O SUBCOMPLEXO DO LEVANTE E O - Universidade Federal de

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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
COORDENAÇÃO DO CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ANTÔNIO SÉRGIO VIANA DA SILVA
COMPLEXOS REGIONAIS DE SEGURANÇA: O SUBCOMPLEXO DO LEVANTE
E O DECLÍNIO DA SÍRIA
BOA VISTA, RR
2016
2
ANTÔNIO SÉRGIO VIANA DA SILVA
COMPLEXOS REGIONAIS DE SEGURANÇA: O SUBCOMPLEXO DO LEVANTE
E O DECLÍNIO DA SÍRIA
Monografia apresentada como pré-requisito para a
conclusão do Curso de Bacharelado em Relações
Internacionais da Universidade Federal de Roraima.
Orientadora: Profa. MSc. Anahi de Castro Barbosa
BOA VISTA, RR
2016
3
ANTÔNIO SÉRGIO VIANA DA SILVA
COMPLEXOS REGIONAIS DE SEGURANÇA: O SUBCOMPLEXO DO LEVANTE E O
DECLÍNIO DA SÍRIA
Monografia apresentada como pré-requisito para a
conclusão do Curso de Bacharelado em Relações
Internacionais da Universidade Federal de Roraima.
Defendida em 05 de setembro de 2016 e avaliada
pela seguinte banca examinadora:
____________________________________________
Profª. MSc. Anahi de Castro Barbosa
Orientadora/Curso de Relações Internacionais - UFRR
_____________________________________________
Prof. Dr. Francisco Gomes Filho
Curso de Relações Internacionais - UFRR
_____________________________________________
Prof. Dr. Cléber Batalha Franklin
Curso de Ciências Sociais - UFRR
4
À minha mãe, Deusamar Viana Costa,
minha maior incentivadora
e o mais belo suporte para
chegar até aqui.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar à minha mãe, a pessoa que acreditou desde o início até o
fim na concretização deste momento em minha vida. Gostaria de agradecer ao amor e
compreensão dispensados à mim pela minha madrinha Raimunda, meu padrinho Neiva,
minha irmã Aurora e de uma forma especial à Thaís Suelen, de quem recebi as palavras mais
doces e o maior incentivo recente para a conclusão deste projeto.
Ao meu pai, Antônio, em quem pude me espelhar para me tornar um homem de bem,
recebendo seus ensinamentos sobre respeito, caráter e honestidade. Esta conquista não seria
possível sem a presença próxima de amigos fiéis que me acompanham à anos, sendo um bom
ouvido e aconselhando nos momentos necessários. Muito obrigado Marcello, Jefferson e Rita.
Ao meu mentor e amigo, professor Francisco Gomes, com quem sei que posso contar
hoje e sempre, deixando-o ciente da reciprocidade da minha admiração.
Sou grato à professora Anahi de Castro Barbosa pela paciência, compreensão e
sapiência na orientação deste projeto, tornando-se fundamental na minha história acadêmica
na Universidade Federal de Roraima. Desejo a todos os que fizeram parte da minha
caminhada no tempo em que estive nesta instituição os melhores sentimentos.
6
RESUMO
A teoria dos Complexos Regionais de Segurança foi desenvolvida pela Escola de
Copenhague abarcando novos conceitos e métodos de análises aos estudos sobre
segurança internacional, regional e interna dos Estados. A teoria elenca a segurança
em 5 setores primordiais: Político, econômico, militar, ambiental e social,
necessitando o adequado funcionamento de cada setor para não prejudicar os demais.
Os pesquisadores Barry Buzan e Ole Wæver dividiram o mundo em Complexos e
Subcomplexos regionais de segurança de acordo com afinidades históricas e
contemporâneas entre as unidades além da influência sofrida por potências externas ou
internas ao Complexo. A partir do método de revisão bibliográfica histórica e teórica
este trabalho tem por objetivo analisar de forma sucinta a história político-social da
Síria de 1917 à 2011, suas relações com as unidades do Subcomplexo do Levante, os
motivos da fragilidade e desarranjo nacional, bem como sua influência direta na
instabilidade regional. Concluiu-se que a fragilidade das relações e as instabilidades
políticas dentro e entre as unidades do Subcomplexo do Levante devastaram suas
estruturas, solapando todos os setores de segurança.
Palavra-chave: Complexo Regional de Segurança. Segurança. Síria. Subcomplexo do
Levante.
7
ABSTRACT
The theory of Regional Security Complexes has been developed by the Copenhagen
school embracing new concepts and analysis methods to the study of international, regional
and domestic security of States. The theory sets forth 5 main sectors safety: political,
economic, military, social and environmental, requiring the proper functioning of each sector
not to harm others. The researchers Barry Buzan and Ole Wæver divided the world in
Complexes and Subcomplexes of regional security according to contemporary and historical
affinities between the units beyond the influence suffered by external or internal powers to the
complex. Trought the method of historical and theoretical literature review this work has the
objective of analyzing succinctly the socio-political history of Syria from 1917 to 2011, its
relations with the Subcomplex units of the Levant, the reasons for the fragility and national
breakdown, as well as its direct influence in regional instability. It was concluded that the
fragility of relations and the political instabilities within and between units of the Subcomplex
of the Levant has devastated their structures, undermining all security sectors.
Keyword: Levant subcomplex. Regional security complex. Security. Syria.
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Mapa da divisão territorial do Acordo Sykes-Picot ............................................... 17
Figura 2 – Mapa do Complexo Regional de Segurança do Oriente Médio e Subcomplexo do
Levante .................................................................................................................................... 50
9
LISTA DE SIGLAS
ARAMCO - The Arabian American Oil ompany
CRS – Complexos Regionais de Segurança
EUA – Estados Unidos da América
LEA - Liga Dos Estados Árabes
OI- Organização Internacional
OLP - Organização para a Libertação da Palestina
ONG – Organização não Governamental
PLO - Palestine Liberation Organization
RSC – Regional Security Complex
UNSCOP – The United Nations Special Committee on Palestine
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 11
CAPÍTULO I - O CONTURBADO SÉCULO XX ............................................................ 15
1.1 O Fim da Primeira Guerra Mundial e o Mandato Francês ................................................ 16
1.2 A República e os Golpes ................................................................................................... 22
1.3 O Regime Assad e o Fim da Democracia ......................................................................... 30
CAPÍTULO II - COMPLEXOS REGIONAIS DE SEGURANÇA .................................. 37
2.1 O Novo Modelo de Segurança .......................................................................................... 38
2.1.1 Região, Regionalismo e Regionalização .........................................................................43
2.2 A Teoria dos Complexos Regionais de Segurança.............................................................44
2.3 Subcomplexo do Levante ..................................................................................................49
CAPÍTULO III - A GRANDE QUEBRA ........................................................................... 53
3.1 O Governo de Bashar e Seus Extremos ............................................................................ 55
3.2 Vizinhança Instável ........................................................................................................... 58
3.3 A Primavera Árabe e a Concretização do ―Fim‖ .............................................................. 62
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 65
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 70
11
INTRODUÇÃO
12
INTRODUÇÃO
Durante o século XX as Relações Internacionais evoluíram de forma surpreendente,
com novos conceitos, Estados emergindo, novos conflitos e um número espantoso de disputas
por poder e território, ficando conhecida, segundo Hobbsbawm (1997), como a Era dos
Extremos. O papel desempenhado pelas grandes potências principalmente no continente
africano e asiático deixou sequelas quase que irreparáveis nas relações contemporâneas entre
Estados frágeis, sobrando-lhes servir como fonte de riquezas para perpetuação da influência
regional, mantendo a dependência destes países.
