OS DESAFIOS DO ENFRENTAMENTO À POBREZA NO BRASIL Priscila Semzezem1 Jolinda Moraes Alves2 INTRODUÇÃO O Brasil passou por profundas mudanças a partir do final do século XX, nas suas dimensões: política, econômica e social, como consequências da reestruturação do modo de produção capitalista e do neoliberalismo, o que demonstra um cenário de precarização do trabalho, desemprego, desmonte de direitos trabalhistas e o mais relevante para este estudo, o empobrecimento dos trabalhadores. Diante disso, torna-se imprescindível analisar como está se dando o enfrentamento da pobreza no Brasil, tendo como parâmetro a proteção social não- contributiva e as tendências dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família e o mais recente Plano de Erradicação da Miséria, proposto pelo atual governo, em 2011. O estudo tem por objetivo apontar os desafios de enfrentamento da pobreza no Brasil, dando ênfase na proposta à proteção social não-contributiva, regulamentada no Brasil desde a Constituição Federal de 1988, utilizando como metodologia uma pesquisa bibliográfica e documental, com autores e documentos oficiais que abordam o tema. No primeiro momento será contextualizado o movimento sócio- histórico vivenciado pela sociedade brasileira, mais especificamente a partir do final do século XX, configurando as transformações do modo de produção capitalista em seu estágio monopolista, a acumulação flexível (reestruturação produtiva e organização do trabalho), diante das tendências neoliberais, que têm como consequências a precarização 1 Universidade Estadual de Londrina-UEL, Endereço: Rua Bernardino Bogo, 208 – Mandaguaçu/ Pr. Telefone: (44)3245-1351. Email: [email protected] 2 Universidade Estadual de Londrina-UEL, Endereço: Rodovia Celso Garcia (PR 445), Km 380 (CESA)/ Londrina/Pr. Telefone: (43) 33714245 Ramal: 4245. Email [email protected]. do trabalho e desmonte de direitos sociais, apontando para o aumento da situação de pobreza da classe que vive do trabalho. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil passa por profundas mudanças relacionadas à garantia de direitos. O Sistema de Seguridade Social, previsto no art. 194, garante o tripé das políticas da previdência social, saúde e assistência social. A primeira delas somente é garantida mediante contribuição dos seus destinatários. No entanto, a Carta Mágna reconhece a saúde e a assistência social como direitos universais de proteção não-contributiva, ou seja, como dever do Estado e direito de todos que delas necessitar. O sistema de seguridade social no Brasil foi criado mediante a concepção de um sistema de proteção integrado ao trabalhador, protegendo-o no exercício de sua vida laboral, e, na falta dela, seja pela velhice ou nos diferentes imprevistos, tendo para a cobertura ações contributivas pela política previdenciária. Com a constituição de 1988 foram reconhecidas proteções não-contributivas através das políticas de saúde e de assistência social. Colocadas as configurações deste cenário, o texto terá como foco a pobreza e a miséria no Brasil, as formas propostas para seu enfrentamento, dando ênfase à proteção social não contributiva e especificamente os programas de transferência de renda. Como considerações finais, este estudo tem por finalidade apresentar reflexões sobre a temática, fundamentadas em algumas inquietações teórico-metodológicas, a partir das inquietações de sujeitos dedicados à operacionalização das Políticas Sociais no Brasil. 2. O DESMONTE DOS DIREITOS DA CLASSE QUE VIVE DO TRABALHO Para discorrer sobre o panorama atual da sociedade faz-se necessário compreender as mudanças ocorridas no modo de produção capitalista, a partir do século XX, com a intensificação das tecnologias e a nova forma de acumulação. [...] tem-se um sistema que responde imediata e diretamente às demandas que são colocadas e que possui a flexibilidade para alterar o processo produtivo de modo que não se opere com grandes estoques, mas com estoque mínimo; de modo que se tenha um sistema chamado de produção ou acumulação flexível, que se adéqüe a essas alterações cotidianas do mercado. (ANTUNES, 1996, p. 79) A acumulação flexível apresentou uma forma diferenciada de viver em sociedade para responder as novas demandas, modificando a organização do trabalho, o que trouxe condições mais vulneráveis para os trabalhadores. Na sociedade capitalista a única forma de sobrevivência para os indivíduos que não possuem meios de produção, é através do