iii UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO FACULDADE DE AGRONOMIA E MEDICINA VETERINÁRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM AGRONOMIA POTENCIALIDADE ORNAMENTAL E PAISAGÍSTICA, CARACTERIZAÇÃO MORFO-ANATÔMICA E PROPAGAÇÃO DE Erythrina cristagalli L. ARIANE GRATIERI-SOSSELLA ORIENTADORA: Profa. Dra. CLÁUDIA PETRY Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Agronomia da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da UPF, para obtenção do título de Mestre em Agronomia área de concentração em Produção Vegetal. Passo Fundo, abril de 2005 iv “Apesar dos nossos defeitos, precisamos enxergar que somos pérolas únicas no teatro da vida e entender que não existem pessoas de sucesso ou pessoas fracassadas. O que existe são pessoas que lutam pelos seus sonhos ou desistem deles.” Por isso... Nunca desista dos seus sonhos! Augusto Cury v DEDICO vi AGRADECIMENTOS À Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Passo Fundo, pela acolhida e concessão de bolsa de estudos, em especial à Coordenação do Programa de Pós-graduação pela eficiência e colaboração. À Professora Dra. Cláudia Petry, que muito além da orientação, nos brindou com sua dedicação, amizade e confiança, mostrando que somos presenteados por Deus com pessoas maravilhosas. Aos Professores Alexandre Nienow e Cerci Carneiro pela coorientação, essencial à realização do trabalho. Aos Professores Eunice Calvete, Dileta Cecchetti, Jonez Severo, Erlei Reis e aos demais professores da UPF pelos conhecimentos e dedicação a nós dispensados. Bem como os funcionários do Setor de Horticultura, ao Maximino Nunes, funcionário do viveiro de mudas da UPF, aos funcionários dos Laboratórios de Sementes e Fitopatologia e a todos os que colaboraram, pelo apoio e amizade. Ao Professor João Pires, pelo fornecimento de material botânico para a estaquia e informações importantes e ao Viveiro Garden Sul de Erechim pelo fornecimento das mudas. A todos os colegas, mas em especial aos mais presentes em nosso dia-a-dia, Daniela Fávero, Karinne, Ana Rúbia e Odirce pela amizade e companheirismo. À minha família, pelo amor e carinho. Ao Rinaldo, pelo apoio, compreensão e amor em todos os momentos. vii SUMÁRIO Página LISTA DE TABELAS............................................................. xi LISTA DE FIGURAS.............................................................. Xiii RESUMO................................................................................. 2 SUMARY................................................................................. 3 1 INTRODUÇÃO..................................................................... 5 2 REVISÃO BIBLIOGRÀFICA.............................................. 7 2.1 Relação paisagem-paisagismo-horticultura..................... 7 2.1.1 Aplicação do estudo da paisagem............................ 7 2.1.2 Paisagismo e ecologia.............................................. 9 2.1.3 Seleção hortícola para uso em paisagismo............... 12 2.1.4 A vegetação e a paisagem de rio.............................. 15 3 Fenologia................................................................................ 18 3.1 Descrição botânica ......................................................... 18 3.2 Aspéctos ecológicos e taxonômicos da Erythrina cristagalli................................................................................. 20 3.3 Representações na paisagem.......................................... 22 3.3.1 Distribuição geográfica.......................................... 22 4 Valorização da paisagem regional........................................ 25 5 Aspectos culturais ligados à Erythrina cristagalli............... 29 6 Aspectos da vegetação ornamental....................................... 32 6.1 Plasticidade..................................................................... 33 6.1.1 Forma...................................................................... 34 6.1.2 Textura.................................................................... 33 viii 6.1.3 Transparência......................................................... 35 6.1.4 Cor e brilho............................................................. 35 7 Os sistemas de tecidos vegetais e células componentes....... 36 8 Aspectos anatômicos importantes relacionados à família Fabaceae.................................................................................... 37 9. Propagação............................................................................ 42 9.1 Sementes e germinação.................................................. 42 9.2 Dormência e dureza...................................................... 44 9.3 Fatores ambientais envolvidos na germinação.............. 45 9.3.1 Umidade e aeração................................................ 45 9.3.2 Temperatura.......................................................... 45 9.3.3 Luz........................................................................ 46 9.4 Problemática dos aspectos fitossanitários em espécies florestais.................................................................................. 46 9.5 Propagação vegetativa: estaquia................................... 48 9.5.1 Princípios anatômicos do enraizamento.............. 51 9.5.2 Princípios fisiológicos do enraizamento............... 51 9.5.2.1 Substâncias reguladoras do crescimento das plantas..................................................................................... 52 9.5.2.2 Auxinas........................................................ 52 9.5.2.3 Citocininas................................................... 53 9.5.2.4 Giberilinas.................................................. 54 9.6 Fatores que afetam a propagação por estacas............... 54 9.6.1 Fatores internos.................................................... 55 8.6.2 Fatores externos................................................... 56 ix CAPÍTULO I - ANÁLISE MORFO-FENOLÓGICA E POTENCIALIDADE ORNAMENTAL DE Erythrina cristagalli L...................................................................................................... 59 RESUMO....................................................................................... 59 ABSTRACT.................................................................................. 60 1 INTRODUÇÃO.......................................................................... 61 2 MÉTODOS................................................................................. 64 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO............................................... 65 3.1 Fenologia............................................................................. 65 3.2 Plasticidade.......................................................................... 74 3.3 Potencialidade ornamental................................................... 77 4 CONCLUSÕES........................................................................... 86 CAPÍTULO II – ANATOMIA COMPARADA DE Erythrina cristagalli L. ADAPTADA A DOIS AMBIENTES – SECO E BANHADO................................................................................... 87 RESUMO...................................................................................... 87 ABSTRACT.................................................................................. 88 1 INTRODUÇÃO......................................................................... 89 2 MATERIAL E MÉTODOS....................................................... 91 2.1 Local e período da coleta..................................................... 91 2.2 Análise anatômica................................................................ 92 2.3 Análise em microscopia fotônica (Mf)................................. 93 2.3.1 Preparação das laminas................................................. 93 2.3.2 Microscopia fotônica e tomada das imagens................ 93 x 2.3.3 Grau de esclereificação (GE)....................................... 93 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................ 94 3.1 Pecíolo.................................................................................. 94 3.2 Lâmina Foliar....................................................................... 94 3.2.1 Epiderme...................................................................... 96 3.2.2 Mesofilo....................................................................... 97 3.2.3 Sistema Vascular.......................................................... 99 4 CONCLUSÕES........................................................................... CAPÍTULO III – GERMINAÇÃO E 108 PROBLEMAS FITOSSANITÁRIOS EM SEMENTES DE Erythrina cristagalli L. ................................................................................................... 109 RESUMO....................................................................................... 109 ABSTRACT................................................................................... 110 1 INTRODUÇÃO.......................................................................... 111 2 MATERIAL E MÉTODOS......................................................... 113 2.1 Teste de germinação............................................................. 113 2.2 Teste de sanidade................................................................ 114 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................ 115 3.1 Análise das vagens.............................................................. 115 3.2 Germinação das sementes................................................... 118 3.3 Sanidade das sementes......................................................... 120 4 CONCLUSÕES.......................................................................... 122 CAPÍTULO IV – PROPAGAÇÃO DA CORTICEIRA DO BANHADO (Erythrina cristagalli L.) PELO PROCESSO DE ESTAQUIA.................................................................................... 123 xi RESUMO........................................................................................ 123 ABSTRACT.................................................................................... 124 1 INTRODUÇÃO........................................................................... 125 2 MATERIAL E MÉTODOS......................................................... 129 2.1 Propagação da corticeira do banhado (Erythrina cristagalli L.) por estacas lenhosas e uso do AIB......................... 130 2.2 Propagação da corticeira do banhado (Erythrina cristagalli L.) por estacas semilenhosas e uso do AIB.................................... 131 2.3 Propagação da corticeira do banhado (Erythrina cristagalli L.) por mini-estacas herbáceas e uso do AIB................................ 132 2.4 Propagação da corticeira do banhado (Erythrina cristagalli L.) por estacas foliares em diferentes substratos........................... 132 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................. 133 3.1 Resultados............................................................................ 133 3.2 Discussão............................................................................. 138 4 CONCLUSÕES........................................................................... 142 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................... 143 DIRETRIZES................................................................................. 145 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................ 148 xii LISTA DE TABELAS Tabela Página CAPÍTULO I 1 vEventos fenológicos de Erythrina cristagalli L., avaliados cronologicamente no período de agosto de 2003 a agosto de 2004, em plantas do ambiente seco e úmido no município de Passo Fundo, RS.......................................................................... 2 Características referentes à plasticidade da Erythrina cristagalli L., Passo Fundo, RS, 2004......................................... 3 67 76 Características ornamentais da Erythrina cristagalli L. de acordo com o Índice Composto de Potencial Ornamental de Espécies Tropicais estruturado e com valores numéricos sugeridos por Chamas e Matthes (2000), Passo Fundo, RS, 2004............................................................................................. 80 CAPÍTULO III 1 Análise das sementes em vagens de Erythrina cristagalli coletadas em cinco locais. Total de 100 vagens/local, no município de Passo Fundo, 2004................................................ 117 xiii 2 Germinação, apodrecimento e dormência de sementes não escarificadas, e sobrevivência de plantulas de Erythrina cristagalli, na região de Passo Fundo, após 180 dias no germinador, Passo Fundo, RS, 2004.......................................... 3 119 Percentual e gêneros de fungos encontrados nas sementes de Erythrina cristagalli, coletadas na região de Passo Fundo, em teste de ágar, no Laboratório de Fitopatologia da UPF em Passo Fundo, RS, 2004............................................................... 121 CAPÍTULO IV 1 Porcentagem de enraizamento, de mortalidade e comprimento da maior raiz de mini-estacas herbaceas de corticeira do banhado (Erythrina cristagalli L.), tratadas com ácido indolbutírico (AIB). Passo Fundo, FAMV, 2004 ............................................... 2 135 Massa fresca e seca de raiz e parte aérea de mini-estacas herbáceas de corticeira do banhado (Erythrina cristagalli L.), tratadas com acido indolbutírico (AIB). Passo Fundo, FAMV, 2004................................................................................................. 137 xiv LISTA DE FIGURAS Figura Página CAPÍTULO I 1 Erythrina cristagalli no período de inverno, sem a folhagem, Passo Fundo, 2003.............................................. 2 Erythrina cristagalli em fase de brotamento no período de primavera, Passo Fundo, 2003............................................. 3 70 71 Erythrina cristagalli em plena florada no período de primavera verão, Passo Fundo, 2003/2004......................... 72 4 Erythrina cristagalli em frutificação, Passo Fundo, 2004... 73 5 Características do tronco de Erythrina cristagalli L.nos ambientes, seco e banhado: (A) tronco com ranhuras profundas da planta do banhado, (B, C) espécies epífitas alojadas sobre o tronco da planta do banhado, (D) tronco da planta do ambiente seco com menos ranhuras e epífitas. 6 82 Morfologia da folhas e das inflorescências de Erythrina cristagalli com destaque para o contraste de cores (A) e detalhe das flores (B), Passo Fundo, 2004.......................... 7 83 Imagem do interior da copa de uma Erythrina cristagalli, mostrando a densidade da folhagem durante (A) e após a floração (B), Passo Fundo, 2004.......................................... 8 Adaptabilidade da Erythrina cistagalli L. a diversos ambientes: (A) Ambiente seco no jardim da UPF; (B) alagado em banhado da região e (C) em ambiente urbano 84 xv cercada por cimento, Passo Fundo, 2004............................ 85 CAPÍTULO II 1 Algumas características anatômicas de E. cristagalli L. em diferentes ambientes, Passo Fundo, RS, 2004...................... 2 Secção transversal da porção mediana do pecíolo de Erythrina cristagalli............................................................ 3 103 104 Secção transversal da lâmina foliar de Erythrina cristagalli: (A) Epiderme abaxial mostrando as papilas na planta do banhado (400x MF), (B) Epiderme abaxial com papilas na planta do ambiente seco (400x MF), (C) epiderme adaxial não papilosa e a abaxial papilosa (100x MF)....................................................................................... 4 105 Secção transversal do mesofilo de Erythrina cristagalli: (A) bordo foliar (100x MF), (B) Parênquima clorofiliano paliçádico da planta do ambiente seco (400x MF), (C) Parênquima clorofiliano paliçádico da planta do banhado (100x MF), (D) Parênquima clorofiliano lacunoso (400xMF).............................................................................. 106 5 Secção transversal do mesofilo de Erythrina cristagalli, evidenciando a extensão da bainha do feixe vascular (I), células aclorofiladas entre o tecido paliçádico e o lacunoso (II), feixes vasculares secundários (III), (100x MF)............ 6 Secção transversal do mesofilo de Erythrina cristagalli, na 107 xvi região da nervura central: (A) Arco vascular semi-fechado na planta do banhado (100x MF), (B) Disposição dos feixes em arco na face abaxial com um pólo de feixes na face adaxial da folha na planta do ambiente seco (100x MF)...................................................................................... 108 CAPITULO IV 1 Gráfico da curva de Regressão, evidenciando o índice de mortalidade das mini-estacas herbáceas em relação as doses de AIB utilizadas........................................................ 136 1 POTENCIALIDADE ORNAMENTAL E PAISAGÍSTICA, CARACTERIZAÇÃO MORFO-ANATÔMICA E PROPAGAÇÃO DE Erythrina cristagalli L. Ariane Gratieri-Sossella1, Claudia Petry2, Alexandre Augusto Nienow2, Cerci Carneiro2 RESUMO GERAL - Espécies nativas são pesquisadas a fim de adaptálas ao uso em paisagismo. Erythrina cristagalli L. é uma espécie nativa higrófita que tolera ambientes mesofíticos, o que permite sua ampla utilização em ornamentação de praças, parques e jardins. Objetiva-se estudar alguns fatores envolvidos no fenômeno adaptativo e de propagação desta espécie arbórea para fins ornamentais. O trabalho foi desenvolvido na Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Passo Fundo, RS, onde se avaliou a potencialidade ornamental da planta, observando estádios fenológicos e a plasticidade ornamental da espécie, situada em ambientes de banhado e seco na região, avaliadas mensalmente durante um ano. Também foram realizadas análises anatômicas de folhas e pecíolos, germinação e teste de sanidade das sementes e propagação vegetativa por estaquia da espécie estudada. A mesma pode ser classificada como tendo máximo potencial ornamental devido à beleza, contraste de cores, interação com a fauna e grande adaptabilidade, possuindo grande aplicabilidade em paisagismo. Brotamento, floração e frutificação ocorrem nos meses mais quentes do 1 Bióloga, aluna do curso de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Agronomia, área de concentração em Produção Vegetal da FAMV/UPF. 2 Professores Orientadores. 2 ano (setembro/março) e senescência no período mais frio do ano (maio/agosto). A análise anatômica evidenciou epiderme papilosa na face abaxial; mesofilo isobilateral. No banhado as células paliçádicas são mais compactadas em relação ao ambiente seco; o sistema vascular é formado por um arco vascular semifechado mostrando na planta do banhado, xilema mais desenvolvido, mais calibroso, porém com paredes celulares mais delgadas em relação à planta do ambiente seco. Apenas 48 % das sementes do exemplar cultivado e 13,25 % das sementes dos exemplares à campo puderam ser consideradas sadias. O teste fitossanitário demonstrou a presença de Penicillium, Alternaria e Phomopsis associados às sementes. Em teste de germinação, que durou 180 dias, apenas 24,5 % das sementes germinaram mostrando elevado grau de dormência para a espécie. Para testar a viabilidade da estaquia foram utilizadas estacas lenhosas, testadas no outono-inverno e foliares, semilenhosas e juvenis no verão, em experimentos distintos. Não foi observada diferença estatística nas variáveis analisadas, no entanto, a porcentagem de estacas juvenis enraizadas no verão (93,3 %) foi superior às lenhosas do outono-inverno (3,0%), às foliares (1,4 %) e semilenhosas (0%) testadas no verão. Deste modo, além da bela plasticidade, em função de sua excelente adaptabilidade em ambientes diversos, é possível instalar capões de corticeiras ou “ceibais” em ambientes urbanos e secos, graças às técnicas do jardim clonal. Palavras chave: corticeira do banhado, paisagismo, anatomia, estaquia. 3 ORNAMENTAL AND LANDSCAPE POTENCIALITY, MORPHOANATOMIC CHARACTERIZATION OF Erythrina cristagalli L. ABSTRACT - Native species are researched in order to they be framed in landscape project. The Erythrina cristagalli L. is hydrophyte native specie, fact that allows your wide use in ornamentation of squares, parks and gardens. This work has as objective to study the behavior of the Erythrina cristagalli L. for ornamental finality. This work was developed in Agronomy and Veterinary University of Passo Fundo, RS. The ornamental potentiality of plants of Erythrina cristagalli L. of the two areas were analyzed with base in the Tropical Species Ornamental Potential Composed Index. This index includes an analysis of the phenologycal characteristic and ornamental plasticity of the plants. Vegetative stadium, leaves, trunk and, flowering were analyzed in plants located in two soil moisture conditions (mangrove marsh and hill top) monthly for one year. This specie has a maximum potential index due to the beauty of the group, leaves, flowers, log, contrast of colors, interaction with the fauna and great adaptability due to the characteristic rusticity of pioneering plants. The phenological phases are closed with climatic variations, when the budding, flowering and fruits in the hottest months of the year (summer and spring) and leaves died in the period colder of the year (winter/autumn). The plants anatomical analysis showed adaptability of the epidermis, when in the plants growing in the mangrove the cells are bigger and with a high density. In this plants, there is a decreasing of the spongy tissue. The xylem is more developed 4 in the plants that growing in the mangrove, as well as a high vascular density and diameter of the vascular bundles. However, the wall of cells of plants growing in the mangrove is thinner than plants growing in the hilltop. Difference significant statistics was not observed in none of the analyzed variables, however, the percentage of juvenile planting cuttings taken root in the summer (93,3 %) it was superior largely the woody of the autumn-winter (3%), as well as of the planting cuttings foliate (1,4%) and semi-woody (0%) tested in the summer. The Erythrina cristagalli L. besides your beautiful plasticity, wrinkled and tortuous log, structures mixed, delicate foliage and exuberant flowering, interacts with the fauna and flora attracting birds and insects and carrying in the grooves of your log great epiphytes diversity. Still in function of your excellent adaptability in such several atmospheres, it will be possible the installation of this species in the urban environment with water soil deficit. Key words: swamp corticeira, landscape, anatomy, cuttings. 5 1 INTRODUÇÃO O gênero Erythrina pertence à família Fabaceae (Cronquist, 1981) e ocorre nas regiões tropicais e subtropicais do mundo, possuindo, segundo Ferreira e Brandão (1978), cerca de 104 espécies, das quais 51 são americanas, 32 africanas, 18 asiáticas e 3 australianas. O nome Erythrina vem do grego “erytros”, que significa vermelho, em alusão à cor de suas flores. Apesar de apresentar-se naturalmente em locais com solos muito úmidos e alagados, componente da vegetação higrófita adapta-se muito bem a ambientes diversos, além de apresentar incomparável beleza, podendo ser usada amplamente em paisagismo urbano. Num primeiro momento, torna-se necessário uma sucinta dissertação sobre a relação entre paisagem, paisagismo e horticultura visando atender as atuais exigências do desenvolvimento sustentável na gestão territorial para, em seguida, apresentarmos algumas características importantes da espécie nativa Erythrina cristagalli L. Desta, apresentarse-á aspectos botânicos e principais eventos fenológicos, hábitos em ambientes naturais, distribuição geográfica e representações nas paisagens fitogeográficas, características que lhe são inerentes e conferem um grande potencial como planta ornamental, demonstrando como a plasticidade característica de uma espécie pode ser determinante nas formações vegetais. Outro ponto é demonstrar a importância de alguns aspectos culturais que são gerados em torno da espécie e de que forma as árvores podem servir como marcos identitários do lugar. 6 Num segundo momento, serão apresentados alguns fatores importantes que dizem respeito à fisiologia e anatomia da planta, da propagação e potencialidade de regeneração natural através de sementes. Além disso, será abordada a técnica de propagação vegetativa por estaquia com o uso de fitorreguladores em diferentes tipos de estacas e épocas do ano. A sobrevivência da humanidade está relacionada com a preservação da vegetação nativa, em virtude dos diferentes ecossistemas que compõe a natureza, oportunizando a realização de processos biológicos. Para preservar é preciso conhecer o objeto da preservação. As espécies nativas são pouco conhecidas e por isso pouco cultivadas. Não sendo cultivadas não são adotadas em projetos de tratamento paisagístico. Por isso, pretendemos destacar a importância de apreciar e difundir o conhecimento dessa espécie nativa e a possibilidade de produção de mudas para uso em arborização urbana. É importante que sejam clareados alguns princípios fisiológicos das adaptações de E. cristagalli L. às diferentes condições edáficas, e nesse caso, veremos algumas diferenças anatômicas da planta quando implantada em local seco. Pretende-se também estudar os problemas e elementos intrínsecos relacionados à sua propagação averiguando qual o melhor método de propagação para esta espécie. Ainda, avaliar e destacar elementos da plasticidade da planta que lhe conferem grande potencialidade ornamental assim estimulando o uso de espécies nativas cujo potencial genético ainda é pouco estudado e pouco explorado. 