o PIB foi de 1.766,62
bilhões o que gerou um percentual de 35, 91% da carga tributária de nosso país.
130
Política estabelece princípios e limites ao poder de tributar que devem ser seguidos
por cada um dos entes federados ao criar e exigir tributos.
Sobre o limite da carga tributária, Tipke234 se pronunciou que este somente
pode ser deduzido do princípio da liberdade, e que no Brasil a Constituição
determina o confisco como limite dessa carga tributária, com base no princípio da
liberdade não é admissível avançar mais o limite da carga tributária.
Assim, temos que os direitos fundamentais limitam a imposição tributária,
uma vez que esta não pode destruir estes direitos afirmados e garantidos por nossa
Carta Política. Mas, o que temos vivenciado é um aumento a cada ano da carga
tributária total suportada pelos cidadãos. Desde o nosso descobrimento até os dias
atuais, o montante de tributos exigidos foi consideravelmente aumentado.
A população brasileira tem acenado para a fixação do entendimento de
que no Brasil a tributação alcança limites que não mais podem ser elevados. A carga
tributária bruta brasileira cresceu de 29,5% do Produto interno Bruto (PIB) em 1994
para 35,91% % em 2004235, e em 2005, segundo estimativas, deve superar o
percentual de 37%. Assim, temos que o Brasil é colocado na companhia de países
desenvolvidos em termos de carga fiscal, como Alemanha, Espanha e Canadá236,
embora no Brasil, ao contrário dos países desenvolvidos, mais da metade da carga
tributária provém dos tributos indiretos que compõem o preço final dos produtos,
onerando em especial as classes menos favorecidas, e com um agravante, uma vez
que o aumento da carga tributária não teve a contrapartida da melhoria dos serviços
prestados pelo Estado.
Para podermos avaliar se uma carga tributária é alta, é necessário
comparar com a prestação de serviços estatais oferecidos à população. Para um
234
TIPKE, Klaus. Op. cit., 2002, p. 48.
Dados: Secretaria da Receita Federal- SRF . Anexo I: Evolução da carga tributária brasileira
236
Dados SRF– Anexo II: Ranking da carga tributária dos países membros da OCDE.
235
131
país que possui uma das mais pesadas tributações, é importante ressaltar que a
natureza e a qualidade dos bens e serviços públicos oferecidos estão sensivelmente
abaixo do que a arrecadação fiscal deveria proporcionar, não podendo comparar
com o alto nível dos serviços oferecidos aos cidadãos dos países que possuem uma
tributação semelhante a nossa.
Assim, os países que se equiparam ao Brasil em termos de percentual de
carga tributária, possuem um nível de desenvolvimento alto, um estado social
elevado e uma sociedade mais equilibrada, o que pode ser visto no Anexo II e no
gráfico comparativo entre a Carga tributária versus o nível de desenvolvimento
demonstrado no Anexo III237.
Por conseguinte, o Brasil aparece em contraposição a estes dados, pois
está entre os países pobres, com índice de desigualdade alta238 e com uma carga
tributária de país com nível de desenvolvimento elevado. Comparando a carga
tributária e o índice de desigualdade social - Gini239 , temos que os países com alto
índice desigualdade possuem uma carga tributária menor, ou seja, os mais desiguais
tributam menos, e o nosso país é o oposto a estes dados240, pois somos um país
pobre, desigual, com nível de desenvolvimento baixo e com carga tributária alta. A
conseqüência é que diante desses fatos o Brasil não tem mais espaço para
aumentar a carga tributária para subsidiar os mais pobres e, tributar muito num país
como o nosso é tributar o pobre.
237
ANEXO III- neste gráfico foi comparado a carga tributária dos países membros da OCDE e o nível de
desenvolvimento - PIB per capita do ano de 2004.
238
No Relatório de Desenvolvimento Humano 2004, elaborado pelo Pnud, o Brasil aparece com Índice de 0,576,
quase no final da lista de 127 países. Apenas sete nações apresentaram índice de concentração de renda pior que
o Brasil. Em estudo recente do BIRD ( setembro de 2005)foram analisados o nível de concentração de renda
129 países e o Brasil está entre os 5 mais desiguais.
239
O índice de GINI é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele
aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um ,
onde o valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda, e o valor um está no
extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza.
240
Ver ANEXO IV - Carga Tributária X índice de desigualdade. Neste ANEXO, através desta comparação
procuramos demonstrar o grande paradoxo da tributação brasileira, uma carga tributária de países de primeiro
mundo, um índice de desigualdade alto- um país com uma das piores distribuição de renda.
