O QUE É CONCORRÊNCIA PERFEITA? Joan Robinson Fonte: Quarterly Journal of Economics, vol. 49, no. 1, novembro de 1934, pp. 104-120 1. Duas noções geralmente misturadas O que queremos dizer com “concorrência perfeita”? Esse termo é usado para abarcar tantas idéias separáveis, em tantos sentidos diferentes, que tornou-se quase sem valor como um meio de comunicação. Portanto, parece melhor começar com uma definição. Por concorrência perfeita proponho que se entenda um estado de coisas no qual a demanda pelo produto de um vendedor individual é perfeitamente elástica. Esta é uma definição muito mais restrita do que a que será encontrada em muitos textos modernos. Para o Professor Knight, por exemplo, concorrência perfeita implica conduta racional por parte de compradores e vendedores, pleno conhecimento, ausência de frcções, perfeita mobilidade e perfeita divisibilidade de fatores de produção e condições completamente estáticas (Knight, 1921, pp. 76-80). Esta definição é incomumente ampla. É mais comum que essas várias idéias estejam separadas umas das outras e o termo “concorrência perfeita” seja aplicado a apenas algumas delas. Há, entretanto, duas noções que parecem estar intimamente ligadas nas mentes de muitos, e agrupadas como “concorrência perfeita”. São elas, primeiro, a situação na qual um vendedor individual não pode influenciar o preço (isto é concorrência perfeita em minha terminologia) e, segundo, a situação na qual um vendedor individual não pode obter mais do que lucros normais. Deixando tudo o mais de lado, quero limitar-me a discutir apenas estes dois sentidos do termo “concorrência perfeita”. O Sr. Sraffa, cujo artigo de 1926 (Sraffa, 1926) teve uma parte importante no trabalho de emancipar a análise econômica da tirania da hipótese de concorrência perfeita, não estava, ele próprio, completamente ciente da liberdade que estava nos dando. Ele contentou-se em dizer que quando a concorrência é imperfeita não há necessidade de considerar o problema dos lucros normais e a entrada de novas firmas no setor, porque a entrada de novas firmas num mercado imperfeito deve ser necessariamente difícil (Sraffa, 1926, p. 549). Mas basta um simples passo para levar o próprio argumento do Sr. Sraffa à sua conclusão lógica. Ele mostrou que no mundo real quase todos os mercados são imperfeitos – e seria impossível contestar que no mundo real novas firmas dificilmente entram em algum setor. Em 1930 o Sr. Shove ainda adotava uma atitude ambígua quanto à questão e não conseguia entender completamente a conexão entre a noção de concorrência perfeita e a noção de livre entrada em um setor (Robertson, Sraffa e Shove, 1930). O Professor Chamberlin em 1933 prestou um serviço valioso ao separar categoricamente as duas idéias. Ele distingue “concorrência pura” de “concorrência perfeita” (Chamberlin, 1933, p. 6). Concorrência pura é a situação na qual a demanda pelo produto de cada firma é perfeitamente elástica1 , enquanto concorrência perfeita é concebida de forma a requerer as condições adicionais de “uma fluidez ou mobilidade de fatores ideal”, “ausência de incerteza”2 ou “‘perfeições’ adicionais que os teóricos particulares considerem convenientes e úteis aos seus problemas”. Aqui a questão está claramente colocada. Mas a terminologia do Professor Chamberlin, de certa forma, dá a impressão errada e presta um tributo verbal à velha confusão. Parece melhor ser ousada e definir concorrência perfeita nos termos que ele reserva à concorrência pura e assim forçar o teórico particular a definir especificamente quais condições adicionais ele considera útil supor para os propósitos de cada problema. Em seu artigo sobre as “Doutrinas da Concorrência Imperfeita” o Sr. Harrod (1934, p. 443) parece, à primeira vista, estar seguindo este procedimento e sua definição de “concorrência perfeita” coincide com a minha. Mas ao longo de seu argumento torna-se claro que, mesmo para ele, “concorrência perfeita” implica entrada livre (p. 460). Assim, parece desejável, antes de discutir a noção de uma demanda perfeitamente elástica pelo produto de um vendedor individual, dizer alguma coisa sobre a outra linha de pensamento que está emaranhada nesta – a noção de lucros normais. 