7 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Relação paisagem-paisagismo-horticultura 2.1.1 Aplicação do estudo da Paisagem Inicialmente, é importante resgatar que a Convenção européia da paisagem, estabelecida na carta de Florença em 2000, define paisagem como “uma parte do território tal qual é percebida pelas populações, cujo caráter resulta da ação de fatores naturais e/ou humanos e de suas interrelações” (Convention..., 2000). Ela designa ainda a política da paisagem; o objetivo de qualidade paisagística; e a proteção, gestão e manejo das paisagens européias. Esse avanço legal na gestão das paisagens, é considerado como complemento de instrumentos jurídicos internacionais como a “Convenção da Unesco sobre a proteção do patrimônio mundial, cultural e natural” (Paris, 16/11/1972); e as convenções do Conselho da Europa sobre: “conservação da vida selvagem e do meio natural” (Berna, 19/09/1979), “pela salvaguarda do patrimônio arquitetural” (Granada, 3/10/1985) e “pela proteção do patrimônio arqueológico” (La Vallette, 16/01/1992) da Europa. Além do que, complementa ainda a iniciativa internacional de “estratégia pan-européia da diversidade biológica e paisagística” (Sofia, 25/10/1995) (Convention..., 2000). Em outras palavras, na Europa, paisagem é patrimônio, é tema interdisciplinar por excelência e é protegida por lei internacional. Como então avaliar seu valor estético? Um diagnóstico das características estéticas da paisagem, para Cabanel (2000) engloba 8 dissertar sobre a textura dos materiais e suas nuances; a complementaridade, oposição e dominância das cores; os contrastes; a escala; a composição; as formas que se repetem; os enquadramentos visuais; a transparência; as visões abertas e fechadas; os odores e sonoridades associadas,... E seu valor cultural e afetivo é percebido principalmente através de entrevistas junto aos moradores do local onde ela se encontra. France (1994) recomenda, para identificar e caracterizar as paisagens, fazer a identificação de unidades paisagísticas; a localização de sítios e de paisagens institucionalizadas; a identificação de representações iconográficas de paisagens, assim como a identificação das paisagens de interesse local através de entrevistas nas comunidades envolvidas no estudo. Com exceção deste último item, os outros serão tratados ao longo da dissertação. Como o objetivo deste trabalho é o de estudar uma espécie arbórea nativa higrófita, que prefere zonas úmidas, torna-se necessário identificar os locais de sua ocorrência, para identificar assim os recursos paisagísticos neles contidos. Em obra clássica sobre o manejo das paisagens, Cabanel (2000) identificou 9 tipos de zonas úmidas na França, constituídas pelos elementos água, canais de evacuação, bombas e matas ciliares (ripisylve), cujos interesses no seu manejo são: depuração das águas, efeito esponja na atenuação das enchentes, grande riqueza ecológica (paraíso de pássaros e batráquios), produção de arroz, sal e turfa; pesca; pecuária; caça, turismo, horticultura (hortillonnages) e militar. Os efeitos paisagísticos são os observatórios de natureza multisensorial (ruídos, cantos e cheiros), visões abertas (olhar sobre a 9 superfície d´água e sob o céu) e fechadas (o olhar se perde no labirinto de árvores e plantas diversas); e paisagem aquática de contornos indecisos. A grande ameaça que pesa sobre esses espaços na França é a drenagem para produção de milho. No caso brasileiro, além da agricultura intensiva não conservacionista, a outra grande ameaça seria a urbanização sem planejamento. Sobre a paisagem de banhado e similares, Donadieu e Dumont-Fillon (1999) estudando o caso do marais (banhado) Vernier em Normandia, observaram que os habitantes do lugar estão recriando suas identidades territoriais, seja reconduzindo estereótipos regionais como a chaumière (casa enxaimel com espesso telhado de capim) normanda, seja inventando novas imagens e novos espaços de vida selvagem no banhado. Estudos ecológicos sobre rios começam também a envolver análises simbólicas. Sobre o apego e uso cultural que as pessoas lhe atribuem, por exemplo, o ensaio de Antoine e Pizzorni-Itié (2000) apresenta a redescoberta da “Bièvre”, riacho que nasce ao sul de Paris e que em seu último trecho antes de afluir no rio Sena, na capital, ele encontra-se completamente canalizado. 2.1.2 Paisagismo e ecologia Como as tendências atuais em paisagismo na França buscam aproximar o respeito à memória dos lugares e o respeito ao ambiente, buscando manejos que visem o desenvolvimento sustentável (Corajoud, 2000), surgem técnicas como o PBI (protection biologique integrée, algo 10 como controle integrado de pragas) ou a gestão diferenciada dos espaços verdes, utilização de recipientes biodegradáveis e reutilização dos resíduos vegetais, além do conceito de jardim perfumado e do jardim habitado (Lien Horticole, 2005). Segundo Martine Georget, integrante da Astredhor (Associação nacional de estruturas de experimentação e de demonstração em horticultura), dos 330 ensaios que serão realizados pela rede de estações desta associação, 21 estarão relacionados diretamente com a paisagem (Lien Horticole, 2005). Esta tendência de relacionar a horticultura com a ecologia e a paisagem tem ganhado muitos adeptos após a conferência Rio 92. Um dos paisagistas contemporâneos franceses que trabalha predominantemente com princípios ecológicos em seus projetos é Gilles Clement. Ele criou as concepções de “Jardim planetário” (um projeto “político” que integra plantas exóticas e nativas), “Jardim em movimento” (manejo de capoeiras urbanas) (Clement, 1997), e “Terceira paisagem” (para se referir aos espaços livres abandonados) (Clement, 2004). Em se tratando de desenvolvimento sustentável, Normand (2004) lembra ainda que os cursos d’água em meio urbano, mesmo sendo pequenos, quando acompanhados de sua mata ciliar, contribuem para o efeito de corredor biológico. Santos (1997) relatou a importância, sobretudo ecológica, das araucárias remanescentes em Curitiba para ligar pontos na paisagem da capital paranaense. No Brasil, cita-se Roberto Burle Marx e Fernando Chacel. Este último, discípulo do primeiro, inclusive criou a noção de ecogênese no paisagismo, ao criar modelos “parque”, “caatinga” e “mangue” nos seus 11 projetos paisagísticos, restabelecendo assim a configuração vegetal original dos locais manejados. Por exemplo, no projeto do Parque de educação ambiental professor Mello Barreto, nas margens da lagoa da Tijuca, no Rio de Janeiro, a associação de exemplares de Erythrina falcata Benth sobre maciços de bromélias nativas terrestres, tendo como pano de fundo o manguezal (Chacel, 2001), foi fascinante por ser, ao mesmo tempo, uma composição bonita e que remeteu à fisionomia vegetal das restingas destruídas na região. Já Burle-Marx, foi um mestre no uso de espécies nativas de uma forma artística muito marcante e de estilo inconfundível e segundo Flavio Motta: “Reconhecendo que, para muitos, “a planta é simplesmente mato”, Burle Marx insiste, com seus projetos, em criar as mediações indispensáveis para que a totalidade da população possa aprofundar seus conhecimentos da flora com a participação na paisagem. O estudo da nomenclatura vulgar das plantas pode conduzir ao conhecimento das relações efetivas entre determinada tradição científica e a visão popular, a tradição oral, cotidiana, da paisagem”. (Motta, 1983, p.5). Em países mais antigos e desenvolvidos como a França, observase, portanto que a vegetação é considerada patrimônio (Dubost, 1994) sendo cada vez mais festejada em feiras, encontros e exposições temáticas, além da importância crescente no usufruto dos espaços verdes de excelência – parques, praças e jardins – ao passo que no Brasil, este interesse é ainda incipiente para a maioria da população. Petry (2003a) 12 considera esse pouco caso com o verde, como uma herança cultural, fruto da adaptação dos colonizadores pioneiros a um país com uma natureza pródiga (paisagem natural grandeur nature) a qual sempre se recuperava facilmente da intensa exploração extrativista a qual era submetida. Os graves problemas ambientais da atualidade exigem que este mito do pioneiro seja revisto com urgência. 2.1.3 Seleção hortícola para uso em paisagismo Vários trabalhos buscam atualmente, através de entrevistas com a população, resgatar a importância cultural das árvores na paisagem rural francesa, como o cultivo do álamo (populiculture) na região de Angers (Le Floch e Terrasson, 1995), ou compreender as razões do desaparecimento da macieira de poda alta na Bretanha (Perichon, 2002) assim como a presença secular da castanha em pequenas propriedades rurais de Ille-et-Vilaine (Perichon, 2004). Quanto ao uso das árvores no meio urbano, na França este hábito começou no final do século 18 e em 1830, álamos (Populus spp.) invadiam as cidades, depois os olmos (Ulmus spp.) e enfim o uso maciço de plátanos (Platanus spp.) após a doença dos olmos eliminar a maioria daqueles em espaços públicos. Todas essas espécies tiveram outros usos anteriores, seja como arborização nas estradas ou como suporte de canhão, no caso o olmo, ou madeira para aquecimento no inverno (Corvol, 2000). Recentemente, têm-se ampliado a paleta de espécies arbóreas usadas nos alignements (arborização urbana) e parques urbanos franceses. 13 Por exemplo Thiery (2001a) cita 21 espécies de Acer já disponíveis para uso em paisagismo, com diferentes plasticidades, sobretudo nas diferentes colorações da folhagem e no porte, e 37 espécies de carvalho (Thiery, 2001b), que além dos fatores acima citados apresentam grande variedade de formato de folhas. Além do aspecto estético, a filial hortícola holandesa analisa a resposta ecofisiológica de cerca de 8 a 10 novos cultivares de árvores introduzidos anualmente na arborização urbana (Lien horticole, 2004a), ao todo já foram analisadas mais de 70 espécies e cultivares plantadas nas calçadas, trata-se de uma parceria3 da Universidade de Wageningen com o Naktuibouw (serviço de controle holandês da horticultura). Por exemplo, em 2004, o Salon du Vegetal de Angers na França escolheu seis espécies desse projeto, devido aos seus interesses ornamentais e paisagísticos aliado à qualidade de seus comportamentos em meio urbano. As espécies foram: Betula albosinensis, Prunus sargentii ‘Rancho’, Cercidiphyllum japonicum, Liquidambar styraciflua “worplesdon”, Malus “Rudolph” e Tília cordata’Rancho” (Lien Horticole, 2004a). Após os anos 70, na França acentuou-se a idéia de diversificar nos jardins, criando verdadeiras coleções pessoais. D’Esse (2005) sugere discernimento e estudo na escolha das espécies para jardins, recomendando não escolher espécies de crescimento horizontal muito vigoroso (hábito rizomatoso) ou com raiz pivotante muito profunda, de forma a evitar a proliferação descontrolada destas em toda a área. Deve-se levar em conta as necessidades culturais precisas para cada espécie (pH, 3 Site do projeto: www.straatbomen.nl 14 temperatura, umidade relativa e necessidade hídrica) que normalmente estão relacionadas com seus centros de origem, além de avaliar a resistência à pragas, à doenças e à exposição a períodos de seca. O autor conclui dizendo que não existe planta sem necessidade de manutenção; mesmo as forrações perenes e vivazes, todas têm respostas fenológicas e ritmos diferentes, dependentes dos fatores ambientais e climáticos dos locais onde estão implantadas. O estabelecimento de protocolos de produção e de acompanhamento das plantas em meios naturais ou antrópicos torna-se então cada vez mais urgente e necessário. No caso da diversificação vegetal na paisagem, Cottu (2004) diz que este fenômeno não é uma moda passageira, ele é um raciocínio lógico sobre o meio ambiente, que leva em conta dados científicos e técnicos permitindo realizar o plantio e manutenção mais adequados. Para o autor, diversificar determina economias ambientais no consumo d’água, de adubos e agrotóxicos, além de racionalizar a eliminação de dejetos (podas e cortes de relvados,...), aumenta a biodiversidade animal e participa efetivamente na restauração do equilíbrio natural. O sucesso na escolha é observado nas espécies que não apresentam patologias particulares e que demonstram não necessitar de intervenções repetitivas. Entretanto, constata-se ainda uma grande deficiência de diversidade - sobretudo de espécies indígenas – na oferta dos viveiristas profissionais. Como é o caso da corticeira do banhado, aqui estudada. 15 2.1.4 A vegetação e a paisagem de rio Para Franco (1997) qualquer projeto de intervenção no espaço (urbanístico ou territorial) não prescinde do desenho ambiental como instrumento de detecção da qualidade e encaixe do projeto ao locus, sem que, todavia, se eliminem as preocupações estético-funcionais herdadas do paisagismo. A autora sugere assim a integração das curvas irregulares da natureza às formas simples da geometria clássica. A teoria francesa, mais culturalista, é retomada por France (1994) no “método de Atlas de paisagens” ao dizer que a paisagem, pertence desde sua origem à um domínio simbólico, estético e fenomenológico, marcado pela subjetividade, enquanto que a ecologia é do domínio científico e objetivo, onde os especialistas elaboram métodos de avaliações e de medida dos fenômenos, como a evolução de uma população de fauna ou da flora, a poluição das águas, etc. Entretanto, as relações entre ambas as noções existem, pois os processos ecológicos intervém na evolução das paisagens e as paisagens permitem ler ou revelar esses processos. Com idéias inovadoras e atuais como estas, que integram a ecologia à paisagem, percebe-se o enorme potencial que se tem ao cruzar conhecimentos de domínios diferentes, neste caso, o estudo de uma árvore nativa higrófita, sua valorização na paisagem natural regional e seu uso no paisagismo. Conhecer seus hábitos, estrutura e plasticidade, permite inferir no tipo de uso em paisagismo. Por exemplo, embora tolerando ambientes mais secos, a corticeira necessita espaços maiores e livres, sem impermeabilização, para aproveitar melhor a água da chuva e 16 também para evitar acidentes com quebras de galho, já que é uma espécie com longos ramos tortuosos e de madeira flexível e pouco densa. Nesse sentido, a Sociedade Francesa de Arboricultura desenvolve um grande projeto de estudos biomecânicos sobre as “rupturas estivais” de galhos em árvores situadas no espaço público, devido à importância que o assunto vem ganhando nos últimos anos (Lien Horticole, 2004b). O paisagista francês Michel Corajoud (2000) ao dissertar sobre seus projetos paisagísticos, situa o rio como um elemento rico em contradições, principalmente ao atravessar uma cidade. O rio necessita de espaço para circular, principalmente nos momentos de enchentes, pois ele vai alterar as suas margens (parte mineral e a vegetação ciliar). O autor expressou num projeto para a Cité Internationale em Lyon às margens do rio Rhône, que seu manejo usando regras da ecologia podem ser portadores de beleza e de formas. A parte mais próxima do rio recebeu uma vegetação variada e conforme a margem se aproximava da parte urbanizada, ela foi separada em maciços mais homogêneos e mais altos, o que permitiu vistas para o rio em toda a extensão do projeto. Relacionando com a corticeira, ela pode ser perfeitamente utilizada isoladamente às margens de rios, como ponto focal em locais estratégicos, ou em grupo, formando maciços espigados e sinuosos, que ainda assim permitirão a transparência em direção ao rio (principalmente quando a espécie se apresentar caduca). Os rios engendram paisagens fascinantes, segundo Cabanel (2000), tendo como elementos constitutivos: o próprio rio, que se oferece aos olhares, pela sonoridade que ele gera, pelos prazeres que ele propõe 17 em termos de pesca, navegação e passeios; o fluxo d’água; as matas ciliares; as pradarias inundáveis; a planície aluvial; as margens que formam o vale (abruptas ou suaves) e o patrimônio associado (moinhos, pontes, calçadas, diques...). A presença de um curso d’água é um elemento essencial da qualidade de uma paisagem e seus efeitos paisagísticos são oriundos do fato que um rio orienta uma paisagem atribuindo seus componentes; a mata ciliar sublinha seu traçado conferindo-lhe seu volume; assim como as margens por onde ele corre, podem criar paisagens abertas ou fechadas, austeras ou serenas (Cabanel, 2000). O principal interesse das paisagens de rio dizem respeito às suas matas ciliares, que podem melhorar a qualidade da água que chega ao rio, como também reter o solo das margens, salvar pessoas durante inundações, além de auxiliar na manutenção da biodiversidade e reprodução de peixes, entre outros benefícios também citados por Rodrigues e Leitão Filho (2001). Sem dúvida, as paisagens de rio constituem-se importantes pólos de atração turística, tendo os vales aluviais solos muito férteis para a produção agrícola. Atualmente, muitos estudos interdisciplinares sobre as matas ciliares apresentam dados sobre a riqueza da biodiversidade e a importância geológica e ecológica destes ecossistemas para o equilíbrio da região onde estão situados (Rodrigues e Leitão Filho, 2001). Segundo Rodrigues e Nave (2001), de 43 levantamentos florísticos realizados em matas ciliares brasileiras em regiões extra-amazônica - estudo que gerou uma lista de 955 plantas arbustivo-arbóreas - a presença da corticeira do banhado foi citada em 4 destes estudos (ou seja, 8,7%), estando estas 18 matas situadas no Paraná e em São Paulo. Como apenas 76 espécies foram amostradas no mínimo em 24% das áreas onde foram realizados os trabalhos e destas, apenas 9 espécies foram amostradas no mínimo em 48% destas áreas estudadas, os autores concluem que a heterogeneidade ambiental é certamente a principal geradora dessa riqueza florística, e que os projetos de manejo e recuperação de matas ciliares devem portanto, levar em conta os recursos florísticos regionais, seja utilizando listagens de trabalhos já desenvolvidos na região ou fazendo coleta de sementes nos remanescentes florestais ciliares da própria região. Relacionando com a baixa freqüência da corticeira do banhado neste estudo citado acima, observa-se a importância de sua re-inserção em locais onde foi constatada sua presença. No nosso estudo, as corticeiras amostradas na região estavam na área periurbana e rural de Passo Fundo, em fluxos d’água da microbacia do rio Passo Fundo - o rio que deu o nome à cidade. A presença dessa espécie nesses locais sugere, portanto, que além da importância ecológica, o seu uso paisagístico poderia ser mais valorizado se auxiliasse a marcar as margens ribeirinhas na área urbana, visto que o genius loci e vernacular da cidade é o rio. 3 Fenologia 3.1 Descrição botânica A corticeira do banhado é uma árvore regular, medindo de 6 a 8 metros de altura, caule proporcionalmente grosso (até 60 cm de diâmetro), armado de acúleos, embora pouco numerosos, às vezes raros e 19 até completamente ausentes em plantas adultas, tortuoso e suberoso de coloração acastanhada; os ramos são cilíndricos, compridos e contorcidos, às vezes quase trepadores; as folhas apresentam pecíolos longos, inermes ou com acúleos, pinadas, compostas por três folíolos peciolados rígidos, verde escuro dependendo da idade da planta e da luminosidade do ambiente, e vernicosos na parte superior, glabros, um pouco mais claros e freqüentemente glaucos na parte inferior, sendo que na base de cada folíolo lateral existe uma glândula e na base do folíolo terminal duas glândulas (Corrêa, 1984). Sua copa é irregular, principalmente no período do inverno, quando é observado o ramo arqueado e pontiagudo devido à folhagem ser decídua (Santos e Teixeira, 2001). Os pedúnculos florais podem se apresentar solitários ou fasciculados, não bracteados, com flores de coloração que vai de rósea, em ambientes quentes, a vermelho vivo em locais mais frios (Lorenzi, 1992; Brandão, 2002). Na região sul as flores são bem vermelhas, fato que leva Lorenzi a tratá-la como raça geográfica. As flores estão dispostas em racemos ou cachos terminais e possuem cálice campanulado envolvendo o estandarte longo-ovado, enrolado e curvo. O fruto é uma vagem pedunculada medindo até 15 cm de comprimento, aguda nas extremidades, contendo 6-12 sementes oblongas de cor castanha, hilo lateral branco, idêntico a feijões comuns (Lorenzi, 1992). 20 3.2 Aspectos ecológicos e taxonômicos da Erythrina cristagalli L. Esta espécie, para alguns autores, como Joly (1998), é pertencente à família Leguminosae, subfamília Faboideae. Já Cronquist (1981) e Longhi (1995) enquadram o gênero Erythrina, bem como os demais gêneros pertencentes à subfamília Faboideae, como componentes da família Fabaceae. As duas classificações são aceitas pela comunidade científica, no entanto, neste trabalho será utilizada a classificação de Cronquist (1981) e a família será tratada como Fabaceae. A espécie é decídua, geralmente encontrada em lugares ensolarados, sendo claramente dependentes de luz, não ocorrendo no sub-bosque. Presente em clareiras ou nas bordas das florestas, sua dispersão é maior nas formações secundárias, como capoeiras, sendo raramente encontradas no interior da mata densa (Gandolfi e Rodrigues, 1996). Pertencendo ao grupo das pioneiras em sucessões ecológicas (IBGE, 1986; Roderjan et al, 2002; Lorenzi, 1992), é classificada como higrófita por Corrêa (1984); IBGE (1986); Reitz et al, (1988); Paz e Bassagoda (2002); Lorenzi (1992). Apesar de produzir anualmente boa quantidade de sementes, estas são fortemente atacadas por insetos, diminuindo seu potencial de regeneração natural (Machado e Ferreira, 1978; Lorenzi, 1992). Floresce predominantemente durante os meses de setembro a dezembro, sendo a época de floração intimamente ligada ao fator climático temperatura. A maturação dos frutos é verificada de janeiro a março (Lorenzi, 1992; Brandão, 2002). 21 O tronco rugoso e corticoso é ótimo para a fixação de plantas epífitas e as flores vermelhas atraem beija-flores e abelhas. Com base em análises realizadas em amostras de mel coletadas no município de São João Batista, MA, em áreas próximas à vegetação do mangue, há uma intensa utilização pelas abelhas de pólen de espécies de Fabaceae durante os meses de novembro e dezembro, mostrando uma freqüência de pólen dominante, chegando a 70%, sendo esta família considerada importante na produção de mel pelos apicultores do Maranhão (Reis Neto et al, 2004). Erythrina cristagalli L. também é chamada de espécie apícola por Brandão (2002). Os beija-flores, por seu tamanho, beleza e agilidade de vôo, são aves que despertam grande interesse e podem ser observados visitando flores onde quer que elas existam. De maneira geral, as aves preferem aquelas flores de corola tubulosa e colorido vistoso, onde além do néctar possam encontrar pequenos insetos. A polinização, fenômeno do transporte de grãos de pólen até o estigma é, nas plantas tropicais, muito dependentes dos animais, estando, portanto, os insetos e aves visitantes dos gêneros vegetais provavelmente envolvidos em sua polinização (Reis et al., 1994). Está comprovado que os beija-flores atuam como importantes agentes polinizadores ao se alimentarem do pólen das flores (RagusaNeto, 2002). Em levantamento de espécies de plantas que poderiam ser cultivadas ou preservadas para atender à alimentação dessas aves, foram listadas várias espécies do gênero Erythrina, dentre elas a E. cristagalli (Saturnino, 1978; Ragusa-Neto, 2002). O último autor ainda ressalta a 22 ação polinizadora de dois outros grupos de aves: Psittacidae e Icterinae em espécies do gênero Erythrina. Essas são características inerentes à espécie botânica que reforçam seus valores ecológicos, desempenhando importante papel no ecossistema, tornando-a mais fascinante também sob o aspecto ornamental (Lorenzi, 1992). 