132
Assim, o problema não está na carga tributária elevada, mas sobre quem
recai esta carga tributária, pois a nossa tributação além de excessiva é mal
distribuída.
A tributação no Brasil tem sido usada como instrumento de concentração
de renda, agravando o ônus fiscal dos mais pobres e aliviando o dos mais ricos.
Para demonstrar este desnível e o desrespeito ao princípio da capacidade
contributiva, onde a tributação deveria ser moldada de modo que cada um
contribuísse para os gastos públicos na proporção de sua riqueza, abaixo
reproduzimos os dados da carga tributária sobre salários realizada pela Secretaria
da Receita Federal de nosso país em 2001 que teve como fonte primária de dados
para o trabalho a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 1995-1996 realizada
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, que investigou os hábitos
de consumo, a alocação de gastos e a distribuição de rendimentos da população
das principais regiões metropolitanas do Brasil, demonstrando que a nossa
tributação está longe de respeitar o princípio geral da capacidade contributiva:
133
Segundo os dados acima, temos que a carga tributária total sobre
salários, incluindo consumo e renda para quem ganha mais de 30 salários mínimos
é de 44, 81% e não muito diferente de quem ganha apenas até 2 salários mínimos,e
na tributação sobre o consumo o pobre paga mais que aqueles que possuem uma
maior capacidade econômica, em relação ao percentual de renda.
Apesar de não ser um estudo recente, temos que a realidade de hoje é
pouco diferente daquela, uma vez que da carga tributária geral arrecadada em 2004
58,72% correspondem à tributação sobre consumo, 38,02% sobre a renda e 3,26%
sobre o patrimônio241. Temos um país com uma das maiores concentrações de
renda do mundo, onde os 10% mais ricos ganham 28 vezes mais que os 40% mais
pobres242. A tributação sobre o consumo resulta numa carga tributária maior para os
contribuintes indiretos, onde a verificação da capacidade contributiva é mais difícil de
concretizar.
Em razão das distorções de nosso sistema tributário, alguns contribuintes
têm arcado com uma carga fiscal extremamente elevada, o que torna totalmente
injusto nosso sistema tributário, onde alguns pagam muito e muitos pagam pouco. E
a carga tributária excessiva e mal distribuída reduz a capacidade de consumo e de
poupança.
O aumento da carga tributária brasileira se deu da maneira mais perversa,
penalizou a parcela mais pobre da população, não respeitou o princípio da
capacidade contributiva. Por conseguinte, podemos dizer que nossa tributação por
não respeitar este princípio fere os direitos fundamentais do cidadão, principalmente
o direito a uma vida digna, uma vez que o menos afortunado é tributado em termos
241
Na análise sobre da arrecadação foi considerado na tributação sobre a renda o imposto de renda, as
contribuições para a seguridade social do empregado (regime geral da previdência social e regime da área
pública – federal/estadual e municipal) e as contribuições do empregador. Dados: Secretaria da Receita Federal.
242
Dados : IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( disponível em www.ipea.gov.br, acesso em
19/07/2005)
134
de consumo do mesmo modo que aquele que possui maiores posses, pois a
tributação sobre o consumo não faz distinção sobre o contribuinte de fato, onde
tanto o pobre quanto o rico pagam o mesmo valor sobre os bens consumidos.
Assim, para haver justiça na tributação se faz necessário a definição de
um sistema tributário igualitário, onde o princípio da capacidade contributiva tem
grande relevância na compreensão da igualdade na tributação e na afirmação da
cidadania e redução das desigualdades sociais.
O princípio da capacidade contributiva vinculado à idéia de justiça, serve
de instrumento à concretização dos direitos fundamentais, uma vez que respeita o
direito à igualdade e os direitos à liberdade. É limitado quantitativamente pela
imunidade do mínimo existencial e pelo princípio do não confisco tributário, onde
garante o direito de propriedade, da livre iniciativa e, por conseguinte, colabora na
concretização do propósito constitucional de uma vida digna para todos.
Nas palavras de Torres243: “a capacidade contributiva do cidadão e da
empresa é um espaço aberto pelas liberdades individuais ao legislador para que, no
processo democrático, institua a tributação justa”.
243
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit, 2003, p. 438.
135
CONCLUSÕES
1. O poder de tributar é um dos mais fortes poderes do Estado, pois
restringe a capacidade econômica individual para criar a capacidade econômica
social.
