a educação escolarizada deve ensinar o homem a

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A EDUCAÇÃO ESCOLARIZADA DEVE ENSINAR O HOMEM A
CONHECER, FAZER, VIVER JUNTOS E SER.
PEREIRA, Ana Maria – UEL
[email protected]
Eixo Temático: Cultura, Currículo e Saberes
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O presente trabalho que se apresenta é parte de uma tese de doutoramento e inscreve-se no
contexto dos desafios de uma nova profissionalidade dos docentes, à luz da Ciência da
Motricidade Humana, ciência que defende a transição da Educação Física para a Motricidade
Humana, redefinindo a matriz teórica e o objeto de estudo de uma área de conhecimento, para
que se efetive uma intervenção no âmbito da escola mais humanizadora e competente. A
questão que colocamos em causa neste trabalho é se as práticas pedagógicas têm efetivado
processos de educação que ensinam o educando a ser práxico. A escola ensina a criança, o
jovem a agir no mundo-da-vida? É um estudo qualitativo, em educação, comprometido com a
Ciência da Motricidade Humana e, também, com a construção de uma escola e de uma
educação enquanto projeto social e, sobretudo, enquanto projeto antropológico, que visa à
excelência da condição humana. Para o desenvolvimento da pesquisa analisou-se os discursos
dos textos e dos contextos da revisão literária das mais variadas fontes e documentos, sendo
as interpretações de raciocínio dialético. Acredita-se que os pressupostos e fundamentos da
Motricidade Humana podem desencadear possibilidades e competências para uma intervenção
docente que seja pautada na educação práxica, para que o educando aprenda a conhecer, ser,
estar e viver juntos.
Palavras-chave: Motricidade. Homem práxico. Educação escolar.
Introdução
Ser humano práxico é aquele que faz movimentar a História com sentido e com
significado; é ser humano que faz cultura, é ser humano ativo no exercício da criação, da
expressão e da busca da liberdade; é ser humano que se revela crítico na tomada de decisão e
de oposição; é ser humano que resolve problemas; é ser humano ético e solidário; ou seja,
conforme Jacques Delors (1998) é ser humano que sabe ser, sabe estar, sabe fazer, sabe
comunicar, sabe compartilhar e desenvolver uma cultura da paz. É humano educado para
transcender em busca do sonho que comanda e faz pulsar a vida.
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A educação escolar tem como finalidade a educabilidade do ser humano práxico. Para
ensinar o educando a ser práxico é preciso que o educador também saiba ser práxico. Ser
práxico depende da ousadia do educador em acreditar e ter convicção de que mudar é preciso,
de que mudar é possível. O exercício da praxidade depende da coragem e do compromisso em
desenvolver projetos, sendo estes pessoais e coletivos.
A discussão sobre ensinar o ser humano a ser práxico está sendo estudada por alguns
profissionais da área ainda denominada Educação Física. No âmbito da Educação Física há
uma teoria contemporânea, do português Manuel Sérgio, intitulada: Ciência da Motricidade
Humana. Esta ciência nasceu baseando-se no paradigma emergente, o da complexidade, e tem
como objeto de estudo o corpo em ato, traduzido em uma motricidade/corporeidade do
homem inteiro e global, que se movimenta intencionalmente rumo à transcendência.
A Motricidade efetiva um corte epistemológico com a Educação Física fundada sob a
égide do paradigma tradicional racionalista cartesiano, em que o movimento se pautou numa
educação de um físico tão só, e busca a semovência humana, que nada mais é do que ensinar
o ser humano a se movimentar por si só e a buscar a superação de seus próprios limites.
Na escola a Motricidade é um Projeto Esperança e sugere um ensino dos conteúdos
do esporte, jogo, luta, dança e ginástica orientado pelos princípios da problematização, da
educação da cidadania, atentos à ética e ao mundo da vida real dos educandos.
O ensino orientado pela problematização
Para aprender a ser e a estar no mundo de forma autônoma e crítica é necessário que o
educador reconheça e aceite o educando como ser-agente-encarnado, nas mais diversas
situações da práxis pedagógica. A concepção de ensino orientada pela problematização ou
soluções de problemas favorece e fomenta um processo em que suscita a […] relação açãoreflexão-ação transformadora (CYRINO et al, 2004, p. 784). A problematização tem sido
proposta “[…] como metodologia de ensino, de estudo e de trabalho, para ser utilizada sempre
que seja oportuno, em situações em que os temas estejam relacionados com a vida em
sociedade”. (BERBEL, 1998, p. 142). Essa concepção permite ao educador propor uma forma
de trabalho criativo em que não se preocupa somente com “o que” ensinar, mas, sobretudo,
com “o por que” e “como” o educando aprende.