2. A idéia de lucros normais A idéia de lucros normais é, em sua forma quase ingênua, a de um único nível geral de lucros. Os lucros em qualquer setor, nessa visão, são normais quando são os mesmos da generalidade dos outros setores. Mas obviamente não há mais razão para esperar uma taxa de lucro uniforme por empresa do que para esperar um nível uniforme de renda da terra. No 1 2 Essa definição de “concorrência pura” não é exatamente a dada pelo Professor Chamberlin. Ele diz: “Pureza requer apenas a ausência de monopólio, o que ocorre quando há muitos compradores e vendedores do mesmo produto (perfeitamente padronizado)” (p. 25). Essas condições, como veremos, são desnecessariamente severas, mas por “ausência de monopólio” ele aparentemente quer dizer uma situação na qual nenhuma das firmas pode aumentar seu preço sem sacrificar completamente toda sua venda – e esse é o ponto essencial. Aqui o Professor Chamberlin está se referindo ao Professor Knight (1921). mundo descrito pelas bem-conhecidas “aproximações iniciais”, no qual todas as terras são iguais em fertilidade e valor locacional, há uma taxa uniforme de renda por acre no longo período. Num mundo em que todos os empresários fossem iguais, haveria uma taxa de lucro uniforme em todos os setores no longo período. No mundo real a capacidade empresarial não é mais homogênea que a terra. A visão de uma taxa de lucro normal uniforme deve, portanto, ser descartada como uma simplificação inicial. A idéia de que há um nível de lucro a ser obtido em setores competitivos, e que quando a concorrência não é perfeita os lucros devem exceder esse nível, é claramente insustentável. Certamente este é um daqueles problemas em que a principal dificuldade é ver qual é a dificuldade. Lucros normais são simplesmente o preço de oferta da capacidade empresarial num setor particular. A essência da noção de lucros normais é que quando os lucros são mais do que normais novas firmas entrarão no negócio, e lucros normais são simplesmente os lucros prevalecentes quando não há tendência à alteração do número de firmas. É possível, claro, que o numero de firmas seja arbitrariamente limitado. As firmas podem requerer uma licença das autoridades reguladoras, ou as firmas existentes podem ser tão fortes que conseguem barrar os novos concorrentes pela ameaça de uma guerra de preços. Podem mesmo recorrer à violência para impedir os novos rivais de entrarem em cena. Em tais casos, nenhum nível de lucros, não importa quão alto, será grande o bastante para tentar as novas firmas a entrarem no negócio, e a oferta de empresas para aquele negócio é perfeitamente inelástica no montante existente. Para um setor assim, qualquer nível de lucros é normal, e o termo deixa de ter uma aplicação útil. Em todos os casos menos extremos, haverá alguma elasticidade de oferta de novas empresas, que pode ser pequena ou grande de acordo com as circunstâncias do negócio. O nível normal de lucros será diferente em diferentes setores e diferente em diferentes escalas do mesmo setor; o nível de lucros normais dependerá das condições de oferta de empresas. Negócios que requerem habilidade não-usual ou qualificações especiais, tais como o poder de comando sobre um grande montante de capital para investimentos iniciais, tendem a ter um alto nível de lucros normais; negócios que são fáceis de entrar têm um nível mais baixo. 3. Lucros normais não estão relacionados com concorrência perfeita Ora, não há nada em tudo isto que esteja ligado à noção de concorrência perfeita, no sentido em que eu uso o termo. É verdade que um alto nível de lucros normais será normalmente encontrado onde a concorrência é imperfeita. O fato de que uma firma antiga e bem-estabelecida goza de “reputação” tem tanto o efeito de lhe dar um controle sobre o mercado, que lhe permite influenciar o preço da mercadoria que vende, quanto o de aumentar o custo de entrada de novos rivais. E a firma poderosa que usa métodos de “concorrência desleal” com os concorrentes estranhos provavelmente não estará vendendo num mercado perfeito. Mas esta associação de altos lucros normais (não lucros anormalmente altos) à concorrência imperfeita é puramente empírica. As duas concepções são muito distintas analiticamente, e teremos feito um considerável avanço rumo a uma análise clara quando tivermos aprendido a distingui-las habitualmente. 