2. Não há como dissociar a tributação da noção de justiça, uma vez que a
atividade tributária traz em si mesma a finalidade distributiva, por definir quem e em
quanto cada cidadão deve sustentar o financiamento do Estado.
3. O princípio da capacidade contributiva é um critério superior de justiça
na atividade tributária, constituindo-se como um instrumento garantidor dos direitos
fundamentais do cidadão, que não podem ser violados pela tributação injusta.
4. A capacidade contributiva está subordinada à idéia de justiça
distributiva, uma vez que propaga a tese igualitária da distribuição da carga
tributária, garantindo o respeito à dignidade do cidadão e exprimindo, assim, a
finalidade de justiça fiscal visada pela Constituição Federal, permeando não
somente a elaboração, mas também, a aplicação da lei e das normas
constitucionais.
5. A tributação atual envolve questões de uma sociedade pluralista,
desigual e injusta; assim se faz necessária a observância do princípio da capacidade
contributiva na imposição tributária, pois este é uma orientação fundamental do
Estado Democrático de Direito e imprescindível para o exercício dos outros direitos
assegurados na Carta Magna.
6. A vinculação entre a atividade tributária e o respeito aos direitos
humanos é uma tendência da doutrina contemporânea, uma vez que surge da
136
conscientização de que a tributação deve fundamentar-se na realização da justiça
social para se concretizar o propósito constitucional de uma vida digna para todos.
7. Justiça tributária não significa apenas a observância das limitações da
concepção política tributária, mas também uma adoção de procedimentos que
permitem o equilíbrio e a razoabilidade na tributação, onde esta razoabilidade revela
o ponto de equilíbrio entre a capacidade contributiva e o respeito ao mínimo vital e
ao limite máximo da imposição tributária, uma vez que a tributação de acordo com a
capacidade contributiva desenvolve-se segundo conceitos que priorizam o respeito
ao mínimo vital, o direito de propriedade e da livre iniciativa.
8. Em nosso texto constitucional capacidade contributiva e capacidade
econômica
são
expressões
utilizadas
como
sinônimas.
Pois
nosso
texto
constitucional ao determinar que os impostos devam ser graduados segundo a
capacidade econômica do contribuinte, não utiliza a expressão capacidade
contributiva, mas capacidade econômica. Assim, para o direito brasileiro, capacidade
contributiva é o mesmo que capacidade econômica.
9. A expressão “sempre que possível” utilizada no início do texto
constitucional não diz respeito a uma mera recomendação ou a uma adoção
facultativa do caráter pessoal dos impostos e da graduação segundo a capacidade
econômica do contribuinte. Estes institutos devem ser buscados sempre que isto for
possível, não tendo o legislador a discricionariedade na sua observância.
10. Quanto à aplicação do princípio, embora o texto constitucional faça
referência restritiva apenas a impostos, outras espécies tributárias podem levar em
consideração a capacidade contributiva. Assim, nos termos do § 1º, do artigo 145 da
Constituição Federal de 1988, os impostos devem ser graduados segundo a
capacidade econômica do contribuinte e sempre que for possível, devem ter caráter
137
pessoal. Já as demais espécies tributárias, independente de previsão constitucional
expressa, admite-se a sua influência, embora em relação a estas funcione apenas
em seu aspecto negativo, ou seja, no princípio da incapacidade contributiva.
11. Há parâmetros para o exercício da tributação extrafiscal, mas o
princípio da capacidade contributiva é afastado nesta prática.
12. O princípio da capacidade contributiva não deve ser interpretado
como simples forma de manifestação do princípio geral da isonomia, embora exista
uma relação muito grande entre os dois princípios, pois ambos são
excelentes
instrumentos na realização da justiça tributária.
13. A visão de que o tributo é uma norma de rejeição social é equivocada
sob o ponto de vista jurídico e ultrapassada na perspectiva de uma sociedade
dinâmica que se deseja mais justa e solidária. O dever fundamental de pagar tributos
se transmuda no exercício de solidariedade dos membros da comunidade na
implementação dos direitos sociais que são custeados entre todos os cidadãos que
demonstrem capacidade contributiva, utilizando a capacidade de suportar o ônus
tributário como critério para graduação dos tributos e para distinguir os iguais dois
desiguais.
14. O pagamento do tributo é um dever fundamental do cidadão, mas no
mesmo nível este tem o direito fundamental de só pagar aquele tributo ou aquela
carga tributária autorizada pela Constituição Federal, e não deve ser apenas formal,
é indispensável que seja justa, pois uma tributação excessiva, com efeito de confisco
é passível de controle pelo Poder Judiciário.