Ressalta-se o ensino pela problematização, porque à luz dessa concepção existe o
reconhecimento da necessidade de ruptura com o ensino tradicional e um movimento concreto
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rumo a mudanças no contexto educacional. Manuel Sérgio, na esteira de Paulo Freire, admite
que a alternativa à educação bancária “[…] está na educação problematizadora, que não se
resume à acumulação de conhecimentos, mas à conscientização do que nos exige a nossa
situação social e política”. (SÉRGIO, 2005, p. 93).
A educação problematizadora esforça-se no sentido de interpretar a realidade, de
conhecer os problemas dessa mesma realidade e de mobilizar para intervenção na resolução
dos problemas identificados. Nessa concepção, os conteúdos estudados não se limitam a
transmissão de informações apenas, na qual os educandos são vistos como seres passivos,
preocupados tão-só em resgatar essas informações quando solicitados, normalmente, em
avaliações. Os conteúdos são tratados perspectivando o aprendizado do mesmo aliado à
atitude crítica, com objetivos de educar pessoas, seres ativos, para agirem politicamente. Por
isso, “[…] está presente, nesse processo, o exercício da práxis e a possibilidade de formação
da consciência da praxis”. (BERBEL, 1996, p. 142).
Sugerir o ensino do esporte, da luta, do jogo, da ginástica, e da dança sob o paradigma
da Motricidade e orientado pela problematização deve-se ao fato de que essa concepção pode
ser uma alternativa para consolidar rupturas radicais com as estruturas cristalizadas e com os
modelos pautados nas rotinas e nas reproduções de gestos deixados pela tradicional Educação
Física. Porque, no ato pedagógico, nos limitarmos tão-só às aprendizagens teóricoinformativas e prático-técnico-prescritivas, se podemos privilegiar os conteúdos das aulas em
torno de eixos temáticos significativos, debates e resoluções de problemas? Ora, se
perspectivamos a formação de um educando ativo, crítico, autônomo e liberto, ou seja, um
autêntico ser humano práxico, temos de nos aproximar de metodologias que concebam a
educação como prática de liberdade e como desenvolvimento da consciência crítica.
Paulo Freire defendeu a problematização e enfatizou, essencialmente, o sujeito
práxico. A ação de problematizar deve decorrer da realidade na qual está inserido o sujeito
práxico, sendo que a busca da explicação e da solução dos problemas visa à transformação
daquela realidade, transformação essa concretizada pela ação do próprio ser humano (via
motricidade ou intencionalidade operante). E essa ação nada mais é do que a práxis. Não nos
esqueçamos de que ser práxico é ser que faz História e “[…] só há História onde há tempo
problematizado e não pré-dado”. (FREIRE, 1977, p. 72). O ser humano práxico se transforma
e transforma o outro na ação de problematizar, bem como na procura das soluções dos
problemas colocados e/ou identificados.
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Essa relação dialógica pode vir a ser uma estratégia de ensino-aprendizado que
desencadeia um processo de emancipação, tanto do educando quanto do educador.
No confronto ativo com os problemas que envolvem a motricidade humana/conduta
motora, os educandos podem aprender, apreender e compreender, os conteúdos da Educação
Motora, ramo pedagógico da Motricidade Humana, descobrir o sentido e o significado das
mais diversas e variadas situações encontradas na dança, no esporte, na ginástica, no jogo, na
luta e outros. A problematização do ensino, nas aulas, tem por objetivo não apenas resolver as
tarefas e os problemas desse conhecimento no âmbito escolar, mas também tem a função de
ensinar o educando a observar a sua realidade, de forma crítica, para intervir para além dos
muros da instituição escola. A concepção de ensino pela problematização, em que os
conteúdos são oferecidos aos educandos na forma de problemas, favorece o exercício
dialético pautado na relação ação-reflexão-ação transformadora. Há uma interação práticateoria-prática, tendo como ponto de partida e de chegada o processo de ensino e de
aprendizagem, bem como a realidade social vivida. A experiência desse processo deve
provocar mudanças nas atitudes e comportamentos de educandos e de educadores, visando à
compreensão e à apreensão da cultura erudita e do desenvolvimento da consciência crítica.