3.3 Representações na paisagem 3.3.1 Distribuição geográfica Erythrina cristagalli é natural do Brasil e Argentina, encontrada em várzeas pantanosas ou alagadiças desde o Maranhão até o Rio Grande do Sul (Lorenzi, 1992). Em minas Gerais, ocorre sobre terrenos aluviais nas bacias do rio Grande e do rio São Francisco (Brandão, 2002). No Rio Grande do Sul é bastante difundida, sendo encontrada desde as Florestas pluviais da Encosta Atlântica, em Torres e Osório, até áreas do Sudeste ou escudo Riograndense, bacia do rio Ibicuí, bacia do rio Jacuí, Depressão Central, e na região do Planalto, na Floresta de Araucárias. Faz parte da vegetação higrófita das planícies litorâneas e lacustres da restinga, especialmente na zona lacustre dos banhados do Taím no Rio Grande do Sul. No parque do Espinilho, na região do Sudoeste, a corticeira do banhado é muito freqüente na formação das florestas de galerias (Reitz et al, 1988). Em levantamento de recursos naturais e fitogeográficos do Rio Grande do Sul, realizado pelo IBGE (1986), a presença de Erythrina cristagalli foi listada para todas as regiões fitoecológicas, que são: 23 Planalto Sul Riograndense, em florestas de galeria; nas savanas em formações gramíneo-lenhosas; em estepes... “Ao longo das drenagens que apresentam deposições recentes periodicamente inundáveis, as galerias são descontinuas e abertas formadas por E. cristagalli (corticeira)...” Teixeira et al., (1986) p. 562 Na savana estépica gramíneo-lenhosa (IBGE, 1986; Girardi-Deiro et al, 2002)... “Nos locais de relevo ondulado e solo profundo, as florestas de galeria, em forma de aléias ao longo das drenagens são dominadas por Erythrina cristagalli...” Teixeira et al. (1986) p. 564 Em floresta estacional semidecidual; em floresta aluvial em áreas freqüentemente inundáveis e de drenagem lenta; em floresta ombrófila mista (IBGE, 1986) e em formações pioneiras de influencia fluvial (IBGE, 1986; Roderjan et al, 2002). Lindman chama de “Capões” aos fragmentos florestais de tamanhos diversos, distribuídos esparsamente nas áreas campestres (Marchiori, 2002), sendo a principal apresentação da corticeira na paisagem. Harley e Giuletti (2004) num récito naturalista contemporâneo, em obra bilíngüe sobre a flora nativa na Chapada Diamantina, descreveram a flora na paisagem através do percurso de trilhas, onde abordaram além dos aspectos botânicos, os geográficos, históricos e culturais. A seguir uma passagem com o gênero Erythrina: 24 “Viraremos à esquerda e subiremos a estrada de terra que passa entre os campos. Pequenos riachos atravessam-na durante a estação das chuvas e muitos trechos podem ter lama. Logo adiante, à direita, passaremos por baixo de uma árvore velha de Mulungu. Esta é a Erythrina velutina (Leguminosae:Papilionideae) (Pr.51c), que possui belas flores vermelho-alaranjadas e são polinizadas por pássaros. As sementes têm a forma do feijão mas são vermelhas. Há grande número de plantas na beira da estrada e só será possível mencionar poucas delas. Sob um Mulungu menor, à direita, pode-se ver a Lithraea molleoides (Anacardiaceae), de folhas pinadas ...” (p.134). A distribuição de plantas em escala global define os principais elementos florísticos, ou seja, conjunto de táxons que apresentam áreas de ocorrência ou centros de riqueza semelhantes e que, supostamente, foram submetidas a eventos paleogeográficos similares. A família Fabaceae, incluindo o gênero Erythrina, são representantes da flora nativa do Rio Grande do Sul, relatado por Waechter (2002) no elemento pantropical, que engloba a flora tropical amplamente distribuída, ao menos em regiões tropicais e subtropicais americanas, africanas e asiáticas. Esse elemento florístico foi reconhecido por Rambo em diferentes publicações e correspondente ou aproximado por Waechter (2002). Paz e Bassagoda (2002) estudaram regiões fronteiriças entre o Brasil e o Uruguai, no que se refere à plantas que compõe os bosques principalmente árvores e arbustos, sendo encontradas 54 famílias, e a que possui maior numero de gêneros é a Fabaceae, com 21 gêneros e 49 25 espécies. Dentre as espécies hidrófitas, os autores citam o “ceibo” (E. cristagalli), como a mais freqüente, em contato direto com a água ou em solos saturados. Os mesmos autores ainda relatam para a Província Uruguaiense a presença endêmica de E. cristagalli var. leucochlora. “Matorral” é um tipo de comunidade lenhosa uruguaia formada por agrupamentos de árvores ou arbustos, constituindo comunidades, que recebem nomes de acordo com a espécie dominante. Para agrupamentos de espécies hidrófitas onde predominam as corticeiras do banhado, Paz e Bassagoda (2002), referem o Ceibal como conjunto de ceibos ou comunidades compostas de E. cristagalli L. 4 Valorização da paisagem regional A organização dos primeiros jardins no Brasil partiu das tentativas da coroa portuguesa, preocupada no final do século 18 em fomentar o conhecimento das possibilidades econômicas da flora local e exótica. A iniciativa tinha um caráter científico, agrícola e econômico e o objetivo era aclimatar plantas úteis ao comércio de especiarias e ampliar o conhecimento sobre plantas nativas que pudessem competir com as culturas orientais (Segawa, 1996). A cultura científica oitocentista introduziu a noção de salubridade urbana, atribuindo à vegetação uma função pragmática, muito além do sentido pitoresco ou romântico que a arte impusera sobre a paisagem natural na época (Segawa, 1996). 26 “A presença massiva de vegetação, gramados e flores provoca nos mais agitados, nos mais excitados da vida moderna, um repouso físico e moral que não se pode negar. É um elemento incontestável de calma e quietude.” Do Manual de Daniel Bellet e Will Dawillé, Ce que Doit être la cité moderne, início século 20. In: Segawa (1996) p. 73 AB`Saber (2003) afirma que a paisagem é uma herança em todo sentido da palavra: herança de processos fisiográficos, biológicos e patrimônio coletivo dos povos que historicamente os herdaram como território de atuação de suas comunidades. A perda progressiva das raízes históricas e regionais das diferentes culturas e a adoção generalizada dos modismos estéticos é que permitiram a emergência de paisagens genuinamente “internacionais” na sua gama de elementos de composição. O paisagismo contemporâneo tem o papel de promover o encontro entre os grupos sociais (Leite, 1982). Nossa vida se desenvolve cada vez mais nos espaços públicos, que devem abrigar tanto os propósitos humanos quanto os processos naturais. Pela opinião de Neves (1982), as paisagens se mostram diferente em função de quem as observa, dada a carga cultural, maneira e freqüência de observação. Qualquer paisagem é composta não apenas pelo que se estende defronte aos olhos, mas pelo que se encontra dentro das mentes, ou seja, somos capazes de ver aquilo que conseguimos interpretar. A possibilidade de identificar fontes de beleza na natureza trouxe também a possibilidade de selecionar apenas o mais belo, construindo paisagens 27 mais bonitas (Leite, 1982). Paiva e Alves (2001) citam Burle Marx dizendo que o importante ao formarmos parques e jardins é que sejam ecologicamente bem sucedidos, adaptando-se à paisagem e ao clima local, tornando evidente a importância do uso de espécies nativas. Com efeito, as paisagens vegetais, resultantes das diversas “formas de crescimento”, respondem às pressões exercidas pelas condições do meio ambiente Warming (1860) citado por Acot (1996). Ao falarmos da fisionomia do Rio Grande do Sul não podemos deixar de lembrar Avé-Lallemant, que em meados do século 19 fez um valioso registro da paisagem gaúcha. O caráter transacional subtropical da flora foi admiravelmente sintetizado pelo naturalista e transcrito por Waechter (1996) na seguinte expressão: “O Rio Grande tem um raro encanto botânico de que aqui se estendem largamente para o sul as plantas dos trópicos, sem de modo algum prejudicar a natureza extratropical. Antes de tudo o que ocorre nos trópicos e fora deles lá se ajunta promiscuamente, se emaranha e cresce; e não se pode fazer uma excursão sem ser surpreendido por impressionantes contrastes...” p. 81 Desde os tempos da colonização houve interesse pelas plantas ornamentais encontradas na América. A região Neotropical (América Central e do Sul) foi a que promoveu maior número de espécies ornamentais para o mercado mundial de plantas vistosas para jardins, por ser a região mais rica em biodiversidade do mundo (Rapoport, 1992). Tanto é verdadeiro, que exemplares de E. cristagalli, espécie com vários atributos ornamentais e cuja planta é o objeto maior de nosso estudo, foi 28 introduzida na Europa em 1771, relatado por Simon & Schuster`s (1992). A partir de 1833 os floricultores europeus conseguiram variedades versicolor graças a cruzamentos com outras espécies do gênero como E. herbácea L., dos Estados Unidos (Corrêa, 1984). Essas variedades tem pouca variabilidade na coloração das flores, as quais tomam diversas nuances e às vezes chegam a ficar apenas branco-avermelhadas. Atualmente continua sendo cultivada na Europa (Corrêa, 1984). A espécie é mantida em cultivo no Jardim Botânico didático da escola “E Toti” di musile de Piave em Veneza na Itália, aclimatada há séculos em seus jardins. É utilizada em estudos de espécies tropicais e devido a seu poder adaptativo a ambientes diversos (Rossi, 2004). Rambo (1994), em suas viagens, relata regiões do Rio Grande do Sul com formações vegetais de arbustos de galhos tortuosos, dispostos espaçadamente. Não fosse o solo pantanoso, o viajante teria a impressão de se encontrar em plena caatinga nordestina. Cita que a vegetação arbórea era composta quase exclusivamente de árvores de madeira imprestável a não ser para consumo em fogueiras. Sem mencionar espécie alguma, talvez estivesse o naturalista referindo-se a aglomerados de corticeira. Talvez Rambo tratara da mesma madeira que Corrêa (1984). Madeira branco-amarelada, muito leve e mole, porosa da corticeira, muito utilizada para construção de canoas, jangadas, cochos, gamelas, cepas de tamancos, colméias, assoalhos de galpões e estábulos e até para carvão de pólvora fina. Funções também atribuídas à madeira por Lorenzi (1992). Ferreira e Saturnino (1978) relatam o uso dos frutos e sementes da corticeira para a confecção de arranjos ornamentais “secos”, reduzindo dessa forma sua 29 propagação natural e provocando, assim como a exploração da madeira, grande diminuição das populações. Embora tão valorizada como planta ornamental na Europa, a corticeira tem seu potencial pouco explorado por aqui. São escassas as referências de uso no paisagismo. No entanto, os poucos estudos realizados com nativas de potencial ornamental talvez ocultem sua utilização. 5 Aspectos culturais ligados à Erythrina cristagalli L. A proteção e a preservação dos bens culturais de um determinado local tem como objetivo principal promover a identidade dos habitantes daquela região. As modificações ocorridas em um ambiente podem ser responsáveis pela perda da identificação do indivíduo com o local em que vive. As árvores, naturalmente, funcionam no cotidiano da população das cidades como elementos referenciais marcantes (Trindade, 1996). Erythrina cristagalli foi reconhecida como a flor nacional da República Argentina (Corrêa, 1984) e considerada a árvore nacional da Argentina e do Uruguai (Lorenzi, 1992), onde é amplamente utilizada na ornamentação de praças públicas. O município de Sananduva (região nordeste do RS) assim é chamado em alusão a E. cristagalli, por ser este um de seus vários nomes populares. A planta é um referencial da riqueza natural da região, valorizada pela população de Sananduva, e ocupa lugar de destaque na praça central da cidade. 30 Corrêa (1984) trata do uso da corticeira para fins medicinais em função de possuir propriedades como casca adstringente, cicatrizante e desobstruente. Este autor relata que o cozimento da casca pode ser usado como hipnótico por possuir o alcalóide “erythrina” também útil no tratamento de hepatites crônicas e do reumatismo. As sementes passam por venenosas, por conter o mesmo alcalóide. Os ramos contém saponina e peroxidases, e das flores esmagadas pode ser obtida tinta vermelha. A arte de muitas formas expressa o amor e o apego das pessoas à paisagem de seu lugar. “O homem nada pode quando se perde de suas raízes”. Para Segawa (1996) a paisagem é a consciência humana diante de um ambiente, produto do seu potencial imaginativo e criador, uma contemplação visual formulando significados e novas imagens. Grimal (1974) ao dissertar sobre o nascimento de um estilo, retoma a idéia que além da filosofia e literatura, também a pintura, o jardim, a arquitetura, o teatro e a música contribuem profundamente a formar e a generalizar uma estética difusa, a qual os escritores transformarão em teoria. Petry (2003a) analisando as paisagens sul brasileiras e as identidades territoriais ali geradas verificou a importância da música na tradição oral sobre o imaginário das paisagens e ambientes, principalmente a influência da música gaúcha na reprodução do apego ao pampa e suas representações. Neste sentido, “Sonho em Flor” é uma bela música que expressa o mais puro nativismo gaúcho. Composta por Gujo Teixeira e interpretada por Luis Marenco (2002), faz uma romântica homenagem à beleza da corticeira e comprova sua presença na vida do gaúcho. “Ah! Minha flor pequena... 31 (Dessas que nascem pelos rincões) Trazendo a graça das corticeiras Enfeita a tarde por ser tão bela Deixa meu sonho acordar o teu E o meu silêncio te adormecer Quando a saudade vier me ver com teu sorriso... ... na minha janela Eu que andei tão distante me encontrei em mim Sem mesmo perceber que a vida pode ser assim... Ter a graça de uma flor bonita, dessas corticeiras E ao mesmo tempo ser por inteira Aquilo tudo que já sonhou. Ah! Minha flor pequena... Que traz guardada sonhos demais Deixa que a alma mostre teu rumo Que anda hoje perto do meu Traz teu sorriso de flor vermelha...” Luiz Marenco (2002) In: Ao vivo duplo (música 5- CD2) A música “Tropa de Osso” composta por Humberto Gabbi Zanatta e Luiz Carlos Borges é uma milonga campeira, que nos remete à lembranças do passado, e foi interpretada por vários cantores, dentre eles Délcio Tavares (2002), deixando clara a presença marcante das corticeiras na infância dos gaúchos quando diz: “Gado de osso que foi parte do meu mundo 32 Carro de lomba e trator de corticeira O meu bodoque e o banho de açúde Foram na infância minha vida verdadeira...” Délcio Tavares (2002) In: Sucessos do Rio Grande (música 4) 6 Aspectos da vegetação ornamental “A monotonia da paisagem dos campos é abrandada pela ocorrência de agrupamentos arbóreos marginais aos rios ou isolados sobre o campo, de formas e dimensões variadas...” (Roderjan et al, 2002) p. 86 Essa citação de Roderjan et al, (2002) para a estepe paranaense é oportuna para destacarmos a importância das formações vegetais, quer seja em paisagens naturais ou em projetos paisagísticos. Dessa forma, o conhecimento das características plásticas da vegetação é fundamental tanto para a classificação de paisagens quanto para o auxílio na escolha de espécies com valor estético para uso em paisagismo. O processo de estudo e seleção de vegetação para uso em paisagismo está baseado, além dos valores culturais que valorizam a vegetação, nos fatores ambientais que permitam adaptabilidade da espécie, e na plasticidade da planta que deve atender aos anseios de quem a utiliza, possibilitando a constituição de formações ecologicamente bem sucedidas. vegetais harmoniosas, bonitas e 33 Germani (2004) ao apresentar os tipos vegetais e sua relação com o projeto paisagístico, lembra que estes são designados relacionando a arquitetura da planta, sua forma (árvore, arbusto, ...) e a ocupação que o vegetal terá no espaço. Recomendando o trabalho interdisciplinar, a autora enumera as características da vegetação em paisagismo em estruturais (que devem levar em conta a escala humana); as características visuais (forma, porte, folhagem, floração, caule, galhos, frutos e raízes), as características físicas (adequabilidade, ciclo, associação, mutabilidade, adaptabilidade e resistência) e as características funcionais (utilitárias, de conforto ambiental, fitométricas, sensoriais, botânicas, psicológicas, de espacialização e de revestimento). Nessa última classificação, ela situa as características simbológicas e históricas, onde cita a corticeira, juntamente com os chorões, uma vez que “lembram margens de lagoas, lagos e rios, pois se desenvolvem em zonas úmidas” (Germani, 2004). 6.1 Plasticidade Plasticidade é o efeito visual que transmite uma planta, obtido pelo conjunto de elementos constituintes de sua parte aérea (Demattê, 1997; Grolli, 1997; Petry, 2003b): volume da planta, com e/ou sem folhagem, forma, diâmetro e altura, que devem ser observados quando as plantas estiverem adultas e determinam o porte das mesmas (Grolli, 1997). Outras características como texturas, cores, brilhos e transparências 34 (Grolli, 1997; Petry, 2003b) são bastante variadas entre os diferentes grupos vegetais e conferem belezas particulares às plantas. 6.1.1 Forma Refere-se à estrutura da planta e seu contorno em crescimento normal (Grolli, 1997; Petry, 2003b). Podemos citar alguns tipos de estrutura para árvores: umbeliformes, globosas, globosa chorona, ovaladas, piramidais, colunares, transparentes e estruturas mistas, que apresentam tortuosidade e não formato claramente definido (Grolli, 1997; Lira Filho, 2002; Petry, 2003b). Para Sabatke (2004) no grupo das plantas ornamentais, as árvores são as mais valiosas e de maior interferência no ambiente, pois atestam a maturidade de um jardim e atuam como vegetação estrutural. Quanto ao formato da copa, a autora cita além das que apresentam copa escultural (piramidal, cônica e colunar) as de formato clássico: ovalada, globular, semiglobular e plataforma, onde se enquadraria a corticeira do banhado. 6.1.2 Textura Compõe o aspecto geral da superfície dos vegetais. Pode ser observada na folhagem, nos troncos, flores e fruto, enfim em todo o corpo da planta. É o elemento que nos dá a impressão visual de uma superfície ao tato (Grolli, 1997; Lira-Filho, 2002). Particularmente, as plantas ornamentais oferecem uma variedade de texturas que compõem ótimos efeitos visuais (Lira-Filho, 2002). Assim podemos tirar proveito de uma série de texturas encontradas na 35 conformação da copa das árvores, nas ranhuras dos troncos e até mesmo nas formas pontiagudas de folhas, e ramos de plantas caducas. A corticeira, principalmente quando adulta, apresenta texturas fortemente contrastantes, pois suas folhas e flores têm aparência delicada e aveludada, enquanto seu tronco é bastante rústico e corticoso. 6.1.3 Transparência Está relacionada ao volume, tipo e tamanho das folhas que formam uma copa mais ou menos transparente (Grolli, 1997). É um atributo das palmeiras ou árvores pernaltas (Petry, 2003b), porém árvores caducifólias apresentam transparência quando deixam cair as folhas. Este é também um atributo de mobilidade na paisagem, neste caso temporal e espacial, por permitir que se tenha perspectiva aberta nas estações que a planta se encontra caduca. Cabanel (2000) atribui transparência também na visão interna de uma floresta, quando esta encontra-se estruturada pela possante arquitetura de tronco e ramos, com a folhagem criando um teto de verde semi-transparente em múltiplas tonalidades, dando uma impressão de casulo na natureza. Sentar-se sob uma corticeira, desfrutando sua sombra rala causa com certeza este efeito. 6.1.4 Cor e brilho A cor pode ser explorada de diversas partes da planta, como tronco, folhas, flores ou frutos. O brilho é uma característica refinada relacionada à camada externa das estruturas, que podem ser cerosas, 36 vernicosas ou ainda opacas (Lira Filho, 2002). Lopes (1981) por sua vez, caracteriza a suínã-do-brejo como sendo de porte médio, com diâmetro em torno de 6 m, cujo principal uso paisagístico é pela floração vermelha, ocorrente na primavera-verão. Conhecer as características morfológicas de determinada espécie é fundamental para entender seus fenômenos biológicos. No entanto, as estruturas internas das plantas podem auxiliar na compreensão desses eventos e, além disso, baseado nelas, levantarmos hipóteses sobre fenômenos não compreendidos pela comunidade científica sobre a adaptação em ambientes diversos (Lira Filho, 2002). Porém, não apenas a exuberância do vermelho ceroso das flores contrastando com o verde forte e envernizado da folhagem conferem beleza à corticeira. Mas também as mesclas de marrons e cinzas presentes nos troncos, ramos e frutos. Aspectos que harmonizam em uma só planta atributos opostos como delicadeza e brilhos com rusticidade e tons opacos. 7 Os sistemas de tecidos vegetais e células componentes Há muito se reconhece que os principais tecidos vegetais das plantas vasculares estão organizados em amplas unidades em todos os órgãos vegetais. Estes grupos são conhecidos como sistemas de tecidos e são classificados como: o básico ou sistema fundamental, formado por três tecidos fundamentais chamados parênquima, colênquima e esclerênquima; o sistema vascular, que consiste de dois tecidos condutores, o xilema e o floema; e o sistema dérmico, formado pela 37 epiderme em crescimento primário e a periderme em crescimento secundário (Raven, 1996). 8 Aspectos anatômicos importantes relacionados à família Fabaceae A anatomia é uma área da botânica muito ampla e abrangente, porém nosso objetivo será destacar principalmente as estruturas do caule e das folhas da Magnoliopsydas (antes chamadas dicotiledôneas) mais especificamente de exemplares da família Fabaceae. Nas Magnolipsidas a folha geralmente consiste de uma porção expandida, a lâmina ou limbo, e de uma porção pedunculada, o pecíolo (Raven, 1978; Raven, 1996), que mantém as características estruturais do caule (Esaú, 1985). De acordo com Raven (1996), a variação na estrutura das folhas das angiospermas (Magnoliphyta) depende, em grande parte do habitat em que se encontram e a disponibilidade de água é um fator especialmente importante afetando o formato e a estrutura. As folhas podem ser caracterizadas como mesófitas quando requerem solo com água em abundância e atmosfera relativamente úmida; hidrófitas as que dependem de um suprimento abundante de água e crescem parcial ou completamente submersas; e xerófitas adaptadas à habitats áridos. O mesofilo é particularmente especializado para a fotossíntese, composto principalmente por tecido fundamental com grande volume de espaços intercelulares e numerosos cloroplastos. Os estômatos ligam os espaços intercelulares ao meio externo, facilitando as trocas gasosas e aumentando a eficiência da fotossíntese. Nas mesófitas, o mesofilo se 38 apresenta diferenciado em parênquima paliçádico e parênquima lacunoso. As células do tecido paliçádico são colunares, com o eixo mais longo formando ângulo reto com a epiderme. O lacunoso apresenta formato irregular e geralmente apresenta menor número de cloroplastos que o paliçádico (Esaú, 1985; Raven, 1996). O grau de diferenciação do mesofilo e a proporção de tecido lacunoso e paliçádico variam conforme a espécie e o habitat (Esaú, 1985). Todo mesofilo foliar é percorrido pelos feixes vasculares ou nervuras, que são contínuos com o sistema vascular do caule. As nervuras contêm xilema e floema, os quais são geralmente de origem primária, porém a nervura principal pode apresentar tecido secundário (Esaú, 1985; Raven, 1996). As nervuras maiores são circundadas por células de parênquima, que contém poucos cloroplastos, enquanto as menores geralmente se apresentam envolvidas por uma ou mais camadas de células dispostas compactamente, formando a bainha do feixe (Raven, 1996). As células da bainha podem conter cristais (Esaú, 1985). As bainhas dos feixes asseguram que nenhuma parte do tecido vascular fique exposta ao ar dos espaços intercelulares, e que todas as substâncias que entrem ou saiam dos tecidos vasculares tenham que passar através da bainha (Raven, 1996). Em muitas Magnoliopsidas placas de células similares as da bainha se estendem e estão conectadas com uma ou ambas as faces da folha. Tais conexões são chamadas extensões da bainha do feixe (Esaú, 1985; Raven, 1996). Além de oferecer suporte mecânico à folha, aparentemente conduzem água do xilema para a epiderme e facilitam a comunicação 39 com o tecido lacunoso, funcionando como intermediário para tornar mais eficiente o transporte de fotoassimilados e componentes nitrogenados entre as células do mesofilo e o floema (Esaú, 1985; Raven, 1978; Menezes, 1985; Vilela e Palácios, 1985; Raven, 1996). Vilela e Palácios (1985) relataram a presença de extensão da bainha do feixe em exemplares de Fabaceae. A estrutura foliar das leguminosas tem sido estudada sob vários aspectos e é bastante variável, devido aos diferentes tipos de folha destas plantas (Menezes, 1985). O pecíolo tem considerável importância taxonômica, pois sua estrutura parece ser pouco afetada pela variação dos fatores ecológicos (Metcalfe e Chalk, 1957; Menezes, 1985). Os autores afirmam que a base do pecíolo constitui uma das regiões mais importantes no sistema vascular do órgão foliar. Por outro lado, Irwin (1964) citado por Menezes (1985), considera a região mediana como “característica” na organização do sistema vascular do órgão foliar. Considerações têm sido feitas sobre o sistema vascular da parte basal do pecíolo, que é geralmente caracterizada pela presença do pulvino (Menezes, 1985). Essas estruturas, folha e pecíolo, receberam destaque na revisão bibliográfica por representarem o foco principal de nossa avaliação anatômica em Erythrina cristagalli. Metcalfe e Chalk (1957) e Menezes (1985) afirmam que os cristais constituem característica particular do mesofilo das leguminosas, diferenciando as famílias Caesalpinaceae, Fabaceae e Mimosaceae, onde são quase invariavelmente solitários, de forma romboédrica (especialmente acompanhando a bainha dos feixes vasculares) ou 40 estilóides, este mais característico do mesofilo ou da epiderme. Os autores mencionam a ocorrência de cristais do último tipo na epiderme e no tecido paliçádico de espécies da família Fabaceae. Células secretoras com conteúdo variado são comuns no mesofilo das leguminosas, com conteúdo aparentemente taninífero de coloração marrom-avermelhado, ocorrendo com relativa freqüência próximo aos feixes, o que condiz como um dos elementos secretores apontados para a família, observado em espécies de vários gêneros de Fabaceae (Metcalfe e Chalk, 1957; Menezes, 1985). As variações anatômicas da família estão largamente correlacionadas com a diversidade de ambientes em que vivem, demonstrados em diferentes gêneros e espécies (Metcalfe e Chalk, 1957). Segundo as descrições do autor a família Fabaceae apresenta a epiderme da folha caracterizada pela comum ocorrência de células com formato angular dispostas de forma anticlinal, ocorrendo o desenvolvimento de papilas, especialmente na face abaxial da folha, em um grande numero de gêneros. Para o gênero Erythrina os autores citam a presença das seguintes estruturas: pelos epidérmicos do tipo não glandulares com haste unisseriada; nectários extraflorais ou estipulas; epiderme abaxial da folha papilosa ou sub-papilosa; mesofilo foliar ocupado por células que contém pequenos cloroplastos e, ainda, células com conteúdo taninífero de coloração marrom. As estruturas de condução são variáveis, podendo se apresentar com ou sem bainha de esclerênquima. No pecíolo do gênero Erythrina, o autor cita a presença de um cilindro denominado por ele de aproximadamente 41 circular, também chamado de semifechado. Pode apresentar elementos secretores, que são células contendo tanino, proteínas ou substâncias gelatinosas, de cor marrom, observados em várias partes do mesofilo ou pecíolo de vários gêneros. Cristais estilóides, geralmente solitários, estão inclusos no tecido paliçádico. Também podem ocorrer na epiderme da folha. Em trabalho realizado por Ferreira e Assumpção (1978), análises anatômicas comparativas entre as espécies do gênero Erythrina listaram para a lâmina foliar de E. cristagalli as seguintes estruturas: epiderme adaxial com células epidérmicas de paredes lisas e unisseriadas; epiderme abaxial com células de paredes lisas, com dobramentos cuticulares acentuados, unisseriada e papilosa, com ausência de pelos ou tricomas.; o mesofilo foliar isobilateral paliçádico, com três camadas de células na face adaxial e duas camadas na face abaxial; os estômatos classificados como paracíticos e nervura também com epiderme unisseriada possuindo dois a três extratos de células de colênquima, uma porção de parênquima clorofiliano na região adaxial e cilindro vascular anômalo, confirmando as descrições de Metcalfe e Chalk (1957). As estruturas foram observadas em cortes transversais e paradérmicos. Para o pecíolo da espécie, Ferreira e Assumpção (1978) observaram a epiderme unisseriada, com cutícula bem desenvolvida apresentando logo abaixo duas a três camadas de células de colênquima. O parênquima cortical possui antocianinas e idioblastos cristalíferos, contendo cristais romboédricos. O arco vascular, classificado como semifechado, também corrobora as afirmações de Metcalfe e Chalk (1957). 