Grande parte destes Estados conta com ampla diversidade étnica, religiosa e cultural,
além de histórico de conflitos entre diferentes povos regionalmente, fator mais que suficiente
para transformar estas regiões em cenários propícios para conflitos prolongados. O Oriente
Médio contém esses aspectos, enraizando conflitos seculares e disputas territoriais até os dias
atuais coordenados por líderes débeis e interessados na perpetuação do poder.
A Síria insere-se nessas características, tendo sido deixada pela França em meados do
século XX, deixando um modelo administrativo militar que favorecia poucas parcelas da
população. Durante o século passado a Síria sofreu com intensas disputas internas pelo poder,
sectarismo, má distribuição de renda e graves problemas ambientais, tendo como traço o
pouco tempo que seus governantes permaneceram no poder, até que a família Assad assume o
controle nacional.
As relações da Síria com seus vizinhos tem como característica marcante a cooperação
militar, preocupando-se em assumir um papel de liderança regional, deixando muitas vezes
em segundo plano o plano estratégico interno, passando por crises nos setores econômicos,
sociais e políticos. Em um mundo cada vez mais globalizado e que cada Estado depende de
outros para sua evolução e manutenção é fica cada vez mais difícil atrelar setores de Estado
simplesmente ao ponto interno, sendo estes influenciados diretamente pela situação de outros
Estados com quem coopera ou compartilha proximidades.
Os aspectos sobre segurança de cada Estado são baseados em níveis de fortalecimento
e estruturação entre instituições, sociedade e as políticas, facilitando a suscetibilidade a
ameaças externas os problemas sofridos internamente (BUZAN & WÆVER, 2003). A
fragilidade regional dificulta a capacidade de um único Estado manter suas estruturas intactas,
13
tendo a necessidade de cooperação entre as partes para alcançar os objetivos nos setores de
segurança.
A teoria dos Complexos Regionais de Segurança foi desenvolvida para analisar as
relações de amizade, poder inimizade para explicar como os conflitos ocorrem, mostrando
que muitas das vezes eles eclodem no âmbito regional, e não global como aconteceu durante
as Guerras Mundiais e Guerra Fria. A teoria aperfeiçoada por Barry Buzan e Ole Wæver
divide o globo em grandes Complexos de Segurança, como o grande Complexo do Oriente
Médio, no qual todas as unidades têm uma interação, mesmo que mínima, e em
subcomplexos, mantendo um grau de conexão e interdependência mais elevado.
Esta pesquisa desenvolve-se em umas das subdivisões feitas por Buzan & Wæver, o
Subcomplexo do Levante, focando nas experiências da Síria com os outros membros do
subcomplexo durante o século XX, progredindo até a primeira década do século XXI. A
Guerra civil vivenciada na Síria desde 2011 vem impactando o mundo devido a maneira como
o conflito tem sido conduzido pelo governo Sírio, Organizações Internacionais e grandes
potências. A teoria de Buzan & Wæver será o aporte teórico da pesquisa, considerando os
aspectos construtivistas nos estudos sobre segurança, mostrando a atuação, ou ausência das
Organizações Internacionais e Regionais, além do papel que os atores sociais tiveram na
conjuntura do Levante.
Desta forma, este trabalho justifica-se pela necessidade de obter-se um entendimento
sobre os fatores relevantes que levaram a Síria a vivenciar o pior episódio de usa história
recente, contribuindo para futuras análises sobre a região do Levante. Os principais estudos
sobre a temática concentram-se nas relações recentes do país e de caráter interno, deixando
um vasto campo de pesquisa não explorado no qual este trabalho se aprofundará.
Neste sentido, o objetivo geral do trabalho é encontrar as causas que levaram a Síria à
maior guerra civil de sua história, circunstanciando cada aspecto de suas relações regionais,
internacionais e nos setores de segurança. Têm-se como objetivos específicos a identificação
dos principais entraves ao desenvolvimento regional do Subcomplexo do Levante; analisar as
relações de amizade e inimizade entre as unidades; avaliar as relações dos governantes sírios
com a população e analisar as influências que os países vizinhos e a família Assad tiveram
nos acontecimentos que levaram ao conflito.
Para o desenvolvimento deste trabalho foi utilizado o método qualitativo, baseando-se
em revisão de bibliografias históricas, teóricas e dados econômicos obtidos em livros e artigos
científicos de fontes especializadas, auxiliando na concretização da pesquisa. Procurou-se
identificar as características populacionais da Síria e região do Levante; o comportamento em
14
relação aos seus líderes; conflitos e suas motivações; além das relações regionais entre os
Estados, a partir de revisão histórica. A revisão qualitativa permitiu estruturar o trabalho em
três partes complementares.
O primeiro capítulo, intitulado ―O Conturbado Século XX‖ descreve a história da Síria
a partir do fim da Primeira Guerra Mundial até 2001, quando morre Hafez al-Assad, para
avaliar o relacionamento entre as etnias, classes sociais, grupos políticos, governantes,
religiões e disputas pelo poder, decorrentes destas relações. Buscou-se estabelecer o nível de
relação entre os Estados do Subcomplexo do Levante, níveis de amizade e inimizade, assim
como as disputas por território e ou influência regional.
O segundo capítulo, denominado ―Complexos Regionais de Segurança‖ procura
primeiramente demonstrar os aspectos teóricos da Escola de Copenhague com seus estudos
sobre segurança, os novos conceitos sobre ameaça; defesa; estratégia e segurança, chegando à
teoria dos Complexos Regionais de Segurança e seus setores de segurança. Após a introdução
do arcabouço teórico, buscou-se examinar o Subcomplexo do Levante e suas lógicas
estruturais, consubstanciando a análise histórica do Subcomplexo com a teórica.