Enfim, trabalhar com a concepção de ensino pela problematização é uma opção que
pode caber somente ao educador ou a toda a equipe pedagógica da escola. Por um lado,
sugere-se essa alternativa porque não requer grandes alterações materiais ou físicas na escola,
mas sim alterações na postura dos educadores e dos educandos no que se refere ao trato dos
conteúdos trabalhados nas aulas. Por outro lado, é uma alternativa de trabalho em que seu
expoente máximo é a ação-reflexão-ação transformadora. Defende-se essa concepção de
ensino porque ela revela aproximações com a práxis transformadora preconizada pela
Ciência da Motricidade Humana.
Ser práxico: tomada de decisão consciente e o exercício da cidadania
O ensino orientado pela metodologia da problematização pode propiciar habilidades e
competências para a tomada consciente de decisão, pois essa concepção de ensino suscita
uma preocupação ética de educar e formar sujeitos-agentes, ou seja, sujeitos-autores-atores
que possam atuar de forma autônoma, criativa, crítica e com responsabilidade na sua vida
individual e, por extensão, coletivamente. O educador, em sua experiência educativa, ao
reconhecer a necessidade de ensinar o educando a tomar decisões, de forma consciente e de
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modo crítico admite a simultaneidade para a formação do cidadão. Na concepção de ensino
anteriormente defendida o processo privilegia a atuação e a participação do educando na
resolução de problemas aplicados à sua realidade social. “[…] A educação para a cidadania
dá-se na participação no processo de tomada de decisão”. (GADOTTI, 1995, p. 261). O
educando aprende a tomar decisões quando lhe é permitido a participação democrática em um
conjunto de ações compartilhadas no âmbito de uma unidade social, que é a aula, e numa
interação dialética entre educador, educando, objeto de estudo e mundo vivido. Participação e
tomada de decisões conscientes implicam a possibilidade da formação do educando-cidadão,
personagem ativo do seu destino e futuro ser-práxico-cidadão, autor e in-ter-ventor de sua
própria história e aprendiz durante toda a vida.
É indispensável, no contexto das aulas, que o educador fomente a participação do
educando como ser práxico. A participação é um conceito nuclear, porque “participatio”
(latim: pars-in-actio) quer dizer ter parte na ação. E para participar da ação é necessário ter a
oportunidade de agir e de tomar parte nas decisões que orientem o agir. Atente-se! Não basta
participar e ter responsabilidade na ação. É necessário decidir, atuar de forma consciente, na
ação, pois só assim se alcançará a dimensão de ser práxico. Ser práxico é aquele que participa
da ação, com decisões lúcidas, e mostra o que a ação verdadeiramente é. A aula tem que ser,
necessariamente, um espaço onde se educam pessoas para a transcendência. Portanto, deve
garantir o exercício da cidadania, o exercício da humanidade e o exercício da cultura da paz.
O exercício da cidadania nos convida a pensar criticamente sobre os nossos gestos motores,
pensar sobre a nossa a cultura de movimento historicamente construída, pensar sobre nós
mesmos, a pensar certo sobre a vida, pensar sobre a escola, a cidade, o país, o mundo. Eis a
educação da e para a era planetária mencionada por Edgar Morin. Aprender a pensar certo é
um imperativo da educação a favor da tomada de decisão, que radica na possibilidade da ação
coerente e na capacidade em realizar ações opcionais, de modo a exercer coerência, bom
senso e ética.
Moacir Gadotti (2003) nos ensina que “[…] precisamos garantir o direito de escolha às
nossas crianças. O direito à esperança, à utopia, ao sonho, ao projeto”. Temos que educar as
crianças e os jovens por meio de processos em que se inscreve um aprendizado da ação de
participar e de tomar decisões. Assim, se educa um ser práxico politizado. O educador
práxico, à luz da Ciência da Motricidade Humana deve considerar a escola e a aula enquanto
projeto sociocultural. Isso quer dizer que todo projeto pedagógico é um projeto antropológico.