42 Outro aspecto de suma importância na compreensão de estudos biológicos é o conhecimento de como ocorre a propagação natural das espécies vegetais, possibilitando o uso das sementes para produção de mudas ou uso de vias alternativas de propagação como é o caso da propagação vegetativa. 9 Propagação É pertinente ao estudarmos uma espécie vegetal que conheçamos como ocorre a propagação natural dessa espécie, pois se trata de um evento fenológico fundamental para a continuidade e perpetuação da mesma e de seus ecossistemas naturais. Em vista disso, abordaremos a seguir alguns aspectos sobre as sementes de Erythrina cristagalli L.e sua germinação. No entanto, quando se deseja propagar plantas em grande escala e/ou garantir características da planta mãe, pode-se contar também com técnicas de propagação vegetativa, como é o caso da estaquia, cujos fundamentos também serão abordados. 9.1 Sementes e germinação A vida de qualquer organismo começa por meio de um processo reprodutivo. A fase embrionária, o período entre a fertilização e a maturação da semente, é marcado pela intensa divisão celular, diferenciação, formação primária dos órgãos, estoque de carboidratos, lipídeos, proteínas e substâncias minerais nos tecidos embrionários e no 43 endosperma, cuja função de regulação é exercida pelos fitormônios (Larcher, 2000). Após a semente ter atingido a maturidade, é normal passar por um período durante o qual o desenvolvimento e o crescimento do embrião permanecem numa pausa. O ressurgimento das atividades metabólicas após essa pausa recebe o nome de germinação (Toledo e Marcos Filho, 1977). Segundo os mesmos autores, a absorção de água é o primeiro fenômeno que se verifica na germinação. A água penetra na semente por absorção, por osmose através dos tegumentos ou através da micrópila, em algumas espécies. A absorção de água pelo embrião e tecidos de reserva causa o intumescimento e rompimento dos tecidos amolecidos do tegumento da semente e, geralmente, é a radícula que provoca esse rompimento. Os fitormônios dão o sinal para uma nova síntese de enzimas, levando à mobilização de substâncias de reserva no endosperma, seguido de vários fenômenos químicos que sinalizam a germinação. O processo está completo quando a nutrição não mais depende dos materiais de reserva e ao mesmo tempo a plântula realiza autotrofia (Larcher, 2000). Plântulas normais são consideradas as que apresentam todas as estruturas essenciais, ou seja, radícula, hipocótilo e/ou epicótilo e presença de cotilédones, sendo capazes de produzir plantas normais no campo ou viveiro (Rodrigues e Vieira, 1988). 44 9.2 Dormência e dureza Após atingir a maturidade fisiológica as sementes passam por um período de repouso ou latência, com pequena atividade metabólica. Sementes de certas plantas silvestres, tidas como viáveis, nem sempre germinam quando colocadas em condições ambientais favoráveis; elas apresentando um período de repouso persistente e são classificadas como dormentes (Toledo e Marcos Filho, 1977). Segundo Lovato et al, (1999), a variação intrapopulacional no grau de dormência das sementes pode ter um significado adaptativo, oferecendo condições para que a germinação no banco de sementes seja distribuído ao longo do tempo. A germinação é impedida devido à presença de um tegumento externo duro, à presença de substâncias inibidoras e, freqüentemente, também por fatores externos (Larcher, 2000). Sementes dormentes caracterizam-se por permanecerem até o final dos testes de germinação sem germinar ou apodrecer, tendo, no entanto, absorvido água (Rodrigues e Vieira,1988). Sementes duras apresentam um tipo especial de dormência devido ao tegumento impermeável à água e apresentam-se, ao final do teste de germinação, sem absorver água, mantendo seu tamanho original (Toledo e Marcos Filho, 1977; Marcos Filho et al, 1987; Rodrigues e Vieira, 1988), ocorrendo principalmente em leguminosas (Marcos Filho et al, (1987). 45 9.3 Fatores ambientais envolvidos na germinação 9.3.1 Umidade e aeração O fornecimento de água é condição fundamental para que uma semente germine normalmente. O substrato utilizado deve ser suficientemente úmido para garantir o crescimento do embrião ao mesmo tempo que permita aeração adequada das sementes (Marcos Filho et al, 1987; Rodrigues e Vieira, 1988). 9.3.2 Temperatura A maioria das sementes germinam sob limites relativamente amplos de temperatura, enquanto outras apresentam exigências mais restritas (Marcos Filho et al, 1987). Já Suné e Francke (2001) afirmam que as sementes apresentam capacidade germinativa em limites bem definidos de temperatura, variável de espécie para espécie, que caracterizam sua distribuição geográfica. Nas Regras para Análises de Sementes são prescritas temperaturas constantes (15º C, 20º C, 25ºC, 30ºC) e alternadas (20-30ºC, 10-30ºC) (Rodrigues e Vieira, 1988; Brasil, 1992) para avaliar o poder germinativo. A temperatura influi no processo de germinação especialmente por alterar a velocidade de absorção de água e modificar a velocidade das reações químicas que irão acionar o desdobramento, o transporte das reservas e a ressíntese de substâncias para a plântula. A faixa de temperatura ótima é aquela onde acontece a germinabilidade máxima, registrando o percentual mais alto de germinação no menor tempo médio (Rosa e Ferreira, 2001). 46 9.3.3 Luz Percepção, interpretação e transdução dos sinais luminosos são captados por fotoreceptores, sendo o fitocromo o principal responsável por essas funções. Em muitas espécies a germinação das sementes é mediada pelo fitocromo diante das condições de luminosidade presentes. A resposta à luz pode se manifestar por um incremento na germinação (fotoblastismo positivo), enquanto para outras espécies a ausência de luz é o que promove a germinação (fotoblastismo negativo) (Rosa e Ferreira, 2001). Nas Regras para Análises de Sementes (Brasil, 1992) não são encontradas informações sobre a germinação das sementes do gênero Erythrina, dificultando os testes e a propagação do gênero através desse método, que é ainda mais dificultado por problemas fitossanitários relacionados às sementes. 9.4 Problemática dos aspectos fitossanitários em espécies florestais Os prejuízos causados em sementes pelo ataque de insetos, constituem um dos grandes problemas em essências florestais no Brasil. A necessidade de reflorestamento com espécies nativas e formação de mudas torna-se ainda mais problemática pela dificuldade de obtenção de sementes de boa qualidade (Sagrillo, 1984, citados por Link e Costa, 1995). A coleta de sementes sem poder germinativo é freqüente devido ao ataque de insetos (Link e Costa, 1988, citados por Link e Costa, 1995). 47 A ocorrência freqüente de elevado número de vagens totalmente danificadas por insetos e o pequeno número de mudas obtidas de sementes atacadas são motivos de preocupação para aqueles que se dedicam à produção de mudas de essências florestais (Link e Costa, 1995). Além dos insetos e da dormência das sementes, outro fator que pode reduzir o vigor germinativo, além de promover a formação de plântulas anormais ou sua morte, é a presença de microorganismos, dentre os quais os fungos e as bactérias são os mais comuns (Martins-Corder e Borges Junior, 1999). Os fungos patogênicos associados às sementes podem deteriorá-las e ocasionar a morte, bem como prejudicar os testes de germinação e a formação de mudas reduzindo seu vigor (Lazzari, 1993). A contaminação das sementes de essências florestais ocorre predominantemente no solo onde os frutos e sementes podem ser colonizados por gêneros de fungos como Fusarium, Alternaria, Phoma, Phomopsis, Rhizoctonia, Phythuim, Cylindrocladium, dentre outros (Martins-Corder e Borges Junior, 1999). De acordo com Muniz et al, (2003), foram encontrados associados às sementes de Erythrina cristagalli, utilizada em arborização urbana, os gêneros Fusarium, Penicilium, Aspergillus e Cladosporium, patógenos que podem ser transmitidos para as plântulas e causar problemas na produção de mudas dessa espécie. 48 9.5 Propagação vegetativa: estaquia A propagação de plantas é realizada de duas formas, ou seja, sexual, que acontece através das sementes, e assexual ou vegetativa. Esta é de grande importância quando se deseja multiplicar um genótipo altamente heterozigoto e que apresenta características consideradas superiores, que se perdem quando propagadas por sementes (Paiva e Gomes, 1995). Os mesmos autores ressaltam que cada planta, produzida por meio vegetativo é, na maioria das vezes, geneticamente idêntica à planta-mãe, constituindo, assim, o motivo maior da aplicação desse método. Dentre os meios de propagação vegetativa de plantas, nos deteremos ao método de estaquia, por fazer parte desse trabalho de pesquisa, tendo por objetivo descrever a técnica aplicada a espécies arbóreas, buscando contribuir com informações pertinentes ao processo. A estaquia é um dos métodos de propagação assexual onde ocorre a multiplicação dirigida de partes das plantas, baseada na capacidade de algumas estruturas vegetais, que determinadas espécies possuem, de formarem um novo indivíduo completo através da regeneração dos tecidos e emissão de raízes, quando destacada da planta-mãe e colocadas em condições ambientais propícias para o enraizamento (Melletti e Teixeira, 2000; Grolli, 2000). O segmento retirado da planta-mãe, com pelo menos uma gema vegetativa, capaz de originar uma nova planta, é denominado estaca, podendo esta ser de ramos, de raízes ou de folhas. Portanto, o método consiste na retirada e propagação de um segmento da planta matriz 49 (estaca), que deve ser colocada em condições ambientais favoráveis e induzida a formar raízes e brotos (Fachinello et al, 1995). A formação de raízes adventícias deve-se à interação entre os fatores existentes nos tecidos e a translocação de substâncias localizadas nas folhas e gemas (Fachinello et al, 1995). Segundo Hartman e Kester (1990), a capacidade de enraizamento das estacas depende do balanço entre as substâncias promotoras e inibidoras do enraizamento, que, de modo geral, varia entre as espécies. A estaca ao ser preparada pode sofrer uma lesão em sua base, com o objetivo de obter uma resposta ao traumatismo, fenômeno observado em algumas espécies, pois as células da superfície ao serem lesionadas desencadeiam um processo de cicatrização e regeneração, onde ocorre a formação de uma massa parenquimatosa pouco diferenciada, denominada calo, de onde possivelmente surgirão as raízes (Fachinello et al, 1995; Wilhelm, 2000). As vantagens da produção de plantas por estacas são: a obtenção de número elevado de mudas a partir de uma única planta matriz e em relativamente curto espaço de tempo; baixo custo e fácil execução; boa uniformidade e qualidade de mudas; redução no período juvenil; e produção de plantas que possuem as mesmas características da planta que lhe deu origem (Fachinello et al, 1995). A propagação por estacas não apresenta grandes inconvenientes, porém, algumas espécies ou cultivares podem apresentar baixo potencial genético de enraizamento, resultando em pequena porcentagem de mudas obtidas ou, mesmo havendo formação de raízes, o desenvolvimento pode 50 ser insuficiente para a sobrevivência após o plantio (Fachinello et al, 1995). A viabilidade do uso da estaquia na propagação, com objetivo comercial, depende da facilidade de enraizamento que cada espécie e/ou cultivar apresenta, da qualidade do sistema radicular formado e do desenvolvimento posterior da planta na área de produção (Fachinello et al, 1995). São utilizadas técnicas para viabilizar o processo de estaquia para as espécies que apresentam grau de dificuldade para enraizar, destacando-se o uso de nebulização intermitente, a aplicação de fitorreguladores, o anelamento, o estiolamento, a dobra dos ramos, entre outros (Fachinello et al, 1995). A multiplicação por estacas lenhosas é considerada por Browse (1979) uma das técnicas mais simples de propagação vegetativa, pois em virtude da estaca não ter folhas é mínimo o controle do ambiente necessário para assegurar o êxito da propagação. Estacas lenhosas são altamente lignificadas, apresentam alta taxa de regeneração potencial e devem ser coletadas no período de dormência, que acontece no inverno (Fachinello et al, 1995), obtidas de ramos sadios. A capacidade de uma estaca emitir raízes depende dos fatores endógenos e das condições ambientais proporcionadas ao enraizamento. O conhecimento desses fatores é necessário para que se possa explicar por que uma espécie tem facilidade ou dificuldade em enraizar. Além disso, o adequado manejo dos mesmos permite que haja maior chance de 51 sucesso na produção de mudas por estaquia (Faquinello et al, 1995; Oliveira, 2002). 9.5.1 Princípios anatômicos do enraizamento O conhecimento da estrutura interna do caule permite entender a origem das raízes adventícias (Alvarenga e Carvalho, 1983). Conforme estes autores, a maioria das raízes adventícias de estacas de caule originam-se de células capazes de tornarem-se meristemáticas. Nas estacas herbáceas, essas células se encontram fora e entre os feixes vasculares e em estacas de plantas perenes lenhosas as raízes adventícias das estacas se originam do tecido do floema secundário jovem ou de outros tecidos, como o câmbio, raios vasculares e medula. No enraizamento de estacas, dois aspectos, do ponto de vista anatômico são considerados fundamentais: a desdiferenciação e a totipotência, onde o primeiro é o processo pelo qual as células de um tecido já diferenciado retornam a atividade meristemática, originando um novo ponto de crescimento, e o segundo é a capacidade que uma célula tem de originar um novo indivíduo, pois contém a informação genética necessária para reconstituir todas as partes da planta e sua função (Hartman e Kester, 1990; Fachinello et al, 1995). 9.5.2 Princípios fisiológicos do enraizamento 52 A formação de raízes adventícias deve-se à interação entre os fatores existentes nos tecidos, promotores e inibidores, e a translocação de substâncias localizadas nas folhas e gemas (Fachinello et al, 1995). 9.5.2.1 Substâncias reguladoras do crescimento nas plantas O uso de substâncias reguladoras de crescimento no enraizamento de estacas é largamente difundida, sendo uma técnica importante para viabilizar a produção através da estaquia em espécies de difícil enraizamento (Fachinello et al, 1995). Paiva e Gomes (1995) relata a eficiência de substâncias à base de auxinas sintéticas na indução de enraizamento em estacas, em contrapartida, outras substancias como citocininas e giberilinas podem apresentar efeito inibitório na formação de raízes. 9.5.2.2 Auxinas A auxina é um promotor de crescimento das plantas, produzida no meristema apical e nas folhas novas. Apresentam um mecanismo de transporte polar que flui do meristema apical para as extremidades das raízes (Meyer et al, 1965; Valio, 1979; Paiva e Gomes, 1995). Valio (1979) afirma que a velocidade de síntese de auxinas varia, influenciada por fatores do meio ambiente e pela idade fisiológica da planta ou do órgão. Em tecidos clorofilados, a síntese de auxinas é maior à luz do que no escuro; folhas e frutos apresentam variações no nível de auxinas 53 durante seu desenvolvimento. No caso de plantas perenes, de regiões temperadas, os níveis de auxina variam com as estações do ano, ocorrendo em maiores concentrações durante a primavera e o verão, e em menores concentrações durante o outono e o inverno. As auxinas compõem o grupo de reguladores de crescimento que apresenta o maior efeito na formação de raízes em estacas, pois possuem ação na formação de raízes adventícias, na ativação das células do câmbio e na promoção do crescimento das plantas. Além de influenciarem a inibição das gemas laterais e a abscisão de folhas e frutos, podem ser usadas na forma de produtos sintéticos, dentre eles, o ácido indolbutírico (AIB), ácido naftalenoacético (ANA) e ácido indolacético (AIA) (Paiva e Gomes, 1995). 9.5.2.3 Citocininas As citocininas são substâncias que estimulam a divisão celular e, quando em níveis relativamente altos, induzem a formação de gemas, e inibem a de raízes (Hartmann e Kester, 1976, citado por Paiva e Gomes, 1995). Os meristemas tendem a formar gemas ou primórdios de folhas quando a quantidade de auxina é baixa em relação aos compostos de citocinina; quando a proporção é elevada, formam-se primórdios de raízes; e quando a proporção de auxina e citocinina são equilibradas forma-se um “calo” sem qualquer diferenciação. Espécies com elevados teores de citocininas são em geral mais difíceis de enraizar do que aquelas com conteúdos menores, sugerindo 54 que a aplicação de citocininas inibe a formação de raízes em estacas, com exceção para estacas radiculares (Fachinello et al, 1995). 9.5.2.4 Giberelinas As substâncias reguladoras de crescimento das plantas, que formam o grupo das giberelinas parecem não serem necessárias para a formação de raízes adventícias em estacas caulinares. Ao contrário, os testes realizados em diversas espécies de plantas mostram uma inibição do enraizamento. É possível que o efeito inibitório das giberilinas no enraizamento de estacas seja causado pelo estímulo ao crescimento vegetativo, que compete com a formação de raiz (Hartmann e Kester, 1976, citado por Paiva e Gomes, 1995). 9.6 Fatores que afetam a propagação por estacas Dentre os vários fatores dos quais dependem o enraizamento de estacas, destacam-se os fatores ambientais, o estado fisiológico, a maturação, o tipo de propágulo, a sua origem na copa e a época de coleta, que influenciam, sobretudo, a capacidade e a rapidez do enraizamento (Gomes, 1987 citado por Paiva e Gomes, 1995). Verger et al, (2001) agrupam estes fatores em internos e externos, distinguindo nestes últimos os tratamentos efetuados sobre a planta-mãe e os efetuados sobre a estaca. Em síntese, os fatores internos correspondem à espécie, clone, idade das plantas-mães e sua origem (in vitro, enxertia, estaquia, semeadura,...), posição da estaca na planta-mãe, sua dimensão e estádio de desenvolvimento no momento da coleta. 55 Os tratamentos efetuados sobre a planta-mãe, segundo os mesmos autores, dizem respeito aos tratamentos agronômicos (nutrição hídrica, mineral e orgânica), suplemento de luz ou estiolamento forçado, técnicas de manutenção ou de restauração do estado juvenil propício ao sucesso da propagação vegetativa (tamanho da planta-mãe, estaquia em cascata outro nome para a técnica do jardim clonal – e pulverização de substâncias hormonais indutoras). Por último, as estacas podem ser submetidas à conservação ao frio (T°C, duração), substratos específicos, aporte de substâncias exógenas (auxinas,...), manutenção de alta umidade relativa do ar (irrigação ou nebulização intermitentes). Mas o sucesso de sobrevivência dependerá de acompanhamento agronômico (fertilização e tratamentos fitossanitários). 9.6.1 Fatores internos Dentre os fatores internos considerados de maior importância para o enraizamento de estacas estão: a condição fisiológica e a idade da planta mãe, época do ano e o tipo de estaca (lenhosa, semilenhosa, herbácea e foliar; apical, mediana e basal), a oxidação de substâncias e o balanço hormonal da planta na época da coleta das estacas (Paiva e Gomes 1995; Antunes et al, 2000). A época do ano e o tipo de estaca podem ser decisivos no processo de estaquia e deve-se usar o mais adequado a cada espécie. Há consideráveis evidências de que a nutrição da planta mãe exerce forte influência sobre o desenvolvimento de raízes e ramos (Hartmann e Kester, 1976, citado por Paiva e Gomes, 1995). 56 Segundo o mesmo autor o teor de carboidratos na planta mãe deve ser alto e o nitrogênio baixo. Porém, Antunes et al, (2000) relatam que o conteúdo de amido nas estacas durante a dormência é alto, diminuindo na primavera e verão, sendo que o alto enraizamento coincide com seu baixo conteúdo, provavelmente resultante da reduzida ação de sistemas enzimáticos ativados pelo conteúdo endógeno de auxinas. Sabe-se, no entanto, que elevado nível de reservas com uma elevada relação C/N favorece o enraizamento. As reservas parecem ser indispensáveis à sobrevivência do propágulo até o enraizamento e posterior desenvolvimento (Gomes, 1987, apud Paiva e Gomes, 1995). Com relação à idade da planta mãe, Paiva e Gomes (1995) afirmam que em plantas difíceis de enraizar este pode ser um fator relevante. Em geral, estacas tomadas de plantas jovens (em crescimento juvenil) enraízam com maior facilidade que estacas de ramos mais velhos, em crescimento adulto. O autor ainda afirma que quanto mais juvenil for o material maior será o sucesso do enraizamento, quer pela rapidez de formação, pela qualidade das próprias raízes ou pela capacidade de crescimento da nova planta. 9.6.2 Fatores externos A umidade, a temperatura, a luminosidade e o substrato são os fatores externos mais importantes no processo de estaquia, também devem ser considerados as lesões na base da estaca e a aplicação de fitorreguladores. 57 A presença de folhas nas estacas é um forte estímulo para a formação de raízes, no entanto, a perda de água pela transpiração pode levar as estacas a morrerem antes que se formem as raízes (Paiva e Gomes, 1995). Para contornar o problema da transpiração, deve-se manter a umidade relativa do ar na região das estacas em torno de 80 a 100 %, conservando a turgescência dos tecidos. Em ambientes protegidos, a umidade relativa do ar é muito variável, sendo inversamente proporcional aos valores de temperatura do ar diminuindo muito no período diurno e aumentando durante a noite, chegando a quase 100 %, devido à queda de temperatura e à retenção de vapor de água pela cobertura plástica (Sentelhas e Santos, 1995). Pode-se reduzir essas variações com o uso de um sistema de nebulização que proporcione uma fina película de água na superfície da estaca, reduzindo, assim, a transpiração e mantendo a temperatura relativamente constante nas estacas (Paiva e Gomes, 1995). A temperatura tem importante função regulatória no metabolismo das estacas. Esta deve adequada e fornecer condições para que haja a indução, desenvolvimento e sobrevivência das folhas, gemas e ramos (Bertoloti e Gonçalves, 1980, citado por Paiva e Gomes, 1995). A luminosidade fornecida às estacas durante o período de enraizamento é de fundamental importância na formação de raízes. Em todos os tipos de crescimento das plantas a luz é de suma importância, uma vez que constitui fonte de energia na fotossíntese. Nas condições brasileiras, a intensidade luminosa geralmente precisa ser reduzida, protegendo a planta com sombrite (50%) (Paiva e Gomes, 1995), ou 58 plásticos apropriados (Sentelhas e Santos, 1995) para evitar a insolação excessiva das estacas. O substrato desempenha importante função no processo de estaquia, basicamente por propiciar sustentação às estacas, mantendo na sua base um ambiente úmido, escuro e suficientemente aerado e com temperatura ideal (Hartman e Kester, 1990; Fachinello et al, 1995, citado por Oliveira 2002). Para Fermino e Bellé (2000), um substrato para estaquia deve apresentar densidade adequada para sustentar as estacas, porém sem problema de compactação; deve ter estrutura estável; capacidade de reter umidade, para manter as células túrgidas de forma a evitar constantes regas; boa porosidade para drenar a água em excesso, permitindo aeração adequada ao desenvolvimento das raízes; e deve estar isento de sementes de ervas daninhas, patógenos e substâncias fitotóxicas. A utilização de fitorreguladores no enraizamento é prática bastante difundida e, em muitas espécies, é o principal fator que viabiliza a produção de mudas por meio de estaquia (Fachinello, 1995; Paiva e Gomes, 1995; Oliveira, 2002). O AIB é tido, por alguns pesquisadores, como o mais eficiente no enraizamento de estacas (Hartman e Kester, 1990; Assis e Teixeira, 1998), pois apresenta maior estabilidade à exposição solar que os demais e não é tóxico para as plantas numa ampla gama de concentrações, sendo eficiente para estimular o enraizamento em grande número de espécies de plantas (Hartman e Kester, 1990). No entanto, a concentração ideal está na dependência de diversos fatores e varia de acordo com a espécie e/ou cultivar a ser reproduzida. 