No terceiro, e último capítulo, avalia-se as relações internas e externas da Síria a partir
do governo de Bashar al-Assad, demonstrando os possíveis erros e acertos ocorridos durante
sua gestão, assim como uma análise da estrutura e instabilidade das unidades do Subcomplexo
buscando-se chegar aos motivos que causaram a instabilidade regional nas últimas década,
trazendo como ponto inovador e complementar à teoria de Buzan e Wæver, a inclusão do
Iraque como parte do Subcomplexo do Levante, pois leva-se em consideração as relações
desenvolvidas após o lançamento da obra Regions and Powers (2003).
15
CAPÍTULO I
O CONTURBADO SÉCULO XX
16
1. O CONTURBADO SÉCULO XX
A História Síria carrega uma complexidade baseada nas difíceis relações existentes
entre os diferentes atores que compõem a sua rica e conturbada história milenar. A
diversidade cultural, étnica, religiosa e os problemas ambientais trouxeram inúmeros conflitos
através dos séculos e principalmente após a interferência europeia no início do século XX,
transformando as composições geográficas e relações sociais estabelecidas anteriormente.
Após o final da Primeira Guerra Mundial grande parte do Oriente Médio foi
teoricamente divido entre grandes potências vencedoras do conflito com a justificativa de
estabilização regional de povos que estavam sob domínio do Império Otomano e
desestruturados política e socialmente.
É exatamente neste período que o capítulo 1 aprofunda-se ao mostrar a influência
colonial nas dinâmicas sociais da Síria e de seus vizinhos durante e depois do fim das suas
presenças nestes países. Abordaremos a difícil relação do povo sírio para com seus
governantes, disputas políticas internas, sectarismo e o caos deixado após a saída da
administração francesa no país.
O cenário propício para disputas de poder exercidas por um legado deixado de cultura
governamental militar mistura com uma população culturalmente acostumada à insurgência
contra seus governantes. O país passou por inúmeros líderes através do século XX até que
finalmente mostraremos a importância que o sobrenome Assad teve para a situação vivida
pela Síria nos dias atuais, entre suas relações com o povo, outros Estados e a maneira como
uma administração sem democracia pode levar um país a quase extinção.
1.1. O FIM DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL E O MANDATO FRANCÊS
O território que viria a se consolidar no Estado Sírio já fazia parte do Império
Otomano desde 1517 quando os turcos passaram a subjugar do povo Mamluk1 (HITTI, 1959).
1
Povo descendente de escravizados que em alguns momentos detinham a responsabilidade militar de regiões
como a Grande Síria, sob a administração do Egito.
17
No entanto, com o fim da Primeira Guerra Mundial e o consequente colapso deste Império, o
território da Síria passa a fazer parte da administração da França, que havia saído como umas
potências vitoriosas. A região abordada fora alvo de negociações secretas entre França e
Reino Unido durante a grande guerra, o que ficou definido nos termos do acordo Sykes-Picot
em 1916.
Neste acordo, validado mais tarde em 1920 na Conferência de San Remo, França e
Reino Unido repartiram os territórios que eram controlados pelo Império Otomano no Oriente
Médio. A divisão, em sua maior parte foi realizada entre França e Reino Unido, de modo que
o primeiro ficou com o mandato sobre o território do Líbano e parte da Turquia, enquanto o
último ficou com o controle sobre Jordânia e Iraque, conforme pode ser observado no mapa 1
abaixo.
Figura 1 – Mapa da Divisão territorial do Acordo Sykes-Picot
Fonte: YZADI (2000)2
Na disputa contra os turcos, os franceses eram aliados menos expressivos quando
comparados aos britânicos, mas tinham seus objetivos definidos sobre o Oriente Médio, e não
abririam mão no acordo, do controle da Síria, que era ambicionada a séculos por conta de sua
importância geográfica e política para a própria França.
2
Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/news/monkey-cage/wp/2014/05/20/is-this-the-end-ofsykes-picot/> Acesso em 31 de março de 2016.
18
O núcleo da disputa entre os Aliados vencedores da Primeira Guerra Mundial, e os
árabes, que os auxiliaram, estava na Síria, centro do mundo intelectual árabe e de
seu movimento nacional. A Palestina, apesar de seu valor por conta dos lugares
santos, era uma província secundária, enquanto no Iraque havia Petróleo, já
importante para os britânicos, mas ainda não para os árabes (MAGNOLLI, 2012, p.
158).
O governo britânico tinha uma política que favorecia os árabes na luta contra os
turcos, ao menos nos discursos perante as lideranças árabes, que inicialmente acreditavam na
consecução suas independências totais. No entanto, uma vez finda a guerra, os países
envolvidos logo seriam surpreendidos com uma estratégia ambiciosa e articulada entre França
e Reino Unido para ludibriar as lideranças árabes com uma promessa de proteção temporária.
As representações árabes da Síria atentavam para a necessidade de investimentos e
analisaram os grandes potenciais decorrentes de vários fatores: região densamente povoada;
história rica; além de uma sociedade avançada quando em comparação com outros países do
Oriente Médio.
Por conta dessa percepção quanto à necessidade de investimento a preferência dos
sírios era por uma administração britânica, mas o acordo já havia sido estabelecido
previamente e a Síria viria a ser entregue ao mandato da França, que justificava a ocupação
com base no apelo histórico de sua presença no período das Cruzadas. Desde essa época,
importância da Síria e Líbano para a França estava relacionada à defesa dos cristãos maronitas
da região e impedir o fortalecimento muçulmano nos dois países, desfazendo a influência
francesa.
Na Conferência de San Remo3 o até então Império Otomano concedeu à França o
mandato da Síria e Líbano, e ao Reino Unido o mandato sobre a Palestina e o Iraque. Estes
quatro países ocupados tinham o sonho de conseguir sua independência e formar uma ―união
de países árabes‖ no Oriente Médio, o que foi prontamente interrompido pelo acordo SykesPikot.
Alguns meses após a Conferência de San Remo, a já proclamada Turquia assina o
Tratado de Sèvres, renunciando a todos os direitos sobre territórios sírios, libaneses,
palestinos e iraquianos. Os quatro mandatos foram classificados como tutelados pela Liga das
Nações, mas ainda assim administrados pelas duas potências europeias, até que alcançassem
uma condição satisfatória para que seguissem sozinhos e independentes, sem o auxílio dos
mandatários.