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Então, temos o compromisso e a responsabilidade de ensinar o ser a aprender a mover-se, a
mover-se para aprender, a mover-se para participar, a mover-se para tomar decisões éticas, a
mover-se para transformar; enfim, a mover-se para transcender. Quando se fala em
transcendência, significa que, em todas as situações, o ser humano é uma tarefa por cumprir.
A Motricidade na escola e a atenção à ética.
Um processo pedagógico de educação e de formação humana que perspectiva a
aquisição de habilidades e de competências para a tomada de decisões deve, necessariamente,
ter em atenção aos valores. A tomada de decisão deve fazer parte da ética da vida. A ética
deve fazer parte da tomada de decisão da vida. A tomada de decisão e a ética deveriam estar
sempre conectadas, mutuamente entranhadas na complexidade, porque, quando concebidas,
subordinam os fins e os meios às virtudes de amor, bondade, liberdade, verdade e justiça.
Isto mesmo fez Sócrates, conforme o atesta os Diálogos de Platão. Todavia, como nos ensina
Edgar Morin (2004), na esfera planetária em que vivemos atualmente, diante da pluralidade
de indivíduos e da diversidade cultural da sociedade globalizada temos a cultura, ao mesmo
tempo em que temos as culturas. Assim, torna-se impossível prescrever ou impor um
conjunto de regras comportamentais e costumes a serem praticados.
Isso significa que fica difícil expor uma teoria de virtudes pautadas na razão, como o
faziam Platão e Aristóteles, ou ainda, como o preconizou Kant, quando se baseou numa ética
racional de validade universal, que se apoiava a igualdade fundamental entre os homens. E até
mesmo Habermas, especialista em teoria crítica, com sua ética discursiva baseada no diálogo,
em que os sujeitos deveriam ser capazes de se posicionarem criticamente diante das normas.
Com efeito, de Moisés a Sartre e cada um deles com idéias convergentes e divergentes entre
si, “[…] concordam que, em certo sentido, a ética é universal”. (SINGER, 2002, p. 27). Há
que considerar o debate e a reflexão sobre a ética de modo dialético e complexo, pois a
temática suscita diversidade e múltiplas derivações.
Todavia, não podemos esquecer que o ser humano decide a todo instante de sua vida.
As decisões e as escolhas são pessoais, sendo elas pautadas por valores, regras morais, ideais
de conduta, princípios religiosos, costumes, códigos de honra e ética social. Observa-se que o
campo da ética é vasto e suas grandes problemáticas de ordem teórico-prática encetam e
exprimem os dilemas da humanidade. A ética está no complexo dos valores e das atitudes do
ser humano, sendo esses valores transmitidos, via cultura, de geração a geração. A ética
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perpassa por todos os sectores sociais: transita na filosofia, na ciência, na biologia/bioética, na
economia, na indústria, no comércio, na política, no direito, na família, na religião, na
educação, nos meios de comunicação, nos sectores artísticos, nos desportos, entre outros.
Francisco Catão (1995) explica que vivemos num tempo de grandes e velozes
mudanças na sociedade contemporânea, o que provoca crises nos fundamentos do convívio
humano e, com isso, uma aparente falta de ética passa a ser evidenciada. Defrontamo-nos com
profundas alterações nas estruturas dos valores sociais vigentes.
Edgar Morin elucida que para enfrentar as incertezas da ação temos que recorrer a dois
meios, sendo eles a decisão e à estratégia. O primeiro meio aposta na escolha consciente e
refletida de uma decisão, que é a […] decisão ética. O segundo meio considera a estratégia
em um cenário de ação que examina as certezas e as incertezas da situação, as probabilidades
e improbabilidades. Ele diz que as finalidades de uma estratégia devem estar ao serviço de
uma finalidade complexa, “[…] como aquela indicada pela divisa “liberdade, igualdade e
fraternidade”. (MORIN, 2004, p. 90). Os valores são referências que o ser humano utiliza
quando é confrontado com situações de escolha na realidade do mundo vivido. Então, os
processos de tomada de decisões devem estar carregados de valores éticos sociais, daqueles
que não são nocivos, maléficos e perversos ao bem comum, mas sim daqueles que procuram
uma sociedade-para-todos.