salário, que garante as suas necessidades, que o trabalhador recebe mediante a venda da sua força de trabalho. Com a estratégia da flexibilização as relações de trabalho sofrem consequências diretas. [...] é uma imposição à força de trabalho para que sejam aceitos salários reais mais baixos e em piores condições. É nesse contexto que estão sendo reforçadas as novas ofertas de trabalho, por meio de denominado mercado ilegal, no qual está sendo difundido o trabalho irregular, precário e sem garantias. (VASAPOLLO, 2006, p. 46) Tais mudanças afetam diretamente a forma de sobrevivência dos trabalhadores, ao criarem novos mecanismos de expulsão de força de trabalho e novas formas de integração de trabalhadores excedentes. Desta forma, se antes havia mais postos de trabalho formais, através dos quais os trabalhadores possuíam garantias de proteção social, atualmente a flexibilização do trabalho vem sendo destrutiva dos direitos trabalhistas, com um grande número de trabalhadores exercendo sua função na informalidade sem garantias de proteção, o que gera grande insegurança. [...] É o mal-estar do trabalho, o medo de perder o próprio posto, de não poder mais ter uma vida social e de viver apenas do trabalho e para o trabalho, com a angústia vinculada à consciência de um avanço tecnológico que não resolve as necessidades sociais. (VASAPOLLO, 2006, p. 45) A precarização do trabalho, além de aumentar a exploração contribui, para o desmonte dos direitos trabalhistas. Percebe-se ainda, que esta nova organização do processo de trabalho enfraqueceu as formas de organização do trabalho, mais precisamente os sindicatos. Isso piora ainda mais a situação já que os trabalhadores não conseguem reivindicar direitos por melhores condições de trabalho, o que consequentemente leva cada vez mais ao desemprego e aumento da pobreza, tornando o mercado de trabalho instável e precarizado, como argumenta Vasapollo (2006): [...] muitas análises e investigações efetuadas por institutos e centros de estudos vinculados a organismos internacionais, tais como a Organização das Nações Unidas e o Banco Mundial, confirmam que o desemprego, as desigualdades distributivas, também vinculadas ao crescimento desmedido dos preços da produção e do consumo, e a cada vez maior precaridade do mercado de trabalho, têm aumentado e agravado o problema da nova pobreza. (VASAPOLLO, 2006, p. 52) Outro elemento em conjunto às condições dos trabalhadores é a implantação de uma nova política de desenvolvimento, a política neoliberal, que na década de 1990, por meio do Consenso Washington3, teve como principais características a liberalização comercial e de capitais, a privatização e a desregulamentação do trabalho. Foi requisitado aos países que realizassem políticas de ajustes estruturais por parte dos Estados, especificamente os países que estavam em condição subalterna aos organismos multilateriais, entre eles o Brasil, para que pudessem se adequar à nova dinâmica do capital, desta forma, todos os prejuízos foram centrados nos trabalhadores. As décadas de neoliberalismo aprofundaram a pobreza no mundo, a flexibilização e precarização do mercado de trabalho, a quebra de mercados nacionais e o enriquecimento do mercado financeiro, à custa do encolhimento do sistema produtivo. (COSTA, HORTA e ROLDÁN: 2010, p. 96): No Brasil, o processo de reestruturação na esfera do Estado foi marcado pela implantação de um efetivo controle inflacionário e de mudanças na economia que resultaram no agravamento das desigualdades econômicas e sociais, aumento no nível 3 A crise financeira e a explosão da crise da dívida externa nos anos 80 foram cruciais para disseminar pelo mundo as idéias do referido Consenso de Washington. No final da década de 1980, formulações elaboradas por um grupo de intelectuais foram sistematizadas por John Willianson, do Institute for International Economics, a serviço de instituições financeiras e do governo dos Estados Unidos. Essas formulações, que ficaram conhecidas como Consenso de Washington, deram origem ao modismo da subordinação do Estado ao Mercado. (FILHO, 2002, p. 3) E ainda Segundo Tavares e Fiori citado por Soares (2009, p. 16) O Consenso caracteriza-se “um conjunto, abrangente de regras de condicionalidades aplicadas de forma cada vez mais padronizada aos diversos países e regiões do mundo, para obter o apoio político e econômico dos governos centrais e dos organismos internacionais. Trata-se também de políticas macroeconômicas