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Revista Contexturas, n. 23, p. 39 - 61, 2014. ISSN: 0104-7485
PLANEJAMENTO SEMIÓTICO-ECOLÓGICO DE ENSINO DE
LÍNGUAS
Elaine Ferreira do Vale BORGES
UEPG – Universidade Estadual de Ponta Grossa
RESUMO
Desde a obra clássica de Wilkins “Planejamento Nocional” (que divide os
planejamentos em gramatical, situacional e nocional) diferentes tipos de
planejamento com diferentes concepções de linguagem ganharam proeminência.
Neste artigo, proponho um planejamento semiótico-ecológico de ensino de línguas
baseado na teoria da complexidade concebendo a linguagem como sistema complexo.
O planejamento proposto aqui se fundamenta na não-linearidade do ensino de língua
que potencialmente pode unir diferentes tipos de planejamento para a emergência da
dinamicidade em sala de aula.
Palavras-chave: teoria da complexidade; sistema complexo; planejamento.
ABSTRACT
Since Wilkins´ classical work “Notional Syllabus” (which divides the syllabus into
grammar, situational and notional) different types of syllabuses with different
language conceptions have gained prominence. In this paper I propose an ecosemiotic syllabus to language teaching based on complexity theory conceiving
language as a complex system. The syllabus proposed here is based on the nonlinearity of language teaching that can potentially unite different types of syllabuses
for the emergency of the dynamicity in the classroom.
Keywords: complexity theory; complex system; syllabus.
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Revista Contexturas, n. 23, p. 39 - 61, 2014. ISSN: 0104-7485
Introdução
Desde o impacto da obra clássica de Wilkins (1976), Planejamento
Nocional, que divide os planejamentos de ensino de língua em gramatical,
situacional e nocional, muito se tem discutido sobre tipos de planejamentos e
suas fundamentações teórico-metodológicas particulares para diferentes
contextos educacionais (CANALE & SWAN, 1980; ROSS, 1981; SWAN,
1985; PRABHU, 1987; REILLY, 1988; HOWATT 1988; NUNAN, 1988 e
1989; LONG & CROOKES, 1992; HAMER, 2001; DUBLIN & OLSHTAIN,
2000; LITTLEWOOD, 2007; BORGES, 2009; RICHARDS & RENANDYA,
2010; FINNEY, 2010 – para citar apenas algumas obras).
Com o advento da teoria da complexidade e da perspectiva ecológica
nos estudos da linguagem (van LIER, 1997 e 2000; LARSEN-FREEMAN,
1997; LARSEN-FREEMAN & CAMERON, 2008; PAIVA & BORGES,
2009), essa discussão, no meu entendimento, vem tomando um novo e
importante rumo, tendo em vista que planejamentos com diferentes
concepções de linguagem1 para diferentes situações de ensino não se
sustentaria mais dentro da visão contemporânea de linguagem e de aquisição
de segunda língua (ASL) como sistema adaptativo complexo (LARSENFREEMAN & CAMERON, 2008; ELLIS & LARSEN-FREEMAN, 2009),
dado o multifacetamento inerente e emergente da/na sala de aula.
Inserido na perspectiva da teoria da complexidade, este trabalho visa
apresentar e discutir um planejamento semiótico-ecológico de ensino de
línguas cujas características são de um sistema adaptativo complexo
(LARSEN-FREEMAN, 1997; LARSEN-FREEMAN & CAMERON, 2008),
dentro de uma perspectiva ecológica de ensino de línguas (van LIER, 1997 e
2000). Para tanto, este artigo está divido em quatro seções, a saber: tipos de
planejamentos no ensino de línguas, teoria da complexidade e visão
sistêmica, planejamento semiótico-ecológico de ensino de línguas e
considerações finais. Na primeira seção, faço uma exposição de quatro tipos
de planejamento historicamente fortalecidos e amplamente utilizados na área
de ensino de línguas: gramatical, situacional, nocional e procedimental; bem
como apresento as diferenças e similaridades entre os termos currículo e
planejamento na área. Na segunda seção, discuto a inserção da teoria da
complexidade e da visão sistêmica nos estudos da linguagem e,
consequentemente, no contexto da Linguística Aplicada. Na terceira seção,
apresento (sem esgotar a discussão) o planejamento semiótico-ecológico de
ensino de línguas propriamente dito, baseando-me fortemente na perspectiva
1
Neste trabalho não faço distinção entre língua estrangeira e segunda língua, bem como entre
aprendizagem e aquisição.
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ecológica de van Lier (1997 e 2000). Por último, nas considerações finais,
remoto algumas questões enfatizadas no artigo reiterando a necessidade de um
olhar sistêmico e de uma perspectiva ecológica na produção e
desenvolvimento do planejamento de ensino de línguas.
1. Tipos de planejamentos no ensino de línguas
No contexto de ensino de línguas, planejamento é um subconjunto do
currículo2 e/ou programa de estudos. Conforme Nunan (1989), o currículo
refere-se tanto a programas oferecidos por uma instituição educacional (mais
amplo), como a programas específicos de estudos (mais restrito). No sentido
mais restrito, segundo Finney (2010, p. 70), o currículo é um sinônimo do
termo planejamento, “enquanto uma especificação do conteúdo e da
ordenação do o que é para ser ensinado” – assim podemos dizer “currículo
baseado na gramática” e/ou “currículos comunicativos”. Já no sentido mais
amplo, o currículo “se refere a todos os aspectos do planejamento,
implementação e avaliação de um programa educacional, ou seja, o porquê, o
como, e o quão bem, juntamente com o que do processo de ensino e
aprendizagem” (FINNEY, 2010, p. 70). Dessa forma, o planejamento
(geralmente preparado por um instrutor e/ou professor) está relacionado à
seleção e à classificação de conteúdos que são parte constitutiva de um
programa maior de estudos, um currículo.