4. Dois níveis de lucros normais Independentemente desta confusão gratuita, a noção de lucro normal, em sua inteireza, está cheia de dificuldades. O Sr. Shove (1933, pp. 119-121) apontou que não há apenas um nível de lucros normais, mas dois. O nível de lucros que atrairá novas empresas para o setor é usualmente mais elevado que o apenas suficiente para manter as empresas existentes. A entrada em um negócio envolve consideráveis despesas iniciais, e freqüentemente envolve, como Marshall gostava de afirmar, um período magro de baixos lucros antes de o nome da firma se tornar conhecido. Mover-se de um negócio para outro pode envolver novos sacrifícios. “Quem está dentro não sai” * e se a demanda cai depois que a firma já está estabelecida, ela preferirá ficar onde está a um nível de retorno que não a teria tentado a entrar, se ela ainda tivesse essa escolha. A noção de um hiato entre os dois níveis de lucro normal é associada, pelo Sr. Harrod, à concorrência imperfeita 3 . E deve-se conceder que o hiato provavelmente ocorrerá onde a reputação for importante, de modo que, de fato, o fenômeno é comum em muitos setores onde o mercado é imperfeito. Mas é importante perceber que não há uma conexão necessária entre as duas idéias. A existência do hiato depende dos custos do movimento de um negócio a outro, e eles podem muito bem ocorrer quando a concorrência é perfeita. Além disso, a concorrência pode ser imperfeita, por exemplo, por diferença nos custos de transporte, quando não há custos de movimento. O hiato entre o nível mais alto de retorno – necessário para atrair novos recursos para o setor – e o nível mais baixo – necessário para impedir que os recursos antigos saiam dele – existirá sempre que houver custos de movimento de um negócio * 3 No origirnal: “When you are in, you are in”. Aparentemente um dito popular. Ver Harrod (1933a, p. 337; e 1934, p. 457). No último artigo, Harrod, se o entendi corretamente, usa a expressão “excesso de lucros” para descrever qualquer excedente acima do lucro normal mais baixo. para outro, e o nível duplo de lucros normais é meramente um exemplo de um fenômeno que pode afetar cada fator de produção igualmente. Uma discussão geral do fenômeno do hiato nos afastaria muito de nosso ponto; por isso, no presente artigo me proponho a investigar se a existência no hiato destrói a utilidade da noção de lucros normais. Antes de lidar com essa questão, é necessário fazer uma digressão a respeito da maneira pela qual o equilíbrio é atingido. Quando consideramos mudanças descontínuas no número de firmas de um setor a existência do hiato entre os dois níveis de lucros é uma questão muito séria. Quando o lucro está acima do normal em um setor, diversos novos empresários (cada um deles ignorando as ações dos demais) entram no negócio. Com a nova concorrência, os lucros efetivos são deprimidos para um nível muito abaixo do nível que atraiu os novos empresários, embora talvez não tão baixo para provocar a saída de qualquer firma existente. O setor continuará em seu tamanho “inchado” e estará em equilíbrio no sentido em que nenhuma nova empresa tende a entrar e nenhuma empresa velha tende a sair. Contudo, o tamanho efetivo do setor, o número de firmas e o lucro corrente são determinados pelo número de firmas, que depende do excesso de otimismo dos últimos entrantes. Nesse caso, o preço de oferta de qualquer quantidade de produto depende, em grande medida, da história imediatamente passada do setor. Se ocorreu que poucas firmas entraram no setor no período de lucros altos, o preço presente de um dado produto será alto; se mais firmas tivessem entrado, o preço seria menor. A noção de uma curva única de oferta de longo período desmorona completamente, e com ela afunda também a noção de lucros normais. Para justificar de alguma forma a noção de curva de oferta, temos que fazer a suposição artificial de que o equilíbrio é atingido por movimentos graduais e contínuos. Quando os lucros estão acima do normal, poucas firmas entram. Os lucros caem; se eles continuam acima do normal, algumas outras firmas entram, e outras, e outras, até que os lucros sejam reduzidos exatamente ao nível normal superior e não haja incentivo à entrada de nenhuma nova firma. Assim, o equilíbrio é atingido sem oscilação. Similarmente, quando os lucros estão abaixo do normal, primeiro uma, depois outra firma decide abandonar o negócio e os lucros daqueles que nele permanecem são gradualmente elevados até que cada uma das firmas remanescentes se contenta com seu espaço e deixa de achar vantajoso abandoná-lo. Esta concepção da questão é obviamente extremamente irrealística, se temos que nos defrontar com grandes movimentos erráticos de demanda. Mas se a demanda estiver se expandindo ou contraindo continuamente é plausível supor que as firmas entram ou saem do setor uma a uma. Acredito portanto que, para reter a idéia de uma curva de oferta de longo período, temos que nos permitir uma visão do processo pelo qual se chega ao equilíbrio. E, nisso, a existência de dois níveis de lucros introduz apenas uma pequena complicação na análise. Sejam duas curvas de oferta, uma acima da outra. A superior aplica-se apenas às expansões do setor, enquanto a inferior aplica-se apenas