de estabilização acompanhadas de reformas estruturais liberalizantes. de desemprego e informalidade no trabalho. Esse processo resultou em contra-reformas do Estado, atingindo principalmente as políticas do ensino superior, previdenciária, sindical e trabalhista com consequências como destituição de direitos sociais e trabalhistas, privatizações e a desresponsabilização do Estado. É preciso ressaltar que, uma política neoliberal significa a destituição de direitos, pois a política econômica se sobressai em relação à política social, com a proposta em reduzir despesas. Isso significa o desmonte de políticas públicas universais, ampliando a seletividade através de programas especiais de combate à pobreza, à mercantilização dos serviços sociais, favorecendo o setor privado. Neste capitalismo da era neoliberal, direitos são liquidados, mercados financeiros são desregulados e o próprio sistema econômico coloca em questão a sobrevivência de milhares de trabalhadores e a estabilidade de países inteiros. (YAZBEK, 2010, p. 61) Além da flexibilização dos mercados, a política neoliberal tem outras características que apareceram em torno do capital, a mobilidade do capital e ao mesmo tempo a centralização do capital produtivo em escala mundial, o que representa consequências à classe trabalhadora: [...] esta convergência infernal é que tem suscitado no centro os surtos intensos de demissões de trabalhadores, a eliminação dos melhores postos de trabalho, enfim, a maníaca obsessão como a de redução de custos. Na periferia, a regra geral tem sido a imobilização das políticas fiscal e monetária pela necessidade de manter a confiança dos investidores. Daí o baixo crescimento, o aumento do desemprego estrutural e o avanço da pobreza.(SALAMA e DESTREMAU, 1999, p. 11) Como podemos observar, a acumulação flexível, a organização do trabalho flexível e o neoliberalismo, e a mais recente crise do sistema financeiro de 2008, trazem consequências aos trabalhadores. Surpreendidos pela situação de desemprego, na maioria das vezes são penalizados pela situação de pobreza. Segundo estimativas da OIT (Organização Internacional do Trabalho), em seu relatório de 2009, a crise de 2008 foi devastadora principalmente aos trabalhadores. O número de trabalhadores pobres- isto é, de pessoas que não ganham o suficiente para manter-se a si mesmos e suas famílias além do umbral da pobreza de 2 dólares ao dia por pessoa -pode aumentar até alcançar um total de 1,4 bilhão, o que representaria 45% do total de trabalhadores no mundo. e. Em 2009, a proporção com empregos vulneráveis – ou seja, trabalhadores que contribuem para o sustento familiar ou trabalhadores por conta própria com menor acesso às redes de seguridade que protegem contra a perda de renda durante tempos difíceis- poderia aumentar de maneira considerável no pior dos cenários e afetar até 53% da população com emprego. (OIT, 2009) É preciso ressaltar que o crescimento de uma camada da população trabalhadora que sofre com o pauperismo e extrema pobreza está presente na dinâmica do capitalismo contemporâneo. Diante deste cenário de incertezas, as agências multilaterais e Estados Nacionais têm desenvolvido formas direcionadas aos trabalhadores desempregados e pobres, no Brasil como explica Maranhão (2009): [...] as diversas formas de políticas de renda mínima que tem o objetivo de oferecer uma renda, alternativa à renda salarial, que se transforma em meio de subsistência para aqueles trabalhadores considerados pobres pela estatística oficial. ( MARANHÃO, 2009, p. 127) Diante desse quadro de pauperização da classe trabalhadora, o Estado brasileiro reconheceu o direito à assistência social destinado a todos que dela necessitarem, garantida com o status de proteção social não-contributiva. 3. A POBREZA E O SEU ENFRENTAMENTO NO BRASIL Os estudos sobre a situação de pobreza no Brasil perpassam pela análise de vários pontos específicos que foram sendo acumulados ao longo da história, sofrendo influências no plano econômico e político rebatendo diretamente na área social. No primeiro momento para buscarmos a compreensão da pobreza na cena contemporânea, cabe remeter a uma análise da formação da sociedade brasileira, ou seja, a trajetória histórica de sua população, como explica Sposati (1988): A trajetória do Brasil e da maioria dos brasileiros espelha fortemente a história de um povo colonizado por descobridores, mercadores, senhores da terra, senhores do capital, senhores do aparelho de Estado, senhores da comiseração, pelos donos do poder. Assim, miséria e vassalagem, pobreza e se a relação antiética seja escamoteada por algumas estratégias de gestão articuladas pelos que se fazem donos do poder.