Nessa mesma linha de raciocínio, Dublin & Olshtain (2000, p. 34-35),
definem currículo como um documento que contem “uma ampla descrição de
metas gerais provenientes de uma filosofia educacional-cultural geral, que
aplica temas transversais em conjunto com uma orientação teórica da
linguagem e da aprendizagem de língua3”. Ainda, enfatizam que “um
currículo é geralmente também um reflexo de tendências nacional e política”.
Associado à concepção filosófica, Finney (2010) – baseando-se na obra de
Skilbeck (1982) – divide o currículo em três grandes modelos que
subentendem diferentes tradições educacionais: humanismo clássico
(currículos baseados em conteúdos), reconstrucionismo (currículos baseados
em objetivos) e progressivismo (currículos baseados em processos/
procedimentos).
Já o planejamento, para Dublin & Olshtain (2000, p. 34), é uma
“proposição operacional mais detalhada sobre elementos de ensino e de
aprendizagem que traduz a filosofia do currículo em uma série de passos
2
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Planejamento e currículo, respectivamente, syllabus e curriculum em inglês.
Esta e outras traduções neste artigo são de minha inteira responsabilidade.
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planejados, apontando objetivos mais definidos em cada nível”. A Figura 1,
abaixo, ilustra a relação entre o currículo e o(s) planejamento(s), adaptada dos
autores citados.
Agora, focando apenas nos planejamentos, Dublin & Olshtain (2000)
discutem sobre quatro grandes tipos: estrutural-gramatical, situacional,
semântico-nocional e funcional. Richards & Renandya (2010), por outro lado,
apontam serem seis os modelos de planejamento no ensino de línguas, quais
sejam: gramatical, situacional, nocional-funcional, lexical, baseado em tarefas
e procedimental. Antes, porém, em obras clássicas que lançaram o
planejamento nocional, Wilkins (1979, 1976 e 1972) fez uma classificação de
apenas três tipos: gramatical, situacional e nocional. Depois, na década de
1980, surge o planejamento procedimental (PRABHU, 1987; LONG &
CROOKES, 1992) – já citado acima por Richards & Renandya (2010).
Figura 1. A relação currículo-planejamento (adaptada de Dublin & Olshtain,
2000)
SYLLABUS A
Nível 1
concepção
teórica da
natureza da
linguagem
concepção
teórica da
natureza da
aprendizagem
de língua
CURRICULUM
filosofia
educacional-cultural
Os planejamentos, segundo Wilkins (1976) e Long & Crookes (1992),
podem ser classificados como do tipo sintético ou do tipo analítico. O
primeiro, do tipo sintético, pelo seu foco no como a língua será ensinada,
segmenta a língua em seus itens linguísticos, apresentando um item de cada
vez; ou seja, “diferentes partes da língua são ensinadas separadamente e passo
a passo, assim a aquisição é [entendida como] um processo de gradual
acumulação das partes até a construção da estrutura total da língua”
(WILKINS, 1976, p. 2). Já o segundo, do tipo analítico, por ser
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intervencionista, se fundamenta nas operações requeridas do aprendiz na
aquisição da língua; ou seja, é “organizado em função dos propósitos pelos
quais as pessoas estão aprendendo a língua e dos tipos de desempenho que são
necessários para alcançarem esses propósitos” (WILKINS, 1976, p. 13).
Para as discussões neste artigo, considerarei quatro tipos de
planejamento: gramatical, situacional, nocional e procedimental, focando
principalmente nas obras de Wilkins (1976), Prabhu (1987) e Long & Crookes
(1992). Ainda no que se refere aos planejamentos, há uma nomenclatura
diversificada na área que associa diferentes nomes para um mesmo tipo de
planejamento, como se pode verificar a partir da revisão da literatura descrita
a seguir:
(1) planejamento gramatical (WILKINS, 1976, CANALE & SWAN, 1980;
HAMER, 2001; RICHARDS & RENANDYA, 2010; FINNEY, 2010) ou
planejamento estrutural/lexical/formal (SWAN, 1985; REILLY, 1988;
HAMER, 2001; FINNEY, 2010) ou planejamento estrutural-gramatical
(DUBLIN & OLSHTAIN, 2000) – do tipo sintético (WILKINS, 1976;
LONG & CROOKES, 1992);
(2) planejamento situacional (WILKINS, 1976; CANALE & SWAN, 1980;
REILLY, 1988; DUBLIN & OLSHTAIN, 2000; HAMER, 2001;
RICHARDS & RENANDYA, 2010) ou planejamento baseado em
habilidades (REILLY, 1988) – do tipo sintético (WILKINS, 1976; LONG
& CROOKES, 1992);
(3) planejamento nocional-funcional (WILKINS, 1976; ROSS, 1981;
HOWATT 1988; REILLY, 1988; RICHARDS & RENANDYA, 2010;
FINNEY, 2010), planejamento semântico (SWAN, 1985) ou
planejamento baseado em conteúdo (REILLY, 1988) ou planejamento
semântico-nocional e/ou planejamento funcional (DUBLIN &
OLSHTAIN, 2000; HAMER, 2001) – do tipo analítico (WILKINS,
1976; LONG & CROOKES, 1992);
(4) planejamento baseado em tarefas (REILLY 1988; LONG & CROOKES,
1992; RICHARDS & RENANDYA, 2010) ou planejamento
procedimental (PRABHU, 1987; LONG & CROOKES, 1992;
RICHARDS & RENANDYA, 2010; FINNEY, 2010) – do tipo analítico
(WILKINS, 1976; LONG & CROOKES, 1992).
O planejamento gramatical é ainda o mais usado no ensino de língua.
Nesse tipo de planejamento, de acordo com Wilkins (1962, p. 1), parte-se do
princípio de que “é mais fácil para os estudantes aprenderem a língua se eles
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são expostos a uma parte do sistema gramatical de cada vez” – sendo esse um
pensamento que ainda perdura no imaginário dos professores de línguas.