às contrações. Cada ponto da curva superior está ligado ao ponto da curva inferior no qual o número de firmas é o mesmo, pelo que chamo de “curva de oferta de quase-longo período” (Robinson, 1933, p. 47) – a curva de oferta de um número fixo de firmas. Esta curva é dada, sob concorrência perfeita, pelas curvas de custo marginal de um dado número de firmas. Suponha que estamos considerando uma expansão da demanda e começamos de uma posição na qual o preço é OP e o produto é OQ. Então, quando a demanda aumenta, o preço de oferta sobe, pela curva de oferta de quase-longo período para R e prossegue (se houver outros aumentos de demanda), se deslocando sobre a curva de oferta de longo período superior para a direita. Suponha agora que começamos do mesmo ponto e consideramos uma contração da demanda. Então o preço de oferta desce pela curva de oferta de quase-longo período para S e, se houver mais contrações da demanda, se desloca sobre a curva de oferta de longo período inferior para a esquerda. A posição de quase-longo período depende, de fato, da história passada. Há uma série contínua de curvas de quase-longo período e em qual curva estamos a cada momento depende do número de firmas existentes naquele momento, assim como a conhecida curva de curto período depende do número de plantas fixas que sucede estar em operação no setor. Mas o par de curvas de longo período é tão univocamente determinado quanto o era a curva única de longo período do velho estilo 4 . Fazendo uma suposição sabidamente irrealística sobre o modo pelo qual o equilíbrio é atingido, podemos salvar a curva de oferta de longo período dos perigos do hiato entre os níveis mais elevados e mais baixos de lucros normais. 5. Condições necessárias para a concorrência perfeita O que foi dito basta a respeito de lucros normais. Deixemos tudo isso de lado e retomemos a questão principal. O que é concorrência perfeita? Abordemos ousadamente uma definição formal e vejamos o que ela requer de nós. A concorrência é perfeita quando a demanda pelo produto de uma firma tomada individualmente é perfeitamente elástica. Em que condições isso é verdadeiro? Estamos habituados a dizer que há duas condições: (1) O mercado deve ser perfeito. (2) O número de firmas deve ser grande. Examinemos cada uma destas condições. O caráter do mercado A primeira condição, de que o mercado seja perfeito, foi discutida pelo Sr. Sraffa. Marshall (1920, p. 325) escreveu: “Quanto mais próximo de perfeito o mercado for, mais forte será a tendência para que o mesmo preço seja pago pela mesma coisa ao mesmo tempo em todas as partes do mercado. Mas é claro que, se o mercado for grande, deve-se incluir os custos de entrega dos bens aos diferentes compradores”. O Sr. Sraffa (1926, p. 542) apontou que a ausência de fricções não é suficiente para tornar um mercado perfeito, uma vez que os compradores podem ter boas e permanentes razões para preferir o produto de uma firma ao de outra, embora a presença de custos diferenciais de transporte possa ser suficiente em si mesma para tornar o imperfeito o mercado. Além disso, ele mostrou que a condição de que o mesmo preço deva prevalecer em todo o mercado não é adequada para definir perfeição, porque se todas as firmas de um setor forem iguais, tanto em termos de custos quanto de demanda, o mesmo preço prevalecerá em todo o mercado, não importa o quanto ele seja imperfeito. A atitude do Professor Chamberlin em relação à perfeição do mercado não é 4 A largura do hiato depende da extensão do período a respeito do qual as curvas são traçadas. Para alguns setores, em um período suficientemente longo, não haverá qualquer hiato; para outros, um hiato considerável será encontrado, mesmo que se considere um período indefinidamente longo. A conhecida curva de oferta de curto período tem um hiato em sua maior largura. inteiramente clara. Ele parece associar imperfeição simplesmente à diferenciação de produto 5 . Mas a relação entre a diferenciação da mercadoria e a imperfeição do mercado é, de certa forma, complicada. A diferenciação física não é uma condição necessária para a imperfeição do mercado. Duas mercadorias podem ser iguais em todos os aspectos, exceto os nomes das firmas que as produzem e mesmo assim o mercado em que são vendidas será imperfeito se os compradores têm diferentes escalas de preferências quanto às duas firmas. A diferenciação também não é uma condição suficiente para a imperfeição do mercado. Duas firmas podem estar produzindo duas mercadorias distintas e mesmo assim vendê-las em um mercado perfeito. Suponhamos que cada comprador individual pague seis