59 CAPÍTULO I ANÁLISE MORFO-FENOLÓGICA E POTENCIALIDADE ORNAMENTAL DE Erythrina cristagalli L. Ariane Gratieri-Sossella1, Cláudia Petry2 RESUMO - Através de estudos fenológicos é possível obter dados importantes sobre a biologia e ecologia e subsídios para o cultivo e manejo de espécies nativas. Os objetivos do estudo são registrar as características fenológicas e destacar a plasticidade e potencialidade ornamental ligada à importância ecológica e cultural de Erythrina cristagalli L., através de observações de exemplares encontrados em remanescentes de Floresta Ombrófila Mista e Savana no município de Passo Fundo. Os registros das fenofases e demais características, foram feitos em análises visuais de plantas visitadas mensalmente no período de ago/2003 a ago/2004. A potencialidade ornamental foi analisada com base no Índice Composto de Potencial Ornamental de Espécies Tropicais. De acordo com o Índice a espécie pode ser classificada como tendo máximo potencial ornamental devido à beleza do conjunto, folhas, flores, tronco, contraste de cores, interação com a fauna e grande adaptabilidade devido à rusticidade, característica de plantas pioneiras. _____________________________________________ 1 Bióloga, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Agronomia, área de concentração em Produção Vegetal, da FAMV/UPF 2 Orietadora, Dra., prof. de Paisagismo e Floricultura da FAMV/UPF. As fenofases estão ligadas às variações climáticas, ocorrendo brotamento, floração e frutificação nos meses mais quentes do ano 60 (setembro/março) e senescência seguido de dormência no período mais frio do ano (maio/agosto). Devido às características inerentes a espécie, que foram observadas durante o estudo, pode-se afirmar que a mesma possui grande aplicabilidade em paisagismo. Palavras chave: paisagismo, corticeira do banhado, plasticidade ornamental. MORPHO-PHENOLOGICALA AND ORNAMENTAL POTENCIALITY OF Erythrina cristagalli L. ABSTRACT - Through phenology studies it is possible to get itself given important on biology and ecology and subsidies for the culture and handling of native species. The objective of the study is to register the phenology characteristics and to detach the plasticity and on ornamental potentiality to the ecological and cultural importance of Erythrina cristagalli L. through comments of units found in remainders of Mixing Ombrófhyl Forest and Savannah in the city of Passo Fundo. The registers of phenophases, and excessively characteristic, had been to visual analyses of plants visited monthly in the period of ago/2003 ago/2004. The ornamental potentiality was analyzed on the basis of the Composed Index of Ornamental Potential of Tropical Species. In accordance with the Index the species can be classified as having maximum ornamental potential due to beauty of the set, leaves, flowers, trunk, contrast of colors, interaction with the fauna and great adaptability due to rudimental, 61 characteristic of pioneering plants. Phenophases is on to the climatic variations occurring budding and fruition in the months hottest of the year (will spring/summer) and followed senescence of dormant in the period most cold of the year (autumn / winter). Had to the inherent characteristics the species, that had been observed during the study, it could be affirmed that the same one possess great applicability in landscaping projects. Key words: landscape, swamp corticeira, ornamental plasticity. 1 INTRODUÇÃO O mercado de flores e plantas ornamentais está distribuído por todo o país, tanto no consumo quanto na produção, embora alguns estados se destaquem. O número de novos empreendedores no setor produtivo a cada ano é surpreendente, em grande parte devido à atenção despertada pela mídia. Pequenos produtores estão deixando de cultivar produtos que exigem grande escala para produzir plantas ornamentais, principalmente no sul do país, agregando valores às pequenas propriedades (Aki e Perosa, 2002) e fixando o homem no campo (Matthes et al, 1985 citado por Chamas e Matthes, 2000). A atividade contabiliza números significativos no Brasil, cultivando uma área proxima de 5,2 mil hectares anualmente. Estima-se, em todo o país, a geração de 50 mil empregos (Junqueira e Peetz, 2002). O balanço das exportações nacionais de flores e plantas ornamentais mostra valores que atestam o vigor e a importância crescentes da floricultura do País. O comércio internacional de plantas ornamentais 62 alcança aproximadamente três bilhões de dólares anuais (Chamas e Matthes, 2000). Junqueira e Peetz (2002) são ainda mais otimistas, afirmando que nos primeiros sete meses de 2003 esse patamar foi superado em 34%. A análise por grupos de produtos evidencia a notável especialização do país na exportação de mudas de plantas ornamentais, (Junqueira e Peetz, 2002) de espécies tropicais (Castro, 1993, apud Chamas e Matthes, 2000), fator que, por si só, justifica estudos com plantas nativas potencialmente ornamentais. Na história do paisagismo brasileiro, é observado desde a época colonial o uso de plantas exóticas em detrimento das autóctones. Os europeus e norte-americanos sempre estiveram atentos à beleza e à riqueza da flora do Brasil. Muitas espécies foram levadas, multiplicadas, hibridizadas e comercializadas e, aqui retornavam como importadas (Hoelne, 1930 citado por Chamas e Matthes, 2000). O elenco de nativas estudadas, cultivadas e comercializadas é pouco representativo diante da diversidade existente (Chamas e Matthes, 2000). A proteção e a preservação dos bens culturais de um determinado local têm como objetivo principal promover a identidade dos habitantes daquela região. As modificações ocorridas em um ambiente podem ser responsáveis pela perda da identificação do indivíduo com o local em que vive (Trindade, 1996). O ambiente urbano e o rural apresentam tanto um conjunto de elementos naturais quanto de elementos construídos, refletindo os processos de interação social e econômica do homem. Neste contexto, à procura de melhor qualidade de vida nas cidades ou no campo, a vegetação assume papel de destaque pelas funções que 63 desempenha (Neto e Angelis, 1999), tanto pelo embelezamento quanto pela importância de seus valores ambientais, históricos, culturais e de referência. Com o quadro de rápida e intensa devastação da natureza, é necessário resgatar espécies com possibilidade de aplicação e divulgar (Chamas e Matthes, 2000), conscientizando a população sobre sua importância (Trindade, 1996) na identidade, cultura e qualidade de vida do local. A introdução de uma planta em cultivo pode ser um instrumento de conservação (Irgang, 1988, citado por Chamas e Matthes, 2000; Lorenzi, 2003). Corbin (2001) afirma que toda a atenção e cuidados são bem-vindos quando se pretende estudar a paisagem visto que sempre se parte da percepção individual. A plasticidade que a planta assume é determinante na fisionomia da vegetação regional. Castan-Bañeras (1999) ao falar de paisagismo, reforça as tendências para o paisagismo local, com uso de espécies nativas que possibilitam redescobrir e reinventar as raízes do lugar. Acrescido a isso, ressaltamos a importância do estudo de espécies nativas representativas da região, no nosso caso, a corticeira do banhado, que funcionaria como uma espécie representativa das paisagens de áreas úmidas, com toda sua importância ecológica e paisagística. Além disso, apresentando rusticidade característica de plantas pioneiras (IBGE, 1986; Roderjan et al, 2002; Lorenzi, 1992), instalando-se sobre áreas pedologicamente instáveis (IBGE, 1986; Roderjan et al, 2002), encontrada esparsamente distribuída e adaptada a diferentes condições edáficas e de altitude (IBGE, 1986). 64 O nosso intuito na condução desse estudo é descrever a plasticidade específica de Erythrina cristagalli L., juntamente com análise de caracteres morfológicos, fenológicos, de rusticidade e facilidade reprodutiva para o cultivo (Ver capítulos III e IV) e potencialidade ornamental para uso em paisagismo, destacando suas características mais marcantes e com isso promover uma maior valorização dessa espécie local. 2 MÉTODOS O estudo foi realizado em remanescentes fitoecológicos de Savana e Floresta Ombrófila Mista no município de Passo Fundo que está inserido no Planalto Médio do Rio Grande do Sul-RS, região geomorfológica “Planalto das Missões” (IBGE, 1986; Petry, 1996) e enquadrado pela classificação de Köppen na Zona Climática fundamental temperada (C). O clima local é descrito como subtropical úmido (Cfa) (Cunha, 1997) e o solo como Latossolo Vermelho. Foram registrados os principais eventos fenológicos, caracteres morfológicos e a plasticidade (porte, estrutura, textura das superfícies, transparências, cores e brilhos) assumidos pela planta na paisagem em pequenos grupamentos de Erythrina cristagalli L. Além disso, foi analisada a potencialidade ornamental da espécie, baseada em características morfológicas, fenológicas e de rusticidade, analisados de acordo com o Índice Composto de Potencial Ornamental de Espécies Tropicais, elaborado por Chamas e Matthes (2000). 65 Algumas inflorescências na planta do jardim da UPF, da floração de 2003, foram marcadas e analisadas levando em conta seu tamanho, tempo de abertura e duração das flores. O acompanhamento iniciou-se em 25 de novembro, época em que a planta apresentava plena floração. No período de agosto/03 a agosto/04, quando foram realizadas as avaliações, os dados médios meteorológicos para a região foram: temperatura média de 18,5 º C, precipitação total de 1637,6 mm, umidade relativa de 77,8 % e somatório de insolação de 2824,9 horas. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Fenologia Este fenômeno foi observado em Erythrina cristagalli L. quando submetida à análise fenológica (Tabela 1). O brotamento, a floração e a frutificação ocorreram nos períodos mais quentes do ano (setembro/março) e a queda das folhas ocorre preferencialmente nos meses mais frios do ano, iniciando com a queda na temperatura, apresentando-se com maior expressão após o mês de junho (Figura 1), onde foram registrados os menores índices térmicos. O surgimento das inflorescências ocorreu em épocas diferentes de acordo com o tipo de ambiente em que a planta estava localizada. Enquanto que na planta do ambiente seco a primeira inflorescência surgiu na primeira semana de novembro, no ambiente úmido isto ocorreu somente na ultima semana do mesmo mês. A plena florada e ainda o 66 inicio da maturação dos frutos também são antecipados no ambiente seco, talvez devido ao estresse causado pela menor disponibilidade de água ou maiores oscilações de tempereturas (Tabela 1). A senescência das folhas ocorreu simultaneamente nos dois ambientes, seco e úmido (Tabela 1). Segundo Larcher (2000) este evento é controlado por programa genético. Em espécies perenes o sinal para a senescência é originado por fatores externos, como dias curtos, ocorrência de certos limites de temperatura (queda) ou por situações de estresse. No entanto esses eventos são controlados em nível de organismo pelos hormônios vegetais, principalmente o ácido abscísico, o ácido jasmônico e o etileno. 67 Tabela 1. Eventos fenológicos de Erythrina cristagalli L., avaliados cronologicamente no período de agosto de 003 a agosto de 2004, em plantas do ambiente seco e úmido no município de Passo Fundo, RS Ambiente seco Ambiente úmido Agosto/ 2003 Caduca Caduca Setembro/ 2003 Inicio da Brotação Caduca Outubro/ 2003 Brotos vegetativos e floríferos Brotos vegetativos e floríferos Novembro/ 2003 Inicio Floração (1ª semana) e folhagem Inicio Floração (4ª semana) e folhagem Dezembro/ 2003 Fim da floração, permanência da folhagem Plena floração e folhagem Janeiro/ 2004 (4ª semana) Frutos maduros e folhagem (4ª semana) Frutos verdes e folhagem Fevereiro/ 2004 Vagens abertas e folhagem Vagens maduras (1ª e 2ª semana) e folhas Março/ 2004 Vagens abertas e folhagem Vagens abertas e folhagem Abril/ 2004 Folhagem Folhagem Maio/ 2004 Amarelamento da folhagem Amarelamento da folhagem Junho/ 2004 Senescência Senescência Julho/ 2004 Caduca Caduca Agosto/ 2004 Caduca Caduca 67 Período 68 Nas regiões tropicais e subtropicais há árvores que só apresentam flores nos ramos nus após a queda das folhas. Exemplos dessa fenologia são citados para algumas espécies do gênero Erythrina. Nas geófitas de primavera as gemas florais estão totalmente diferenciadas durante o inverno e, portanto, prontas para abrir quando a temperatura se elevar. Assim as plantas são capazes de utilizar o breve período entre o final do inverno e o máximo desenvolvimento da folhagem para o florescimento e o inicio da formação do fruto (Larcher, 2000). “As cores amarelada, cinza e pardacenta, que predominavam no inverno, rapidamente desaparecem, e os vários tons de verde das novas brotações dão um colorido mais alegre à paisagem” (Romariz, 1996). Os fatores ambientais, em conjunto com a regulação dos mecanismos endógenos, influenciam na floração, no inicio da frutificação e no amadurecimento das sementes, principalmente pelo efeito do estado nutricional (Larcher, 2000). O autor relata ainda que plantas lenhosas adaptam-se ao frio do inverno por meio de mudanças periódicas no estado do protoplasma, na atividade metabólica, nos processos de desenvolvimento e na resistência às baixas temperaturas, e podem se tornar pré-condicionadas ao congelamento e desidratação deixando cair as folhas. Em espécies perenes, o sinal para a senescência é freqüentemente originado por fatores externos, como dias curtos e ocorrência de certos limites de temperatura, além do programa genético da espécie (Larcher, 2000). Com temperaturas mais elevadas e com o aumento das horas do dia, a dormência endógena termina e a iniciação do crescimento é determinada pelas condições do clima. 69 O início e a duração das distintas fases de desenvolvimento variam de ano para ano e geograficamente, dependendo das condições climáticas, sendo considerados fatores decisivos os suprimentos de nutrientes, água, temperatura e fotoperíodo (Tonello et al, 1998; Larcher, 2000). Aparentemente a coloração das flores da corticeira também está associada às variações climáticas. Lorenzi (1992) afirma que na região Sul a espécie produz flores mais vermelhas chamando-a de raça geográfica, enquanto Brandão (2002) relata para Minas Gerais flores rosadas. Entre diferentes árvores da mesma espécie podem ocorrer diferenças na coloração das flores, e talvez sejam variedades ainda não identificadas. Ainda, se tratando da mesma região, ocorre diferença na coloração das flores, podendo ser observado tons vermelhos fortes nos exemplares do ambiente natural e tons mais rosados em plantas introduzidas no meio urbano. Talvez devido às diferenças de condições microclimáticas, de umidade e temperatura, existente entre os dois ambientes. As inflorescências analisadas apresentaram em média 40 cm de comprimento e 40 flores, que iniciam a abertura da base para o ápice, típico de racemos. O período para a abertura total dos botões foi de 10 dias, permanecendo as flores no ramo por, aproximadamente, mais 10 dias. Quando coletadas e testadas em arranjos florais, as inflorescências não duram mais do que um dia, e todas as flores se desprendem do ramo mesmo sem apresentar sinais de murchamento. Não é incomum observarmos flores no ápice e pequenas vagens já formadas na base da inflorescência o que comprova que o tempo de duração das flores é curto. 70 Em relação ao número de flores, o número de vagens formado por cacho é relativamente pequeno, em torno de 5 vagens. Figura 1. Erythrina cristagalli no período de inverno, sem a folhagem, Passo Fundo, 2003 71 Figura 2. Erythrina cristagalli em fase de brotamento no período de primavera. Passo Fundo, 2003 72 Figura 3. Erythrina cristagalli em plena florada no período de primavera verão. Passo Fundo, 2003/2004 73 Figura 4. Erythrina cristagalli em frutificação, Passo Fundo, 2004 74 3.2 Plasticidade Entende-se por plasticidade o efeito visual que transmite uma planta, obtido pelo conjunto de seus elementos, a estrutura da planta e seus contornos. Texturas muitas vezes rústicas e exóticas, que compõem o aspecto geral das superfícies, de todas as partes dos vegetais e que unidas à cores exuberantes e brilhos variados (Tabela 2) conferem características de beleza, particulares a cada espécie (Demattê, 1997; Grolli, 1997; Petry, 2003). As corticeiras são árvores de aspecto muito típico que com silhueta de estrutura mista inconfundível, destacando-se sempre na paisagem. O tronco marronzeado e rugoso, é grosso, mas sempre muito retorcido e esgalhado; a casca é espessa e protegida, às vezes, por uma camada de cortiça crivada por ranhuras, verdadeiros suportes para espécies epífitas (Figura 2), em uma simbiose encantadora. As árvores são geralmente baixas (6 a 8 metros), de troncos e galhos retorcidos, apresentando na parte superior formas muito irregulares, principalmente no inverno, assumindo um certo aspecto de transparência. Na primavera a folhagem verdeja a copa e as longas inflorescências vermelhas começam a surgir contrastando fortemente (Figura 2), com cores que se complementam (Petry, 2003) atraindo, não somente nossos olhares de admiração, mas vários insetos e bandos de beija-flores. Quando os frutos surgem na forma de longas vagens verdes, que com o passar do tempo se tornam marrons, abrindo-se e dispersando as sementes, muito provavelmente, com a ajuda da avifauna. Os dias passam 75 e as folhas tornam-se amareladas, e caem, como quem houvesse cumprido mais uma jornada. A Tabela 2 lista algumas das principais características plásticas da espécie. 76 Tabela 2. Características referentes à plasticidade da Erythrina cristagalli L., Passo Fundo, RS, 2004 Órgão da Planta Porte (m) Altura Diâm. Copada e Folhagem 6 - 10 Tronco Flores Frutos 10 58 cm Estrutura Mista Tortuoso Racemo Vagens Textura Lisa Lisojovem; Rugoso, com estriasadulto Delicada Rústicas PLASTICIDADE TranspaDensidade rência Caduci- Sombra rala, folia deixa penetrar (transpar raios de sol ente 4 meses ao ano) Cor Verde Forte Adaxial; Verde claro Abaxial Marrom / Acinzentado Densas Ralos Brilho Levemente vernicosa Opaco Vermelhas Cerosas Marrons Opacos 76 77 3.3 Potencialidade ornamental Com o intuito de avaliar a utilização da espécie no paisagismo, efetuou-se uma pesquisa bibliográfica, destacando a importância de difundir o conhecimento de espécies nativas e seu uso em arborização. Ferreira e Saturnino (1978) relatam o uso dos frutos e sementes da corticeira em arranjos de plantas secas para decorações. Para Lorenzi (1992), a árvore é bastante ornamental quando em flor, prestando-se para formação de parques e jardins, pois, apesar de ser higrófita, se adapta a terrenos secos. Simon & Schuster` (1992) afirmam ser uma planta linda para decoração de parques e jardins e até para uso em “containers”. Teixeira (1999) cita a presença da espécie na arborização urbana em bairros de Santa Maria-RS. Santos e Teixeira (2001) consideram suas flores expressivas devido à cor vermelha e abundância de racemos. Brandão (2002) afirma ser uma planta ornamental por excelência. Pallazo Junior e Both (2003) indicam o uso da espécie para jardins parques ecológicos por ser muito atrativa à fauna. Apresenta folhagem não tão densa (Figura 4), deixando passar raios solares, podendo ser usada próximo à canteiros. Além das características plásticas já destacadas da espécie, que lhe conferem uma beleza indiscutível, existem outros fatores que favorecem seu bom desempenho paisagístico, quer seja em meios urbanos ou paisagens naturais. Um fator que se destaca é a rusticidade característica de espécies pioneiras que se instalam sobre áreas pedologicamente instáveis (Figura 6) (IBGE, 1986; Roderjan, 2002), adaptando-se ao clima, razão pela qual 78 são amplamente distribuídas geograficamente e adaptadas a diferentes condições edáficas (IBGE, 1986). Apresentam dormência e formam banco de sementes, crescem rapidamente, possuem dispersão zoocórica, a madeira é pálida e de baixa densidade apresentando alta plasticidade fenotípica (Gandolfi e Rodrigues, 1996). Possuem flores vistosas que são comuns nas formações vegetais abertas, características de clima com estacionalidade. Flores são consideradas adaptações para assegurar a propagação natural da espécie (Leite e Klein, 1990) por atraírem animais polinizadores e dispersores, principalmente aves (Ragusa-Neto, 2002) e morcegos. As sementes da Erythrina cristagalli são grandes (Figura 5) e caem com a gravidade formando grupamentos de indivíduos. Porém sua ampla distribuição se deve, provavelmente, à interação com a fauna. Matthes (1980) e Morelato (1991) citados por Gandolfi e Rodrigues (1996) e Ragusa-Neto (2002) confirmam a grande dependência destas espécies vegetais em relação aos animais que são seus polinizadores e/ou dispersores. Morellato e Leitão Filho, citados por Reis et al. (1994) afirmam que a dispersão de 60 a 90% de sementes florestais depende da ação dos animais, ainda afirmando que 90% das espécies florestais tropicais dependem da ação animal para polinização. Leite e Klein (1990) ainda acrescentam que plantas com casca corticosa e com folhas coriáceas são tidas como munidas de adaptações para se desenvolverem em solos mais secos. Devido às características adaptativas e biológicas da espécie, que foram mencionadas, a planta pode ser usada em recuperação de áreas ciliares, em solos encharcados hidromórficos, áreas próximas a cursos 79 d`água, à beira de lagos, piscinas e, também em solos enxutos. Nesse aspecto o que impera é a criatividade e o bom gosto do paisagista. A Tabela 3 mostra as características que merecem destaque como ornamentais na espécie Erythrina cristagalli adaptadas ao Índice Composto de Potencial Ornamental de Espécies Tropicais (Chamas e Matthes, 2000). Em função da faixa numérica do resultado, a espécie é categorizada em sua potencialidade: máxima, alta, média e mínima. Os valores numéricos utilizados pelos autores na constituição do Índice são empíricos e essa planilha de avaliação é aplicável às plantas que manifestam algumas potencialidades ornamentais, que devem primeiramente ser enquadradas em um dos grupos taxonômicos estabelecidos, a saber: “Pteridophyta”, Gymnospermae”, “Angiospermae Tipo 1”, “Outras Angiospermae”, “Flor de Corte” e “Folha de Corte”. Não sendo a folhagem a característica ornamental mais importante, utilizamos a coluna “Outras Angiospermae”. Definido o grupo taxonômico e, conseqüentemente a coluna a ser utilizada para a espécie, deve-se proceder à leitura sequencial descendente das características ornamentais, avaliando se o atributo especificado é um aspecto que sobressai ao se analisar a ornamentabilidade da espécie. Em caso positivo, incluir o valor absoluto correspondente proposto pelos autores no somatório de pontos. Para categorização da espécie, no final, identificar em que intervalo se localiza o resultante do somatório de pontos: 0-29, mínimo; 30-39, médio; 40-59, alto; e 60-100, máximo potencial ornamental. 80 Tabela 3. Características ornamentais da Erythrina cristagalli L. de acordo com o Índice Composto de Potencial Ornamental de Espécies Tropicais estruturado e com valores numéricos sugeridos por Chamas e Matthes (2000), Passo Fundo, RS, 2004 CARACTERÍSTICAS ORNAMENTAIS Morfologia Flor ou Inflorescência Fruto Folha Tronco Arquitetura da planta Coloração da planta Fenologia Interação Floração Frutificação Rusticidade Ocorre em diferentes Cor Grupo Taxonômico Outras Angiospermas 7 Quantidade Forma Tamanho Cor Forma Forma incomum Medianamente subdivid. Textura Forma incomum 3 3 2 7 3 6 0 Forte contraste cores Cores fortes Longo período s/ folhas Atração polinizadores Fornece alimento à fauna Umidades 8 Altitudes (amplitude mínima 100m) 1 4 8 - 10 3 2 2 1 81 Quantidade Indivíduos ou populações 6 a 10 2 Cultivo Indicativo negativo -2 Aplicabilidade Imediata Fortemente doente (sementes) Pronta para domesticação Já comercializada Originalidade Somatório 60 a 100 pontos = Máximo potencial ornamental 4 6 61 Segundo o Índice e o somatório dos pontos atribuídos à espécie Erythrina cristagalli L., esta pode ser classificada como tendo máximo potencial ornamental. Chamas e Mathes (2000) ao estabelecer este índice consideram plantas caducifólias como aspecto negativo para uso em paisagismo. No entanto, para a região Sul do país, onde o inverno é rigoroso, plantas que perdem as folhas não apenas podem, mas devem ser utilizadas em arborização urbana, pois permitem maior incidência solar sobre o solo e com isso a diminuição da umidade e proliferação de fungos prejudiciais ao sistema respiratório humano. Além do fato que, a beleza da corticeira não é prejudicada neste período pois possui uma bela arquitetura com estrutura mista. 