Ximenez (1998) explica que no âmbito educacional, formular uma educação ética
reconhecendo os valores sociais é tarefa árdua. A escola, como uma micro-sociedade, ao
contribuir para a educação do cidadão, também tem a tarefa de zelar pela formação ética e
moral das crianças e dos jovens. Entretanto, sabe-se que a escola não é a única instituição que
influencia a formação ética. A gerência da crise de carência de valores éticos positivos é da
responsabilidade da sociedade em geral. A comunidade em geral é a educadora ética por
excelência. A escola tem que ser responsável por uma práxis pedagógica comprometida com
uma práxis social transformadora, com objetivo de compreender a realidade e também de
interferir na construção do social, num processo de educação para a cidadania, podendo
fomentar a reflexão dos valores presentes na sociedade.
Torna-se indispensável que o educador, na medida em que vai construindo o
conhecimento, também ensine a compreensão humana, perspectivando a evidência de valores
humanitários em detrimento de atitudes e de comportamentos perversos. É necessário assumir
uma práxis que seja simultaneamente reflexo e projeto, em que se incluam os componentes
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básicos da estrutura ética, tais como: consciência, aspirações, liberdade, lei, direitos e deveres,
justiça, fidelidade, amor, solidariedade, etc. Isso tudo, levando em conta o contexto globalterrestre do mundo vivido do ser humano complexo, bem como sua unidade antropológica e
as diferenças individuais e culturais.
Um aspecto que merece ser evidenciado é que a escola não é um espaço de imposição
autoritária de normas ou de ensino de valores, visando à formação de seres dóceis e
subservientes, pautada na exigência coagida de certas formas de comportamento, mas também
não é espaço permissivo de indisciplina e rebeldia desmedida e perversa. A escola é um lugar
frequentado por muitas pessoas, necessitando assim de uma disciplina regulada, um modus
operandi, em que se favoreça a organização de uma convivência possível e saudável, para
aquisição de conhecimentos, desenvolvimento das habilidades e competências para pensar
criticamente, para avaliar, enfim, para construir convicções próprias, bem como agir de forma
autônoma e com ética.
Nessa dimensão, entendemos que o profissional de Educação Física deve ter atenção
aos princípios éticos, a partir de situações concretamente vividas nos temas que aborda a
Ciência da Motricidade Humana: a dança, o desporto, o esporte, a ginástica, o jogo, a luta,
entre outros. A ética deve, necessariamente, estar presente na orientação da práxis pedagógica
das nossas aulas, pois ao lado das outras disciplinas pode contribuir para a educação e a
formação dos educandos, para que eles possam atuar como cidadãos em processos
democráticos, tomando decisões e agindo, com responsabilidade e compromisso individual e
social.
Manuel Sérgio defende uma Motricidade Humana em que “[…] se faz pedagogia da
dimensão infinita do absoluto, longe de todo o cálculo e de toda a medida. E a gerar assim
uma nova ética, na qual o educando não se reduz ao estatuto do objecto”. (SÉRGIO, 1995,
171) Isso significa que a Educação Motora deve mobilizar a aprendizagem dos seus conteúdos
de modo que ajude os educandos a vencerem os determinismos impostos e, também, a
identificarem, a refletirem e a superarem as patologias sociais que nos debilitam.
Dessa forma, fomentar o diálogo sobre as mais diversas questões que dizem respeito à
justiça, à solidariedade e ao respeito mútuo, enfim, ética e cidadania. Vislumbram-se para as
aulas de Educação Motora:
A convivência harmônica entre os educandos do sexo masculino e do sexo feminino,
(a sabedoria de eliminar preconceitos e discriminações em relação ao sexo);
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A convivência harmônica entre as diferentes pessoas, designadamente, etnia, religião,
cultura, ou ainda, pessoas portadoras de necessidades especiais, (a sabedoria de conviver com
a diversidade multicultural e com o diferente e, também, o repúdio ao racismo);
O esclarecimento sobre a uniformização dos gestos e a quantificação desmedida que
limitam a corporeidade ao contexto do biológico e desrespeita a complexidade humana.