pence a mais pela mercadoria A do que por B e que todo mundo compra A ou B, nunca um pouco das duas. Então, quando B é vendida a um, o menor aumento do preço de A acima de 1/6 fará com que cada comprador transfira suas compras para B, eliminando as vendas de A; e a menor queda no preço de A abaixo de 1/6 aumentará sua quantidade vendida por um montante igual à toda a produção de B. A demanda por A ou B, dado o preço da outra, é perfeitamente elástica, embora sejam duas mercadorias distintas. Por outro lado, o mercado não é necessariamente perfeito se todos os compradores têm a mesma escala de preferências entre A e B. Suponhamos que quando o preço de A aumenta, cada comprador compra um pouco menos de A e um pouco mais de B, mas não abandona A completamente. Então o mercado entre A e B não seria perfeito, mesmo que todos os compradores fossem iguais. A similaridade dos compradores é uma condição necessária mais não suficiente para que o mercado seja perfeito. Para que o mercado seja perfeito é necessário, primeiro, que os compradores sejam iguais com respeito às preferências, e segundo, que cada comprador negocie com apenas uma firma a cada momento. Quando estas condições são cumpridas, um aumento no preço estabelecido por qualquer firma irá, se os outros preços permanecem os mesmos, causar uma paralisação completa de suas vendas. E este é o critério de um mercado perfeito. A definição de uma mercadoria é completamente arbitrária e a definição de mercado depende da definição de mercadoria. Suponha que comecemos com uma única qualidade de um certo produto perfeitamente homogêneo, posta à venda por uma firma em um único lugar e momento, e junto com ela, todos os outros produtos que satisfazem a condição de perfeição de mercado. Na maioria dos casos, chegaremos ao limite do mercado perfeito ainda antes de chegarmos ao limite do produto de uma única firma. Aceitemos agora um certo grau de 5 Chamberlin (1933, cap. 4). O Sr. Harrod (1934, p. 445) adota o mesmo ponto de vista. imperfeição no mercado e juntemos todos os outros produtos para os quais a imperfeição é menor que a aceita. Este grupo de produtos pode ser descrito como uma única mercadoria. Normalmente podemos definir uma fronteira conveniente pelas características naturais óbvias, de forma que, dentro do grupo, temos produtos que são todos obviamente, pelo senso comum, uma única mercadoria (carvão ou goma de mascar) e fora dele temos outras mercadorias. Mas, na melhor das hipóteses há um elemento arbitrário no traçado da fronteira; todos os produtos devem ser vistos como uma série continua em rivalidade mais ou menos estrita uns com os outros. Assim, o primeiro pré-requisito da concorrência perfeita é uma “mercadoria” claramente demarcada das outras por uma fronteira de lacunas naturais na cadeia de substitutos, dento da qual o mercado é perfeito. O número de firmas A segunda condição requerida pela concorrência perfeita é que o numero de firmas que vendem num mercado seja tal que, quando qualquer firma altera seu preço não há alteração conseqüente no preço definido pelas outras. É esta condição que passamos a examinar. Primeiro, é necessário evitar um beco-sem-saída que pode nos desencaminhar. Supõese algumas vezes que para a concorrência ser perfeita o número de compradores deve ser muito grande (e.g. Chamberlin, 1933, p. 6). Mas o inverso é que é verdadeiro. Se houver um único comprador, o mercado para cada firma deve ser perfeito, pois uma redução relativa de preço faria com que o comprador único preferisse o seu produto ao de todas as outras. E se há mais de um comprador, é necessário, para a perfeição do mercado, que os compradores sejam todos exatamente iguais com relação as suas preferências. Quanto maior o número de compradores que são potenciais clientes de qualquer firma, mais provável é que o mercado seja imperfeito, uma vez que é mais provável que ocorram diferenças de preferência 6 . Voltando ao argumento principal – o número de vendedores necessário para assegurar 6 Similarmente, quanto maior o número de vendedores ofertando a qualquer comprador, mais provável é que o mercado seja imperfeito do ponto de vista dos compradores. O fato de que o mercado deve ser prefeito, do ponto de vista dos vendedores se houver apenas um comprador, e de que é provável que seja imperfeito do ponto de vista de um comprador se há muitos vendedores, lança alguma luz sobre a questão do “poder de barganha” entre empregadores e trabalhadores. No caso ordinário de um único comprador, isto é, um empregador, ele está comprando de um número muito grande de vendedores – os