GESTÃO DA EDUCAÇÃO PARA NOVOS TEMPOS Rinalva Cassiano Silva – UNIMEP [email protected] Resumo: Este trabalho enfoca os desafios da gestão escolar para o século XXI, destacando a necessidade de a gestão ser democratizada. A gestão democrática cria espaço de participação, de divisão de responsabilidades e de avaliação do desenvolvimento do projeto político pedagógico, levando em conta o que se deseja da escola. Se a expectativa é de inovação da escola, a gestão também precisa se inovar, estando atenta às mudanças que ocorrem no mundo, zelando pela qualidade do ensino e atuando na construção de pessoas críticas e capazes de produzirem conhecimento e inovarem os processos. Palavras-chave: gestão democrática; participação; inovação educacional. INTRODUÇÃO Como se formou um tipo de governo dos homens onde não se é exigido simplesmente a obedecer, mas a manifestar, enunciando-o o que se é? Foucault apud Bujes (2002) A reflexão sobre gestão da educação, ou mesmo da unidade escolar, nos remete à necessidade de uma abordagem, ainda que breve, sobre o contorno político-social do nosso país. Ao estudar a sociedade brasileira na sua organização e reorganização políticosocial, as relações de poder, evidentemente, dão o tom e a complexidade que têm no seu avanço ou no seu retrocesso, em especial à democratização da gestão educacional. Vivemos um novo momento na história política brasileira, com a ascensão de um partido que lutou por vários anos para eleger um presidente e, que agora no poder, procura caminhos para maior democratização do país. Ainda que não se possa negar que já vivemos uma democracia, que ela não está sendo inventada no atual governo, o mesmo procura desenvolver o senso de maior responsabilidade, com uma democracia que tenha representatividade maior da cidadania, ou seja, há o desejo de igualdade de condições de vida para todos. É o que supomos. A inclusão da sociedade na escola e nos direitos a uma vida decente, digna e de qualidade, foi algo que aconteceu para poucos no Brasil. A grande maioria sempre viveu à margem dos bens e privilégios que deviam ser de todos. O analfabetismo continua sendo nossa chaga, a fome continua e as violências aumentam, como um sinal de protesto contra tudo e contra todos. É nesse contexto que tentaremos entender o fenômeno educar e gerir educação para a cidadania. A escola, como instituição eminentemente social que interage com a sociedade, não se encontra fora desse contexto de mudanças e tem seu cotidiano permeado por práticas autoritárias em muitos casos, menos autoritárias em outros e procura um caminho de democratização da gestão. Sabe-se perfeitamente que a mesma não pode ser uma instituição com poder verticalizado, numa época em que a participação, flexibilização e competição são palavras chaves e não combinam com autoritarismo. Para Chagas (1982:203), o diretor de pequenas escolas, antes um educador severo, mas ao mesmo tempo humano, é hoje um executivo frio e impessoal. Se era antes um líder amado ou um chefe respeitado, ou mesmo temido, mas que existia, hoje tornou-se um mito que já ninguém conhece. Os tempos mudaram e no vivemos mais essa época de centralização de poder, mas, ao contrário as ações são partilhadas em diferentes níveis da hierarquia da instituição, cada vez menos hierárquica. Assim, o diretor passa a ser líder de ações ou um coordenador de grupo, ou grupos, que trabalha por uma educação de qualidade acessível a todos. A instituição escolar, que se pretende inovadora, para novos tempos há que se tornar em espaço coletivo de aprendizagem, tomada de decisões coletivas e ter projetos educacionais inovadores para novos tempos. A GESTÃO: UMA QUESTÃO DE PERSPECTIVA DiBella (199:4-5), ao trabalhar as organizações, questiona o que é exatamente uma organização aprendiz. Ele mesmo tenta trabalhar essa organização aprendiz com três respostas possíveis. Pedimos licença para, não reproduzindo na integra suas palavras, tentar interpretar o seu pensamento. A primeira resposta (perspectiva normativa) é “que a aprendizagem organizacional apenas acontece dentro de condições absolutamente exclusivas”. Dentro da perspectiva normativa, a escola, enquanto organização, precisaria trabalhar com uma abertura aos novos processos de raciocínio sistêmico, com criatividade, eficácia pessoal e empatia como práticas a serem encorajadas, reconhecidas e recompensadas pelo corpo gerencial da organização, (palavras do autor), nesse caso, diretores e corpo administrativo (colegiados, comunidade, etc). A instituição educacional pode, em parte, trabalhar com essa perspectiva, mas terá que levar em conta que, para tal, não está ausente o conjunto de condições prescritivas, regras de excelência que funcionam como um padrão para sua avaliação. DiBella postula, ainda, que essa perspectiva normativa mostra que a rotina de trabalho das organizações não conduz à aprendizagem. As barreiras que dificultam a aprendizagem são o resultado de formas básicas e conflitantes com que cada indivíduo é treinado para pensar e agir, assim como de outras barreiras que impedem a identificação e o uso de soluções para os problemas educacionais. Sem querer polemizar o autor, diríamos que ,na organização escolar, de fato a rotina não conduz à aprendizagem. Vamos mais longe, porque o processo de aprendizagem na educação passa por novo conceito, ou seja, aprender a aprender, aprender a ser, aprender a respeitar os saberes dos outros. Na instituição educacional não se treina, se dialoga. A identificação deve ser alvo da gestão de uma escola ou instituição que se diz educacional. A segunda perspectiva é a desenvolvimental. Nela, a característica principal é a de que as organizações vão crescendo em seus processos de aprendizagens orientadas pelas características de cada uma delas. Ou ainda, os processos de aprendizagem evoluem, até que a organização atinja o último estágio de seu desenvolvimento, que resulta do tempo de sua existência no mercado, crescimento, desenvolvimento gerencial e inovações tecnológicas em sua área de atuação. Transpondo para a organização escolar, significa que a mesma cresce e ganha autonomia determinada por suas próprias características. Creio que o modelo não se aplica à escola. A educação é, por natureza, dinâmica e supera fases de estagnação à medida que os envolvidos nela queiram e tenham vontade política. Aqui, de novo se trabalha com pessoas que têm vontade própria e que sabem o que querem da instituição. É uma questão de liderança no processo. Concordamos que a escola, como a organização, está em constante mutação, que elas vêm em conseqüência da dinâmica dos processos de aprendizagem. Por exemplo, o uso da tecnologia causa uma verdadeira revolução no conceito de aprendizagem, mas não é tudo na educação. Perspectiva capacitacional - aí entra em cena a capacidade de aprender pela experiência adquirida, por meio de uma escolha estratégica ou com o decorrer do tempo. A experiência vivenciada ao longo do tempo, por certo tem seu valor, mas o mais importante, no caso da instituição educacional é a capacitação constante. A palavra educação continuada tem um sentido tão abrangente dentro da educação que explicita perfeitamente o que queremos dizer. Uma instituição educacional cuida da capacitação permanente de sua comunidade (professores, alunos, dirigentes, todos os que nela convivem). A perspectiva capacitacional sugere que é possível eleger estilos de aprendizagem diferentes dentro de uma mesma empresa. O princípio também é verdadeiro para a escola. ela não precisa ficar presa aos modelos do mercado., pois atua com modelos próprios que demandem educar sua comunidade com normas e padrões próprios que os torne mais conscientes de seu papel na sociedade, que os torne cidadãos comprometidos com seus ideais. A escola, diferentemente da empresa, não tem pressa na consecução de seus ideais, pois sabe o que pretende de sua comunidade e das reais necessidades da sociedade onde atua. Isto faz a diferença. Em suma, cremos que é possível às instituições de ensino, no processo aprender a aprender, usar as três estratégias, desde que saibam o que desejam, sem estarem presas aos modelos impostos pelas empresas ou organizações, que têm outras finalidade que não são as da agencia de educação. A GESTÃO DA EDUCAÇÃO E OS DESAFIOS PARA NOVOS TEMPOS Como tema central, não podemos deixar de pensar o que será administrar ou gerenciar uma instituição educacional ou mesmo o macro - sistema educacional - para novos tempos. Guerra (2000) nos inspira, ao pensarmos em novo tempo. Ele usa a palavra “inovadora” que não deixa de ser o que se pretende da educação: que saia dos velhos padrões para criar novas formas de gerenciamento. O administrador educacional precisa estar atento às mudanças que ocorrem no mundo e ser capaz, zelando pelo alto ideal da educação, de atuar na construção de pessoas críticas e capazes de produzirem conhecimento, ser um eterno inovador de processos. Não adianta continuar somente com giz, quando o