(SPOSATI, 1988, p. 19) Uma sociedade marcada pela dominação de uma minoria privilegiada, a qual coube exercer o poder político, econômico e social do país. A passagem do Brasil de um país agroexportador para um país industrializado ocorreu em curto espaço de tempo e as mudanças na área da economia não foram acompanhadas por mudanças sociais, conforme ressalta POCHMAN(2009). Nos países periféricos do sistema capitalista mundial, a transição do agrarismo para a sociedade urbano-industrial transcorreu sem a efetiva e consequente realização de revoluções ou reformas, o que implicou, em geral, prevalência do descolamento entre a melhora econômica e o avanço social. O Brasil, nesse sentido, constitui historicamente um dos principais exemplos internacionais de profunda diferenciação entre a modernização econômica e o atraso das condições de bem-estar social do conjunto da população POCHMAN (2009) Esse processo de desqualificação da classe trabalhadora agravou-se pelas consequências da questão social, característica do estágio monopolista do capitalismo. Segundo Yazbek (2007), a pobreza faz parte da expansão do capitalismo brasileiro contemporâneo, e esta expansão cria a população sobrante, o necessitado, o desamparado cuja tensão de cada dia requer a luta pela sobrevivência. A pobreza está presente com a urbanização acelerada e na consequente dificuldade de criar novos empregos e em número suficiente. Assim sendo, torna-se necessário ressaltar que a pobreza não está relacionada somente ao indivíduo despossuído de renda e que por algum motivo não consegue ter acesso à ela, mas, igualmente ao trabalhador que mesmo possuindo um salário, pago pelo valor de seu trabalho, não consegue com ele satisfazer as suas necessidades de sobrevivência. [...] ela compreende a totalidade dos assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua força de trabalho e que são despossuídos dos meios de produção, não tendo alternativa de sobrevivência senão vender a sua força de trabalho sob a forma de assalariamento. (ANTUNES, 2002, p. 109) A pobreza de que trata este estudo considera os desempregados, os assalariados sem emprego estável e os inativos, ou seja, aqueles sujeitos que fazem parte da classe trabalhadora, mas estão alijados do trabalho formal, e que portanto, não conseguem a garantia de sua proteção previdenciária e por isso vivem na incerteza. [...] é preciso lembrar que sua cobertura não é plena. Trabalhadores, militares e servidores públicos somam 66,6% dos empregos regulares. (PNAD,2009), ou seja, 33,4% dos trabalhadores não acessam a previdência social. Não são todos os domicílios brasileiros cujo chefe tem garantida a substituição de sua remuneração do trabalho caso sofra qualquer adversidade. O risco e a incerteza lhes cercam. (SPOSATI, 2010) Historicamente para ter a cobertura da previdência social no Brasil é necessário o trabalho assalariado, por meio de um contrato formal de trabalho. Quanto ao trabalho precarizado, corresponde aos pobres economicamente ativos, ou seja, os que têm trabalho mas com renda insuficiente para garantir as suas necessidades básicas, ficaram descobertos do sistema de seguridade social até os anos 80 do século XX. O Brasil, por sua vez, possui outra particularidade. Uma importante característica deste país é a sua dualidade entre os altos níveis de desenvolvimento econômico e os elevados índices de pobreza. Trata-se de um país extremamente desigual, onde uma minoria concentra o grande capital, enquanto a maioria da população fica alijada das riquezas produzidas. O Brasil não é um país pobre, mas um país injusto e desigual, com muitos pobres. Os elevados níveis de pobreza resultam, primordialmente, da intensa desigualdade na distribuição da renda e das oportunidades de inclusão econômica e social. (BARROS, HENRIQUES E MENDONÇA: 2000, p. 01) Analisando a pobreza no Brasil sob a ótica do processo de desigualdade e em particular a desigualdade de renda, é possível afirmar que o país possuí recursos suficientes para o enfrentamento à pobreza. De acordo com os dados do PNUD (2005), a desigualdade está relacionada à distribuição de forma não igual entre as pessoas ou regiões de um país. Porém, a desigualdade não está relacionada somente à renda, é possível