trabalhadores. Assim, os trabalhadores estão necessariamente na posição fraca por venderem em um mercado perfeito, enquanto os empregadores provavelmente estão numa posição forte por comprarem em um mercado imperfeito. Para o empregador há algum elemento do que chamo “monopsônio” nessa situação, enquanto para os trabalhadores desorganizados não há qualquer elemento de monopólio (ver Harrod, 1934, p. 460). que a concorrência seja perfeita em um mercado perfeito. Parece haver uma confusão considerável a respeito deste ponto. Cournot (1838, p. 90) afirmou que a concorrência é perfeita se cada vendedor oferta uma parte tão pequena do produto total de uma mercadoria, que sua retirada do negócio não causaria diferença apreciável no preço. Nesta visão, o número de firmas requerido para uma concorrência mesmo que aproximadamente perfeita deve ser extremamente grande. Ora, não há nada de irrealístico na idéia de uma firma tão pequena que seu total desaparecimento não afetaria o preço. Um agricultor pode muito bem arrancar seus três acres de morangos sem produzir qualquer efeito no preço dos morangos no mercado de Covent Garden. Mas isso não é porque no mundo real as curvas de demanda têm descontinuidades pequenas mas perceptíveis? Até que a quantidade seja reduzida o suficiente para causar, digamos, uma variação de meio pence no preço, ninguém perceberá que alguma coisa aconteceu. Mas se supusermos (como devemos fazer neste nível de abstração) uma curva de demanda perfeitamente contínua, a concepção de um número de firmas tão grande que cada uma produz uma proporção negligivelmente pequena do produto de um setor é, de certa forma, desconfortável. Mas é claro que a condição de Cournot é severa demais. É mais comum dizer-se que é suficiente, para a concorrência perfeita, que o aumento da produção de qualquer firma deve produzir um efeito negligível sobre o preço. Mas esta forma de colocar a questão é extremamente insatisfatória. Como exatamente o número de firmas entra no contexto? Pensa-se que a firma individual aumenta seu produto em um certo montante definido (uma tonelada de carvão)? Neste caso, o efeito sobre o preço (dada a elasticidade da curva de demanda total) depende da razão entre este montante (uma tonelada) e o produto total do setor, mas o número de firmas nada tem a ver com o caso. Ou será que a firma aumenta seu produto em uma certa proporção, digamos, cinco por cento? Então, certamente, quanto menor a parcela desta firma no produto total, menor será o efeito sobre o preço; mas por que deveríamos nos preocupar com uma variação proporcional no produto de uma firma? A condição aparentemente simples se dissolve numa bruma de ambigüidades tão logo é examinada mais cuidadosamente. Saímos dessa neblina quando expressamos a condição de uma terceira forma. Um pequeno aumento no produto, feito por uma única firma, permanecendo constante o produto das outras firmas, produzirá um efeito perceptível sobre o preço da mercadoria. Mas, se o produto total da firma é suficientemente pequeno, a queda de preço do produto de todo o setor, quando uma unidade é adicionada ao produto do setor, é negligível. A receita marginal é igual ao preço menos a queda de valor do produto antigo quando o produto é aumentado em uma unidade. Se o produto da firma é muito pequeno, a diferença entre a receita marginal e o preço será muito pequena. A receita marginal será quase igual ao preço e a curva de demanda da firma terá uma elasticidade suficientemente próxima do infinito para dizermos que a concorrência é quase perfeita. O ponto não é que a variação de preço devido à variação no produto é negligível quando o número de firmas é grande, mas que o efeito da variação de preço sobre qualquer firma é negligível. A concorrência será mais perfeita quanto menor a razão entre o produto de uma firma e o produto do setor, e mais perfeita quanto maior a elasticidade da curva de demanda total. À primeira vista pode parecer estranho que o grau de concorrência dentro do setor deva ser afetado pela elasticidade da curva de demanda total. Mas, afinal, é natural que seja assim. Porque a forma da curva de demanda representa o grau de concorrência entre o produto desse setor e outras mercadorias. Quanto mais forte a concorrência de substitutos para essa mercadoria, menor o grau de concorrência dentro do setor necessário para assegurar uma dada elasticidade de demanda para cada produtor individual. 