Todavia, criticas são feitas a esse tipo de planejamento por falhar em
proporcionar os subsídios necessários para o desenvolvimento da competência
comunicativa, uma das condições básica dos outros planejamentos citados
aqui. Métodos de ensino de língua classificados de estruturais, ou seja, que
focam apenas na língua, como o da gramática e tradução e o audiolingual, são
os mais relacionados a esse tipo de planejamento.
O planejamento situacional, segundo Wilkins (1976), deve prever as
situações de necessidades de uso e aplicação da língua-alvo do e pelo aprendiz
e ensiná-la de forma que o aprendiz possa desenvolver-se linguística e
comunicativamente nessas situações específicas. O ensino baseado em tipos
particulares de situações, no entanto, pode negligenciar as necessidades de
alguns aprendizes em detrimentos de outros, se tivermos um grupo muito
heterogêneo, por exemplo; sendo imperativo, no uso desse tipo de
planejamento, o trabalho com grupos de aprendizes com os mesmos tipos de
objetivos para a aquisição de língua – como é o caso do ensino de línguas para
fins específicos (HUTCHINSON & WATERS, 1987; RAMOS, 2005;
BORGES, 2011 e 2009). Contextualmente, o planejamento situacional, aqui
discutido, não deve ser confundido com o método situacional ou com o que
Richards & Rogers (2001) denominam de ensino situacional de língua.
Nesses dois últimos contextos, “o termo situacional se refere ao uso concreto
de objetos, figuras, objetos educativos, que juntos com ações e gestos podem
ser usados para demonstrar os significados dos novos itens da língua"
(RICHARDS & ROGERS, 2001, p. 43). Salimbene (1983, p. 3) esclarece,
ainda, que o método situacional "usa contextos significativos para apresentar
estruturas gramaticais", fazendo parte de um planejamento gramatical e
utilizando uma metodologia baseada no desenvolvimento de hábitos; já o
"planejamento situacional considera a língua num contexto social e é baseado
em predições da situação em que o aprendiz é provável de operar através da
língua estrangeira" – contexto identificado através da análise de necessidades.
O planejamento nocional, por sua vez, objetiva o ensino da língua
para a comunicação para fins gerais, preocupando-se, assim, com o
desenvolvimento da capacidade do aprendiz para se comunicar efetivamente
em todos os contextos de interação da língua que se deseja adquirir,
independente da situação de uso. Esse tipo de planejamento, segundo Wilkins
(1972, p. 1), “deve considerar o conteúdo provável de enunciação e a partir
dele determinar quais as formas de linguagem seria mais valioso para o
aluno”. Nesse panorama, deve-se trabalhar com “categorias nocionais” que
podem ser organizadas, ainda conforme o autor, em duas seções, a saber: 1)
categorias semântico-gramatical: tempo, quantidade, espaço, matéria, caso e
deixis; 2) categorias de funções comunicativas: modalidade, avaliação moral e
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disciplina, persuasão, argumento, questionamento racional e exposição,
emoções pessoais, relações emocionais e relações interpessoal. A chamada
abordagem comunicativa de ensino de língua (WIDDOWSON, 1972;
ALMEIDA FILHO, 1998; BORGES, 2012, 2011 e 2009) é a mais utilizada
nesse tipo de planejamento.
Finalmente, o planejamento procedimental, segundo Prabhu (1987, p.
89-90), é estruturado pela metodologia do professor (e não pelo conteúdo),
sendo que essa metodologia deve ser baseada em tarefas (pré-tarefa, tarefa e
pós-tarefa), visando focar na atenção dos aprendizes no raciocínio e no
significado da língua que se deseja aprender. Ainda de acordo com o autor,
alguns planejamentos de ensino de línguas são compreendidos como um
"constructo operacional", ou seja, se preocupam com o "processo de ensino";
outros, tidos como um "constructo iluminativo", se interessam apenas pelo
"produto da aprendizagem". A diferença do planejamento procedimental em
relação a outros, segundo o autor, é que os planejamentos gramaticais, por
exemplo, são notadamente um constructo operacional, e os planejamentos
baseados em conteúdo (do tipo nocional/ funcional) são compreendidos como
"um constructo iluminativo que é também usado como um constructo
operacional". O planejamento procedimental é um "constructo operacional
que é deliberadamente diferente do constructo iluminativo". O termo
iluminativo, nesse contexto, se refere à "especificação do que é para ser
aprendido em termos de um modelo conceitual que objetiva proporcionar uma
compreensão (daí o termo ´iluminativo´) da natureza da área do assunto em
questão". Pelo foco em tarefas, esse planejamento é também denominada de
baseado em tarefas4 e, de acordo com Long & Crookes (1992, p. 27), se
distingue dos demais planejamentos
pelo fato de que partes de sua base lógica deriva do que é
conhecido sobre a aprendizagem humana em geral e
sobre a aprendizagem de segunda língua em particular,
em detrimento, como é o caso nos planejamentos lexical,
estrutural, nocional, funcional e relacional, do foco na
análise da língua e da linguagem em uso (...) [ainda]
rejeita elementos linguísticos (como palavras, estruturas,
noções ou funções) como unidade de análise, optando, ao
contrário, por alguns conceitos de tarefa.
A abordagem comunicacional de ensino de língua (PRABHU, 1987;
BORGES 2012 e 2009) ou também conhecida como abordagem baseada em
tarefas é a mais recomendada na utilização de um planejamento
4
Cujo conceito, longe de ser do censo comum como simples atividade, é que se aprenda a
língua por meio de tarefas (LITTLEWOOD, 2007).
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procedimental.
Historicamente, no panorama de ensino de línguas, o planejamento
gramatical faz parte do movimento gramatical, que antecede o movimento
comunicativo; já os planejamentos situacional, nocional e procedimental
fazem parte do movimento comunicativo (BORGES, 2009)5, tanto que Finney
(2010) classifica esses três últimos como “planejamentos comunicativos”.
