Institucionais - BRA 10/11/2011 PUC-MINAS 11:47:00 Crise internacional: ex-presidente do BNDES defende desenvolvimento de projeto soberano pelo Brasil Diante da atual crise econômica internacional, que piora os indicadores tanto nos Estados Unidos quanto nos países da União Europeia, o Brasil deveria fortalecer ainda mais o mercado interno, com o desenvolvimento de um projeto soberano, na opinião do economista Carlos Lessa, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e professor titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A crise atual é de longa duração. O Brasil pode tentar ter o seu próprio projeto, pois, com a crise, abre-se a possibilidade de se ter um projeto soberano”, disse. Ele citou a importância de se intensificar programas de habitação popular, que dinamizam muitas outras atividades relacionadas à construção civil, mas, ao mesmo tempo, há a necessidade da legalização de posses de propriedades, como em favelas, por exemplo, desburocratizando a exigência de documentos por bancos estatais. O economista ministrou palestra nessa quarta-feira, 9 de novembro, no Teatro João Paulo II, no campus Coração Eucarístico, dentro do Ciclo de Debates Corecon, uma iniciativa do Conselho de Economia de Minas Gerais, do Sindicato dos Economistas de Minas Gerais (Sindecon) e da Associação de Economistas de Minas Gerais, em parceria com o Departamento de Economia da Universidade. Ele defendeu que o Brasil priorize a população brasileira, erradicando a fome internamente, antes de se tornar celeiro do mundo. Citando a valorização da carne de frango, cujo preço segue cotação internacional, propôs a criação de impostos diferenciados para itens de exportação e aqueles direcionados ao mercado interno, tornando assim a alimentação mais barata aos brasileiros. Intitulada Brasil x China: uma reflexão, a palestra do economista versou sobre a relação entre esses dois países e seus posicionamentos diante das relações comerciais e financeiras com os Estados Unidos e a Europa. Para manter o G2, esta estreita relação entre os Estados Unidos e a China, os chineses atrelam a moeda deles, o yuan, ao dólar. Já a moeda brasileira foi a que mais se valorizou recentemente, favorecendo o desmantelamento da cadeia produtiva do País, pontuou. Nesse sentido, ele considera a política macroeconômica brasileira um equívoco, com manutenção de juro alto e de moeda forte, uma “conspiração prójuro alto e pró-moeda valorizada”, um “circuito oficial de liquidez”. Para ele, é visível o aumento da preferência das empresas brasileiras pela liquidez, em detrimento do nível de investimento delas na produção. Ainda segundo ele, o Brasil vive uma ilusão de que [os preços internacionais] as commodities estão de fora da crise internacional, mas poderão ser atingidas com o chamado “efeito manada” entre os países. Ele elogiou a presidente Dilma Roussef, sua ex-aluna, quanto ao posicionamento do Brasil na última reunião do G20, que ressaltou a necessidade de o País agregar valor às exportações para a China. A crise internacional vai exigir, dos países em geral, uma revolução tecnológica, na opinião do economista: “É inexorável que a tecnologia do petróleo vá sofrer mudanças”, sentenciou. Mas, para o Brasil, na visão dele, não é necessária uma revolução tecnológica, dependendo do novo vetor energético do pré-sal aliado à matriz hidrelétrica, “apesar de ter a pior logística do mundo”. Sobre esse último item, o economista alertou que, se o Brasil fizesse uma revolução do setor de transportes, reduzindo os custos nesse campo, o poder de compra das famílias brasileiras aumentaria, imediatamente, de 6 a 7%. Sobre as relações entre Estados e China, o economista explicou que a calha exportadora dos chineses é um espelho do modelo norte-americano quando as empresas desse país utilizaram a mão de obra mexicana. “Um matrimônio perfeito e absolutamente estável”, classificou a relação de dependência entre as economias norte-americana e chinesa, como a existente entre a emissão de títulos da dívida pelo governo dos EUA e a sua compra pelos chineses e a utilização da mão de obra barata chinesa pelas empresas norte-americanas. “Uma bobagem dizer que os Estados Unidos estão caindo. Eles produzem 20 vezes mais patentes do que a China”. Os chineses, completou, estão apostando justamente na obtenção de hegemonia em ciência e tecnologia para reduzir essa diferença, incluindo o desenvolvimento ainda maior da área militar. “Mas até que ponto a China se sustenta com a macroeconomia rastejante dos EUA e a Europa à beira do colapso?”, questionou, ressaltando a importância da dependência da China com relação aos mercados norte-americano e europeu. Carlos Lessa ressaltou, numa visão geopolítica do mundo, a importância do G2 e não do G20 (grupo que reúne as maiores economias do mundo) e nem do chamado Bric’s (que reúne economias emergentes como Brasil, Rússia, Índia e China), esse último tendo como denominadores comuns apenas o tamanho da população e o território. E citou a diferença entre as populações brasileira e chinesa: no Brasil, prosseguiu ele, 80% da população é urbana, sendo metade residente nas regiões metropolitanas; já na China, 52% da população reside no meio rural, e a urbana detém renda três vezes maior que aquela. “A China ainda transferirá para as cidades, nos próximos anos, um contingente maior do que a população brasileira atual”, disse, referindo-se à favelização que já está ocorrendo naquele país. Segundo ele, a ideia do grupo dos Bric’s é utilizada no Brasil como retórica de euforia. E citou que a Argentina apresenta indicadores muito melhores que os do Brasil. Ainda na América do Sul, Carlos Lessa alertou que se a China conseguir realizar projeto, a partir de investimentos próprios, de construção de ferrovia ligando Buenos Aires à cidade litorânea chilena de Valparaíso, isso será séria ameaça à existência do Mercosul.