15. O critério da proporcionalidade é uma política mais eficaz do que a
progressividade para melhor distribuição do ônus tributário em conformidade com a
capacidade contributiva.
138
16. O princípio da capacidade contributiva é de verificação bastante
complexa e insuscetível de controle jurisdicional; é limitado pelos direitos
fundamentais, uma vez que é assegurada a não tributação do mínimo vital e a
proteção do cidadão contra o excesso da exigência tributária. Assim, estes princípios
integram a norma jurídica tributária como critérios limitadores da imposição tributária,
e, por conseguinte, limitam quantitativamente o princípio geral tributário da cobrança
de tributos em conformidade com a capacidade daquele que suportará o ônus
tributário.
17. A proteção do mínimo vital se coloca como um limitador da
capacidade contributiva no seu patamar inferior, pois esta apenas começa quando
satisfeita aquela, uma vez que o patrimônio mínimo não denota capacidade de
contribuir para as despesas do Estado, e sim ausência desta.
18. A não tributação do mínimo vital não tem por objetivo apenas a
preservação da sobrevivência digna do cidadão isoladamente considerado, destinase também a proteger a estrutura familiar e as atividades produtivas.
19. A apuração do mínimo vital deve se dar através dos dados sociais que
permitam verificar as necessidades básicas dos membros da sociedade, uma vez
que estas necessidades podem variar no tempo de acordo com a conjuntura política
e econômica.
20. A capacidade contributiva como fundamento do princípio do mínimo
vital não reflete com exatidão a completa dimensão do que representa esse princípio
para o Direito; deve-se conjugar o princípio da capacidade contributiva em seu
aspecto negativo com o princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade.
21. O princípio constitucional que veda a tributação com efeito de confisco
é uma derivação do princípio da capacidade contributiva, uma vez que quando o
139
tributo assume o caráter confiscatório, temos que este está excedendo a capacidade
contributiva e ferindo os direitos fundamentais do contribuinte consagrados
constitucionalmente. Esta vedação é uma limitação ao poder fiscal do Estado e um
instrumento a serviço do sistema tributário justo que corresponde à conciliação do
interesse público de arrecadar tributos e o interesse particular de defender a sua
propriedade contra o arbítrio estatal, uma vez que o poder de tributar deve envolver
também o dever de conservar.
22. Os limites confiscatórios devem ser verificados sobre a carga tributária
como um todo, sendo que o limite da carga tributária deve ser definido através da
observância da capacidade contributiva, pois é através desta que se pode
determinar o limite que separa a tributação legítima do confisco inconstitucional.
23. O princípio do não-confisco tributário é uma imunidade tributária,
porque exclui a competência dos entes públicos para instituírem tributos com efeito
de confisco, sendo
um princípio vinculado ao valor liberdade, mas também se
vincula ao valor justiça, uma vez que se identifica com o princípio da
proporcionalidade e com o princípio o princípio da razoabilidade.
24. Toda carga tributária que ultrapasse o princípio da razoabilidade
impedindo o contribuinte de desenvolver as condições de sua cidadania, seja no
nível pessoal, social ou profissional, assume as características de confisco.
25. O Brasil apesar de ter uma grande desigualdade de renda, com
grande parte da população vivendo abaixo do nível de uma vida digna, possui uma
tributação alta sobre o consumo, gerando uma carga tributária distorcida, uma vez
que a tributação sobre
o consumo resulta numa carga tributária maior para os
contribuintes indiretos, onde a verificação do princípio da capacidade contributiva é
140
mais difícil de se concretizar, e por conseqüência, onera em especial as classes
menos privilegiadas.
26. O ponto máximo da carga tributária é variável segundo o momento
histórico e econômico de cada época, assim é difícil e desaconselhável fixar
legislativamente esse ponto máximo. Este limite deve ser definido através do
balanceamento dos princípios constitucionais, buscando o equilíbrio que decorre do
Estado Democrático de Direito.
Enfim, podemos dizer que o fundamento jurídico do princípio da
capacidade contributiva é a justiça no estabelecimento da carga tributária,
preservando os direitos fundamentais do cidadão, como a liberdade, a propriedade,
o direito a um mínimo vital e a solidariedade na divisão de ônus tributário que vai
financiar o aparelho estatal, cumprindo assim, os objetivos fundamentais de nosso
país determinados no artigo 3º de nossa Carta Magna: “construir uma sociedade
livre, justa e solidária”.