Finney (2010) relaciona, ainda, o planejamento gramatical à tradição
filosófica educacional do humanismo clássico, o planejamento nocionalfuncional ao reconstrucionismo e o planejamento procedimental ao
progressismo6. O interessante da discussão sobre os planejamentos e
currículos em Finney é a apresentação de um quarto modelo de currículo que
a autora denomina de “mixed-focus curriculum”, baseado em uma quarta
tradição filosófica educacional chamada de “novo pragmatismo” que seria
uma mistura das três citadas anteriormente; o que mostra uma tendência
contemporânea de não se privilegiar apenas um tipo de planejamento em
detrimento dos demais, pois nenhum planejamento sozinho daria conta da
complexidade do ensino e da aprendizagem de línguas.
2. Teoria da complexidade e a visão sistêmica
A teoria da complexidade (TC) está cada vez mais presente no
desenvolvimento de pesquisas no campo de estudos da linguagem, desde
estudos pioneiros na área como os de Larsen-Freeman (1997), LarsenFreeman & Cameron (2008) e Ellis & Larsen-Freman (2009). As duas últimas
obras, por exemplo, destacam uma coletânea de trabalhos de diferentes
autores em distintos aspectos de pesquisa sobre a linguagem no contexto da
complexidade. No Brasil não tem sido diferente, obras como as de Paiva &
Nascimento (2009) e o volume 13 temático sobre a complexidade da Revista
Brasileira de Linguística Aplicada (RBLA), no ano de 2013, igualmente
mostram o aumento e o potencial de discussões nesse panorama.
A contribuição dessa área de investigação (que se origina na física
moderna, na biologia e na química, essencialmente) trouxe para o contexto da
Linguística Aplicada (e de outras ciências sociais), conceitos importantes
como a noção contemporânea de linguagem como sistema adaptativo
5
Veja a tese de Borges (2009) para uma visão da divisão dos movimentos no ensino de língua.
Finney (2010) não cita o planejamento situacional, mas fica implícito, em minha
interpretação, que esse tipo de planejamento – se considerarmos que corresponde ao ensino
específico de língua e, portanto, centrado no aprendiz (cf. Borges 2009) – fica entre o
reconstrucionismo e o progressismo.
6
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complexo (SAC) – entre outros que serão discutidos neste trabalho. Todavia,
como sempre enfatiza Diane Larsen-Freman, deve-se ter muito cuidado ao
deslocar conceitos de uma ciência para outra, motivo pelo qual se reforça uma
transposição em sentido metafórico. Compartilhando dessa preocupação,
pode-se recorrer, ainda, aos jogos de linguagem em Wittgenstein (1991[1953])
que imprimem significado à natureza das sentenças linguísticas e aos
conceitos utilizados em diferentes campos do conhecimento, tornando a
linguagem dinâmica, autônoma aos fatos e dependente da significação do uso
em um determinado contexto.
A TC, que, na verdade, é um complexo de teorias, surge da análise e
estudo (inter/ transdisciplinar) de sistemas complexos (aqueles que possuem
mais de três elementos que os constituem numa inter-relação não linearmente
determinada), cujo olhar do pesquisador não pode estar limitado pela
simplificação e linearidade na emergência dos fenômenos científicos. Tal
teoria fundamenta-se, constituindo-se propriamente, no emaranhado da
conexão em rede entre as diferentes teorias que compõem o conhecimento
humano dos processos de desenvolvimento ontogenético (evolução do
indivíduo), filogenético (evolução da espécie) e da emergência e composição
dos fenômenos físicos. A teoria geral dos sistemas (do biólogo Ludwing Von
Bertalanffy), uma das teorias inseridas na teoria da complexidade, enfatiza, já
em meados da década de 1920, a necessidade do ponto de vista sistêmico
numa variedade de campos científicos e tecnológicos. Dessa forma, “o
conceito de sistema pode ser definido e desenvolvido de diferentes formas
como requerido pelos objetivos da pesquisa, e como refletindo diferentes
aspectos da noção central” (Bertalanffy, 2009[1968], p. 11). Com essa
acepção de sistema, Bertalanffy coloca que é possível a inserção no campo de
duas maneiras: 1) aceitar qualquer modelo/ definição e, a partir dele/a,
desenvolver sistematicamente a teoria que governa o/a modelo/ definição
escolhido/a; 2) focar em “problemas como eles começaram a surgir nas várias
ciências, mostrar a necessidade do ponto de vista sistêmico e desenvolvê-lo
em mais ou menos detalhes numa seleção de exemplos ilustrativos” (p. 12).
Sendo essa segunda (que não exige um desenvolvimento rigoroso da teoria),
em minha percepção, a forma como a Linguística Aplicada fez a sua inserção
no campo dos sistemas complexos; optando, ainda, na minha visão, pela
intenção da discussão sob a perspectiva da filosofia dos sistemas7, ou seja, de
“uma reorientação do pensamento e da concepção de mundo decorrente da
introdução do ´sistema´ como novo paradigma científico (em contraste com o
paradigma analítico, mecanicista, causal numa só direção da ciência clássica)”
7
Outras formas de inserção na visão sistêmica, segundo Bertalanffy (2009[1968]: 13-14), são
sob a perspectiva da ciência dos sistemas (pesquisa científica como doutrina dos princípios
aplicáveis) e da tecnologia dos sistemas (problemas emergentes da tecnologia).
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3. Planejamento semiótico-ecológico de ensino de línguas
A proposição de um tipo de planejamento que vá além (englobando
partes) dos já classicamente conhecidos – gramatical, situacional, nocionalfuncional e procedimental (tratados acima) e tanto outros – não é uma
discussão nova e tentativas nessa direção vem sendo feitas há algum tempo e
este artigo, também, objetiva promover uma dessas tentativas.