82 A C B D Figura 5 Características do tronco de Erythrina cristagalli L.nos ambientes, seco e banhado: (A) tronco com ranhuras profundas da planta do banhado, (B, C) espécies epífitas alojadas sobre o tronco da planta do banhado, (D) tronco da planta do ambiente seco com menos ranhuras e epífitas. 83 A B Figura 6 Morfologia da folhas e das inflorescências de Erythrina cristagalli com destaque para o contraste de cores (A) e detalhe das flores (B), Passo Fundo, 2004. 84 A B Figura 7 Imagem do interior da copa de uma Erythrina cristagalli, mostrando a densidade da folhagem durante (A) e após a floração (B), Passo Fundo, 2004. 85 A B C Figura 8 Adaptabilidade da Erythrina cistagalli L. a diversos ambientes: (A) Ambiente seco no jardim da UPF; (B) alagado em banhado da região e (C) em ambiente urbano cercada por cimento. Passo Fundo, 2004. 86 4 CONCLUSÕES: - As fenofases de Erythrina cristagalli L. estão ligadas às estações climáticas ocorrendo brotamento, floração e frutificação no período mais quente do ano (setembro/março) e senescência seguida de dormência no período mais frio do ano (maio/agosto); - A espécie possui máximo potencial ornamental devido à plasticidade que lhe confere incomparável beleza, rusticidade e alta adaptabilidade, além de atrair a fauna que atua como polinizadora e dispersora de suas sementes; - Possui grande aplicabilidade em uso paisagístico. 87 CAPÍTULO II ANATOMIA COMPARADA DE Erythrina cristagalli ADAPTADA A DOIS AMBIENTES – SECO E BANHADO Ariane Gratieri-Sossella1, Cláudia Petry2, Cerci Maria Carneiro2 RESUMO - A Erythrina cristagalli L. apresenta-se naturalmente em locais com solos muito úmidos e alagados, componente da vegetação higrófita, mas tolera muito bem, ambientes mesofíticos, com condições intermediárias de umidade, fato que permite sua ampla utilização em ornamentação de praças, parques e jardins. Tendo em vista esta característica adaptativa da espécie, é importante que sejam estudadas algumas características que possam estar envolvidas nesse fenômeno adaptativo, como a morfo-anatomia da espécie. O material estudado foi coletado de plantas localizadas em ambientes seco e banhado, no município de Passo Fundo. A análise anatômica do material vegetal foi processada em folhas e pecíolos adultos, fixados em FAA 50. As lâminas foram montadas a partir do material fixado em FAA 50, desidratado em série alcoólica-etílica ascendente, álcool-xilol 3:1, 1:1, 1:3 e xilol puro. _____________________________________________ 1 Bióloga, mestranda do Programa de Pós-graduação em Agronomia, área de concentração em Produção Vegetal, da FAMV/UPF. 2 Professoras Orientadoras. 88 A seguir foram processadas a infiltração e a inclusão em parafina. A microtomização foi realizada em micrótomo rotatório, onde foram obtidas secções isoladas ou seriadas de 10 µm de espessura. A análise anatômica evidenciou epiderme unisseriada tabular na face adaxial e papilosa na abaxial; mesofilo isobilateral (com parênquima paliçádico nas duas faces, adaxial e abaxial, intercalados por parênquima lacunoso) sendo que no exemplar do banhado as células paliçádicas mostraram-se mais baixas e compactadas em relação ao ambiente seco. No banhado também ocorre diminuição do tecido lacunoso; o bordo foliar não apresenta parênquima clorofiliano, apenas parênquima com conteúdo granuloso; o sistema vascular é formado por um arco vascular semifechado mostrando-se na planta do banhado com xilema mais desenvolvido, maior número de elementos de vaso, com maior calibre, porém com as paredes celulares mais delgadas em relação à planta do ambiente seco. Palavras chave: corticeira do banhado, anatomia adaptativa. COMPARED ANATOMY OF Erythrina cristagalli L ADAPTED TO TWO ENVIRONMENTS – DRY AND SWAMP. ABSTRACT - The Erythrina cristagalli L. is presented of course in places with ground very humid and flooded, component of the hygrophyte vegetation, but it tolerates very well environments with intermediate conditions of humidity, fact that allows its ample use in ornamentation of squares, parks and gardens. In view of this adaptation’s characteristic of the species, it is important that some characteristics are studied that can be involved in this adaptation, as the morph-anatomy of 89 the species. The studied plants had been collected in mangrove and hilltop environments, in the city of Passo Fundo. The anatomical analysis of the plant material was processed in leaves and petioles adults, settled in 50 FAA. The blades had been mounted from the material settled in FAA 50, dehydrated in ascending alcoholic-etílic series, alcohol-xylol 3:1, 1:1, 1:3 and pure xylol. To follow, they had been processed, infiltration and the inclusion in paraffin. The anatomical analysis evidenced tabular uniseriate epidermis in the adaxial surface and papillae face in the abaxial surface; mesophyll isobilateral (with parenchyma palisade in the two faces, superior and inferior, intercalated by spongye tissue) being that in the unit of bathed the palisade cells they had revealed lower and compact in surrounding relation to the dry one. In also the bathed one reduction of the fabric occurs spongye mesophyl; the foliar edge does not present chlorophyll, only parenchyma with granular content; the vascular system is formed by a anomalous vascular arc revealing in the plant of the bathed one with xylem more developed, bigger number of vessel elements, with bigger bore, however with the thinner cellular walls in relation to the surrounding plant of the dry one. Key words: swamp corticeira, adaptative anatomy. 1 INTRODUÇÃO O gênero Erythrina pertence à família Fabaceae (Cronquist, 1981) e ocorre nas regiões tropicais e subtropicais do mundo, possuindo, segundo Ferreira e Brandão (1978), cerca de 104 espécies, das quais 51 são 90 americanas, 32 africanas, 18 asiáticas e 3 australianas. O nome Erythrina vem do grego “erytros”, que significa vermelho, em alusão à cor de suas flores. Para o Brasil estão relacionadas cerca de 12 espécies, das quais seis foram coletadas e estudadas em Minas Gerais por Ferreira e Assumpção (1978). Uma das espécies brasileiras, à qual está direcionado o estudo, é Erythrina cristagalli, considerada nativa do Brasil e da Argentina, encontrada naturalmente em várzeas pantanosas ou alagadiças desde o Maranhão até o Rio Grande do Sul onde é bastante difundida. É encontrada desde as Florestas Pluviais da Encosta Atlântica em Torres e Osório, até as áreas do Sudeste ou Escudo Rio Grandense, Bacia do rio Ibicuí e Jacuí ou Depressão Central e no planalto nos remanescentes de Florestas de Araucárias. Faz parte, freqüentemente, das formações de florestas de galerias (Lorenzi, 1992; Brandão, 2002; Reitz et al, 1988). A literatura botânica registra alguns trabalhos de anatomia de Fabaceae, como Metcalfe e Chalk (1957) que apresentaram características gerais da família e seus gêneros, dentre eles Erythrina; Vilela e Palácios (1995) descreveram características dos estômatos e relataram a presença de extensão da bainha do sistema vascular em exemplares da família. Carneiro e Bordignon (2004) analisaram anatomicamente populações de Lotus corniculatus, representantes herbáceos da família com valor forrageiro. Bessa e Mendonça (1998) trabalharam com a anatomia foliar de Dipterix odorata, valiosa pelos efeitos terapêuticos e apresentando epiderme com células tabulares na face adaxial; parênquima lacunoso formado por células irregulares; feixes colaterais circundados por uma bainha com extensões que, segundo os autores, são típicas à família. 91 Chaves et al, (1996) fizeram considerações sobre a morfologia e anatomia, como características dos estômatos, mesofilo com estrutura dorsiventral e feixes vasculares colaterais, de plantas jovens de Erythrina falcata Benth., uma Fabaceae arbórea utilizada na recuperação de áreas degradadas. Por fim, um dos raros trabalhos realizados tratando da anatomia de Erythrina cristagalli, foi o de Ferreira e Assumpção (1978), que por considerar o gênero pouco estudado, fizeram análises anatômicas comparativas entre seis espécies brasileiras de Erythrina, listando as principais estruturas de folhas e pecíolos das espécies estudadas. No entanto, a literatura botânica é muito escassa quanto a trabalhos sobre a anatomia de Erythrina cristagalli L.. Diante disto, considerando sua importância ecológica natural como portadora de microecossistemas, (grupos vegetais e animais), recuperadora de ambientes degradados, na reposição de matas ciliares com solos permanentemente encharcados e, além disso, seu forte potencial como planta ornamental e adaptação a solos enxutos, este trabalho tem por finalidade contribuir para a melhor caracterização específica e auxiliar no estudo anátomo-ecológico e adaptativo da espécie a diferentes condições de umidade do solo. 2 MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Local e período de coleta O material botânico para a análise morfo-anatômica da espécie foi obtido em diferentes locais (úmido e seco) no dia 17 de dezembro de 92 2003, época em que a espécie apresentava floração, no município de Passo Fundo, Rio Grande do Sul. O material referente ao ambiente úmido foi coletado em um remanescente florestal próximo à Perimetral Norte do Município de Passo Fundo (próximo à antiga pedreira da prefeitura) junto ao Rio Passo Fundo. O material de solo seco, foi proveniente de uma planta introduzida, coletado na UPF, Campus I, próximo ao restaurante universitário. Ambos os materiais foram acondicionados em sacos plásticos borrifados com água, para evitar a desidratação dos tecidos, e levados ao Laboratório de Botânica do Instituto de Ciências Biológicas da UPF para fixação. As plantas, das quais foi coletado o material para estudo, estão inseridas em locais de pleno sol, o que é característico para a espécie. 2.3 Análise anatômica Os estudos anatômicos foram efetuados em folhas e pecíolos de plantas adultas. Os órgãos em questão podem ser considerados maduros, por se tratar do final da primavera, e foram retirados no 11º nó a partir do ápice do ramo. Foram utilizadas as partes medianas do pecíolo e do folíolo central, e também foi analisado o bordo do folíolo central, todos secionados em cortes transversais, e estudados a epiderme, mesofilo, nervuras de médio e pequeno porte e bordo foliar. A análise anatômica foi processada em material botânico fixado em FAA 50, conforme Johansen (1940). 93 2.4 Análise em microscopia fotônica (Mf) 2.4.1 Preparação das lâminas As lâminas permanentes foram montadas a partir do material fixado em FAA 50, desidratado em série alcoólica-etílica ascendente, álcoolxilol 3:1, 1:1, 1:3 e xilol puro. A seguir foram processadas a infiltração e a inclusão em parafina, conforme Sass (1951). A microtomização foi realizada em micrótomo rotatório, onde foram obtidas secções isoladas ou seriadas de 10 µm de espessura. Para colagem e distensão das secções empregou-se adesivo de Bissing conforme Bissing (1974) citado por Carneiro (1994). Para coloração utilizou-se fucsina básica e azul de alcian, diluídos a 0,5 % em álcool etílico 50. Como meio de montagem utilizou-se Permount. 2.4.2 Microscopia fotônica e tomada das imagens O laminário foi analisado em microscópio Olympus e as melhores secções foram selecionadas e tomadas as imagens em Capturador Sony. 2.4.3. Grau de esclereificação (GE) A massa da matéria seca da folha, quando relacionada com sua área, propicia o conhecimento do grau de esclereificação desta folha (g/dm²). Geralmente há um aumento na esclereificação com o déficit hídrico, pela redução marcante da elongação celular e da área foliar (Buriol, 1983 apud 94 Petry, 1991). Neste caso, relacionou-se a massa seca com a área foliar de 33 folhas ativas em 3 plantas diferentes, totalizando 99 folhas avaliadas. 3 RESULTADOS DISCUSSÃO 3.1 Pecíolo A análise realizada no material preparado do pecíolo de E. cristagalli, tanto para o exemplar do Campus (seco) como para o do banhado, mostrou que a epiderme é uniestratificada, com células que apresentam formato sub-papiloso, com cutícula espessa e lisa (Figura 1 A e D). De acordo com Eames e MacDaniels (1947), as camadas de cutícula variam grandemente em espessura e características. A cutícula é fina em plantas de sombra e lugares úmidos, geralmente espessa em situações secas e ensolaradas. A espessura em folhas e frutos da mesma planta, varia conforme a posição na planta e de estação para estação, com as condições do tempo. Nos exemplares de E. cristagalli L. analisados, entretanto, não foram observadas diferenças significativas na cutícula, talvez devido ao fato de serem ambas as plantas heliófitas e viverem a pleno sol. Porém, embora haja diferença na disponibilidade de água entre os dois ambientes, a cutícula mostrou-se relativamente espessa nos dois casos. 95 Na camada sub-epidérmica do pecíolo aparecem alguns estratos, três a quatro de colênquima, o que confirma a descrição de Ferreira & Assumpção (1978) para a espécie. A região cortical apresenta de 5 a 6 estratos de células parenquimáticas, algumas apresentando idioblastos com conteúdo granuloso. Os mesmos idioblastos são visíveis também junto ao esclerênquima e no floema, ocorrendo em grande número (Figura 1 B). O floema mostra-se bem desenvolvido. O sistema vascular peciolar apresenta um anel concêntrico de fibras envolvendo todo o conjunto de feixes, e cada feixe por sua vez, também é circundado por 2 a 3 camadas de células de fibras, as quais são a continuação do anel (Figura 1 C). Os elementos do metaxilema apresentam-se bem desenvolvidos. A medula é composta por células parenquimáticas de contorno arredondado, isodiamétricas e com amplos espaços intercelulares. Foram observadas no pecíolo algumas células cambiais, que provavelmente não estivessem ativas na planta. Em relação aos ambientes, as papilas são aparentemente mais curtas no material do ambiente seco, quando comparado com o do ambiente úmido. 3.2 Lâmina foliar A lâmina foliar tem organização isobilateral. 96 3.2.1 Epiderme A cutícula varia em espessura, e pode ser lisa ou provida com espessamentos granulares, ou estriada (Solereder, 1908, citado por Carneiro, 1994). Na espécie estudada a cutícula é lisa independentemente do ambiente em que se encontra, delgada e se torna mais evidente na nervura central. Segundo Esau (1974), as células epidérmicas podem apresentar paredes anticlinais sinuosas. A sinuosidade pode sofrer variações conforme a região da folha, podendo ser mais pronunciada na zona entre as nervuras (Cutter, 1986), ou mesmo na epiderme adaxial (Solereder, 1908, citado Carneiro, 1994; Metcalfe e Chalk, 1979). A epiderme vista em corte transversal apresenta-se unisseriada. Na face adaxial mostra algumas células com aspecto levemente papiloso, porém a grande maioria não se apresenta dessa forma, possuindo formato tabular. Na face abaxial é papilosa (Figura 2 C), formada por um estrato de células altas, porém, essas papilas se apresentam mais baixas junto à nervura central evidenciando a cutícula. As estruturas observadas são concordantes com as descrições feitas por Ferreira e Assumpção (1978), que dizem ser a epiderme abaxial formada de células com paredes lisas, com dobramentos acentuados. Quatro a cinco camadas de células colenquimáticas localizam-se sob a epiderme na nervura central. Na região do bordo foliar a epiderme abaxial não possui papilas. A folha é anfiestomática. Metcalfe e Chalk (1979) relatam diferenças significativas quanto à forma e o tamanho entre as células epidérmicas situadas entre ou sobre as 97 nervuras e na região marginal da folha. Solereder (1908), citado por Carneiro (1994) observa que espécies de ambientes úmidos possuem paredes mais sinuosas do que espécies que ocorrem em lugares secos. O autor registra, ainda, a existência de pequenas variações no tamanho celular da epiderme de indivíduos de uma mesma espécie que ocorre em habitats diferentes. Metcalfe e Chalk (1979) e Cutter (1986) indicam fatores ambientais como intensidade luminosa e umidade atmosférica, como influenciadores do tamanho e da forma das células epidérmicas. Aparentemente as células papilosas se apresentaram mais baixas no ambiente seco em relação ao banhado (Figura 2 A e B), confirmando o descrito por Solereder (1908), citado por Carneiro (1994). 3.2.2 Mesofilo Segundo Raven (1996), o parênquima paliçádico está freqüentemente localizado na superfície adaxial da folha, e o lacunoso na superfície abaxial em plantas mesofíticas. Em certas plantas, porém, o parênquima paliçádico ocorre em ambas as faces da folha, sendo classificado como isobilateral. Conforme Ferreira e Assumpção (1978), o mesofilo foliar de E. cristagalli é isobilateral, contendo três camadas de células paliçádicas na face adaxial e duas na abaxial. Neste estudo, examinado no terço médio do folíolo, o mesofilo mostra estrutura isobilateral de forma irregular, com parênquima clorofiliano paliçádico formado por quatro a cinco camadas na superfície adaxial, e três a quatro camadas na face abaxial, informação confirmada em Metcalfe e Chalk (1979), intercalados por parênquima lacunoso de 98 células braciformes. O parênquima clorofiliano interrompe depois do último feixe vascular, limitado nos bordos do limbo por um parênquima de células arredondadas com conteúdo granuloso (Figura 3 A). A superfície adaxial da folha exibe parênquima paliçádico frouxo e com células altas, rico em idioblastos com conteúdo granuloso, abrangendo parte da nervura central, sendo interrompido somente na região central da nervura. Em cortes transversais, feitos no material coletado no banhado, o mesofilo apresentou parênquima paliçádico ocupando aproximadamente 2/3 do mesofilo relacionado à face adaxial (Figura 3 C), com cinco a seis extratos de células que aparecem mais baixas (curtas) e compactadas em relação ao ambiente seco. Também ocorre diminuição do parênquima lacunoso, que se mantém braciforme. As células do parênquima paliçádico, na planta do ambiente seco, mostraram-se mais delgadas e altas (longas) (Figura 3 B), configurando três estratos na face adaxial e de dois a três na abaxial, intercalados por parênquima braciforme (Figura 3 D). Dispersos no mesofilo, são observados grande número de idioblastos com conteúdo marrom, provavelmente contendo taninos (Metcalfe e Chalk, 1957) e cristais. Foram observadas algumas diferenças no que diz respeito ao mesofilo da espécie, nos dois ambientes estudados. Ocorre diminuição considerável do tecido parenquimático lacunoso, porém, continua braciforme, na planta do banhado. Ainda nesse ambiente as células do parênquima paliçádico aparecem mais baixas e compactadas como um paliçádico típico, ocorrendo nas duas faces da folha e intercalado por 99 parênquima lacunoso, ficando evidente o formato isobilateral. No ambiente seco as células do parênquima paliçádico são mais finas e altas, formando um paliçádico frouxo. A presença de tecido lacunoso nesse ambiente é mais evidente, dificultando, em certas porções da folha, a classificação como isobilateral. Essas alterações provavelmente estejam relacionadas com a disponibilidade de água, buscando maior eficiência fotossintética. 3.2.3 Sistema vascular O sistema vascular foliar possui uma nervura mediana, de grande porte, circundada por um feixe de fibras cujas células não estão completamente lignificadas, apresentando resquícios de conteúdo celular. Cutter (1986) afirma que as células ao redor do tecido vascular são morfologicamente diferentes das células do mesofilo adjacentes e, muitas vezes, são maiores, com poucos cloroplastídios e parede mais espessa. Essas células constituem a bainha do feixe. Em algumas espécies as bainhas do feixe se estendem para as superfícies foliares, formando as extensões da bainha do feixe (Esaú, 1974; Cutter, 1986). Ainda, segundo Cutter (1986), existe alguma evidência de que a bainha do feixe e suas extensões funcionem na condução e no armazenamento de alimento. Como característica da espécie, foi observada a presença de uma extensão da bainha do feixe, composto por células parenquimáticas, que se estendem dos feixes (de segunda e terceira ordem) até as duas faces da folha (Figura 4, seta I), fatos citados por Bessa e Mendonça (1988) como característica de Fabaceae. Ocorre grande quantidade de idioblastos 100 cristalíferos com formato prismático, distribuídos próximo às fibras perifloemáticas. Células de parênquima aclorofilado ocorrem na interface do tecido paliçádico e lacunoso ligando um feixe ao outro (Figura 4, seta II). Nos feixes de pequeno porte esta extensão é feita por apenas uma fileira de células, que se expandem junto à epiderme, passando a ter duas a três células, adquirindo formato de taça. Os feixes de médio porte têm a extensão da bainha formada por duas fileiras de células, e próximo à epiderme, três células ligam a bainha à epiderme (Figura 4, seta III e I respectivamente). Junto ao floema e ao xilema ocorre a presença de uma calota de fibras. A nervura central do exemplar do banhado mostra um arco vascular semi-fechado, classificado pelos autores Ferreira e Assumpção (1978) e por Metcalfe e Chalk (1957) como cilindro vascular anômalo (Figura 5 A). O exemplar do ambiente seco mostrou o sistema vascular composto por um arco de feixes na face abaxial, com um pólo na adaxial (Figura 5 B). A literatura botânica, em sua maioria, trata das diferenças morfoanatômicas atribuídas ao ambiente apenas em espécies herbáceas. Porém, inúmeros pesquisadores têm demonstrado que os estudos de tolerância de espécies arbóreas ao alagamento devem ser tratados de forma holística, onde é necessário conhecer alguns aspectos importantes. O grande número de espécies de plantas vasculares arbóreas que ocupam áreas alagáveis, reflete a variedade de características dos habitats e, por conseqüência, diversifica as estratégias de tolerância ao alagamento 101 (Anjos et al, 1999), justificando o estudo, tendo em vista que E. cristagalli é adaptada tanto a solos alagados como secos. Em se tratando especificamente da lâmina foliar, quando se avalia o grau de esclereificação (GE) em plantas sob déficit hídrico, este tende a apresentar valores maiores com o passar do tempo. No caso da corticeira, os exemplares dos dois ambientes (seco e banhado) apresentaram o mesmo valor de 0,23 g/dm². Já Petry (1991), estudando três cultivares de soja, encontrou valores que variaram de 0,35 a 0,52 g/dm², respectivamente das plantas submetidas temporariamente a estresse hídrico (1/3 da CC) e das testemunhas. No caso das folhas das corticeiras, parece ter havido uma adaptação morfológica natural aos dois ambientes, no que diz respeito ao GE. Muitas das comunidades inundáveis estão nas regiões tropicais e sub-tropicais, e são ricas em espécies arbóreas. Pouco se sabe sobre os mecanismos de tolerância ao alagamento que estas espécies desenvolveram. Entretanto, estudos têm mostrado que tanto adaptações metabólicas como morfológicas e anatômicas são importantes para possibilitar a adaptação destas plantas em condições de hipóxia na raiz (Pimenta et al, 1996). Os autores citam a hipertrofia do caule como uma característica adaptativa. Foloni et al, (1996) relatam um crescimento da espessura das raízes e caules de Inga striata (Mimosaceae) em alagamento, devido, principalmente, ao aumento de diâmetro das células corticais e dos elementos de vaso. Segundo Nascimento et al, (1998), os elementos estruturais do tecido xilemático de espécies arbóreas crescendo em diferentes regiões 102 mostram diferença entre e dentre espécies. Em estudo realizado em leguminosas da Amazônia, constataram que os elementos de vasos são de tamanhos médios a grandes, poucos por milímetro quadrado e com paredes muito finas. Concluíram que a porosidade difusa e o tamanho dos elementos de vaso aumentam com a disponibilidade de água, e conseqüentemente, as madeiras tendem a apresentar baixa densidade. Erythrina cristagalli L. coletada no banhado apresentou xilema mais desenvolvido, contendo maior número de elementos condutores mais calibrosos em relação ao ambiente seco, concordando com os autores citados acima. O material do ambiente seco, por sua vez, apresentou menor número de elementos condutores do xilema com paredes mais espessas e lignificadas (Quadro 1). Estas adaptações morfológicas, certamente, permitem a manutenção de uma produção energética satisfatória para a planta. 103 Quadro 1: Algumas características anatômicas de E. cristagalli L. em diferentes ambientes, Passo Fundo, RS, 2004 CARATER Epiderme Adaxial Epiderme Abaxial BANHADO -Algumas células levemente papilosas, maioria tabulares; -Unisseriada -Unisseriada, -Papilosa, -Com cutícula espessa Mesófilo -Isobilateral -Celulas paliçádicas baixas e compactadas com 5 a 6 camadas adaxial e 4 abaxial, intercalado por lacunoso, - Diminuição parenquima lacunoso Nervura Central -Arco vascular semifechado, xilema mais desenvolvido, mais elementos de vaso, floema bem desenvolvido, paredes xilema delgadas -Ausencia parenquima clorofiliano, parenquima com conteúdo granuloso, epiderme abaxial não papilosa -Epiderme uniestratificada, cutícula espessa e lisa, 2 a 3 camadas colênquima, feixes com fibras Bordo Foliar Pecíolo SECO Semelhante -Unisseriada, -Papilas menores, -Com cutícula espessa -Isobilateral (menos pronunciado), - Células paliçadicas mais finas e altas, frouxo, 3 camadas adaxial e 2 a3 camadas abaxial, intercalado por lacunoso -Menos elementos xilema, paredes mais lignificadas, arco de feixes abaxial com pólo adaxial Semelhante Semelhante 104 A B C D Figura 2 Secção transversal da porção mediana do pecíolo de Erythrina cristagalli: A – Regiões (50 x MF) B – Feixe Vascular (400x MF) C – Sistema vascular (400x MF) DCórtex (400x Mf) 105 B A Adaxial Abaxial C Figura 3. Secção transversal da lâmina foliar de Erythrina cristagalli: (A) Epiderme abaxial mostrando as papilas na planta do banhado (400x MF), (B) Epiderme abaxial com papilas na planta do ambiente seco (400x MF), (C) epiderme adaxial não papilosa e a abaxial papilosa (100x mF) 106 A B C D Figura 4. Secção transversal do mesofilo de Erythrina cristagalli: (A) bordo foliar (100x MF), (B) Parênquima clorofiliano paliçádico da planta do ambiente seco (400x MF), (C) Parênquima clorofiliano paliçádico da planta do banhado (100x MF), (D) Parênquima clorofiliano lacunoso (400xMF) 107 I II III Figura 5. Secção transversal do mesofilo de Erythrina cristagalli, evidenciando a extensão da bainha do feixe vascular (I), células aclorofiladas entre o tecido paliçádico e o lacunoso (II), feixes vasculares secundários (III), (100x MF). 