6. O suposto de que o produto das outras firmas permanece constante A terceira forma de expressão [da condição (2) de concorrência perfeita] produz um entendimento muito mais razoável da questão do que o dado pelas outras duas. Era neste estágio que eu estava quando escrevi a Economia da Concorrência Imperfeita. Eu ainda estava muito sob a influência da tradição de pensar que nada mais havia a ser dito sobre a questão, mas agora acho que o argumento deve ser levado um estágio adiante. A dificuldade está no suposto de que quando uma firma num setor concorrencial adiciona uma unidade ao produto total, o produto das outras firmas permanece constante. Claramente, se levarmos a continuidade da curva de demanda e das curvas de custo marginal a sério, este suposto não se justifica. Um pequeno aumento no produto do setor produz uma pequena mas perceptível queda de preço. A queda de preço leva todas as outras firmas a reduzir o produto pela mesma fração de unidade, uma vez que cada uma delas iguala seu custo marginal ao preço. Chegamos então à conclusão de que o aumento de uma unidade por uma firma não aumentará o produto do setor em uma unidade, mas em algo menos. Se a concorrência é absolutamente perfeitamente perfeita o acréscimo de uma unidade de produto por uma firma deixará o produto do setor inalterado e não haverá qualquer mudança de preço. A concorrência deve ser próxima o bastante da perfeição para fins práticos, se o acréscimo de produto de uma firma em uma unidade aumenta o produto do setor em menos que uma unidade, tal que o efeito sobre o preço seja negligível. Este argumento é diferente do argumento da terceira expressão. Na terceira expressão dissemos que o aumento de uma unidade no produto da firma produziria um efeito perceptível sobre o preço, mas a parcela da firma na perda devida à queda de preço seria tão pequena que não afetaria sua conduta. No estagio em que estou agora, dizemos que o acréscimo de uma unidade no produto de uma firma, não produzirá qualquer efeito perceptível sobre o preço. Se adotarmos esta posição, continua por ser investigado que efeito será produzido sobre o produto das outras firmas quando uma firma aumenta seu produto. Isso claramente vai depender das inclinações das curvas de custo marginal das outras firmas. A proposição à qual meu extenso preâmbulo levou é esta: é impossível discutir o número de firmas requerido para assegurar a concorrência perfeita sem discutir as curvas de custo marginal das firmas que compõem o setor (ver Harrod, 1933b, p. 664). Primeiro considere o caso em que as firmas têm custos marginais decrescentes para todos os produtos. Então, enquanto o mercado for perfeito é impossível que duas firmas sobrevivam no setor. Se houver duas firmas, cada uma delas estará ansiosa para aumentar seu produto às expensas da outra e o corte de preços feito por uma delas será respondido com um corte igual no preço pela outra. O preço cairá a ponto de uma ou outra ser forçada a sair do setor e quando restar apenas uma em posse de toda a arena será impossível que a concorrência seja perfeita. É claro que ambas as firmas podem sobreviver se as duas temem começar a guerra de preços. O preço pode então ficar em qualquer nível, mas a situação não pode ser vista como uma posição de equilíbrio, desde que qualquer aumento acidental de produto por qualquer firma desencadearia cortes de preço. A seguir, considere o caso em que os custos marginais são constantes. Então, se há duas firmas a concorrência é perfeita. Seja abaixando o preço a um nível infinitesimalmente menor que o custo marginal da outra a empurra para fora do mercado, seja elevando seu preço infinitesimalmente acima do custo marginal da outra a deixará com todo o mercado. Aqui então temos concorrência perfeita. Mas esta situação não pode persistir no longo período. Para uma firma com custo marginal constante os custos médios de longo período devem estar caindo, pois sempre há um elemento fixo no custo da firma, mesmo que seja o rendimento mínimo do empresário. Assim, quando o preço se iguala ao custo marginal ele está abaixo do custo médio e uma ou outra das firmas deve, afinal, desaparecer. Isso nos leva de volta à conhecida conclusão de que os custos marginais devem ser crescentes se mais de uma firma deve sobreviver em um mercado perfeito. Considere, então, um setor consistindo de várias firmas, cada uma das quais com custos crescentes. Para cada firma o custo marginal será igual ao preço. Suponha que uma destas firmas faz um acréscimo de uma unidade ao produto. Em primeira instância, o preço cairá numa medida que depende da inclinação da curva de demanda total. Essa queda de preço leva as outras firmas a contraírem o produto numa medida determinada pela inclinação de suas curvas de custo marginal. Na nova