Allen (1984), por exemplo, propôs um planejamento de foco variável,
cujos componentes constituem-se de estruturas e funções da linguagem, bem
como de questões que emergem nas situações de aplicação desse
planejamento, como as experiências, desejos e motivações dos aprendizes no
processo de ensino-aprendizagem. Yalden (1987), da mesma forma, sugeriu
um planejamento proporcional – com uma organização semântico-gramatical
– que prevê, no ensino de língua, um equilíbrio entre as estruturas
gramaticais, as funções comunicativas da linguagem e os interesses e
necessidades dos alunos. Finney (2010), compartilhando do esquema traçado
nos trabalhos de Allen (1984) e Yalden (1987), enfatiza a importância de
fundamentar, de forma harmônica, a produção de um planejamento nas três
grandes tradições filosóficas educacionais (humanismo clássico,
reconstrucionismo e progressismo), ou seja, focar em um planejamento
realístico (mixed-focus curriculum) que visa integrar conteúdos, objetivos e
processos/ procedimentos; já que, segunda a autora, “a realidade é provável
que seja uma mistura dos três” (p. 77).
Larsen-Freeman & Cameron (2008), por outro lado – já no contexto
da teoria da complexidade –, entendem um currículo nacional de ensino de
língua (nos locais que ele existir8) como um sistema adaptativo complexo
(SAC), bem como são também SACs todos os elementos desse currículo que
“irradiam para dentro e para fora das ações de sala de aula” (p. 200). As
autoras enfatizam que, no panorama da teoria da complexidade,
(...) um planejamento analítico como o planejamento
baseado em processos/ procedimentos [procedimental],
em que a ênfase é colocada em ajudar os alunos no
desenvolvimento de suas capacidades para a
comunicação, ao invés da acumulação de itens, seria
8
No Brasil temos, por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (1998); e, no
estado do Paraná, temos as Diretrizes Curriculares do Ensino Básico – DCE (2008).
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preferível. O papel do professor enquanto um gerenciador
da aprendizagem é para impulsionar o sistema de
desenvolvimento dos alunos em uma trajetória através do
espaço de fase que é consonante com os objetivos dos
alunos e da instrução. Isso não é uma proposição de um
tempo só, claro, mas acontece momento a momento. Não
é também como se o professor colocasse todos os alunos
movendo-se na mesma direção (...). Ao contrário dos
degraus em uma escada, os fios de uma rede 9 não são
fixos em uma determinada ordem, mas o conjunto do
produto da atividade criativa de seu construtor e do
contexto favorável em que ela é construída. Isso sugere
que qualquer planejamento é único, emergente da
interação e decisões de professores e alunos. (p. 202;
negrito meu).
Citado na passagem acima, o espaço de fase é definido no campo de
estudos da física moderna, segundo Gleick (1991, p. 135 e 137, itálico do
autor; negrito meu), como segue:
O atrator estranho vive no espaço de fase, uma das
invenções mais poderosas da ciência moderna. O espaço
de fase proporciona uma maneira de transformar números
em imagens, extraindo todas as informações essenciais de
um sistema de parte móveis, mecânicas ou fluídas, e
traçando um flexível mapa rodoviário de todas as suas
possibilidades. Os físicos já trabalhavam com dois tipos
de ´atratores´ mais simples: pontos fixos e ciclos limites,
representando o comportamento que chegava a um
regime estacionário ou se repetia continuamente. No
espaço de fase, o conhecimento total sobre um sistema
dinâmico num instante único do tempo resume-se a um
ponto: Esse ponto é o sistema dinâmico – naquele
instante. No instante seguinte, porém, o sistema se terá
modificado, mesmo que seja levemente, e assim o ponto
se move. [...] A curto prazo, qualquer ponto num espaço
de fase pode representar um comportamento possível do
sistema dinâmico. A longo prazo, os únicos
comportamentos possíveis são os próprios atratores.
9
De acordo com Fischer & Bidell (apud LARSEN-FREMAN & CAMERON, 2008, p. 159), “a
metáfora da rede é útil para modelos dinâmicos porque sustenta um pensamento sobre uma
construção ativa de habilidade em uma variedade de contextos, bem como de tipos de
variabilidade”.
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Outros tipos de movimento são transitórios.
Na situação do currículo descrita por Larsen-Freman & Cameron
(2008), o espaço de fase seria o ambiente educacional imediato em sala de
aula e o mapa rodoviário, mencionado na passagem acima de Gleick (1991),
seria o planejamento semiótico-ecológico proposto neste artigo que emerge e
se auto-organiza na interação professor-alunos – já que, compactuando com a
visão das autoras, “qualquer planejamento é único, emergente da interação e
decisões de professores e alunos” (p. 202). O atrator estranho no espaço de
fase, aqui discutido, é a língua que se quer ensinar e adquirir/ desenvolver,
sendo que o professor e cada aluno na sala de aula é um ponto (sistema
dinâmico) neste espaço de fase, daí a instabilidade e não-linearidade do
sistema que se move e se modifica o tempo todo.
Dessa forma, é nesse panorama descrito por Larsen-Freman &
Cameron (2008) e Gleick (1991) que, nesse artigo, proponho apresentar e
detalhar, sem pretensões de esgotar a discussão, um planejamento semióticoecológico de ensino de línguas – baseado em van Lier (1997 e 2000) e sendo
claramente um subconjunto do CAA Currículo proposto pelo autor. Tal
planejamento – já brevemente citado em outro trabalho (BORGES & PAIVA,
2011) como um dos componentes da abordagem complexa de ensino de
línguas – emerge das interações (professor-alunos), em contexto de ação, em
sala de aula, e das possibilidades percebidas para o desenvolvimento da língua
a ser ensinada e adquirida. Dessa forma, o planejamento em questão é
concebido, igualmente, como um sistema adaptativo complexo (SAC), cujas
características são: dinamicidade, não-linearidade, auto-organizável,
emergência, é vivo e aberto aos estímulos de seu ambiente imediato e à
interação com outros sistemas complexos (professor, aluno, sala de aula, livro
didático, currículo e/ou documentos oficiais, escola, etc.) com o qual tem
contato, daí também ser coadaptável. É claro que o professor precisa ter um
ponto de partida – condições iniciais pré-estipuladas para começar a
movimentação do SAC planejamento em sala de aula – verificando
previamente as necessidades de seus alunos, bem como o conteúdo e objetivos
que precisa cobrir/ atingir (pensando, aqui, no currículo no qual é parte
constitutiva). Feito isso, serão, no entanto, os procedimentos escolhidos a cada
aula (com a emergência de novas e diferentes condições iniciais das previstas
inicialmente), que darão vida, dinamicidade e farão evoluir o planejamento
dentro de um sistema de rede, não linear, coadaptável (professor-alunos) que
tende a seguir a natureza auto-organizacional e dinâmica dos sistemas
adaptativos complexos.