computador está presente na sala de aula. Para Guerra, a escola que aprende é, sem dúvida, a escola capaz de inovar-se, de forma que os três atributos (idéias básicas do autor) que a definem são também condições para a ação inovadora. Segundo o autor, as três condições para que a escola se converta em agência inovadora são: 1. constituir-se como comunidade, no que se refere a um conjunto de pessoas com um projeto comum, que compartilham identidade e vínculos, gerados e mantidos por finalidades comuns e gestão democrática; 2. assumir a aprendizagem como foco central nesta comunidade. O propósito de ser e existir da escola - a aprendizagem - refere-se, não só à aquisição de novos conceitos ou idéias, mas também à assimilação de procedimentos, habilidades e destrezas, encaminhadas à compreensão de mundo e à sua melhora, processo esse iniciado pelo universo de atuação de cada um; 3. exige que esta comunidade de aprendizagem (a escola) seja crítica, fazendo referência à capacidade reflexiva e discriminadora que permite desvelar a realidade e o conhecimento que a representa. Assimila, transmite, sim, mas, sobretudo, analisa, elabora e toma posição. Concordamos plenamente com Guerra, mas não ficamos por aí. Não basta obedecer aos três atributos básicos lançados por ele. Os novos tempos estão a exigir de todos nós, educadores e gestores, novos imperativos para o processo de gestão da escola. Diante de um mundo marcado pelas leis do mercado, fundamentadas nas teses neoliberais, a educação não foge das influências que advêm desse contexto, mas, ao contrário e às vezes, parece seduzida por ela, pelo menos para muitas instituições. Assim, precisamos estar alertas para não nos deixarmos levar pela ganância do ganho com educação, o que implica, em última análise, no tipo de gestores temos nas instituições de ensino. Dependendo de quem é o gestor, a instituição pode mudar seus critérios de construção do saber. Questões educacionais são conflituosas porque envolvem interesses diversos. Professores, alunos funcionários administrativos, comunidade externa, todos apresentam suas contradições. As expectativas são as mais divergentes e é bom que isso aconteça, pois é exatamente isso que faz a instituição escolar ser “lócus” de discussão para construção. Todas as discussões podem alimentar consenso na construção do projeto pedagógico da escola e, assim, levar aos responsáveis (gestores) a uma construção coletiva. Um outro elemento que não pode ser desprezado é o saber diferenciar entre compartilhar a gestão e democratizar a gestão. Aparentemente podem ser sinônimas, e até obvias, no tratar das questões educacionais, entretanto nós podemos compartilhar até para tirar proveito e criarmos clima falso de democratização. Compartilhar pode resolver questões imediatas, mas, no fundo, se não for ação sedimentada em base do saber trabalhar coletivamente, não vai melhorar em nada a qualidade. Democratizar é criar espaço de participação, de aceitação de desafios, saber dividir responsabilidades e cobrar na hora certa. Democratizar é saber avaliar as ações na criação de um projeto político pedagógico que leve em conta o que queremos da escola. Nos novos tempos em que vivemos, mais do que nunca o gestor precisa ser líder e servo de todos, ou não constrói. A ESCOLA: UMA ORGANIZAÇÃO QUE APRENDE COM SEUS GESTORES O sub-tema, associado ao artigo ora em reflexão, vem muito a propósito. A gestão da educação continua sendo o grande desafio das instituições de educação. Como pressuposto, a escola que aprende é uma escola capaz de inovar-se e não ficar no tradicionalismo. Quando falamos em inovar é importante pensar em tudo, inclusive na sua gestão. Para tanto ela precisa tomar consciência de que é uma comunidade onde o dialogo precisa ser permanente, onde o compartilhamento da idéias deve ser condição sine qua non. Assim, a gestão passa a ser democrática e nunca autocrática. Em seguida, a instituição precisa assumir que é uma comunidade de aprendizes. Se nos voltarmos para o documento da UNESCO (1998) vamos encontrar as bases para uma educação com gestão democrática. Embora esse documento faça referência ao ensino superior, pode ser perfeitamente aplicável a qualquer nível de educação. Vejamos os princípios defendidos: a) relevância - precisa ser avaliada em termos do ajuste entre o que a sociedade espera das instituições e o que estas realizam. A preocupação deve ser a de facilitar o acesso a uma educação geral ampla, especializada