Porém, a reflexão e ação no sentido da perseverança em superar os limites adaptados e
anteriormente adquiridos. (a sabedoria em respeitar o ritmo próprio, ao mesmo tempo em que
busca a auto-superação);
A reflexão sobre os padrões de beleza, estética e saúde, impostos pela sociedade e,
também, sobre a utilização de drogas (anabolizantes e anfetaminas) para modificar as formas
corporais, (sabedoria em que vale a liberdade com responsabilidade, coerência e integridade
na construção do auto-respeito e do bem consigo mesmo);
O ensino da aquisição de hábitos saudáveis no que se referem a ausências de vícios
(tabaco, drogas, álcool, etc.), boa alimentação e higiene pessoal, na busca do bem-estar, da
saúde individual e coletiva, (sabedoria e zelo pela conservação da saúde e da qualidade de
vida);
O diálogo sobre questões que envolvem a violência, primando pela sua erradicação
nas atividades realizadas nas aulas da escola e fora dela. Ampliar o debate a respeito do que
tem acontecido no âmbito desportivo e, ainda, no confronto das torcidas/claques, (sabedoria
em resolver conflitos pelo dialogo e pela solidariedade, repudiando a violência).
Pode ainda, abordar a questão sobre o doping no âmbito do deporto competitivo e o
querer vencer a qualquer preço e custo, (sabedoria e compreensão para não usar drogas para
ficar à frente dos outros e, também não mentir, trapacear, enganar para obter conquistas);
Ensinar a compreensão da necessidade da democratização e da prática permanente das
mais diversas modalidades, tais como: dança, desportos, ginástica, jogos, lutas, outros. O
lazer é um direito de todo o cidadão, (sabedoria e autonomia para reivindicar locais
adequados para o acesso permanente à exercitação motora). A Motricidade dever propiciar
uma aprendizagem que mobilize o exercício da auto-ética nas mais variadas questões, pautada
no reconhecimento da construção de princípios e de valores a partir da liberdade individual,
sendo esses princípios e valores legitimados pela sociedade.
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Conclusão
Os profissionais da Educação Física têm lutado para transcender a mera educação do
físico, para reformar o pensamento e abandonar a clivagem entre “mente e corpo” deixada
pelo paradigma cartesiano. À luz da Motricidade Humana estamos a projetar uma nova práxis
na formação da criança e do jovem.
A Ciência da Motricidade Humana exige princípios que viabilizem a educabilidade do
ser práxico. Lutamos pela construção de uma educação práxica. Isso quer dizer que uma
intervenção pedagógica deve ensinar o ser humano a agir no mundo-da-vida.
Planejar uma educabilidade práxica significa distanciarmos da formação que tende a
reproduzir modelos, pois essa não deixa de ser práxis, mas limita-se à práxis imitativa,
burocratizada e reiterativa. O projeto de educação à luz da Motricidade, defendido nesse
trabalho, compromete-se com a práxis reflexiva, criativa, poética, ousada, corajosa e
transformadora. Essa educação, que é sonho e promessa, tem que, indubitavelmente, tornar-se
projeto concreto, passível de ser operacionalizado.
Acreditamos numa educação práxica, para que o ser humano aprenda a conhecer, ser,
estar e viver juntos. Como educadores, podemos oferecer contributos à educabilidade do ser
humano práxico, desde mais tenra idade deste. Por isso, o ensino da Educação Motora
orientado pela problematização (solução de problemas), pois essa metodologia organiza-se
no sentido de desenvolver um saber-fazer-crítico e autônomo e, também, de desenvolver
habilidades e competências para a tomada de decisão consciente, decisões éticas, e para o
exercício da cidadania.
A escola tem o dever de ensinar o educando a ser práxico. E práxico é aquele que sabe
colocar em prática a teoria aprendida, que sabe exercitar a criatividade e a expressão na busca
da liberdade, que sabe ser crítico na tomada de posição e de oposição, que sabe resolver
problemas, que sabe ser ético e solidário.
Nós educadores devemos ascender as esperanças, para aumentar no educando o desejo
de viver e de lutar. Temos que fomentar a coragem, para que a criança e o jovem percebam
que eles podem ter para si tudo aquilo que determinar e sonhar, pois é o sonho que comanda e
faz pulsar a vida. O exercício da praxidade suscita a coragem e o compromisso em
desenvolver projetos.
E não vamos esquecer que é pelo corpo que damos o primeiro passo. È preciso invocar
a corporeidade/motricidade para fazer com que uma dada intenção se torne algo concreto.
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Merleau-Ponty nos ensinou que: “sou eu que dou um sentido e um porvir a minha vida”.
Então, é pela conexão entre intencionalidade e a motricidade que atingimos o mundo na
construção de qualquer projeto.
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