3
A Conferência de San Remo ocorreu no mês de abril de 1920, dando caráter formal ao acordo de divisão de
alguns países do Oriente Médio entre França e Inglaterra (Magnolli, 2012).
19
Em julho de 1920, Faysal Bin Hussein, o principal símbolo da Síria no combate ao
Império Otomano retorna para o país após uma viagem à Europa, convicto de que a França e
o Reino Unido não lhes concederiam o status de independência. Um congresso em Damasco,
ocorrido a 8 de março de 1920 rejeitou a forma de governo sob tutela e declarou Faysal o Rei
do território sírio. Mas a França não aceitou a decisão do congresso, deslegitimando o reinado
de Faysal e ordenando aceitação da autoridade francesa.
Dessa forma, as tropas francesas reprimiram o humilde exército sírio, fazendo com
que Faysal se retirasse do país. Posteriormente viria a ser reconhecido pelos britânicos como
rei do Iraque, já que era tido como herói por grande parte dos árabes dos países tutelados.
Em 1922 uma comissão para a Síria e que também representava outros países árabes
como o Líbano, Palestina e Iraque, declarou que a maior parte da população da síria e libanesa
preferia a independência à forma de tutela uma vez que a assistência do Reino Unido ou
Estados Unidos passa a ser vista como tolerável (HITTI, 1959). A comissão também fez
recomendações à Liga das Nações de que o programa sionista4 fosse diminuído, tendo em
vista a redução da imigração de judeus para a região, encerrando a conversão das terras
palestinas em terras judaicas.
Em primeiro momento o mandato francês causou umas verdadeiras revoluções na
Síria, que não tinha sólidas instituições e tampouco modernizadas técnicas administrativas. O
mandato criou toda uma estrutura de instituições judiciárias, legislativas, além da criação de
um padrão educacional e urbano, associado ao estímulo da criação de rodovias. O maior sinal
da implementação ou tentativa do modelo do pensamento europeu ocidental foi a concessão
de inúmeras bolsas de estudos na França para a elite síria. Ademais, o mandato francês era
muito mais controlador, e com maior impacto na vida dos sírios do que o governo turco
otomano, o que causou enorme desconforto na população.
Durante a década de 1920 e 1930 o país foi controlado por comissários que eram
advindos de altos postos militares franceses, sendo indicados para o posto. Esse poderio não
agradou grande parte da população que sofreu inúmeras intervenções e separações no
território sírio como cita Magnolli (2012, p. 159):
Os franceses buscaram aumentar sua influência por meio da separação de minorias
religiosas, enfraquecendo assim o movimento nacionalista árabe. O Estado cristão,
criado na região do Monte Líbano, foi expandido em 1926 através da incorporação
do vale do Bekaa, predominantemente muçulmano, e das regiões costeiras,
incorporando as cidades de Trípoli, Beirute, Sidon e Tiro, dando origem ao Líbano.
4
O movimento sionista foi o início da união judaica para a criação do seu Estado de Israel no até então território
da Palestina. Teve seu marco no fim do século XIX.
20
A divisão territorial do país fez com que se aumentasse a intolerância entre certos
povos que tinham ideologias religiosas e culturas diferentes, causando um verdadeiro choque
populacional dentro da Síria. A divisão da Síria foi feita de forma arbitrária, resguardando
apenas os interesses coloniais, em quatro Estados, sendo eles: Damasco, Aleppo, Hawran Estado predominantemente druso5 e Latakia, predominantemente alauíta6 (HITTI, 1959).
Dentro de cada um desses Estados havia diversas vertentes religiosas distintas e logo
surgiram conflitos entre maiorias e minorias por conta da nova distribuição territorial. Desta
forma iniciaram-se os primeiros confrontos separatistas e que clamavam pela independência
síria, com uma população insatisfeita com o modelo de administração francesa.
A divisão territorial aparentava ter sido executada sem nenhum estudo mais
aprofundado, como havia ocorrido anteriormente no fracasso colonial do continente africano,
e representava apenas os interesses comerciais, como a rotas de petróleo que atravessavam o
território da Síria vindo dos poços iraquianos.
Foi criada toda uma estrutura propícia para a produção petrolífera, com construção de
refinarias na Síria e Iraque, tudo para facilitar o escoamento da produção para o mediterrâneo.
Todo esse planejamento fazia parte do acordo firmado entre França e Reino Unido.
Ainda na década de 1920 houve inúmeras manifestações locais contra o mandato
francês, sua forma de governar e contra seus métodos autoritários que iam de encontro às
liberdades individuais dos cidadãos, o que ocasionou na ―Grande Revolta dos drusos‖
7
de
1925, tendo como principais focos de tensão as principais cidades do país, como Aleppo,
Damasco e Hama.
A década de 1930 foi representada pela continuação dos conflitos internos pela
independência e também contrários a alguns termos do acordo do mandato que foram
quebrados, o ápice da década deu-se na crise de Alexandreta8 onde o governo francês cedeu a
5
Grupo étnico que habita principalmente a Síria e o Líbano, e que tem em sua maioria como religião, seguidores
do islamismo, embora não reconhecidos por muitos povos muçulmanos.
⁶ Os alauítas são um grupo étnico religioso que mistura ritos cristãos e muçulmanos, não seguindo alguns
preceitos do islã. Embora se considerem muçulmanos, não são aceitos como tal por boa parte do mundo
islâmico, principalmente pelos muçulmanos mais fundamentalistas.
7
A Grande Revolta Drusa ocorreu em 1925 e tinha por intenção a libertação síria do mandato francês. As
revoltas na região druza em Alepo e Damasco, tiveram como resposta um bombardeio sistemático pelos
franceses, causando mais de 5 mil mortos‖ (MAGNOLLI, 2012, p. 160).
8
Alexandreta era um importante porto de escoamento sírio, situado no extremo oeste do país, com saída para o
mar mediterrâneo. Após ser cedida para Turquia seu novo mudou para Iskenderun.
21
região à Turquia, reconhecendo-a como parte do território turco, que viria a ser incorporada à
Turquia em 1938 (MAGNOLLI, 2012).
Com o início da Segunda Guerra Mundial e o aumento da influência do Eixo9 na
região que era exercida através da propaganda alemã, os sírios não se mostraram tão contrário
quanto ao avanço destas propostas. Muito pelo contrário, eles viram como uma oportunidade
de se livrarem do governo francês.
Para impedir que a população fosse cooptada pelos alemães a administração francesa
buscou minimizar a insatisfação com o aumento de investimentos em infraestrutura com a
construção de novas rodovias; reformas de prédios públicos; além da distribuição de remédios
e alimentos nas regiões que estavam em um período de escassez de água, e com graves
problemas na produção agrícola dessas regiões (HITTI, 1959).