apresentar como desigualdade a questão da raça negra e mulheres que sofrem com a pobreza e discriminação. Este estudo tem por objetivo analisar como a pobreza vem sendo enfrentada no Brasil. Para tanto, há que se considerar igualmente, as situações de desigualdade no País. Ser pobre não significa somente a ausência de renda, mas a privação de acesso aos serviços e a destituição de direitos. O modelo de proteção social não-contributivo, regulamentado no país, e os planos de governo a partir de 2004 tem indicado formas de superação da pobreza no Brasil, que tem servido de modelo para outros países. Segundo Jaccoud: [...] A proteção social pode ser definida como um conjunto de iniciativas públicas ou estatalmente reguladas para a provisão de serviços e benefícios sociais visando enfrentar situações de risco social ou privações sociais. (JACCOUD: 2009, p. 58) A pesquisadora considera em seus estudos que a proteção social brasileira nos últimos anos tem sido capaz de enfrentar a pobreza e a desigualdade no país. Nos últimos anos, o governo do Brasil se aproximou, como nunca, dos mais pobres. Assim, 28 milhões de brasileiros saíram da pobreza absoluta e 36 milhões entraram na classe média. Também o pesquisador Marcos Pochman (2010) indica alguns dados de redução das taxas de pobreza, que permitem entender a situação brasileira: No ano de 2008, por exemplo, a força dos benefícios da Previdência e Assistência Social somada à elevação do valor real do salário mínimo evitou que quase 45% dos brasileiros se encontrassem na condição de pobreza extrema. Em 1988, a pobreza atingia 41,7% da população e o índice Gini de desigualdade da renda do trabalho era de 0,62. Duas décadas depois, a taxa de pobreza caiu para 25,3% dos brasileiros (queda de 39,3% em relação a 1988) e a desigualdade da renda diminuiu para 0,54 (redução de 11,7%). (POCHMAN, 2009) No entanto é também necessário inserir a proteção social não-contributiva na agenda pública, ou seja, no planejamento e financiamento das políticas econômicas e sociais, que apresentem resultados efetivos e mudanças na vida da população. Assim sendo, o combate à pobreza não se pode resumir a programas de transferência de renda. Seu enfrentamento, complexo e multidimensional, necessita mobilizar não apenas os benefícios sociais de manutenção de renda, sejam eles de natureza contributiva e não contributiva. A eles devem articular políticas sociais que ofertam serviços, equalizam oportunidades, garantem acesso a padrões mínimos. (JACCOUD: 2009, p. 71) Para a efetivação de um sistema universal da proteção social não-contributiva no Brasil, ainda são necessárias duas mudanças, segundo Sposati (2009): a primeira está no âmbito da responsabilidade do Estado através de seus órgãos públicos e a segunda está em vincular a assistência social, como uma política pública através da ação estatal planejada, apontando os resultados e a intervenção. Podemos observar que o debate está pautado na mudança de concepção sobre em que consiste a proteção social não contributiva, ou seja, desvincular a proteção a uma idéia de amparo, favor, assistencialismo. É preciso o entendimento de que é um direito do cidadão e precisa de ações por parte do Estado que contemple esse direito no âmbito da seguridade social Deve-se levar ainda em consideração, os estudos realizados por Mota (2009), em que ressalta que a assistência social pode estar se constituindo como um mito: O argumento central é o de que as políticas que integram a seguridade brasileira longe de formarem um amplo e articulado mecanismo de proteção, adquiriram a perversa posição de conformarem uma unidade contraditória: enquanto avançam a mercantilização e privatização das políticas de saúde e previdência, restringindo o acesso e os benefícios que lhes são próprios, a assistência social se amplia, na condição de política não contributiva, transformando-se num novo fetiche de enfrentamento à desigualdade social, na medida em que se transforma no principal mecanismo de proteção social no Brasil. (MOTA, 2009, p. 133) O modelo brasileiro de proteção social não contributiva se apresenta como referencia e ganhou destaque mundial através dos programas de transferência de renda como o Bolsa Familia4 e o mais recentemente Plano Brasil Sem Miséria5, proposto pelo atual governo. Os dados do IBGE6 revelam que existem 16,27 milhões de pessoas em extrema pobreza, o que representa 8,5% da população total. Embora apenas 15,6% da população brasileira