Rev Port Coloproct. 2010; 7(2): 80-82 Caso Clínico Clinical Case “APENDICITE AGUDA” COMO APRESENTAÇÃO DE DOENÇA DE CROHN E DOENÇA DE CROHN DO APENDICE ILEOCECAL: DUAS ENTIDADES DISTINTAS Resumo N. ROSA1 S. MARTINS2 J. LAMELAS2 M. RODRIGUES3 A Doença de Crohn é uma doença inflamatória crónica e idiopática intestinal. O diagnóstico da doença de Crohn assenta num conjunto de dados clínicos, radiológicos, endoscópicos e histológicos. A apresentação clínica depende da localização da doença, sendo a apresentação aguda rara, mas a doença ileal pode mimetizar um quadro de apendicite aguda. Os autores descrevem um caso clínico de um doente submetido a laparotomia com diagnóstico pré-operatório de apendicite aguda, tendo-se colocado a hipótese de Doença de Crohn per-operatoriamente. Realizam uma revisão bibliográfica sobre a apendicite aguda como apresentação de doença de Crohn e sobre a Doença de Crohn isolada do apêndice ileocecal. Rev Port Coloproct. 2010; 7(2): 80-82 Abstract (1)Interna Complementar de Cirurgia Geral do Hospital da Horta EPE, a realizar estágio de Cirurgia Geral no Serviço de Cirurgia II, Hospital de Braga (2)Assistente Hospitalar (3) Chefe de Serviço de Cirurgia Geral, Director do Serviço de Cirurgia; Responsável da Unidade de Coloproctologia, Hospital S. Marcos, Braga Crohn´s disease is an idiopathic and chronic intestinal inflammation. The diagnosis of Crohn’s disease seats in a group of clinical, radiologic, endoscopic and pathologic. The clinical presentation varies depending on the site of disease. Acute first presentation of disease is uncommon, but ileal disease can mimic acute appendicitis. The authors present a clinical case of a patient with preoperative diagnosis of acute appendicitis having put the hypothesis of Crohn’s disease in the laparotomy. They make a bibliographical revision about the subject and about Crohn disease of the appendix. Rev Port Coloproct. 2010; 7(2): 80-82 Introdução Correspondência: Nisalda Rosa Rua da Courelas nº 16 9900-361 Horta Telemóvel – 965708945 E-mail - [email protected] 80 A Doença de Crohn é uma doença inflamatória crónica e idiopática intestinal que se caracteriza por episódios de exacerbação e de remissão(1, 2). Pode envolver qualquer parte do tubo digestivo da boca até ao ânus e estar associada a manifestações extra-intestinais (1,2,3,4,6,7) localizando-se mais frequentemente no intestino delgado e cólon 40-55%, envolvendo isoladamente o intestino delgado em cerca de 30-40% dos casos e em 1525% apenas o cólon. Nos cerca de 75% dos casos em que o intestino delgado está envolvido, 90% tem envolvimento do íleon terminal(2). A doença Rev Port Coloproct. 2010; 7(2): 80-82 perianal pode coexistir com qualquer uma destas localizações(4). O diagnóstico da doença de Crohn assenta num conjunto de dados clínicos, radiológicos, endoscópicos e histológicos(3,4,6,7). Uma vez que a localização mais frequente é o íleon terminal, por vezes pode mimetizar um quadro de apendicite aguda, encontrando-se na laparotomia um apêndice ileocecal normal na presença de aspectos característicos no íleon terminal(2,4). Macroscopicamente caracteriza-se pelo envolvimento segmentar do intestino, alternando áreas sãs com áreas com doença,“skip lesion” e com um espessamento do mesentério que cavalga o intestino adjacente em direcção ao seu bordo antimesentérico. A nível da mucosa observam-se ulcerações lineares que separam “ilhéus” edemaciados de mucosa que lhe dá o aspecto de “pedra de calçada”. Ulcerações mais profundas poderão levar à formação de fístulas(4). Microscopicamente a inflamação envolve toda a espessura da parede. As alterações mais precoces correspondem à presença de neutrófilos na base das criptas, originando abcesso das criptas. A formação de agregados linfoídes sobreposta de ulceração produz úlceras aftosas(4). O Tratamento médico da doença de Crohn é determinado por um conjunto de factores, nomeadamente; localização da doença, severidade e comportamento da doença(5). A terapêutica cirúrgica fica reservada para as situações de ausência de resposta à terapêutica médica e para as complicações da doença de Crohn. A evolução da doença de Crohn é para a cronicidade e recorrência. Em estudos de longo “follow-up” a média de cirurgias por doente é de 2,5, com o doente típico a ser re-operado cada 10 anos (5). Caso Clínico Apresenta-se o caso clínico de um doente do sexo masculino, 29 anos de idade, raça caucasiana, que recorre ao serviço de urgência por quadro clínico com um dia de evolução, caracterizado por febre, 37.6ºC, anorexia, dor abdominal, tipo moinha, localizada na fossa ilíaca direita, sem