Mas as tentativas foram arruinadas quando o Comissário francês para a Síria, Gabriel
Puax renunciou em maio de 1939 lealdada às tropas livres francesas10, e assim jura fidelidade
ao governo Vicky11 e ao eixo, aumentando ainda mais o totalitarismo no governo e
posteriormente decretando Lei marcial na Síria.
A tomada de poder por parte do Eixo foi facilitada por conta da escassez de recursos
humanos por parte da França e Reino Unido na região, pois estavam com suas forças e
investimentos quase que totalmente voltados para o conflito em território europeu. Apesar
deste fato, as tropas livres francesas tentaram retomar o controle sobre o território em junho
de 1941, como cita HITTI (1959, p. 247):
Georges Catroux was appointed by the chief of the Free French, General de
Gaulle, as commander of the trooos of the Levant, delegate general and
plenipotentiary. On the day of the invasion of Syria by Alliaed troops, General
Catroux had proclaimed to the Syrian people that he was sent ―to put an end to the
mandtory regime and to proclaim you free and independente‖.
Todo esse processo de transição em direção à independência síria e libanesa teve o
apoio do Reino Unido. Essa declaração que dava a independência veio em 16 de setembro de
9
O Eixo era formado pelos países que direta ou indiretamente apoiavam o regime nazista da Alemanha, como
Itália, Japão, Hungria, entre outros.
¹⁰ As Tropas Livres francesas eram tropas comandadas pelo general Charles de Gaulle, que lutavam
conjuntamente aos aliados na Segunda Guerra Mundial contra o domínio nazista na França, tendo em vista haver
uma divisão militar no país (HITTI, 1959).
11
O Governo Vichy foi estabelecido na França após a invasão nazista no país, causando a consequente rendição.
Eram forças comandadas por Philippe Pétain, e posteriormente passaram a apoiar o movimento nazista,
reivindicando o governo no país.
22
1941, mas sem muitos efeitos práticos para não as lideranças sírias e seu povo, que ensejavam
por uma Constituição própria e um governo local.
Esse fato apenas veio ocorrer com a criação de uma nova Câmara que escolheu o líder
nacionalista Shukri al-Quwatli como o primeiro presidente da República Síria (HITTI, 1959).
Mas ainda assim a França não estava disposta a abrir mão da sua influência na região, de fácil
acesso aos campos de petróleo, de modo que o país tentou um novo acordo negociando a
permanência de suas tropas em pontos estratégicos do território sírio, associado a um acordo
de preferências comercias.
Acordo este, que foi rapidamente rejeitado pelo novo governo local e que após isso
decidiu por cortar quaisquer relações com a França, fazendo com que no mês de maio de 1945
as tropas francesas ocupassem mais uma vez o território da Síria e bombardeassem a capital,
Damasco.
O ponto final do entrave com a grande potência europeia ocorreu na Conferência de
São Francisco, na qual os membros das Nações Unidas reconheceram a independência da
Síria e Líbano em um acordo que foi negociado e mediado pelo Reino Unido, acorda a
retirada da tropas francesas dos dois novos Estados independentes, o que viria a ser executado
totalmente apenas em 1946 (Ibidem). Logo após a Independência, a Síria assina o Protocolo
de Alexandria, junto a outros Estados árabes também ratificaram, criando assim a Liga
Árabe12 para unificar os povos árabes da região.
1.2. A REPÚBLICA E OS GOLPES
A nova administração da Síria logo soube que o caminho para estabilizar o país seria
difícil, tendo em vista os inúmeros problemas sociais e políticos deixados pelas
administrações europeias na Síria e na região do Oriente Médio. Dentre os desafios estava a
tentativa de recuperar o território de Alexandreta e a articulação regional, uma vez que alguns
partidos pediam a unificação do país ao Iraque, Palestina, Líbano e a atual Jordânia, que
12
―A Liga dos Estados Árabes (LEA) foi criada em 1945, no Cairo. A organização conta com 22 membros:
Arábia Saudita, Argélia, Bareine, Catar, Comores, Djibuti, Egito, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Iraque,
Jordânia, Kuaite, Líbano, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Palestina, Síria (suspenso), Omã, Somália, Sudão e
Tunísia‖ (Itamaraty). Tinha como objetivo a união e desenvolvimento dos países árabes, defesa do pan-arabismo
e auxílio à Palestina.
23
faziam parte no passado da Grande Síria. O Rei Abdullah I13 insistia na anexação da Síria por
conta de direitos históricos e territórios antes compartilhados, a serem conformados em uma
união árabe.
O herdeiro do trono do Iraque, Faysal II, neto de Faysal I, também reivindicava os
direitos que tinha sobre a Síria. Alguns grupos dentro do país compartilhavam dos ideais panarábicos, por outro lado o Partido Nacionalista do presidente Shukri, tinha como enfoque o
lado nacional, sem muita disposição para relações multilaterais e congregação árabe.
O Partido Nacionalista tinha características muito semelhantes ao governo mandatário,
sendo autocrática, exigente com o funcionalismo público e rígido quanto à implementação dos
seus ideias e valores na base educacional síria, o que era uma característica natural em países
do Oriente Médio.
Nas relações exteriores o governo se deparou com o problema da expansão do
sionismo sobre o território da Palestina que era a principal pauta da Liga Árabe e se
transformou em prioridade para a Síria, por conta da pressão por parte da pressão social e os
riscos que o fortalecimento judeu representava para os interesses árabes (HITTI, 1959).
O conflito entre Israel e Palestina havia entrado em uma situação alarmante nos
últimos meses e cada vez mais o Estado judaico avançava e adquiria poder perante as forças
britânicas que faziam a mediação da região e sobre os territórios palestinos. O conflito e os
ataques ficaram cada vez mais intensos após a Assembleia Geral das Nações Unidas de 29 de
novembro de 1947, com a influência dos Estados Unidos, a UNSCOP14 aprova a partilha do
território pretendido por Israel. Provavelmente neste momento da história tenha-se iniciado
uma maior hostilidade contra os EUA por parte dos membros do crescente fértil
(HITTI,1959).
Com o avanço das tropas israelenses sobre o território e o consequente aumento da
impotência do exército britânico, que acaba por se retirar, o Estado de Israel é oficialmente
proclamado à 14 de maio de 1948, com o aval americano.