e, freqüentemente, interdisciplinar; ou, em outras palavras, aprender a viver com a diversidade de situações. O papel do gestor passa a ser de um estimulador dessa situação e não de um chefe de gabinete; b) reforçar seu papel de serviço extensivo à sociedade, especialmente às atividades voltadas para a eliminação da pobreza, intolerância, violência, analfabetismo, fome, deterioração do meio-ambiente e enfermidades, principalmente por meio de uma perspectiva interdisciplinar para a análise dos problemas e questões levantadas. Dito isso, podemos traduzir em outras palavras: a escola não é lócus de aprendizagem sem sentido ou meramente alfabetização, ela é um lugar de reflexão e ação em favor da comunidade, formando o cidadão responsável; c) desenvolvimento do sistema educacional como um todo. CONCLUSÃO O assunto é por demais interessante, desafiante e polêmico, não podendo deixar de ser comentado, analisado, refletido e discutido. A gestão da educação para novos tempos nos remete ao pensamento inicial do texto: como formar um tipo de governo dos homens se os mesmos não tomam parte nele, demonstrando como sentem o que fazer? Enfim, trata-se de participação de direito à opinião. Fala-se muito em educação multicultural, multidimensional, participativa, entretanto, com a globalização neoliberal o que se observa são resistências cada vez mais profundas que cremos que já deveriam ter sido banidas da sociedade e, sobretudo, da educação. Semelhanças com etapas anteriores das lutas contra o capitalismo selvagem, contra o imperialismo e contra as ditaduras civis e militares podem ser identificadas claramente nas gestões governamentais e se repetem na educação, ou melhor, nos sistemas educacionais. O que assistimos são lutas que poderíamos chamar de novas, mas, na realidade, são antigas, aparecendo com outro colorido e invadindo as escolas. São as lutas étnicas, os problemas urbanos e rurais nas escolas, o direito das mulheres, a exclusão escolar, a ditadura de diretores, enfim, são velhos problemas voltando aos nossos dias, a despeito da tecnologia, da (falsa) gestão participativa, do direito à educação. A gestão e financiamento da educação são assuntos que não podem sair da pauta dos governos e dos sistemas educacionais, o que significa a constante preocupação com o desenvolvimento de capacidades e estratégias apropriadas de planejamento da educação e ações políticas quer visem adotar práticas reais de gestão, com perspectiva de presente e futuro, e que venham responder às necessidades da realidade atual, mesmo em contexto contrário. Não pode, em hipótese nenhuma ser esquecido que a educação deve ser acessível a todos, sem nenhuma discriminação. Devem ser criadas políticas claras relativas à educação continuada do pessoal docente, carreira profissional para os mesmos, incentivos ao desempenho, preparação dos alunos que estão na escola para o mundo do trabalho, pois, cedo ou tarde precisarão entrar no mundo competitivo e serem cidadãos do mundo. É preciso ter a ética e a cidadania como postulados primeiros da educação. Somente com um gestor capaz de entender esse princípio é possível mudar os rumos da educação brasileira, caso contrário continuamos na mesmice de criar leis e decretos e que não são aceitos pela maioria, até porque não refletem as necessidades reais. Este é o desafio para todos nós, educadores do século XXI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUJES, Maria Isabel Edelweiss. A invenção do eu infantil: dispositivos pedagógicos em ação. In. Revista Brasileira de Educação. São Paulo, n. 21. São Paulo: 2002. DIBELLA, Anthony J. & NEVIS, Edwin C.. Como as organizações aprendem. São Paulo: Educator-Editora, 1999. EYNG, Ana Maria. Políticas e práticas de gestão Pública na educação municipal: As competências da escola. In: Revista Diálogo educacional, Curitiba, v. 2 n. 4. Julho/dezembro 2001. FERREIRA, Naura Syria Carapeto & AGUIAR, Márcia Ângela da (Org.). Gestão da Educação: impasses, perspectivas e compromissos. São Paulo: Cortez Editora, 2000. SANTOS, Clóvis Roberto dos. O gestor educacional de uma escola em mudança. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. SIQUEIRA, Mirlene Maria Matias e outros. Cidadania, justiça e cultura nas organizações. São Bernardo do Campo: Gráfica e Editora Metodista, 2001. UNESCO- MEC. Gestão da escola fundamental. São Paulo: Cortez Editora, 1993 (versão brasileira adaptada). UNESCO. Conferência mundial sobre educação superior realizada em Paris. Piracicaba: Editora UNIMEP, 1998.