O planejamento aqui proposto é semiótico, pois está embasado em
uma concepção de lingua(gem) como “sistema semiótico complexo, tendo
50
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vários níveis ou estratos” (HALLIDAY, 2004, p. 24), bem como compreende
“processos bio-cognitivos, sócio-históricos e políticos-culturais” (PAIVA,
2005, p. 1), indo além do domínio individual, passando pelos domínios social,
físico, fisiológico e psíquico (SAUSSURE, 1995[1916]). Dentro dessa
perspectiva, a linguagem é, igualmente, concebida como um SAC
(BECKNER et al, 2009, p. 2), ou seja,
O sistema consiste em múltiplos agentes (os falantes e a
comunidade de fala) interagindo entre si. O sistema é
adaptável, ou seja, o comportamento dos falantes é
baseado em suas interações passadas, e, juntas, interações
passadas e correntes, alimentam o comportamento futuro.
Um comportamento do falante é a consequência de
fatores concorrentes que vão desde restrições perceptivas
até motivações sociais. A estrutura da língua emerge de
padrões interconectados de experiência, interação social e
mecanismos cognitivos.
Por outro lado, o planejamento é ecológico10 pois segue a concepção
de sistema ecológico (perceptivo, emergente e baseado em ação) discutido em
van Lier (2000, p. 245). Para o autor, no contexto da educação linguística,
“uma abordagem ecológica pode unir um número de visões bem estabelecidas
sobre a aprendizagem da linguagem, especialmente quando está ancorada em
uma visão de mundo ecológica”; sendo que as teorias de Vygotsky e Bakhtin,
e de seus contemporâneos (Peirce, Mead e Dewey), no que concerne a
aprendizagem, a cognição, e a linguagem, ainda segundo o autor, compõem a
base dessa abordagem ecológica. Ao englobar um número de teorias, a
abordagem ecológica de van Lier, também nos permite pensar a inclusão de
perspectivas historicamente incompatíveis como, por exemplo, o nativismo, o
behaviorismo e o interacionismo (presentes, separadamente, nos vários tipos
de planejamentos discutidos neste artigo) e, ao fazer isso, o que muda é a
forma como olhamos para o fenômeno científico, como já propõe o autor:
saindo do reducionismo e do antropocentrismo e adotando a noção de
emergência e ecocentrismo (em que os humanos são parte da grande ordem
natural). van Lier (2000, p. 251) destaca ainda que desde a década de 1950
estudiosos da linguagem já vem relacionando a ecologia à linguagem, no que
o autor classifica de linguística ecológica: “estudo da linguagem enquanto
relações (pensamento, ação e poder) e não enquanto objetivos (palavras,
10
O termo ecologia, em van Lier (2000, p. 251), refere-se “a totalidade de interconexão de um
organismo com todos os outros organismos com que ele entra em contato”.
51
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sentenças e regras) [...] também relaciona expressões verbais a outros aspectos
de produção de sentido, como gestos, desenhos, artefatos, etc”. Em sentido
mais amplo – sendo o que mais interessa neste trabalho –, Wendel (2005, p.
51) coloca que “uma abordagem ecológica da linguagem [metaforicamente
falando] considerada a complexa rede de relações que existe entre o ambiente,
as línguas e seus falantes”.
Dessa forma, os termos semiótico e ecológico, empregados aqui, vão
ao encontro de uma visão ecológica da linguagem dentro de uma perspectiva
semiótica complexa que coloca o ser humano sócio-histórico e culturamente
engajado em um sistema de percepção, (re)significação, (re)interpretação e
(re)criação dos signos linguísticos e que, segundo van Lier (2000), é
essencialmente relacional e não material.
E é esse SAC linguagem que faz emergir o que Bakhtin (1981, p. 270)
enfatizou como “mundo verbal-ideológico” que, por sua vez, é unificado e
centralizado no embate de forças centrípeta e centrífuga da linguagem; ou
seja, é como se cada sistema individual da linguagem (também um SAC),
cada língua unitária, no grande grupo social (em que se faz existir, estando,
destarte, sócio-histórico e culturamente aninhada com outras), formasse um
grande círculo concêntrico: a heteroglossia11. Nesse contexto, a “força
centrípeta é aquela que puxa [a linguagem] ´para dentro´, em direção à
homogeneidade, unificação, hábito, prescrição, etc. [sistema de linguagem no
grande grupo social]; enquanto que a forma centrífuga é aquela que puxa [a
linguagem] ´para fora´, em direção à diversidade, criatividade, variedade, etc.
[sistema de linguagem individual]” (van LIER, 2000, p. 259).
Na física clássica, explicando de forma bem simplificada, a força
centrípeta é definida como aquela que age sobre um objeto em movimento em
torno de um ponto central, movendo e mantendo esse objeto em uma
velocidade constante ao longo de um caminho circular; já a força centrífuga é
classificada como aquela que lança para fora do centro de uma curvatura um
objeto que segue um caminho circular, todavia, esse objeto só é lançado para
fora do círculo na falta de força centrípeta, o que o retira do sistema do qual
fazia parte.
A ideia de Bakhtin de ligar essas forças ao princípio de energização
da vida linguística mostra, metaforicamente, que a linguagem unitária,
individual, luta (força centrífuga) para superar a heteroglossia que, por sua
vez, age (força centrípeta) como centralizadora do pensamento verbalideológico, como um núcleo linguístico estável – sendo assim que o fenômeno
complexo da linguagem se manifesta cientificamente dentro da perspectiva
bakhtiniana, da teoria da complexidade (no contexto dos estudos da
11
A heteroglossia é definida como “um conjunto múltiplo e heterogêneo de vozes ou língua
sociais, isto é, um conjunto de formações verbo-axiológicas” (FARACO, 2011).