A Liga Árabe convocou uma Assembleia Geral após a decisão da retirada das tropas
britânicas da Palestina e fez uma recomendação aos países árabes para que permitissem a livre
circulação das tropas treinamentos militares dos membros, próximo à fronteira com Israel. A
guerra é declarada pela Liga Árabe e os confrontos se iniciaram no dia 15 de maio de 1948,
13
Abdullah foi um dos principais combatentes árabes contra o Império Otomano na Primeira Guerra, ficando
como emir da Transjordânia até 1946 e posteriormente tornado- se rei da Jordânia até 1951. Era um dos
principais defensores da união de todos os Estados árabes em uma só nação. (MAGNOLLI, 2012).
14
The United Nations Special Committee on Palestine foi criada pela Assembleia Geral da ONU em 1947, com
o objetivo de tentar resolver as questões palestinas.
24
deixando de um lado os exércitos do Egito, Síria, Líbano, Palestina, Transjordânia, Iraque,
Arábia Saudita, além de forças paramilitares de defesa árabe e do outro o exército israelense
(TALHAMI, 2001).
Os exércitos árabes contavam com praticamente metade do contingente israelense e
não contavam com a mesma estrutura e preparo dos judeus, o que fez com que a intervenção
militar fosse um fracasso total e logo fosse assinado um armistício em fevereiro de 1949,
implicando em graves consequências para o grupo, além da como a perda de partes do
território palestino.
As nações árabes sentiram duramente o golpe da perda, mas ninguém sentiu mais do
que a Palestina que se viu em uma situação de extrema miséria, de modo que centenas de
milhares de palestinos viraram refugiados nos territórios árabes vizinhos. Ademais esses
governos saíram enfraquecidos e desmoralizados da guerra, criando um temor regional do
avanço de Israel (HITTI, 1959).
Durante essa mesma época, tem-se a criação de dois oleodutos iraquianos que
passavam pela Síria, e o aumento da estrutura das refinarias de petróleo iraquiano, trazendo
grandes receitas para a Síria, por meio da participação nos lucros e aquisição do
hidrocarboneto a preço baixo. Fato esse que despertou muitos interesses internos e externos,
fazendo a Síria ter sua importância aumentada pelas grandes potências europeias, EUA e
grandes Companhias com interesse no petróleo iraquiano.
O governo de Shukri além de ter sido derrotado na guerra contra Israel também
acumulava derrotas no setor econômico, com altos índices inflacionários e desvalorização da
moeda. Todos estes fatores aliados ao lobby que grandes potências como Estados Unidos
realizavam na região, desequilibraram cada vez mais a política doméstica.
Os EUA por meio da The Arabian American Oil Company15 tinha um plano de criar
oleodutos que passariam por toda a Síria, mas o governo da Síria rejeitou a proposta aonde
defendendo mais uma vez que o nacionalismo deveria prevalecer perante a ganância ocidental
(TALHAMI, 2001).
Após essas medidas contra a expansão petrolífera, grupos de oposição ao governo
teriam começado a ser financiados por alguns países e Companhias de petróleo, o que pode-se
15
The Arabian American Oil ompany (ARAMCO) foi uma fusão realizada entre a saudita (Saudi Arabian Oil
Company) e algumas empresas petrolíferas americanas. Durante o fim década de 1940 a empresa tinha como
objetivo criar um oleoduto que atravessasse todo o Oriente Médio e chagasse até o mar mediterrâneo e Europa.
―The 1,212 kilometer Trans-Arabian Pipeline (Tapline), is completed, making it the longest in the world. Tapline
links eastern Saudi Arabia to the Mediterranean Sea, sharply cutting the time and cost of exporting oil to Europe.
Tapline remains in operation until 1983‖. Dísponível em:
<http://www.saudiaramco.com/en/home/about/history/1950s.html> Acesso em 10 de março de 2016.
25
observar até os dias atuais. Estratégia comum utilizada para facilitar futura negociação do
preço do petróleo e medidas favoráveis às potências ou fazer com que os planos de suas
Companhias petrolíferas.
Tais fatores levaram ao primeiro golpe de Estado orquestrado em março de 1949 e
encabeçado pelo coronel Husni al-Zaim (HITTI, 1959, p. 252). Apesar de temporário o
governo militar de Husni deu-se com mãos de ferro, implementando toque de recolher e
controlando a atividade da imprensa, mas também deu direito ao voto à mulheres com estudo.
O discurso nacionalista é abandonado com o acordo junto a ARAMCO para passagem do
oleoduto na Síria.
A insatisfação de outro grupo militar de dentro do próprio exército sírio fez com que
no dia 14 de agosto de 1949 fosse dado outro golpe, segundo um discurso de combate ao
autoritarismo do governo de Husni. Esse jogo de golpes tinha como pano de fundo os lucros
pessoais relativos à exploração de petróleo e contratos.
Como ocorreu da primeira vez, o segundo golpe também foi dado por um Coronel,
Sami al-Hinnawi, que tinha o apoio de parte das forças armadas que alegavam que Husni
negociava por baixo dos panos com a França (IBIDEM, 1959). Seu governo durou apenas 3
meses, quando ocorreu um terceiro golpe efetuado mais uma vez por militares, coordenado
pelo coronel Adib al-Shishakli.
As justificativas para a tomada de poder foram as suspeitas de corrupção e a
substituição dos interesses nacionais em detrimento aos interesses externos de outros Estados.
Al-Shishakli elevou à presidência Hashim al-Atasi para tentar acalmar os ânimos,
aparentando inicialmente ser apenas para manter a imagem republicana da Síria, o que acaba
não se concretizando após al-Shishakli destituir Hashim al-Atasi da presidência e expulsá-lo
do país em 1951 (Pipes, 1990).
Durante sua administração, al-Shishakli enfrentou um desentendimento com o Líbano
em desacordo sobre tarifas, paralisando as relações comercias e acentuando a crise na Síria
que já aportava grandes gastos militares por conta tensão com Israel (Ibidem). Apesar disso,
foi responsável pela criação de toda uma infraestrutura e investimentos em vários setores,
como agrário, elétrico e industrial, retornando também as relações comercias com o Líbano.
Al-Shishakli, assim como os outros líderes, manteve o autoritarismo e efetuou bombardeios
nas regiões drusas que eram oposição.
Após quatro anos de governo, as manifestações intensificaram-se por parte das classes
estudantis e políticas do país que reivindicavam uma atitude mais firme dos líderes em relação
a recuperação da região de Alexandreta (PIPES, 1990). Com o insucesso político em resolver
26
a situação, as tropas de Aleppo ameaçam invadir Damasco para tomada do poder, e alShishakli renuncia em 1954, assim reassumindo Hashim al-Atasi, deposto em 1951 (HITTI,
1959).