situação, o produto de uma das firmas é maior em uma unidade, o produto das outras firmas é menor em uma fração de unidade, e o preço é menor que antes. Segue-se que a queda de preço associada ao acréscimo de uma unidade ao produto de uma firma será menor, dado o número de firmas, quanto menor for a inclinação das curvas de custo marginal das outras firmas. E será menor, dada a inclinação das curvas de custo marginal das outras firmas, quanto maior o número de firmas. A concorrência só pode ser perfeita, dados custos marginais crescentes, se o número de firmas for infinito. A absoluta perfeição da concorrência é, portanto, uma impossibilidade. Concordemos em chamar de concorrência perfeita a situação na qual a queda de preço associada ao acréscimo de uma unidade de produto por uma firma é menor que um certo valor finito pequeno. Então, para qualquer dada inclinação das curvas de custo marginal haverá um certo número de firmas que torna a concorrência perfeita. O número será menor quanto menor a inclinação das curvas de custo marginal e maior quanto maior a inclinação das curvas de custo marginal. 7. Conclusão No caso limite, em que as curvas de custo marginal crescem verticalmente, revertemos à terceira expressão da questão, na qual assumimos que o produto de todas as outras firmas é constante. Somos assim levados à conclusão de que quando a oferta de cada firma é completamente inelástica, o número de firmas necessário para uma aproximação razoável da concorrência perfeita deve ser indefinidamente grande. À primeira vista essa conclusão parece muito estranha. Se ela nos pede realmente que acreditemos que no bem conhecido caso do mercado de peixe sábado à noite não há concorrência absolutamente perfeita, devemos concluir que o produto competitivo não será vendido? Que sempre será permitido que algum peixe apodreça? Isto certamente é difícil de aceitar. Mas aqui outra proposição vem em nosso socorro. Quando a oferta é perfeitamente inelástica, não faz diferença se a concorrência é perfeita ou não. A receita marginal é igual ao custo marginal ao mesmo nível de produto que iguala o preço ao custo marginal, desde que a elasticidade de demanda da firma individual seja maior que a unidade. Portanto o preço e a quantidade são os mesmos, qualquer que seja a elasticidade de demanda da firma individual. Assim, embora não haja, estritamente falando, concorrência perfeita entre os peixeiros sábado à noite, mesmo assim o produto competitivo será vendido ao preço competitivo, a menos que a curva de demanda por peixe seja muito inelástica7 . Chegamos assim à conclusão de que não há um valor universal para o “grande número de firmas” que assegura a concorrência perfeita8 . Em cada caso particular, com dadas inclinações das curvas de custo marginal, há um certo número definido de firmas que produz concorrência num grau aceito de perfeição e este número, em alguns casos, pode ser muito pequeno. 7 8 A elasticidade da demanda de um vendedor será menor que a unidade se a elasticidade da demanda total cair em medida suficiente abaixo da unidade. O Professor Chamberlin (1933, p. 49) sugere muito debilmente que 100 seria um “grande número”, embora no caso que ele estava considerando dois já seria grande o bastante. Referências Bibliográficas Chamberlin, Edward H. (1933) The Theory of Monopolistic Competition. Cambridge, MA: Harvard University Press. Cournot, Augustin ([1838] 1929) Mathematical Principles of the Theory of Wealth, trad. Nathaniel T. Bacon. Londres: Macmillan. Harrod, Roy F. (1933a) A Further Note on Decreasing Costs. Economic Journal, vol. 43, no. 170, junho, pp. 337-341. Harrod, Roy F. (1933b) Review of The Theory of Monopolistic Competition by Edward Chamberlin. Economic Journal, vol. 43, no. 172, dezembro, pp. 661-666. Harrod, Roy F. (1934) Doctrines of Imperfect Competition. Quarterly Journal of Economics, vol. 48, no. 3, maio, pp. 442-470. Knight, Frank H. (1921) Risk, Uncertainty, and Profit. Boston, MA: Hart, Schaffner & Marx, Houghton Mifflin. Marshall, Alfred (1920) Principles of Economics, 8a ed. Londres: Macmillan. Robertson, Dennis H.; Sraffa, Piero; e Shove, Gerald F. (1930) Symposium on Increasing Returns and the Representative Firm. Economic Journal, vol. 40, no. 157, março, pp. 79-116. Robinson, Joan (1933) The Economics of Imperfect Competition. Londres: Macmillan. Shove, Gerald F. (1933) The Imperfection of the Market: a further note. Economic Journal, vol. 43, no. 169, março, pp. 113-124. Sraffa, Piero (1926) The Laws of Returns under Competitive Conditions. Economic Journal, vol. 36, 144, dezembro, pp. 535-550.