141
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147
ANEXO I
EVOLUÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA BRASILEIRA
36
35,91
35,61
35
C
34,90
T
34
(%)
33,96
33
32,55
32
31,79
31
1999
2000
2001
Ano
FONTE: Secretaria da Receita Federal
ANEXO II
244
Disponível em : www.receita.fazenda.gov.br
244
2002
2003
2004
148
RANKING DA CARGA TRIBUTÁRIA – PAÍSES MEMBROS DA OCDE
1°
2°
3°
4°
5°
6°
7°
8°
9°
10°
11°
12°
13°
14°
15°
16°
17°
18°
19°
20°
21°
22°
23°
24°
25°
26°
27°
28°
29°
30°
31°
SUÉCIA
DINAMARCA
BÉLGICA
FILÂNDIA
FRANÇA
NORUEGA
ITÁLIA
ÁUSTRIA
LUXEMBURGO
ISLÂNDIA
REPÚBLICA TCHECA
HOLANDA
HUNGRIA (*)
ALEMANHA
GRÉCIA
ESPANHA
BRASIL
REINO UNIDO
NOVA ZELÂNDIA
PORTUGUAL (*)
CANADÁ
ESLOVÁQUIA (*)
TURQUIA
POLÔNIA (*)
AUSTRÁLIA (*)
IRLANDA
SUIÇA
JAPÃO
CORÉIA
EUA
MÉXICO
Obs: Dados de 2003, BRASIL(2004) e dados de 2002(*)
FONTE: Secretaria da Receita Federal
50, 84%
49,02%
45,82%
44,98%
44,24%
43,95%
43,45%
43,11%
41,68%
40,31%
40,01%
38,88%
38,34%
36,27%
35,97%
35,93%
35,91%
35,38%
34,89%
33,96%
33,91%
33,12%
33,02%
32,63%
31,50%
30,07%
29,82%
25,84%
25,49%
25,39%
19,49%
149
ANEXO III
Carga Tributária x Nível de Desenvolvimento
60
(%)
Suécia
C
50
A
R
G
(%)
A C 40
Bélgica
Holanda
Alemanha
Brasil
A
R
G
A 30
Espanha
T
R
IT
R
Chile
BI
Equador
20
UB
U
Índia
México
TT
Peru
A
10
R
I
A
0
0
Dinamarca
5
10
Noruega
Canadá
Reino Unido
Austrália
15
20
25
EUA
30
35
PIB Per capita (US$ 1,000 PPP)
FONTE: Coordenação Geral de Política Tributária- COPAT/ Secretaria da
Receita Federal 245
245
Disponível em: INTRANET/SRF- Estudo sobre “Os Fundamentos Teóricos e a Realidade Brasileira”,
apresentado na reunião do CIAT e no seminário de planejamento da Secretaria da Receita Federal em
Junho/2005 por Andréa Lemgruber Viol.
150
ANEXO IV
Carga Tributária x Desigualdade
60
55
(%)
C
A
R
G
A
50
45
Canadá
40
35
T
R
I
B
U
T
Á
R
I
A
Holand
Reino
Brasil
30
Austrália
25
20
México
Equador
15
Índia
Peru
10
5
0,6
0,5
0,5
0,4
0,4
0,3
0,3
0,2
0,2
Índice de Gini
FONTE: Coordenação Geral de Política Tributária- COPAT/ Secretaria da
Receita Federal 246
246
Disponível em: INTRANET/SRF- Gráfico elaborado através do Relatório de Desenvolvimento Humano
2004 elaborado pelo PNUD X Carga Tributária de 2004 divulgada pela Secretaria da Receita Federal e
apresentado na reunião do CIAT/2005 e no seminário de planejamento da Secretaria da Receita Federal em
Junho/2005.
151
DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO MESTRADO EM DIREITO DA UNIVERSIDADE GAMA
FILHO, NO RIO DE JANEIRO, E APROVADA PELA COMISSÃO EXAMINADORA FORMADA
PELOS SEGUINTES PROFESSORES:
PROF. DR. RICARDO LOBO TORRES (ORIENTADOR)
UNIVERSIDADE GAMA FILHO – UGF
PROF. DR. FRANCISCO MAURO DIAS
UNIVERSIDADE GAMA FILHO – UGF
PROF. DR. ADILSON RODRIGUES PIRES
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UERJ
Rio de Janeiro, 07 de novembro de 2005.
Prof. Dr. JOSÉ RIBAS VIEIRA
Coordenador do Programa de Pós-graduação em Direito
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