52
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linguagem) e do qual compartilho neste trabalho. Com isso, um planejamento
de ensino de língua que compactue com esse princípio deve considerar a
“luta” dessas duas forças como um processo natural (dado pelo sistema do
qual faz parte) que faz emergir a linguagem e que, consequentemente, faz
emergir também a aquisição de uma língua materna e/ou estrangeira.
Dessa forma, como já discutido acima, o planejamento é também um
sistema adaptativo complexo cuja dinamicidade e evolução emerge da
dialogicidade da lingua(gem) entre os pares envolvidos em contexto de ensino
e aquisição/ desenvolvimento, sendo sustentado – como ocorre com a
linguagem – pelo embate das duas forças (centrípeta e centrífuga) que
movimentam simultaneamente dois eixos do planejamento: formasignificado-uso e consciência-autonomia-autenticidade; sendo o primeiro eixo
o da normatividade linguística (ordem) e o segundo o da criatividade
linguística (movimento). Conforme a Figura 2.
Figura 2 – O SAC planejamento semiótico-ecológico de ensino de línguas
eixo
consciência-autonomia-autenticidade
criatividade linguística
(movimento)
força
centrífuga
força
centrípeta
eixo
forma-significado-uso
normatividade linguística
(ordem)
dinamicidade / dialogicidade no
desenvolvimento da língua(gem)
– HETEROGLOSSIA –
Todavia, como já salientado, esse modelo de planejamento foi
inspirado nos trabalhos de van Lier (1996 e 2000) que cunhou o termo
“arcabouço semiótico-ecológico [para fundamentar sua abordagem
ecológica], se baseando nos trabalhos de Bakhtin, Bronfenbrenner, Gibson,
Peirce, entre outros” (van LIER, 2000, p. 257); e focou em três princípios
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fundadores do currículo na educação linguística, a saber: consciência,
autonomia e autenticidade – o CAA currículo (van LIER, 1996). Sendo que
esses princípios estão relacionados a algumas argumentações epistemológicas
e axiológicas, como dispõe o autor no Quadro 1.
A consciência da linguagem está relacionada à noção de affordance
que, no contexto aqui discutido, é o que é oferecido pelo ambiente linguístico
e percebido pelo aluno, favorecendo a aprendizagem e/ou a aquisição/
desenvolvimento da linguagem; sendo que o ambiente educacional, na figura
do professor e de todas as instâncias da escola, também precisa estar em
constante estado de consciência das estratégias de aprendizagem que emergem
no processo de ensino. Considerando, para tanto, que “para aprender algo
novo deve-se notá-lo primeiro” e o fato de se notar algo é ter “consciência de
sua existência, obtida e aumentada pelo foco de atenção (...) centralizando o
poder de percepção na direção correta e provendo energia mental para o
processamento” das informações (van LIER, 1997, p. 11).
Quadro 1 – Princípios do CAA Currículo em van Lier (1997: 11)
Epistemologia
Axiologia
Consciência
 foco de atenção
 papel da percepção
 saber o que se está fazendo e porque
 engajamento consciente
 reflexão
Autonomia
 autoregulação
 motivação
 profundidade de processamento
 responsabilidade
 livre escolha
 educação democrática
Autenticidade
 uso da linguagem na vida
 relevância
 comunicação
 compromisso com a aprendizagem
 integridade
 respeito
Segundo van Lier (1997) dois expedientes são centrais para a
autonomia: escolha e responsabilidade; já que são dois traços que guiam o
sujeito para o foco de atenção necessário para a consciência da linguagem e
dos recursos e estratégias que estão envolvidos no processo de ensino e de
aprendizagem. Dessa forma, a autor salienta que o “ensino não causa ou força
a aprendizagem, na melhor das hipóteses pode encorajá-la e guiá-la” (p. 12),
sendo o aprendiz autônomo “responsável pela aprendizagem tanto quanto pela
falta dela, contanto que oportunidades adequadas estejam disponíveis no
cenário” (p.13) – daí também a necessidade das escolhas corretas e da
responsabilidade também do ambiente educacional em que o aprendiz
autônomo encontra-se inserido.
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Geralmente, no contexto de ensino de línguas, a autenticidade está
relacionada aos materiais (textos) usados como unidade de ensino de línguas;
ou seja, textos autênticos são aqueles que “não são especialmente escritos ou
preparados para o aprendiz de língua, mas retirado do mundo em geral” (van
LIER, 1997, p. 13). No entanto, a autenticidade como um dos princípios do
CAA Currículo de van Lier (1997) vai além, e é identificada como uma ação
realizada por escolha livre – aqui se aproxima muito da concepção de
autonomia e consciência e pode, também, ser entendida como um produto
dessas duas concepções – e “é uma expressão do que uma pessoa
genuinamente sente e acredita” (p. 13). Nesse sentindo, a autenticidade é uma
ação intrinsecamente motivada, sendo o seu oposto (ação inautêntica) aquela
que se faz porque todo mundo está fazendo ou por motivações externas (van
Lier, 1997).
No panorama apresentado, a perspectiva ecológica de van LIER (2000
e 1997) busca evitar “uma interpretação estreita da linguagem como palavras
que são transmitidas pelo ar, papel, ou por fios de um emissor para um
receptor” e da “aprendizagem como algo que acontece exclusivamente dentro
da cabeça de uma pessoa”; com isso destaca que “educadores ecológicos
veem a linguagem e a aprendizagem como uma interelação entre aprendizes e
entre aprendizes e o ambiente”, tendo esse tipo de abordagem “uma forte
ênfase na contextualização da linguagem em outros sistemas semióticos e no
mundo contextual como um todo” (van LIER, 2000, p. 258-9). Com isso, o
CAA Currículo tem o foco no conhecimento, bem como nos valores humanos,
sendo essencialmente baseado nas experiências de sala de aula e pode
subsidiar uma variedade de planejamentos de ensino de línguas (materna ou
estrangeira); cujo propósito é guiar (e não ditar, como acontece em outros
currículos) o processo emergente de ensino e de aprendizagem – nos moldes
propostos pelo planejamento semiótico-ecológico (Figura 2) aqui apresentado.