resida em áreas rurais, dentre as pessoas em extrema pobreza, elas representam pouco menos da metade (46,7%). A outra parte (53,3%) situa-se em áreas urbanas, onde reside a maior parte da população – 84,4%. O objetivo do Plano Brasil Sem Miséria é elevar a renda e as condições de bemestar da população. As famílias extremamente pobres que ainda não são atendidas serão localizadas e incluídas de forma integrada nos mais diversos programas de acordo com as suas necessidades. A finalidade do plano é promover a inclusão social e produtiva da população extremamente pobre, tornando residual o percentual dos que vivem abaixo da linha da pobreza, assim se propõe elevar a renda familiar per capita, esta garantia se dará por meio da busca ativa e ampliação do Bolsa Família para a cobertura de 800 mil famílias, ele sofrerá modificações no limite filhos ao invés de 3 serão 5. Propõe-se ampliar o acesso aos serviços públicos com a adoção de novas abordagens para melhorar o atendimento à população extremamente pobre e os locais de 4 O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. O Programa possui três eixos principais: transferência de renda, condicionalidades e programas complementares. A transferência de renda promove o alívio imediato da pobreza. As condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social. Já os programas complementares objetivam o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários consigam superar a situação de vulnerabilidade. O Programa é instituído pela Lei 10.836/04 e regulamentado pelo Decreto nº 5.209/04 (MDS/2011). 5 Mais informações sobre o Plano Brasil sem Miséria podem ser encontradas no seguinte endereço: www.brasilsemmiseria.gov.br. 6 Foi solicitado ao IBGE que realizasse um recorte para incluir apenas as pessoas residentes em domicílios com perfil de maior probabilidade de encontrar-se em extrema pobreza. Os critérios adotados para estimar esta parcela da população dentre os sem rendimentos foram os seguintes: Sem banheiro de uso exclusivo; ou Sem ligação com rede geral de esgoto ou pluvial e não tinham fossa séptica; ou Em área urbana sem ligação à rede geral de distribuição de água; ou, Em área rural sem ligação à rede geral de distribuição de água e sem poço ou nascente na propriedade; ou, Sem energia elétrica; ou, Com pelo menos um morador de 15 anos ou mais de idade analfabeto; ou, Com pelo menos três moradores de até 14 anos de idade; ou, Pelo menos um morador de 65 anos ou mais de idade.O contingente de pessoas sem rendimento que obedeceram às restrições foi calculado em 4.836.732, correspondente a 70,7% do total de pessoas sem rendimento. Este contingente foi somado aos 11.429.110 com rendimento médio domiciliar per capita entre R$ 1,00 e R$ 70,00. (Plano Brasil Sem Miséria, 2011) referência ao acesso serão os sete mil CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) existentes em todas as unidades da federação. E ainda se propõe ampliar o acesso às oportunidades de ocupação e renda através de ações de inclusão produtiva nos meios urbano e rural, cuja proposta é aumentar a produção no campo e gerar ocupação e renda na cidade. No meio urbano serão pautados na qualificação profissional, oportunidades, economia solidária, microcréditos e microempreendor individual. Na área rural o aumento da produção se dará através do acesso aos meios de produção, assistência técnica e acompanhamento das famílias, acesso aos mercados e alto consumo. O plano prevê o aumento e o aprimoramento dos serviços ofertados aliados à sensibilização e mobilização, para a geração de ocupação e renda e a melhoria da qualidade de vida. As ações incluirão os seguintes pontos: documentação; energia elétrica; combate ao trabalho infantil; segurança alimentar e nutricional: cozinhas comunitárias e bancos de alimentos; apoio à população em situação de rua, para que saiam desta condição; educação infantil; Saúde da Família; Rede Cegonha; distribuição de medicamentos para hipertensos e diabéticos; tratamento dentário; exames de vista e óculos; assistência social, por meio dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS). Pode-se observar que o Plano de Erradicação da Miséria terá ações nacionais e regionais baseadas em três eixos: renda, inclusão produtiva e serviços públicos. Sua proposta de acabar com a extrema miséria, se dará através de programas de transferência de renda, qualificação para o trabalho, inclusão produtiva e acesso às diferentes políticas sociais, como