irradiação e vómitos alimentares. O doente não apresenta alterações do trânsito intestinal nem queixas urinárias, negando sintomatologia prévia. No exame objectivo apresentava um abdómen mole, depressível com dor à palpação na fossa ilíaca direita, com sinal de Blumberg positivo. Sem outras alterações relevantes. Pré-operatoriamente foi colocada a hipótese de apendicite aguda. Na laparotomia observava-se um apêndice ileocecal sem alterações aparentes. O íleon terminal apresentava-se espessado com cavalgamento do intestino delgado pelo mesentério, nos últimos 30 cm, sem áreas de estenose. Apresentando-se o restante intestino com aspecto normal. Realizou-se uma apendicectomia. Com base nestes dados foi colocada a hipótese de doença de Crohn, per-operatoriamente. O período pós-operatório decorreu sem intercorrências e o doente teve alta ao quarto dia de pós-operatório, para consulta externa de Cirurgia Geral. O exame histológico da peça operatória revelou: apêndice ileocecal sem alterações valorizáveis. Foi observado na consulta de Cirurgia Geral, um mês após a data de alta, encontrava-se assintomático tendo sido orientado para realizar uma colonoscopia total com visualização e biópsia do íleon terminal, com a hipótese de Diagnóstico de Doença de Crohn, que se veio a confirmar na biopsia realizada por colonoscopia. Discussão A Doença de Crohn é uma doença inflamatória crónica, que pode envolver qualquer local do tubo digestivo (1,2,3,4,6,7). O seu diagnóstico assenta num conjunto de dados clínicos, radiológicos, endoscópicos e histológicos (3,4,6,7) . Em termos clínicos, varia consoante a localização. Quando a localização ocorre a nível do íleon terminal pode mimetizar um quadro de apendicite aguda (2). O caso clínico descrito trata-se de um doente jovem, sem antecedentes patológicos relevantes que recorre ao serviço de urgência com um quadro típico de apendicite aguda, motivo pelo qual foi levado ao bloco e é no per-operatório que se coloca a hipótese de Doença de Crohn, que veio a ser confirmada ”a posteriori”. Esta forma de apresentação aguda da Doença de Crohn é rara (2,4) e o quadro de ileíte ou ileocolite detectado na laparotomia por suspeita pré-operatória de apendicite aguda acarreta uma decisão controversa: que cirurgia realizar? A maior parte dos cirurgiões realiza uma apendicectomia se a base do apêndice e o cego adjacente não estiverem envolvidos pelo processo inflamatório. Em situações em que se observa um processo inflamatório severo, com fleimão do íleon terminal e cego, ou se o cego estiver envolvido, o apêndice não deve ser retirado se não estiver inflamado (5). Ocasionalmente pode encontrar-se uma situação em que o íleon, cego e apêndice estejam envolvidos num processo inflamatório com segmentos isquemicos ou obstruídos, nesta situação uma ressecção do íleon terminal, cego e uma porção do cólon ascendente com ileostomia terminal e fistula mucosa será o mais aconselhado. (5) A Doença de Crohn primária do apêndice ileocecal é distinta da Doença de Crohn (8,9,12) sendo uma entidade clínica rara (8,9) estão descritos na literatura 156 casos (5). Um diagnóstico pré-operatório correcto é raramente 81 Rev Port Coloproct. 2010; 7(2): 80-82 realizado (11). A apresentação clínica e os achados imagiológicos semelhantes entre o quadro inicial de Doença de Crohn e uma apendicite supurativa ou um abcesso apendicular determinam a intervenção de urgência(10,11). No entanto a visualização de um apêndice engrossado com lúmen irregularmente estreito apoia o diagnóstico de Doença de Crohn do apêndice ileocecal (10,11). O diagnóstico definitivo é histológico (9). Estes doentes são tratados, com uma morbilidade mínima, só com apendicectomia(5,12). A formação de fístula temida que segue a remoção do apêndice não se observa na maior parte dos casos clínicos referidos na literatura (11). Ao contrário da elevada taxa de recorrência esperada a literatura refere uma taxa de recorrência na ordem dos 10 (10) a 14% (11). O facto da Doença de Crohn primária do apêndice ileocecal apresentar uma menor incidência de fístulas enterocutâneas e uma rara recorrência constituem os argumentos que a tornam distinta da Doença de Crohn(12), assim para alguns autores constitui uma forma menos agressiva de Doença de Crohn (8) mas para outros pode não ser mesmo Doença de Crohn (8,9,12) aconselhando a designação "Apendicite Granulomatosa Idiopática" (9). Bibliografia 1.Alves Pereira C. Cirurgia Patologia Clínica. 1st edition. Mc-GrawHill; 1999. 82 2. Braunwald, Fauci, Kasper, Hauser, Longo, Jameson. Harrison’s. 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