O governo de al-Atasi foi apenas de transição até que a Câmara dos deputados pudesse
eleger um novo presidente. O presidente eleito foi al-Quwatli, primeiro presidente da
República Síria e que acabara de voltar ao país. Durante o segundo governo de al-Quwatli os
conflitos contra Israel voltam a se intensificar, principalmente na fronteira, e seus ideias
nacionalistas ressurgem, negando-se a acordar com grandes potências ocidentais (Ibidem).
A Síria tem uma maior aproximação com o Egito quando este é invadido por Israel,
detentor do apoio de França e Reino Unido no episódio conhecido como A guerra dos Seis
Dias. Síria e Egito haviam iniciado uma maior aproximação com a União Soviética, que passa
a ser contraponto no conflito egípcio-israelense (Ibidem).
Os governos da Síria juntamente com sua classe política não queriam criar vínculos
com os soviéticos, uma vez que o partido comunista da Síria estava ganhando força. Mas não
havia alternativa em relação aos conflitos contra Israel e Turquia, que recebiam apoio
americano. Os desdobramentos da Guerra fria começavam a serem sentidos na Síria.
on August 13, 1957, military authorities 'uncovered' in Damascus 'an American plot
to overthrow Syria's present regime'.
Advantage was taken of the announcement to reshuffle, in favour of the leftist side,
some high officers in the army. Three American embassy officials were ousted. In
retaliation the United States expelled the Syrian ambassador and one of his
Washington aides (HITTI, 1959, p. 257).
A aproximação Egito-Síria havia se intensificado e a união dos dois países era vista
como uma grande oportunidade de juntar forças contra o avanço e as ameaças que Israel
representava. Os presidentes al-Quwatli e Gamal Abdel Nasser do Egito decidem unificar-se e
sancionam o ato no dia 01 de fevereiro de 1958, criando assim a República Árabe Unida
(PIPES, 1990). Já outros Estados árabes também optaram pela unificação como é o caso de
Jordânia, Iraque e Arábia Saudita que tiveram uma aproximação maior com o ocidente e os
Estados Unidos, mais interessados nos lucros do que nos ideias pan-arábicos (HITTI, 1959).
Inicialmente, tanto Egito quanto Síria estavam receosos com a união. O primeiro
estava preocupado com as instabilidades políticas e econômicas que a Síria estava passando
desde sua independência; já o último expressava preocupação com o sistema de governo
socialista egípcio dominado pelo Partido Baath, o principal partido na Síria.
27
O presidente Nasser havia acordado com o Partido Baath a dissolução de todos os
partidos políticos dos dois países, mas em contrapartida ofereceu a divisão igualitária de
poder, a criação de um novo parlamento unificados entre políticos sírios e egípcios, e a
retirada completa do envolvimento militar na política (PIPES, 1990).
O que o partido Baath e os sírios não podiam prever, ou se podiam, não imaginavam
que aconteceria com tamanha rapidez, era que Nasser tentaria controlar o novo país de forma
autônoma, sendo eleito o presidente em uma Assembleia, equivalente a um Congresso, que
ele havia instituído. Esta Assembleia contava com maioria de políticos egípcios, afastando
assim a possibilidade de favorecimento igualitário aos dois territórios.
Nasser nomeia quatro presidentes para comandar duas províncias, mas eles tinham
uma função mais parecida com a de governadores, deixando todo o poder centrado na sua
figura. O descontentamento por parte dos sírios e dos membros do extinto partido Baath sírio
começa a ser perceptível, já que eles não haviam assumido grandes postos no governo ou
ministérios relevantes e estavam cada vez mais afastados dos processos decisórios (Cleveland
& Bunton, 2013).
Com a união, a Síria passa a ter problemas com o preço de alimento por consequência
da má administração da produção agrícola Nasserista. Um dos objetivos da República Árabe
Unida era a aproximação com os outros países árabes e, futuramente, a unificação; mas a
vinculação destes outros à países ocidentais fez o plano fracassar (GOLDSCHMIDT, 2004).
Muitos foram os motivos do fracasso da união entre os países, mas o principal deles foi a
retirada de poder das mãos de militares e de partidos políticos até então importantes, tendo
muitos de seus líderes contrários à unificação e foram calados ou até mesmo exilados, como
foi o caso de Hafez al-Assad.
Historicamente a Síria apresenta características de luta pelo poder e conflitos políticos.
No decorrer das décadas sua população envolveu-se em processos decisórios e lutas de
direitos, demonstrando em diversas ocasiões a sua insatisfação com os seus líderes e a falta de
governabilidade, como descrito por RUBIN (2007, p. 27):
An indication of the task‘s difficulty was conveyed in what Syrian president Shukri
al-Quwatli supposedly told Nasser when the two countries temporarily united under
the latter‘s rule in 1958: ―You have no idea, Mr. President, of the immensity of the
task entrusted to you...You have just become a leader of a people all of whom think
they are politicians, half of whom think they are national leaders, one-quarter that
they are prophets, and one-tenth that they are gods. Indeed, you will be dealing with
a people who worship God, Fire and the Devil.‖
28
Os oficiais do exército sírio negociaram juntamente com integrantes do reestabelecido
Baath um golpe, causando no dia 28 de setembro de 1961 a secessão. Ocorreram negociações
para se definir o rumo político da Síria, no entanto havia uma clara divisão dentro do próprio
partido Baath, que tinha como figura central Michel Aflaq, criador do Baath e também
apoiador da separação do partido e fim da unificação com o Egito, implicando em
desconfiança na ala anti-separatista devido a Aflaq anteriormente ser favorável à união
(HINNEBUSCH, 2001).
O comitê militar do partido negociou com os oficiais do exército para tomarem o
poder das mãos de Aflaq o que ocorreu no dia 08 de março de 1963, dia em que os oficiais, e
políticos que eram contra a separação assumem o poder, com o apoio de outros políticos próunião (Ibidem).
O novo regime instaurado aplicou uma modelo rígido de administração, dando
preferência à produção agrícola e a seus produtores de classe média, seguindo os ideias
socialistas do partido. Esse fator teria deixado algumas camadas da sociedade insatisfeitas.
The traditional upper class was being deprived of political power and threatened
with socialism; indeed some limited nationalizations—of banks and certain key
industries—had already produced a mixed economy curbing the bourgeoisie‘s
control over the country‘s wealth. (HINNEBUSCH, 2001, p. 45).
