ZERO HORA filho Elas representam a corajosa minoria Meu Porto Alegre, 26 de maio de 2008 ADRIANA FRANCIOSI Pesquisa revela que 80% das mães com plano de saúde fazem cesariana LARISSA ROSO S e Fabiane Bettio Sebben estivesse incluída na porção estatística mais expressiva de uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, seria quase possível fazer um exercício de adivinhação. Até o final da gestação – está hoje na 18ª semana –, a advogada deixaria de lado o que planeja agora sem hesitar: quer ganhar Matheus de parto normal. De acordo com os dados divulgados neste mês, 70% das mulheres afirmam, no início da gravidez, desejar um parto normal. No entanto, 80% das mães com plano de saúde fazem cesariana. Eis o mistério: o que ao acontece ao longo desses meses que faz com que mudem de idéia? Fabiane, aos 36 anos, elenca os motivos que a deixam confortável com a decisão sobre o nascimento do primeiro filho: não tem medo de dor, mas de infecção, risco que se eleva em um procedimento cirúrgico como a cesariana. Nem o relato de uma amiga abalou suas convicções: como o anestesista não chegou a tempo, o parto foi feito sem analgesia. Mesmo com o sacrifício extremo, essa mãe tornou-se uma grande incentivadora de Fabiane. Entre as demais amigas, na grande maioria dos casos, foi realizada cesariana. – É a lei da natureza. Assim como você é gerado de forma natural, tem que nascer de forma natural – explica Fabiane. Benefícios e riscos dos dois métodos abastecem debates que mobilizam médicos e profissionais de saúde na prática diária, em hospitais e consultórios, e também em congressos de especialistas. O histórico da paciente e as variáveis que acompanham a gestação podem determinar uma mudança de planos durante os nove meses ou mesmo minutos antes do nascimento, dependendo das condições da mãe e do bebê. Além disso, a orientação do obstetra e as informações que a "É muito mágico" “Minha mãe teve parto normal três vezes, e convivi com essa realidade em casa. Por tudo que eu lia, via como era bom para o bebê e para a mãe. O que eu queria realmente era assumir a criança, amamentar, pegar no colo quantas vezes fossem necessárias, e a cesárea, na minha cabeça, poderia dificultar um pouco pela dor na recuperação. Sempre esperei por isso. Caso algo não estivesse bem e a cesárea fosse sinalizada como melhor, faria o procedimento mais seguro, claro. O Lucas nasceu num sábado. Consegui trabalhar até a segunda anterior. Comecei a ter contrações mais aceleradas, e a médica recomendou repouso. Na quarta, perdi o tampão, que sinalizava que o trabalho de parto estava se aproximando. Na sexta, tive consulta, e ela disse que, nas próximas horas, poderia se iniciar o trabalho de parto. Às 21h, comecei a sentir congestante arrecada são fundamentais para decidir o tipo de parto. Com a sucessão das semanas, a opinião e os relatos de amigas e familiares, o temor relacionado a mitos envolvendo parto e cesariana e fatores até mesmo de conveniência somam pontos a favor da intervenção cirúrgica. – Tem gente que não fica romantizando muito, não está disposta a ter um parto que pode se estender por 10, 12, 16 horas. Tem mulher que simplesmente não está a fim de passar por um processo que é incerto, pode levar muitas horas e, ao final, se tornar uma cesariana. Ela tem a sensação de que o parto é demorado e incerto, e a cesárea, rápida e com resultado garantido. Nem sempre. A cesárea pode ter também algumas complicações, em grande parte maiores que as do parto – pondera o obstetra Lucas Teixeira. Em estimativas da Organização Mundial de trações. Em uma hora, já estava com contrações de cinco em cinco minutos. Cheguei ao hospital às 22h30min, e o Lucas nasceu às 4h12min. Tudo indicava que ia ser parto normal, a dilatação estava evoluindo. O cateter escapou da veia, e a medicação não estava entrando. Senti muita dor até 40 minutos antes de ele nascer. A dor maior não foi a da contração, foi a da dilatação – essa é inesquecível. Quando a analgesia pegou, foi um abraço. Não senti absolutamente mais nada. Na terceira força que fiz, o Lucas nasceu, com 3,340kg e 50 centímetros. Ele nasceu superbem, não teve nenhuma complicação. Eu passei muito bem, saí na segunda do hospital. Minha idéia é tentar outro normal, se for bom para mim e para o bebê. Tem uma frase muito antiga que eu escutava da minha avó: ‘É uma dor que a gente esquece’. É muito mágico o momento.” Fernanda Schoenardie Schuck, 32 anos, engenheira química, mãe de Lucas, três anos. Com 24 semanas de gestação, ela está à espera de Bernardo Saúde, 15% de cesarianas no total de nascimentos é o índice máximo a que se pode chegar. Levantamento feito com base nos atendimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), onde está a maior incidência de partos normais, revela, ainda assim, um número bem acima daquele projetado pela OMS: 26% das pacientes da rede se submetem a cesarianas. Para a ginecologista e obstetra Ana Carcova, dois fatores competem para a realização de um grande número de cesáreas no Brasil, principalmente em instituições que atendem convênios médicos. – Juntam-se a fantasia da paciente e a comodidade do médico. A paciente diz “eu prefiro cesárea”, e o médico diz “ah, então tá”. É mais cômodo – observa Ana. – Quem tem condições para parto normal tem que ser incentivada. Sempre que possível, o parto vaginal é melhor. RICARDO DUARTE Fabiane não quer correr os riscos de uma cesárea e pretende ganhar Matheus de parto normal /3 O parto normal Trata-se de um procedimento menos invasivo, com menor incidência de hemorragia e infecção A recuperação tende a ser mais rápida Pela compressão feita no bebê na hora da passagem pelo canal de parto, o procedimento é mais benéfico para o pulmão da criança, principalmente se o órgão ainda não está totalmente maduro (no caso de prematuros), reduzindo-se as chances de disfunções respiratórias A amamentação se estabelece mais facilmente A mãe se sente gratificada por ter participado ativamente do nascimento do filho O custo hospitalar (estrutura, equipamentos, medicamentos) é menor (não se considerando a equipe médica) Se o parto for difícil, por fatores como a desproporção entre o bebê e a mãe ou o mau posicionamento do bebê, há mais chances de a criança sofrer redução da oxigenação. Isso influi diretamente no resultado do Índice de Apgar, que avalia aspectos como a freqüência cardíaca, a coloração da pele, a respiração, os reflexos e o tônus muscular do recémnascido. Porém, há tecnologia disponível para controlar o bem-estar do bebê durante o parto e evitar sofrimento A cesárea Fatores que podem influenciar a decisão Medo da dor Opinião de amigas e familiares Agenda dos profissionais Provavelmente o principal motivo a afastar gestantes e futuras mães da idéia do parto normal, o medo de sentir dor não deve ser um impeditivo para quem conta com a assistência de um anestesista na hora do parto, o que é possível para pacientes com plano de saúde que cobre esse serviço ou mesmo em alguns hospitais da rede pública. Filmes e programas de TV exploram cenas de desespero e caos completo nos casos de parto normal, enquanto em cesarianas as mamães aparecem, geralmente, sem dor e bem assistidas – não se pode tomar como padrão uma ou outra situação. Antigamente, esperava-se que a parturiente atingisse sete centímetros de dilatação (de um total de 10) para a aplicação da analgesia peridural, para que a medicação não atrapalhasse o trabalho de parto. Hoje em dia, com a evolução de medicamentos da área de analgesia obstétrica, a peridural interfere menos no processo e pode ser aplicada precocemente, com dois ou três centímetros de dilatação, para conforto da paciente. Partos normais podem ser muito tranqüilos. Dúvidas sobre procedimentos e tipos de parto devem ser expostas ao obstetra ao longo da gestação. Grávida ouve de tudo, inclusive relatos das experiências de amigas, conhecidas e até – alguém contou para alguém – de desconhecidas na sala de parto. Cada mulher tem uma vivência única. Há quem se recuperou de uma cesariana rapidamente e recomenda o procedimento. Outras sofreram com dores muito fortes durante horas até o momento do parto normal, enquanto algumas encararam uma experiência gratificante e nada traumática. Mães de gestantes que tiveram filhos em outra época podem relembrar episódios que hoje não são tão comuns ou até mesmo que não se repetem mais, devido a avanços na área da medicina obstétrica. Não há como determinar, antecipadamente, o que acontecerá no dia do nascimento. O fundamental é confiar no médico e ser bem orientada por ele. A rotina dos médicos, muitos com múltiplos empregos, plantões noturnos e de final de semana e agendas repletas de consultas, pode alterar diretamente a variação do número de partos normais e cesarianas que realizam em suas pacientes. O acompanhamento da gestante que está em trabalho de parto pode se estender por horas, o que faria com que o obstetra tivesse de cancelar outros compromissos para estar ao lado dela. Uma cesariana agendada previamente, por outro lado, costuma ser concluída muito mais rápido. – As cesarianas, por diminuírem o tempo destinado ao cuidado, não atrapalharem o descanso do profissional, não colidirem com horas de consultório e emprego, não produzirem angústia diante do inesperado e por representarem o procedimento para o qual o médico é mais treinado, surgem como uma solução natural para