108 A B Figura 6. Secção transversal do mesofilo de Erythrina cristagalli, na região da nervura central: (A) Arco vascular semi-fechado na planta do banhado (100x MF), (B) Disposição dos feixes em arco na face abaxial com um pólo de feixes na face adaxial da folha na planta do ambiente seco (100x MF) 4 CONCLUSÕES A anatomia comparativa de E. cristagalli em ambientes distintos mostrou diferenças e semelhanças estruturais significativas entre os exemplares estudados. As características mais divergentes foram encontradas no mesofilo foliar quanto à distribuição e formato do parênquima clorofiliano e nos feixes vasculares, quanto às características do xilema que mostrou-se mais numeroso e calibroso nas plantas do banhado, mostrando a interferência e importância dos fatores ambientais nas espécies vegetais. 109 CAPÍTULO III GERMINAÇAO E PROBLEMAS FITOSSANITÁRIOS EM SEMENTES DE Erythrina cristagalli L. Ariane Gratieri-Sossella1, Cláudia Petry2 RESUMO - O objetivo desse trabalho foi avaliar alguns princípios básicos da propagação natural e germinação da espécie bem como considerar a presença de fitopatógenos sementes que podem prejudicar sua germinação. As sementes de Erythrina cristagalli L. foram colhidas entre o dia 26/01/2004 a 07/02/2004 em remanescentes florestais da região e em plantas introduzidas no Campus da Universidade de Passo Fundo. Analisou-se o número de sementes por vagem, o número de sementes sadias por vagem e o número de sementes anormais ou danificadas por vagem. Fez-se teste de germinação e sanidade nos Laboratórios de Análises de Sementes e de Fitopatologia da UPF, respectivamente. Apesar de apresentar considerável número de sementes por vagem, apenas 48 % do exemplar cultivado e 13,25 % das sementes dos exemplares à campo puderam ser consideradas sadias. O teste fitossanitário das sementes demonstrou a presença de Penicillium (25 % nos exemplares a campo e 5 % na planta cultivada), Alternaria sp. (3 % e _________________________________________ 1 Bióloga, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Agronomia, área de concentração em Produção Vegetal, da FAMV/UPF 2 Orietadora, Dra., prof. de Paisagismo e Floricultura da FAMV/UPF. 110 3,33 %, respectivamente) e Phomopsis sp. (5 % apenas nas plantas a campo). Durante os 180 dias que as sementes permaneceram no germinador, apenas 24,5 % germinaram mostrando um elevado grau de dormência na espécie. Palavras chave: corticeira do banhado, propagação sexuada, fitopatologia. GERMINATION AND PHYTO SANITARY PROBLEMS IN SEEDS OF Erythrina cristagalli L ABSTRACT - The aim objective of this work was to evaluate some basic principles of the natural propagation and germination of the species as well as considering the presence of pests and diseases associated to the seeds that can harm its germination. The seeds of Erythrina cristagalli L. were harvested between 26/01/2004 the 07/02/2004 in forest remainders of the region and in plants introduced in the Campus of the Passo Fundo University. The number of seeds for pods was analyzed; the number of healthy seeds for pod and the number of seeds abnormal or damaged for pod. One became test of germination and diseases in the Laboratories of Analyses of Seeds and Phytopatology of the UPF, respectively. Although to present considerable number of seeds for string bean, only 48 % of the seeds of cultivated unit and 13,25 % of the seeds of the environmental natural’s units could have been considered healthy. The health test the seeds demonstrated the presence of Penicillium (25 % in the units natural and 5 % in the cultivated plant), Alternaria sp. (3 and 3,33 % respectively) and Phomopsis sp. (5 % only in the plants of the nature environment). During the 180 days that the seeds had remained in the 111 germinator, only 24,5 % had germinated showing a high degree of dormancy in the seeds of the species. Key words: swamp corticeira, sexual propagation, phyto pathology. 1 INTRODUÇÃO A exploração de plantas nativas como ornamentais e seu uso no paisagismo começa a ser difundida no país. A maioria das espécies vegetais nativas têm sido usadas de forma extrativista, e o crescimento da população humana e a ocupação de áreas naturais vêm aumentando a pressão destrutiva dessa flora (Rosa e Ferreira, 2001). Entre as especies podemos destacar a presença de corticeira (Erythrina cristagalli L.), uma Fabaceae nativa de grande valor ornamental, listada como planta imune ao corte pelo Conama (Reitz et al, 1988), tamanha a devastação de seu habitat natural. A disponibilidade de informações sobre propagação de plantas arbóreas nativas é escassa na literatura. Assim, o estudo da germinação de sementes desta espécie torna-se importante, uma vez que não consta nas Regras para Análises de Sementes (Brasil, 1992). Tem sido observada dificuldade de obtenção de mudas em testes de propagação vegetativa da espécie quando adulta (ver capítulo IV). O conhecimento das condições ótimas para a germinação, principalmente temperatura, luz e substrato, é importante, pois a influencia desses fatores varia entre as sementes de diferentes espécies (Suñé e Francke, 2001). Por outro lado, o desconhecimento da 112 metodologia para o teste de germinação prejudica sensivelmente a avaliação da qualidade dos lotes de sementes. No processo de germinação de sementes atuam fatores exógenos e endógenos. Os fatores exógenos são as condições ambientais, determinadas principalmente pelos níveis de umidade, temperatura e oxigênio. Já os fatores endógenos controlam o processo de dormência (Marcos Filho et al, 1987; Rodrigues e Vieira, 1988; Brasil, 1992; Larcher, 2000; Suné e Francke, 2001). Segundo Lovato et al, (1999), a dormência de sementes está relacionada com a heterogeneidade ambiental, favorecendo a sobrevivência em relação aos fatores adversos do ambiente. Quanto à temperatura, Suné e Francke (2001) afirmam que as sementes apresentam capacidade germinativa em limites bem definidos de temperatura, variável de espécie para espécie, que caracterizam sua distribuição geográfica. De acordo com Rocha et al, (1996), ocorre grande diversidade de espessura da testa nas sementes das leguminosas fator que reflete no seu grau de dormência. A ocorrência freqüente de elevado número de vagens de E. cristagalli totalmente danificadas por insetos e o pequeno número de mudas obtidas de sementes atacadas são motivos de preocupação. Além dos insetos e da dormência das sementes, outro fator que pode reduzir o vigor germinativo é a presença de microorganismos, dentre os quais, fungos e bactérias são os mais comuns (Martins-Corder e Borges Junior, 1999). 113 A pretensão na realização desse trabalho foi avaliar alguns princípios básicos da propagação sexuada e germinação da espécie, bem como verificar a presença de fitopatógenos junto às sementes, que poderiam prejudicar o poder germinativo. 2 MATERIAL E MÉTODOS As sementes de Erythrina cristagalli foram colhidas entre os dias 26/01/2004 e 07/02/2004 em remanescentes florestais da região de Passo Fundo e em plantas introduzidas no Campus da Universidade de Passo Fundo – RS. O material coletado de 5 locais diferentes, 100 vagens por local, foi analisado quanto ao número de sementes por vagem, o número de sementes sadias e anormais ou danificados por vagem. As sementes consideradas íntegras foram separadas e acondicionadas em envelopes de papel para posterior teste de germinação e sanidade. Os testes foram realizados no Laboratório de Análises de Sementes e Laboratório de Fitopatologia da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Passo Fundo. 2.1 Teste de germinação Em função do baixo número de sementes sadias obtidas nas coletas, foi necessário adaptar o estudo a dois experimentos. 114 Experimento 1: No qual utilizou-se três repetições de 100 sementes colhidas em exemplares da espécie E. cristagalli introduzidas no Campus da UPF. Experimento 2: Utilizou-se quatro repetições de 60 sementes foram colhidas em diferentes lugares nos remanescentes florestais da região. Os testes de germinação foram realizados em germinadores, com temperatura constante a 25 ºC e na presença de luz constante em rolos de papel filtro. Foram efetuadas contagens semanais a partir da primeira semente germinada, sendo considerado para tal avaliação o critério botânico de germinação. O período de duração do teste foi de 180 dias. As sementes germinadas foram classificadas em normais e as não germinadas como podres ou duras. Foram avaliadas a porcentagem de sementes germinadas, a porcentagem de sobrevivência das plântulas transplantadas e a porcentagem de sementes podres e duras. 2.2 Teste de sanidade Para as sementes do ambiente natural foram usadas 10 repetições de 10 sementes e para as sementes do Campus foram 12 repetições de 10 sementes. Foi realizada assepsia das sementes em hipoclorito de sódio a 1% por 2 minutos. Após foram incubadas em placas de Petri contendo meio ágar (Machado, 1988) em sala iluminada por 12 horas diárias, à temperatura de 25ºC (+ ou – 2°C) por 7 a 10 dias. 115 O fundamento da incubação de sementes em meio ágar enriquecido consiste no estímulo a formação de colônias de fungos a partir das sementes. Essas sementes previamente tratadas em hipoclorito de sódio permitem que os resultados sejam indicação da associação íntima dos patógenos com as sementes (Machado, 1988). Após foi feita a leitura da ocorrência de fungos com auxílio de lupa binocular. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Análise das vagens Os prejuízos causados em sementes pelo ataque de insetos constituem um dos grandes problemas em essências florestais no Brasil (Link e Costa, 1995). Entre as essências florestais nativas pioneiras e de rápido desenvolvimento, a corticeira do banhado se destaca pela ampla dispersão no país e rusticidade, sendo passível de utilização em paisagismo e reflorestamento. No entanto os números apresentados na Tabela 1 mostram a problemática da obtenção de sementes viáveis, livres do ataque de insetos. As vagens coletadas da planta introduzida no Campus da UPF apresentaram a maior porcentagem de sementes sadias por vagem (48 %), provavelmente devido a menor incidência de insetos em relação aos remanescentes florestais, concordando com Lorenzi (2003) que afirma 116 que o cultivo de espécies nativas talvez represente a melhor forma de preservá-las da extinção. As plantas localizadas em seu habitat natural apresentaram maior porcentagem de sementes atacadas por insetos (média de 86,5 %), diminuindo altamente os índices de viabilidade (Tabela 1). 117 Tabela 1. Análise das sementes em vagens de Erythrina cristagalli coletadas em cinco locais. Total de 100 vagens/local, no município de Passo Fundo, 2004 Anormais Vagem (nº) 1,84 Anormais Vagem (%) 51,0 Zoológico UPF 4,55 0,11 2 4,44 97,6 Banhado-mata 3,50 0,89 25 2,61 74,6 Banhado APUPF Parque industrial Média 4,54 0,52 11 4,02 88,0 3,35 0,51 15 2,84 85,0 3,90 0,75 20,76 3,15 79,24 Vagem (nº) Jardim UPF 117 3,59 Sadias Vagem (nº) 1,75 Sementes Sadias Vagem (%) 48 Local 118 3.2 Germinação das sementes As sementes de E. cristagalli apresentam grande heterogeneidade na germinação. De acordo com Rodrigues e Vieira (1988) muitas sementes florestais necessitam de um longo período para germinar. Apenas 24,6 % das sementes testadas germinaram, 41,0 % apodreceram e 34,4 % permaneceram em dormência (Tabela 2) caracterizada pela impermeabilidade do tegumento a água, classificada como dureza. Segundo Rocha et al, (1996) a grande diversidade da espessura da testa das leguminosas reflete-se no grau de dormência. A dormência de sementes no gênero Erythrina foi citada por Silva Junior et al, (2004) para E. velutina Willd. e para E. falcata Benth. Devido ao fato da metodologia para germinação da espécie não constar nas Regras para Análises de Sementes (Brasil, 1992), as mesmas foram mantidas no germinador por um longo período de tempo (180 dias). O tamanho da semente é outro fator complicador nestes testes em que se avalia a germinação, pois as sementes menores, por necessitarem de menor volume de água, são as primeiras a germinar (Nakagawa, 1944; Gomes et al, 1998). A velocidade de germinação é um dos conceitos mais antigos de vigor de sementes. Lotes de sementes com porcentagens de germinação semelhantes, freqüentemente mostram diferenças em suas velocidades de germinação, indicando que existem diferenças de vigor entre eles. Os lotes que apresentam maior velocidade de germinação de sementes são os 119 mais vigorosos mostrando uma relação direta entre a velocidade e o vigor das sementes (Nakagawa, 1944). De acordo com o observado no teste de sementes de E. cristagalli pode-se observar que apresentaram baixo vigor, devido ao longo período em que as sementes apresentaram germinação. Tabela 2. Germinação, apodrecimento e dormência de sementes não escarificadas, e sobrevivência de plantulas de Erythrina cristagalli, na região de Passo Fundo, após 180 dias no germinador, Passo Fundo, RS, 2004 Ambiente Germinação Natural (%) 24,0 Introduzido 25,3 Sementes podres (%) 28,0 Sementes duras (%) 48,0 54,0 20,6 Plantas Sobreviventes (%) 56,9 42,0 Sementes coletadas nas plantas do ambiente natural apresentaram maior índice de dureza (Tabela 2). Esse resultado, de acordo com Silva Junior et al, (2004) indica que as sementes estão mais aptas a resistirem às condições ambientais. Lovato et al, (1999) afirmam que a variação intrapopulacional no grau de dormência das sementes pode ter um significado adaptativo, oferecendo condições para que a germinação no banco de sementes seja distribuído ao longo do tempo. Embora as sementes do ambiente natural apresentem maior porcentagem de dureza a sobrevivência das plântulas foi maior nas sementes deste ambiente em relação às plantas introduzidas em meio urbano. 120 O índice de germinação obtido (Tabela 2) ocorreu na presença de luz. Segundo Suné e Francke (2001) as plantas não domesticadas, na sua forma nativa, necessitam de mais estudos para a germinação, mas freqüentemente as sementes são fotoblásticas (+). 3.3 Sanidade das sementes Foram encontrados associados às sementes da corticeira os gêneros de fungos, Alternaria, Phomopsis e Penicillium (Tabela 3). Conforme Martins-Corder e Borges Junior (1999), os fungos patogênicos do solo são freqüentemente os principais agentes causadores de doenças em plântulas quando associados com as sementes, podendo também deteriorar as sementes e ocasionar a morte. Os testes de germinação e a formação de mudas podem ser comprometidos por causa da ação de agentes patogênicos conduzidos pelas sementes. A contaminação das sementes florestais ocorre predominantemente no solo onde os frutos e sementes podem ser colonizados por diversos gêneros de fungos. No entanto, as sementes da espécie estudada foram coletadas ainda na planta e apresentaram contaminação por fungos (Tabela 3), provavelmente levados por vetores como os insetos que atacam as vagens. 121 Tabela 3. Percentual e gêneros de fungos encontrados nas sementes de Erythrina cristagalli, coletadas na região de Passo Fundo, em teste de ágar, no Laboratório de Fitopatologia da UPF em Passo Fundo, RS, 2004 Ambiente Natural Planta introduzida Patógeno Incidência (%) Alternaria sp. Phomopsis sp. Penicillium sp. Alternaria sp. Penicillium sp. 3,0 5,0 25,0 3,3 5,0 No ambiente natural houve maior incidência de fungos, assim como, maior ataque das vagens por insetos em relação à planta em condições de cultivo. Muniz et al, (2003) listaram alguns gêneros de fungos associados às sementes de E. cristagalli: Fusarium sp., Penicillium sp., Aspergilllus sp. e Cladosporium sp.. Desses, apenas o gênero Penicillium apareceu no teste realizado, além dele, os gêneros Alternaria sp. e Phomopsis sp. foram encontrados. Segundo os autores, o aspecto sanitário das sementes da corticeira do banhado pode prejudicar a viabilidade e sobrevivência dessa espécie no seu ambiente natural. 122 4 CONCLUSÕES - O alto número de sementes atacadas por insetos representa um grande problema para a propagação sexuada da Erythrina cristagalli L., pois diminui grandemente a viabilidade das sementes; - As sementes de E. cristagalli apresentaram baixo vigor e foi oferecido um longo período de germinação com média de 2 a 3 sementes por semana por 180 dias; - As sementes apresentaram um tipo de dormência, chamada dureza, no qual o tegumento é impermeável à água; - As sementes coletadas no ambiente natural apresentaram maior índice de dormência; - Os fungos Alternaria, Phomopsis e Penocillium estão associados às sementes de Erythrina cristagalli. 123 CAPÍTULO IV PROPAGAÇÃO DA CORTIÇEIRA DO BANHADO (Erythrina cristagalli L). PELO PROCESSO DE ESTAQUIA Ariane Gratieri-Sossella1, Cláudia Petry2, Alexandre Augusto Nienow3 RESUMO - O trabalho conduzido na FAMV/UPF, teve como objetivo o estudo da formação de mudas de Erythrina cristagalli L. pela técnica da estaquia, destinadas ao uso ornamental e/ou vegetação de áreas desprotegidas ou degradadas, tendo em vista a dificuldade de obtenção de sementes, pela baixa produção e qualidade das mesmas, e a desuniformidade da germinação. Em quatro experimentos, foram testadas doses do fitorregulador ácido indolbutírico (AIB), em diferentes tipos de estacas (lenhosas, semilenhosas, herbáceas e foliares) e substratos de enraizamento. Os resultados demonstraram que estacas herbáceas, coletadas de plantas jovens, com menos de um ano de idade, são as mais indicadas (75 % a 100 % de enraizamento), sendo que o uso do AIB diminuiu a mortalidade das estacas favorecendo o enraizamento. O comum ataque de insetos (brocas) aos __________________________________________ 1 Bióloga, mestranda do Programa de Pós-graduação em Agronomia, área de concentração em Produção Vegetal, da FAMV/UPF. 2 Orientadora, Dra. Profa. De Paisagismo e Floricultura da FAMV/UPF. 3 Co-orientador, Dr. Prof. de Fruticultura e Silvicultura da FAMV/UPF. 124 ramos no habitat natural, recomendam a formação de matrizeiros no viveiro, para fornecer material juvenil e sadio em maior escala para a propagação por estacas desta espécie. Palavras chave: propagação vegetativa, estacas, juvenilidade. PROPAGATION OF SWAMP CORTICEIRA (Erythrina cristagalli L.) BY CUTTINGS PROCESS ABSTRACT - The work, carried out at FAMU/UPF, had the aim at studying the plantlet formation of Erythrina cristagalli L using the cutting technique, with the intention of ornamental use and/or vegetation of protected area or depredated, considering the difficulty of obtaining the seeds, as they have a low quality and production and also because the germination is not uniform. In four experiments, doses of the phyto regulator Indole Butyric Acid (IBA) were tested, in different types of cuttings (woody plants, semi woody plants, herbaceous and leafy) and rooting substrates. The result showed that herbaceous cuttings, collected from young plants, with less than a year old, are the most indicated ones (75% to 100% of rooting), apart from that the use of IBA reduced the cutting mortality favoring rooting to avoid the common attack of insects (Isopera) to the branches in natural habitat, it is advisable the formation of matrix plants in the nursery to supply new and healthy material in large amounts for the cutting propagation of this species. Key words: Vegetative propagation, cuttings, juvenility 125 1 INTRODUÇÃO Pertencente à família Fabaceae, a Erythrina cristagalli L. é uma árvore que ocorre em terrenos muito úmidos, desde o Maranhão até o Rio Grande do Sul, nas formações abertas secundárias. No entanto, tolera bem ambientes drenados, o que permite incrementar o uso no paisagismo. O interesse pela espécie se deve, além do fato de ser uma árvore nativa, às características ornamentais do caule, das folhas e das flores, de coloração vermelha, do belo arranjo espacial arquitetônico e da alta importância ecológica, abrigando plantas epífitas e atraindo várias aves e insetos. Além do valor ornamental, E. cristagalli L. é uma planta imune ao corte pela Lei Estadual 9.519/92 (Art. 33º), que protege figueiras e corticeiras em todos os casos, exigindo imediata reposição da espécie quando algum exemplar for retirado do ambiente. Embora a espécie frutifique todos os anos, as sementes são amplamente atacadas por brocas, diminuindo o potencial de regeneração natural (Lorenzi, 1992; Pires4, 2003), além do fato do gênero apresentar sementes dormentes (Linsingen et al., 2000). A técnica de multiplicação vegetativa mais comumente utilizada para a clonagem de plantas lenhosas, em larga escala, tem sido o enraizamento de estacas. Esse método oferece certas vantagens, quando comparado com a reprodução sexuada. A segregação e recombinação gênica, verificadas na propagação sexuada de espécies alógamas, resultam em alto grau de variabilidade, enquanto a reprodução por vias vegetativas redunda em uniformidade de crescimento, das características morfológicas 4 PIRES, J. C. S., Eng. Agrônomo, viveirista e consultor da área ambiental. Comunicação pessoal. 126 e das qualidades tecnológicas (Assis e Teixeira, 1998, citados por Borges Junior e Martins-Corder, 2002). A propagação comercial de mudas por estaquia é viável, mas depende da capacidade de enraizamento de cada espécie, da qualidade do sistema radicular formado e do desenvolvimento posterior da planta (Fachinello et al., 1995). A dificuldade no enraizamento de estacas de algumas espécies pode ser superada se fornecidas condições e fatores ótimos para o enraizamento (Verger et al., 2001). Segundo Pio et al. (2003), vários fatores podem influenciar o enraizamento das estacas, tanto intrínsecos, relacionados à própria planta, como extrínsecos, relacionados às condições ambientais. Verger et al. (2001) agrupam os fatores em internos e externos. Em síntese, os fatores internos correspondem à espécie, ao clone, à idade da planta matriz e origem, posição da estaca na planta matriz, dimensão e estádio de desenvolvimento no momento da coleta. São fatores externos, os tratamentos efetuados sobre a matriz, como suplementação hídrica, nutrição mineral e orgânica, suplemento de luz ou estiolamento forçado, e técnicas de manutenção ou de restauração do estado juvenil, propício ao sucesso da propagação vegetativa. Ainda relacionados aos fatores externos, podem as estacas serem submetidas a substratos específicos, aporte de substâncias exógenas (auxinas,...) e manutenção de alta umidade relativa do ar (irrigação ou nebulização intermitente). Mas o sucesso de sobrevivência dependerá do acompanhamento agronômico (fertilização e tratamentos fitossanitários) posterior ao enraizamento (Verger et al., 2001). 127 Santos et al. (1994), citados por Pio et al. (2003), afirmam que condições internas da planta podem ser traduzidas pelo balanço entre inibidores, promotores e cofatores relacionados ao enraizamento, que interferem na emissão e crescimento das raízes, ocorrendo o processo de iniciação radicular quando o balanço hormonal é favorável às substâncias promotoras. Uma das formas mais comuns de favorecer o balanço hormonal é a aplicação exógena de reguladores de crescimento sintéticos na base das estacas, elevando o teor de auxinas no tecido. A auxina sintética aplicada externamente mais utilizada no enraizamento de estacas é o ácido indolbutírico (AIB), por se tratar de uma substância fotoestável, de ação localizada e menos sensível a degradação biológica (Assis e Teixeira, 1998), em comparação às demais auxinas sintéticas. Vários autores (Tofanelli et al., 1997; Roncato et al., 1999; Biasi et al., 2000; Martins et al., 2001; Tonietto et al., 2001; Oliveira, 2002) relatam que o uso do AIB aumenta o número de raízes emitidas por estaca, decorrente da ação na antecipação do enraizamento, e promove maior porcentagem de estacas enraizadas. A utilização de concentrações adequadas de AIB é de extrema importância, sendo que a dose ideal varia com a espécie (Verger et al., 2001; Hartmann e Kester, 1990, apud Pio et al., 2003). Para o controle dos fatores externos, as condições ambientais favoráveis podem ser oferecidas em ambientes protegidos. Como por exemplo, o uso de nebulização intermitente, proporcionando umidade adequada às estacas. O substrato desempenha importante função no processo de estaquia, basicamente por proporcionar sustentação às estacas, mantendo na sua base um ambiente úmido, escuro e 128 suficientemente aerado (Hartmann e Kester, 1990; Fachinello et al., 1995; Oliveira, 2002; Fermino e Bellé, 2000). Na propagação por estacas caulinares, são destacados segmentos de ramos que contém gemas laterais ou terminais, podendo variar de herbáceas a lenhosas. Quanto mais herbácea e mais nova for a estaca, maior será a capacidade de regeneração (Paiva e Gomes, 1995). Mattos (1976), citado por Paiva e Gomes (1995), afirma que as estacas lenhosas têm, em geral, a idade de um ano, sendo parcialmente lignificadas, e diferem entre si no formato e nas dimensões, conforme a categoria. Ainda, as estacas muito lignificadas, especialmente nas espécies de difícil enraizamento e que formam anel de esclerênquima contínuo, não são as mais apropriadas para enraizar (Paiva e Gomes, 1995). A possibilidade de utilização de espécies nativas, tanto para fins ornamentais como para a vegetação de áreas desprotegidas ou degradadas, depende da disponibilidade de sementes e do conhecimento dos métodos de produção de mudas. Este trabalho teve como objetivo o estudo da formação de mudas de E. cristagalli L. através da técnica da estaquia, tendo em vista a dificuldade de obtenção de sementes, pela baixa produção e qualidade das mesmas, e a desuniformidade da germinação. Em quatro experimentos, foram testadas doses do fitorregulador ácido indolbutírico (AIB) em diferentes tipos de estacas (lenhosas, semilenhosas, herbáceas e foliares) e substratos de enraizamento. 