a saúde, educação, segurança alimentar. No entanto há que se questionar até que ponto este plano governamental não se resumirá a ações de reprodução das condições de desigualdade dos brasileiros que vivem abaixo da linha da miséria. A pobreza é constitutiva do modo de produção capitalista, e portanto não poderá ser extinta. A verdadeira forma de erradicar a pobreza se daria pela garantia do trabalho a essas famílias. Na atual sociedade capitalista não há trabalho para todos, por sua vez, o exército industrial de reserva faz parte da composição e sobrevivência de tal sistema produtivo. O atual cenário, que é composto pela precarização do trabalho e desmonte dos direitos da classe que vive do trabalho é desenhado pelos ex-trabalhadores assalariados que agora são pequenos empreendedores ou trabalhadores por conta própria que até conseguem comprar alguns dos serviços disponíveis no mercado, por exemplo, planos de saúde e previdência social que conseguem pagar, os demais desempregados engrossam na fila da pobreza e da extrema pobreza. (MOTA, 2009) Os programas de transferência de renda e as ações da política de assistência social são importantes para a garantia de necessidades imediatas para os indivíduos que se encontram em situação de pobreza e de extrema pobreza, mas não têm em si a capacidade de erradicar a pobreza, além de serem focalizados às parcelas mais empobrecidas da população. Um sistema de proteção social universal fortalecido precisa garantir o direito ao trabalho, e na ausência deste, garantir segurança de renda a todos que se encontram desprotegidos. Desta forma, a proteção social deve ser entendida como direito, tendo a compreensão de que pobreza significa, além de ausência de renda, condições desiguais de vida. A atual conjuntura do modo de produção capitalista vem demonstrando cada vez menos espaços de trabalhos formais, precarização do trabalho, informalidade, o empobrecimento da classe trabalhadora. Assim a proteção social deve causar impactos, através de mudanças de vida na população, se universalizando, trazendo debates em diversas áreas, ampliando a cobertura de todas as políticas sociais a todos que delas necessitarem, para que realmente se efetive como direito social garantido. CONCLUSÃO A partir do final do século XX, com o desmonte dos direitos, os trabalhadores que não possuem trabalho, ou os que trabalham, mas com os seus rendimentos não conseguem suprir as necessidades básicas acabam entrando na linha da pobreza. O que significa que para garantir o seu sustento necessita de ações, que hoje são reconhecidas como dever do Estado e direito do cidadão, no entanto cada vez mais as políticas sociais são direcionadas e focalizadas aos mais pobres e um sistema de proteção social que deveria ser universal não se efetiva enquanto tal. O que nos remete a pensar de quais serão as ações implementadas pelo Estado no sentido de garantir a proteção a esta parcela da população que vem aumentando composta pelos trabalhadores empobrecidos, desempregados e os que, por algum motivo, não conseguem estar aptos ao trabalho. Em relação ao modelo de proteção social não contributiva ainda trava diversos debates no seu entendimento e compreensão. De fato a proteção não-contributiva está garantida como direito constitucional, mas, necessita que seja reconhecida e efetivada. É preciso destacar que a erradicação da pobreza somente se efetiva com um amplo sistema de proteção social. Assim o maior desafio é pensar as políticas sociais em tempo de ofensiva neoliberal e desmonte de direitos, que contemplam o sistema de proteção social, aliadas ao planejamento, financiamento, monitoramento e avaliação, ou seja, ações que garantam resultados, mas, para isso, é imprescindível a articulação entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES. Ricardo. A crise, o desemprego e alguns desafios atuais. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 104, p.632-636, Out/ Dez. 2010. ______________. Dimensões da crise e metamorfoses do mundo do trabalho. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 50, p.70-86, Abr., 1996. BARROS, HENRIQUES e MENDONÇA, Ricardo Paes de. Ricardo. Rosane. Evolução recente da pobreza e da desigualdade: marcos preliminares para a política social no Brasil. Disponível em:. http://vsites.unb.br/face/eco/seminarios/sem100.pdf. Acesso em 05/11/2110. COSTA, Candida. HORTA, Carlos Roberto. ROLDÓN, Iria Martha. 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