os dilemas do parto – comenta o ginecologista e obstetra Ricardo Herbert Jones, filiado à Rede pela Humanização do Parto e Nascimento e membro da International MotherBaby Childbirth Organization. Ana Carcova, ginecologista e obstetra, comenta que um hospital privado da Capital designou recentemente um plantonista para observar grávidas que estão com contrações, medida que, isolada, já fez aumentar os índices de nascimento por parto normal. O médico que acompanha a mãe é chamado apenas quando a hora do nascimento está próxima. Pelo Sistema Único de Saúde, os partos também são feitos por plantonistas, que têm tempo disponível para a tarefa. Ana, incentivadora do parto normal entre as pacientes que atende, sempre que existe essa possibilidade, acredita que é viável encontrar alternativas para os alegados problemas de agenda, como requisitar a ajuda de profissionais com menos tempo de clínica que se dispõem a auxiliar. – Alguns colegas debocham de mim. Paro tudo e sento do lado da mãe. Se eu, que não sou a mãe, tenho a disponibilidade de parar a minha vida, ela tem que se dispor a parar também – relata. Lucas Teixeira contrapõe à realidade brasileira o que comumente se vê nos Estados Unidos, onde já atuou. – Lá o médico é mais organizado, em grupos, trabalha menos horas e tem maior cobertura e infra-estrutura. Consegue chegar na hora do parto, enquanto tem uma equipe cobrindo para ele – conta o ginecologista e obstetra. Experiência prévia A partir da segunda gestação, a mãe poderá se basear na sua própria experiência para decidir – quando for possível – se quer repetir um parto normal ou uma cesariana ou, ainda, tentar algo diferente do que foi feito nas ocasiões anteriores. O Medo das conseqüências atendimento prestado no hospital e pela equipe médica, o que Mães que optam pelo parto normal estariam expostas a um ris- se passou durante o trabalho de parto e a recuperação após o co maior de danos na região genital e urinária, como afrouxamento parto normal ou a cesariana são impressões que podem inda musculatura vaginal, com chances de ocorrer, após vários anos, fluenciar futuramente. herniação da bexiga em direção à vagina (bexiga caída). Outra possibilidade seria mudança na sexualidade pelo aumento do calibre vaginal e redução do tônus muscular, principalmente quando o ne- Capricho ou conveniência Existem pais que querem escolher a data ou o dia da senê é muito grande ou se é preciso recorrer ao uso de fórceps. Após o parto, essas mulheres, tendo passado ou não por episiotomia (corte mana em que o filho vai nascer, o que pode ser determinante feito para facilitar a saída da criança), devem ser orientadas pelo para que optem pela cesárea. Também influenciam a decisão médico a fazer exercícios para fortalecer a musculatura. Quando outros fatores relacionados à vida cotidiana do casal: o pai bem executados, podem prevenir esses problemas, mantendo a in- precisará viajar ao Exterior, a família terá que se deslocar de tegridade, a posição e a função normal dos órgãos genito-urinários. uma cidade a outra para o nascimento, a mãe deverá defender Discute-se também, entre os profissionais, se a opção pela cesariana a tese de doutorado etc. Em cidades grandes, como São Paulo, é mesmo capaz de proteger desses danos, uma vez que há evidên- morar longe da maternidade já pode se transformar em um cias de que eles também ocorrem depois de repetidas gestações, in- tormento, e o medo de engarrafamentos e deslocamentos lentos pode levar a paciente a optar pela cesariana. dependentemente de o parto ter sido vaginal ou por cesariana. É uma cirurgia, portanto, um procedimento mais agressivo As chances de traumas de nascimento aos membros do bebê diminuem Menor possibilidade de danos às regiões genital e urinária inferiores da mãe Menor incidência de sofrimento fetal, asfixia e má oxigenação da criança ao nascer Os risco de infecção e hemorragia são mais elevados Aumentam as chances de o bebê ter distúrbios respiratórios e da circulação pulmonar ao nascer O leite demora, em média, um dia a mais para descer A mulher pode ficar com aderências no abdômen (cicatrizes internas) ou ter problemas como má implantação de placenta em uma nova gestação (a placenta, ainda que raramente, pode ficar implantada sobre a cicatriz uterina da cesariana prévia, com risco de hemorragia) Uma cesariana custa mais caro do que um parto normal para a instituição ou para o sistema de saúde. O preço também é mais alto para a paciente que não tem cobertura de convênios particulares: o custo hospitalar (sem contar honorários médicos) para a realização de cesárea é quase o dobro do que é gerado pelo parto normal Fonte: Lucas Teixeira, ginecologista e obstetra