129 2 MATERIAL E MÉTODOS O trabalho foi desenvolvido no Setor de Horticultura da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Passo Fundo, em Passo Fundo, RS, município situado na região do Planalto Médio, norte do estado (28º 15’ S e 52º 24’ O), a 687 m de altitude. O clima local é descrito como subtropical úmido (Cfa), com chuvas bem distribuídas durante o ano e temperatura média anual em torno de 17° C (Cunha, 1997). A pesquisa foi conduzida em uma estufa de 210 m2, com 2,5 m de altura (pé direito), em estrutura de alumínio galvanizado, teto em arco, revestida com polietileno de baixa densidade (PEBD), dotada de cortinas laterais móveis, instalada no sentido norte-sul. Para a redução da temperatura e insolação (Sentelhas e Santos, 1995), foi disposta internamente, a 2,5 m de altura e nas laterais, uma tela tipo sombrite, com capacidade de 75% de sombreamento. O sistema de irrigação, do tipo intermitente, constou de seis linhas distanciadas 1,5 m, com bicos nebulizadores dispostos a cada 1 m. O sistema, controlado por um timer, era acionado a cada 10 minutos, com período de molhamento de 8 segundos. A espécie estudada foi a Erythrina cristagalli L., conhecida como corticeira-do-banhado, sananduva, mulungu ou suinã, dentre outros nomes populares, testando tipos de estacas, doses de AIB e substratos. 130 2.1 Experimento 1 – Propagação da corticeira do banhado (Erythrina cristagalli L.) por estacas lenhosas e uso do AIB. Foram testadas estacas lenhosas, coletadas em 16/06/2003, de plantas localizadas em terreno mal drenado, no município de Passo Fundo. A planta matriz apresentava sintomas de infestação por brocas (51 % do material coletado danificado) e a porção apical dos ramos seca, restando os ramos basais. As estacas basais foram padronizadas com 12 cm de comprimento, contendo, no mínimo, dois nós, separadas em dois grupos. As estacas com diâmetro basal entre 1,5 cm e 2,4 cm (24,8 g de massa fresca) formaram o grupo A e, entre 2,5 cm e 3,5 cm (54,1 g de massa fresca), o grupo B. O experimento consistiu no tratamento dos dois grupos (A e B) de estacas com ácido indolbutírico (AIB), nas doses de 0, 1500, 3000 e 4500 mg L–1. O delineamento experimental utilizado foi inteiramente casualizado, com os tratamentos arranjados no sistema bifatorial (2 x 4), com três repetições e 10 estacas por parcela (total de 240 estacas). As soluções foram preparadas diluindo o AIB em 50 mL de álcool 93 °GL e completado o volume com água destilada até 100 mL. Antes da imersão nas soluções de AIB, duas lesões longitudinais, em lados opostos da base das estacas, foram feitas com canivete, para provocar maior exposição do câmbio e induzir o enraizamento. A seguir, duas a duas, a base das estacas (3 cm) foram imersas nas soluções de AIB por 5 segundos, e imediatamente enterradas cerca de 7 cm de profundidade no substrato de casca de arroz carbonizada. Como containers, foram utilizadas caixas plásticas de colheita de frutas, com dimensões de 59 cm 131 de comprimento x 29 cm de largura x 12,5 cm de altura, revestidas com jornal, perfurado para permitir a drenagem. Após 134 dias, foi avaliada a porcentagem de estacas enraizadas e de estacas brotadas. Paralelamente, foram colocadas em outra caixa, estacas para a verificação do tempo de enraizamento, retirando, após 15 dias do início do experimento, 2 estacas por semana, durante 8 semanas. 2.2 Experimento 2 - Propagação da corticeira do banhado (Erythrina cristagalli L.) por estacas semilenhosas e uso do AIB. Num segundo experimento, foram testadas estacas semilenhosas, coletadas após a brotação da primavera, em 12/01/2004. As estacas, em média com 7 cm, contendo dois nós, foram subdivididas em basais, medianas e apicais. Os tratamentos consistiram em submeter os três tipos de estacas (apicais, medianas e basais) a cinco doses de AIB (0, 1000, 2000, 3000, 4000 mg L-1). O delineamento experimental utilizado foi em blocos casualizados, com os tratamentos arranjados num bifatorial 3 x 5, com quatro repetições e 10 estacas por parcela (total de 600 estacas). As estacas foram desinfestadas mediante imersão por 5 minutos em solução de hipoclorito de sódio a 1 % e, posteriormente, lavadas com água corrente. Sem realizar lesão na base, as estacas foram imersas (3 cm), por 5 segundos, nas soluções de AIB, preparadas como relatado anteriormente, e imediatamente enterradas cerca de 3 cm em bandejas alveoladas, contendo casca de arroz carbonizada. O material permaneceu no leito de enraizamento por 60 dias, de 12/01/2004 a 20/03/2004. 132 2.3 Experimento 3 - Propagação da corticeira do banhado (Erythrina cristagalli L.) por mini-estacas herbáceas e uso do AIB. No terceiro experimento foram utilizadas mini-estacas herbáceas, retiradas de plantas com um ano de idade, obtidas de semente e cultivadas em vasos, contendo pelo menos duas gemas vegetativas (4-5 cm), com massa fresca de 0,94 g. O experimento comparou o efeito de cinco doses de AIB (0, 1000, 2000, 3000, 4000 mg L-1), com os tratamentos dispostos no delineamento experimental em blocos casualizados, com quatro repetições e três estacas por parcela (total de 180 estacas), considerando a escassez de material. Sem realizar lesão na base, as estacas foram imersas (2 cm), por 5 segundos, nas soluções de AIB, e imediatamente enterradas cerca de 2 cm em bandejas alveoladas contendo casca de arroz carbonizada. O estudo foi conduzido por 26 dias, de 22/01/2004 a 17/02/2004. Foram avaliadas as variáveis porcentagem de estacas enraizadas e mortas, comprimento da maior raiz, massa fresca e seca de raiz e de parte aérea. Os resultados foram submetidos à análise de regressão polinomial. 2.4 Experimento 4 - Propagação da corticeira do banhado (Erythrina cristagalli L.) por estacas foliares em diferentes substratos. No quarto experimento, o enraizamento de estacas foliares, coletadas no final do verão (primeira semana de março), de árvores de diferentes idades cronológicas: adulta (mais de quinze anos), média (menos de cinco anos) e jovem (com um ano), foi testado em dois substratos: casca de arroz carbonizada (CAC) e mistura de solo 133 mineral:CAC:composto orgânico (2:1:1), acondicionados em bandejas de isopor alveoladas. O delineamento experimental utilizado foi em blocos casualizados, com os tratamentos arranjados num bifatorial 3 x 2, com quatro repetições e 12 estacas por parcela (total de 288 estacas). Após 30 dias, foi avaliado o percentual de enraizamento e o comprimento da maior raiz. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 RESULTADOS Utilizando estacas lenhosas (experimento 1), coletadas e colocadas para enraizar em 16/06/03, a brotação iniciou 25 dias após e, aos 67 dias, 59,2 % das estacas se encontravam brotadas, com alguns brotos alcançando até 14 cm de comprimento. No entanto, a porcentagem de enraizamento foi muito baixa, de 2,5 % (3 estacas) no grupo A (diâmetro basal entre 1,5 cm e 2,4 cm) e no grupo B (diâmetro basal entre 2,5 cm e 3,5 cm). No total de 6 estacas enraizadas, 4 emitiram raízes quando tratadas com a dose de 4500 mg L-1 de AIB, 1 com 3000 mg L-1 de AIB e 1 com 1500 mg L-1 de AIB, indicando a tendência da necessidade de doses mais elevadas para o enraizamento da espécie. Os resultados concordam com os obtidos por Chaves et al. (2004), que testando estacas lenhosas de Erythrina cristagalli L. obteve melhor resultado com 3000 mg L-1 de AIB e baixa porcentagem de enraizamento (8,3 %). 134 No segundo experimento, com estacas semilenhosas, coletadas e colocadas para enraizar em 12/01/04, ou seja, num período de temperaturas médias mais elevadas, que por um lado poderia auxiliar no enraizamento mas, por outro, provocar maior estresse, o resultado foi ainda mais negativo, não ocorrendo enraizamento, com mortalidade de 100 % ao final de 60 dias. No terceiro experimento, com mini-estacas herbáceas coletadas e estaquiadas em 22/01/04, a análise de regressão revelou efeito de doses de AIB apenas para mortalidade de estacas. Em média, após 26 dias, foi obtido 93,3 % de enraizamento. Em que pese não ter ocorrido diferença significativa, com a aplicação de AIB o enraizamento variou de 91,5 % a 100 % e, sem o tratamento, o enraizamento foi de 75 % (Tabela 1). Também com o uso do AIB a mortalidade de estacas foi menor, em especial com as maiores concentrações (Figura 1). A justificativa para a menor mortalidade com o uso do AIB provavelmente seja a de que o regulador de crescimento tenha proporcionado maior rapidez no enraizamento, causando menor estresse às estacas e, conseqüentemente, maior capacidade de sobrevivência. O comprimento médio da maior raiz foi de 3,5 cm. A massa fresca e seca das raízes foi de 0,07 g e 0,005 g, e da parte aérea de 0,94 g e 0,16 g, respectivamente. A massa d’água média das raízes e da parte aérea foi de 0,0065 g e 0,78 g, respectivamente (Tabela 2). Portanto, os resultados apontam para a perspectiva de se trabalhar com mini-estacas, retiradas de materiais jovens, preferencialmente de jardins clonais, submetidas a tratamento com AIB, o que diminui a mortalidade das estacas. 135 Tabela 1. Porcentagem de enraizamento, de mortalidade e comprimento da maior raiz de mini-estacas herbáceas de corticeira do banhado (Erythrina cristagalli L.), tratadas com ácido indolbutírico (AIB). Passo Fundo, FAMV, 2004 Doses de AIB -1 (mg L ) Enraizamento Comprimento maior (%) raiz (cm) 0 75,0ns 2,7ns 1000 91,5 2,7 2000 100,0 4,4 3000 100,0 2,9 4000 100,0 5,0 Média 93,3 3,5 C.V. (%) 20,4 48,3 ns – não significativo em nível de 5 %. 136 30 Mortalidade (%) 25 2 y = 18,32 - 0,0058x ; R = 0,72 20 15 10 5 0 0 1000 2000 3000 4000 -1 Doses de AIB (mg L ) 5000 Figura 1. Gráfico da curva de Regressão, evidenciando o índice de mortalidade das mini-estacas herbáceas em relação as doses de AIB utilizadas. 137 Tabela 2. Massa fresca e seca de raiz e parte aérea, massa d’água de raiz e parte aérea de mini-estacas herbáceas de corticeira do banhado (Erythrina cristagalli L.), tratadas com ácido indolbutírico (AIB). Passo Fundo, FAMV, 2004 Doses de AIB (mg L-1) Massa fresca (g) Massa seca (g) 0 Raiz 0,11ns Aérea 0,75ns Raiz 0,000ns Aérea 0,16ns 1000 0,01 0,99 0,000 0,21 2000 0,08 0,88 0,005 0,14 3000 0,04 0,87 0,002 0,12 4000 0,13 1,22 0,008 0,18 Média 0,07 0,94 0,005 0,16 C.V. (%) 96,7 38,5 190,0 48,8 ns – não significativo em nível de 5 %. No quarto experimento, de estacas foliares, do total de 288 estacas apenas 4 enraizaram, ou seja, 1,4 %. Todas eram estacas de plantas jovens (com um ano de idade), mantidas em substrato de casca de arroz carbonizada, apresentando comprimento da maior raiz que variava entre 2,0 e 9,4 cm. 138 3.2 DISCUSSÃO Os resultados obtidos nos diferentes experimentos demonstraram capacidade muito baixa de enraizamento de estacas lenhosas e semilenhosas, mesmo com o uso do AIB. Nas lenhosas, apenas 5 % do total de estacas enraizaram (experimento 1) e, quando utilizadas estacas semilenhosas, não houve enraizamento (experimento 2). Estacas foliares (experimento 4) evidenciaram potencial para o enraizamento, mas muito baixo, de apenas 1,4 % do total de estacas, devendo ser melhor estudado. Já a estaquia de material herbáceo (mini-estacas), retirado de plantas jovens, com um ano de idade, apresentou, após 26 dias, porcentagens de enraizamento que variaram de 75 % a 100 %. Os experimentos evidenciaram que os materiais mais herbáceos, retirados de tecidos com maior juvenilidade (menor idade fisiológica), possuem maior apresentarem potencial de enraizamento, maior concentração de auxinas provavelmente endógenas, por menor diferenciação e grau de lignificação, em relação às estacas provindas de plantas adultas. Fett-Neto et al. (1998) constataram que a rizogênese é menor quanto maior a idade da planta-mãe, em espécies de Eucalyptus. Segundo Borges Junior e Martins-Corder (2002), e Paiva e Gomes (1995), a idade da planta matriz das estacas é de fundamental importância, uma vez que em muitas espécies arbóreas o processo de maturidade possui correlação negativa com o potencial de formação de raízes adventícias. Hartmann e Kester (1990), e Paiva e Gomes (1995), afirmam que as estacas herbáceas e semilenhosas geralmente enraízam com maior facilidade e rapidez que 139 as lenhosas, pois a menor lignificação dos tecidos facilita a passagem das raízes formadas no periciclo. Entretanto, Verger et al. (2001) lembram que em espécies lenhosas, plantas matrizes mais velhas podem produzir estacas mais aptas a enraizar que plantas jovens, pois outros fatores podem influenciar esta aptidão, como por exemplo as reservas glicídicas da espécie ou clone utilizado. De acordo com Assis e Teixeira (1998), uma estratégia para fornecer melhores condições para materiais adultos enraizarem, consiste no rejuvenescimento de partes aéreas utilizando o anelamento de ramos, que provoca o aumento do nível de auxinas naturais acima do corte e diminuição abaixo. Paiva e Gomes (1995) afirmam que o problema apresentado por material adulto, é o aparecimento ou a produção de substâncias inibidoras do enraizamento, e que também a lignificação, especialmente nas espécies de difícil enraizamento, pode representar a formação de um anel de esclerênquima contínuo. Chaves et al. (2004), estudando a propagação por estacas da Erytrina cristagalli L., atribuiram a baixa porcentagem de enraizamento (8,3 %) a grande quantidade de esclerênquima e compostos fenólicos presentes. De fato, em análise anatômica realizada no caule de E. cristagalli L. (Capítulo II), foi possível constatar a presença de grande quantidade de fibras esclerenquimáticas. Embora as estacas lenhosas tenham apresentado maior peso e, provavelmente, mais reservas nutritivas, essas foram utilizadas na intensa brotação, possivelmente em detrimento da formação de raízes. Segundo Hartmann e Kester (1976), citado por Paiva e Gomes (1995), é possível que as giberilinas causem estímulo ao crescimento vegetativo, competindo 140 com a formação de raízes, tendo efeito inibitório às mesmas. Oliveira (2002) sugeriu que o enraizamento de estacas lenhosas de pessegueiro tenha sido prejudicada pela brotação ocorrida, competindo com as raízes pelas reservas da estaca. Pivetta (1994) relata, para estacas de roseiras, que as reservas utilizadas para o crescimento das raízes foram oriundas das folhas remanescentes, e que a maior contribuição das folhas novas foi para o crescimento da parte aérea. A importância dos carboidratos na emissão e formação de raízes é ressaltada por Pio et al. (2003) e Fachinello et al. (1995), afirmando que reservas abundantes de carboidratos correlacionam com maiores porcentagens de enraizamento e sobrevivência das estacas, por ser uma importante fonte de carbono para que a auxina realize a biossíntese dos ácidos nucléicos e proteínas, além de suprir as necessidades de energia para a formação de raízes. A capacidade de enraizamento está relacionada com o conteúdo hormonal, de cofatores, de substâncias inibidoras e de carboidratos, além das características do tecido vegetal, estando evidenciado na espécie estudada que os tecidos mais jovens apresentam maior potencial. Assim, algumas estratégias podem ser estudadas, como o uso de jardins clonais, podas sucessivas das matrizes para induzir a juvenilidade e o sombramento das mesmas. Conforme Wendling et al. (2003), a implantação de jardins miniclonais, com minicepas rejuvenescidas, pode permitir a obtenção de maior vigor e qualidade dos brotos produzidos para propagação clonal por miniestaquia, principalmente em relação ao maior potencial de enraizamento, visto o maior grau de juvenilidade. O princípio do jardim 141 clonal é recomendado por Chaves et al. (2004) para o enraizamento de estacas de Erythrina cristagalli L. Paiva e Gomes (1995) afirmam que quanto mais juvenil for o material, maior será o sucesso no enraizamento. Assim, recomendam induzir as plantas a um estádio juvenil por meio de podas sucessivas, com o aproveitamento das brotações. Conforme Johnson e Hamilton (1997), citados por Roncato et al. (1999), a alta intensidade de luz promove a ativação da enzima AIAoxidase, que destrói a auxina. Dessa forma, o nível de auxina deve ser mais elevado em plantas desenvolvidas sob luz reduzida. Dutra et al. (2000) citam trabalhos usando a exclusão da luz para promover o enraizamento adventício de varias espécies. Segundo Hartman e Hansen (1957), citados pelos autores, isso ocorre pelo aumento no conteúdo de auxina e de outras substâncias que são instáveis na presença de luz, e por manter os níveis endógenos de auxina elevados. Os autores associam o incremento do enraizamento com a redução da radiação, sugerindo que a síntese de inibidores naturais de crescimento é dependente de luz. A variação no enraizamento pode ser atribuída à constituição genética dos materiais, ao estado nutricional das estacas, à sanidade e a época de colheita das estacas (Antunes et al., 2000). Verger et al. (2001), além de recomendarem a juvenilização de plantas matrizes para retirar as estacas, advertem que fatores climáticos naturais, como temperatura e fotoperíodo, também podem explicar efeitos de anos de maior ou menor sucesso em estaquia, sugerindo repetir os mesmos experimentos em anos subseqüentes, caracterizando a fundo o material vegetal de origem. 142 Conforme relata Verger et al. (2001), é essencial definir protocolos precisos que detalhem as condições experimentais e os fatores testados, definindo critérios simples de avaliação dos resultados, percentual e, principalmente, qualidade do enraizamento (simetria do sistema radicular), assim como percentual de sobrevivência após a fase do enraizamento. Dados registrados permitirão a geração de um dossiê do modo operacional de estaquia para cada espécie. Enfim, em parte é o que se buscou alcançar para a Erythrina cristagalli L. com este trabalho. 4 CONCLUSÕES Nas condições em que os experimentos foram conduzidos, os resultados obtidos permitem concluir que: - estacas herbáceas de Erythrina cristagalli L., coletadas de plantas jovens, com menos de um ano de idade, são as mais indicadas para a propagação desta espécie; - o uso do AIB à partir de 1000 mg L-1 pode retardar a mortalidade das estacas aumentando significativamente a sobrevivência das mesmas, e com isso favorecer o enraizamento quando utilizadas estacas herbáceas de plantas jovens; - o comum ataque de insetos (brocas) aos ramos no habitat natural, recomendam a formação de matrizeiros no viveiro, para fornecer material juvenil e sadio em maior escala para a propagação por estaquia desta espécie. 143 CONSIDERAÇÕES FINAIS O cultivo de plantas nativas como ornamentais pode ser um meio de conservação e para isso precisamos conhecer seus aspectos biológicos. Arborizar cidades com nativas é um procedimento concreto para promover a biodiversidade e uma das formas de buscar difundir o conhecimento das mesmas. As fenofases de Erythrina cristagalli L. estão ligadas às variações climáticas e contribuem para que a espécie apresente máximo potencial ornamental juntamente à plasticidade que lhe confere incomparável beleza, rusticidade e alta adaptabilidade, além de atrair a fauna que provavelmente atua como polinizadora e dispersora de suas sementes. Devido a esses fatores, a espécie possui grande aplicabilidade em uso paisagístico. A anatomia comparativa de E. cristagalli em ambientes distintos mostrou diferenças e semelhanças estruturais significativas entre os exemplares estudados sendo que as características mais divergentes foram encontradas no mesofilo foliar quanto à distribuição e formato do parênquima clorofiliano e nos feixes vasculares, quanto às características do xilema mostrando a interferência e importância dos fatores ambientais nas espécies vegetais. O alto número de sementes atacadas por insetos representa um grande problema para a propagação natural da mesma, pois diminui grandemente a viabilidade das mesmas além de servirem como vetores de fitopatógenos. Além disso, a ausência de normas técnicas para o teste de germinação dificultou a realização do mesmo. As sementes apresentaram baixo vigor e tiveram um longo período de germinação, em média 2 a 3 144 sementes por semana, por 180 dias. As sementes apresentaram dormência física, chamada dureza, devido ao tegumento impermeável à água. As sementes coletadas no ambiente natural apresentaram maior índice de dormência, provavelmente em adaptação às condições ambientais que podem ser mais desfavoráveis. Quanto à estaquia, o material juvenil de E. cristagalli L. é o mais indicado para enraizamento, provavelmente por possuir maior capacidade rizogênica, característica de plantas jovens, maior concentração de auxinas endógenas e apresentar melhores condições de sanidade em relação às estacas lenhosas e semilenhosas, estas também apresentaram alto grau de lignificação dos tecidos o que prejudicou a formação de raízes adventícias. As condições do material encontrado a campo não foram favoráveis à propagação vegetativa em viveiro, sendo de suma importância a formação de matrizeiros nestes, oferecendo material juvenil em maior escala para a eficiente propagação vegetativa por estaquia desta espécie a nível comercial. Entretanto, vislumbra-se a propagação por estaquia de material lenhoso diretamente em áreas inundadas de matas ciliares, quando o objetivo é enriquecê-las com esta espécie, se ela já estiver presente. Deste modo, a corticeira além de sua bela plasticidade, tronco rugoso e tortuoso, estrutura mista, folhagem delicada e floração exuberante, interage com a fauna e flora, atraindo aves e insetos, e portando nas ranhuras de seu tronco grande diversidade de epífitas. Em função de sua excelente adaptabilidade em ambientes tão diversos, verifica-se ser possível a instalação de capões de erythrinas ou “ceibais” 145 em ambientes urbanos e secos, graças ao emprego das técnicas do jardim clonal. DIRETRIZES 1 Para produtores Como produzir mudas de Erythrina cristagalli (corticeira do banhado)? Através das sementes: A corticeira frutifica todos os anos. No entanto, as sementes são dormentes e fortemente atacadas por insetos; Pode-se obter em torno de 25% de germinação das sementes sem escarificação; A germinação é lenta devido à dormência, germinando em média 2 a 3 sementes por semana por vários meses (5 a 6 meses); Através da estaquia: Para propagar a espécie por estaquia recomenda-se o uso de estacas de plantas em crescimento juvenil, podendo ser obtido, nesta técnica, em torno de 93% de enraizamento das estacas; Recomenda-se a formação de matrizeiros em viveiro, nos quais pode ser mantida a juvenilidade das plantas através de poda ou estiolamento forçado. 146 2 Para paisagistas A corticeira pode ser usada em diferentes ambientes, desde condições de alagamento até solos mais secos, de preferência usar em ambientes alagados, estagnados e de drenagem lenta, ao invés de locais com fluxo rápido (direto no leito do rio); É uma excelente espécie para uso em recomposição de áreas degradadas por ser de fácil adaptação e crescimento rápido; É indicada para paisagismo em áreas ribeirinhas, marcando e valorizando as margens de rios, riachos e córregos; Apesar de preferir locais úmidos se adapta muito bem à solos bem drenados, podendo ser usada em paisagismo de parques, jardins e meios urbanos, desde que tenham bastante espaço livre pois sua copada é ampla e pode deixar cair galhos; Não é recomendado seu uso em arborização de vias públicas, por ser de porte baixo (6 a 10 metros) e diminuir a visibilidade do transito. 3 Para pesquisadores Alguns estudos complementares são necessários para otimizar a produção e uso da espécie em arborização. Aspectos relacionados ao vigor das sementes; Métodos eficazes de quebra de dormência das sementes da espécie, que provavelmente impermeabilidade do tegumento; esteja envolvida com a 147 Mais estudos é recomendado envolvendo estaquia da espécie, levando em conta diferentes tipos de estacas, idade da planta mãe e épocas do ano; Estudos de aplicação da espécie, em arborização urbana e revitalização de matas ciliares, também podem ser recomendado. 148 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AB`SÁBER, A. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê. 2003. 159 p. il ACOT, P. O Brasil e a constituição da ecologia cientifica no século XIX. Ciência & Ambiente, Santa Maria, n. 13, p 7-14, 1996. (Viajantes Naturalistas) AKI, A.; PEROSA, J. M. Y. Aspectos da produção e consumo de flores e plantas ornamentais no Brasil. Revista Brasileira Horticultura Ornamental. Campinas, v. 8, n. ½, p. 13-23, 2002. ANJOS, S. C. dos; MEDRI, M. E.; PIMENTA, J. A. 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