Tradicionalmente, conforme van Lier (1996), o ensino de língua é tido
como uma atividade de resolução de problemas, “um tipo de pesquisa
operacional que encontra soluções para os seus próprios problemas locais”
(WIDDOWON, 1990 apud van LIER, 1996, p. 7). No entanto, essa solução
de problemas, implícita ou explicitamente, pode ser controlada pela limitação
e pelos meios/ recursos impostos pela própria natureza do currículo no qual
um planejamento de ensino é subconjunto. Um currículo de base processual/
procedimental, que consiste em “explorar, articular, verificar e desenvolver os
limites e meios/ recursos no ambiente educacional” (pag. 8) vai além da
tentativa de solucionar problemas. A ênfase em solucionar problemas acaba
encontrando respaldo tão somente na “ordem” que foca a normatividade
linguística (eixo forma-significado-uso). Ir além é focar na problematização
(Paulo Freire) e reflexão crítica da situação que se apresenta, e isso conduz a
situação de ensino a um “movimento” que privilegia a criatividade linguística
55
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(autonomia-autenticidade-consciência). Assim, ainda de acordo com o autor, o
CAA Currículo foi projetado para ser “uma força libertadora, encorajando
cada professor a criar sua própria teoria sobre a prática” (p. 9) – o que se
assemelha a concepção de senso de plausibilidade ou pedagogia intuitiva em
Prabhu (1987); e ao que Borges (2010) discute sobre a noção do termo
metodologia no contexto de ensino de língua (em contraposição à concepção
de abordagem). O CAA Currículo visa, então, prover uma abertura para que
as escolhas de professores e alunos (nos contextos imediatos de interação)
sejam consideradas como contribuindo para a proposição de estratégias e
formulação explícita de princípios educacionais colocando-os e testando-os na
prática – o que eleva esse currículo, em minha concepção, a um sistema
adaptativo complexo, fortalecendo a escolha de um planejamento semióticoecológico, nos moldes proposto aqui.
Considerações finais
No panorama da teoria da complexidade e, consequentemente, da
visão sistêmica, o contexto de ensino de línguas toma novas dimensões em
suas reflexões. Indo ao encontro dessa demanda, este artigo visou ampliar
essa reflexão (sem esgotá-la) em termos da proposição de um planejamento
semiótico-ecológico de ensino de línguas. Tal planejamento é um subconjunto
do CAA Currículo de van Lier (1997); ainda, é um dos componentes
constitutivo da denominada abordagem complexa de ensino de línguas
(BORGES & PAIVA, 2011) que, por sua vez, só emerge das interações em
sala de aula, e cuja natureza é de orientação pedagógica e não prescritiva.
Como foi discutido neste artigo, planejamentos amplamente
constituídos e comumente utilizados no contexto de ensino de línguas são os
gramatical, situacional, nocional-funcional e procedimental, tento como
subsídios metodológicos as seguintes abordagem de ensino de línguas,
respectivamente: gramatical (audiolingual), instrumental (para fins
específicos), comunicativa (para fins gerais) e comunicacional (baseada em
tarefas).
No caso do planejamento aqui proposto, a abordagem de ensino de
língua utilizada deve ser, necessariamente, a abordagem complexa (BORGES
& PAIVA, 2011). Essa abordagem tem como componentes, além do
planejamento proposto aqui: a linguagem e aquisição de línguas como
sistemas adaptativos complexos; a natureza do ensino e da aprendizagem
como multifacetada e orientada pela dimensão dinâmica reconstrutiva;
concebe o professor como um dos elementos que dá dinamicidade ao sistema
de ensino e aprendizagem; foca no desempenho (e não mais nas
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competências, como acontece nas outras abordagens de ensino de língua);
entende as práticas sociais da linguagem como elementos essenciais no
processo de aquisição; toma a identidade como fractalizada (múltiplas
identidades do sujeito); considera que a interação professor-aluno constrói e
restringe as affordances e que cada sujeito dessa interação caracteriza-se pela
organização autopoiética.
Dentro da dimensão da abordagem complexa, o planejamento
semiótico-ecológico (tendo em vista o contexto imediato de ação em que está
inserido) visa dar conta de diferentes aspectos emergentes na aquisição de
línguas focados nas outras abordagens (ora em uma ora em outra), como:
processos inatos e bio-cognitivos, criação de hábitos automáticos, aculturação,
interação, input e output compreensível e questões identitárias e sóciohistórico-culturais, entre outros aspectos presentes nas diferentes hipóteses
e/ou teorias de aquisição de línguas. O que enfatiza a natureza ecológica e
semiótica desse planejamento.
Ainda, o planejamento proposto aqui é subconjunto do CAA
Currículo sugerido por van Lier (1997), cuja fundamentação está vinculada
aos significados epistemológicos e axiológicos dos termos consciência,
autonomia e autenticidade (tanto do ponto de vista do aprendiz quanto do
professor). No planejamento semiótico-ecológico a compreensão desses
termos configura-se no eixo da criatividade linguística (força centrífuga) –
que movimenta o sistema, tirando-o da normatividade. Em contraposição,
tem-se o eixo da normatividade linguística, forma-significado-uso, (força
centrípeta) – que tenta imprimir ordem ao sistema, trazendo-a a
normatividade. Sendo no embate dessas duas forças que surge o que Bakhtin
classificou de energização da vida linguística e que, consequentemente,
emerge a aquisição de uma língua – foco central de qualquer planejamento de
ensino de línguas.
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