Essas classes favorecidas eram de minorias religiosas do país, como os alauítas,
drusos, responsáveis por parte da produção agrícola do país e que habitavam áreas rurais,
enquanto a maioria sunita da classe alta se insatisfazia com o partido. O governo iniciou uma
verdadeira revolução com suas nacionalizações e reforma agrária, retirando poderes dos
grandes produtores e empresários sobre a exploração da mão de obra e transferindo essa
responsabilidade para o governo. Essa medida favorecia os membros de classe média do
partido e começaram a ascender, enquanto os ricos do país perdiam seu poder. Esse modelo
de administração tinha como base o leninismo (Ibidem).
O partido tinha outra subdivisão, entre os moderados, que defendiam as classes médias
urbanas, e os radicais, que lutavam pelas classes rurais mais baixas.
Esta divisão contava
com oficiais do partido defensores de Aflaq, que eram liderados por Muhammed Umran, e os
que eram contra, liderados por Salah Jadid, que acabaram por sair vitoriosos nesta disputa
ideológica interna, intensificando o radicalismo socialista no país, como comenta Hinnebusch
(2001).
29
The radical Ba‘this attempted, with considerable success, to launch a revolution
from above; they used socialist transformation and party organisation to ignite a
class war, mobilize popular support, and make Syria‘s social terrain more congenial
to the stabilisation of the regime. They sufficiently expanded power to entrench the
Ba‘th regime. But they failed to effectively institutionalise the revolution in a state
which could sustain their radical course (HINNEBUSCH, 2001, p. 49).
O governo radical aumentou os tributos sobre grandes comerciantes e sobre toda a
classe alta e média, restringindo importações e causando a fuga de investidores. As pautas
religiosas e os diálogos com grandes lideranças islâmicas foram afastadas dos processos
decisórios, o que gerou uma revolta em 1967, de parte da população urbana, comerciantes e
estudantes, causada pela brusca mudança (Ibidem).
Porém, o modelo de governo estava conseguindo grandes resultados com as
populações mais pobres, aumentando o acesso à educação, dando oportunidades de ascensão
financeira às pessoas antes exploradas por grandes empresários. O partido alcançou um
grande número de membros e apoio da maior parte da população (Ibidem).
Nesta mesma época há uma maior troca e relações com a União Soviética, vendedora
armas e suprimentos militares para a Síria. No entanto, a popularidade do partido começa a
entrar em declínio quando voltam as suas boas relações com o Egito de Nasser e acaba por se
envolver na Guerra dos Seis Dias16. Os países árabes não estavam preparados e treinados para
entrar em uma guerra conjuntamente, pois os problemas dos últimos anos entre eles havia
desunido o pan-arabismo.
A Síria sai derrotada juntamente com os outros países árabes, perdendo importantes
porções do seu território como a província de Quneitra e as Colinas de Golã, o que acentuou a
rejeição ao Partido Baath. Após o fim do conflito no Egito, Nasser assina um acordo com
Israel para tentar recuperar o Monte Sinai, o que deixou muitos países árabes revoltados,
inclusive muitos militares sírios, que insistiam em uma nova ofensiva contra Israel. Uma nova
ofensiva não estava nos planos do presidente Jadid, que tentou implementar outra grande
reforma agrária e nacionalizações (Ibidem).
O partido entra em choque novamente, concentrando de um lado os defensores do
conflito contra Israel para tentar recuperar o território perdido e parar a intensa reforma
imposta por Jadid, contra os que não apoiavam outra guerra. O lado a favor da guerra apoiava
16
Foi um conflito ocorrido entre 05 de junho de 1967 à 10 de junho do mesmo ano entre países da Liga Árabe e
o Estado de Israel, considerados pelos árabes como uma ameaça aos árabes e o pan-arabismo. Os principais
países árabes envolvidos eram: Síria, Egito, Iraque, Jordânia e Arábia Saudita (CLEVELAND & BUNTON,
2009).
30
o General Hafez al-Assad, então ministro da defesa, e que culpava Jadid pela derrota na
Guerra dos Seis dias por ter uma postura pouco ofensiva (Ibidem).
O poder do partido estava divido entre os dois lados, e Assad ganhava cada vez mais
apoio por parte das classes mais nobres e também entre os militares. Neste momento a disputa
entre diversos setores do partido e regiões de influência dão abertura para disputas sectárias
entre os líderes, que se utilizava de campanhas direcionadas apenas para determinados grupos.
Assad tinha um discurso predominantemente voltado para alauítas, enquanto os oficiais
drusos do governo de Jadid foram excluídos do poder (Ibidem).
The duality of power came to a head as a result of ―Black September‖ of 1970 when
the radicals ordered military intervention in Jordan in defence of Palestinian
fedayeen under attack by King Hussein. When Asad, deterred by US and Israeli
threats, refused to commit air power in support of Syrian tanks, allowing Jordan to
rout them, and then ordered a series of military transfers neutralising the last military
supporters of the radicals, the party leadership called na emergency party congress
and dismissed him and his ally, Chief of Staff Mustafa Tlas, from their posts. Asad
responded with a military coup deposing the radicals and bringing his own faction to
sole power. Despite their control of the party apparatus and its ―popular
organisations,‖ the radicals could do nothing but mobilize ineffectual
demonstrations: when the legitimacy of party institutions and the holders of coercive
power were confronted in the starkest fashion, the latter triumphed (HINNEBUSCH,
2001, p. 56).
Hafez al-Assad assume por completo o poder na Síria, com a promessa de aumentar a
segurança interna do poder frente à outras nações, um maior liberalismo e estabilização
política do país. Mas o que viria pela frente não seria com certeza o que os cidadãos
esperavam.
1.3. O REGIME ASSAD E O FIM DA DEMOCRACIA
Hafez envia Jadid para a prisão, lugar o qual permaneceria por longos 23 anos até seu
falecimento. Hafez assumiu o posto de presidente com a justificativa de corrigir o que
acreditava estar errado dentro do partido e do país, fazendo retornar a burguesia e os grandes
empresários junto às tomadas de decisões, com o objetivo de obter um maior
desenvolvimento e melhorar a economia nacional. Ademais, seu principal objetivo era a
recuperação dos territórios perdidos na Guerra dos Seis Dias, para isso ele mantém e estreita
fortes laços políticos e comerciais com Egito e União Soviética (HINNEBUSCH, 2001).
31
Mas esse não seria todo o apoio necessário para seu intento, fazendo com que fosse
negociado um acordo de cooperação com alguns países árabes do Oriente Médio, que eram
produtores de petróleo e o ajudariam a financiar os objetivos do governo e alavancar a
economia (Ibidem). Esses fatores diplomáticos do início do governo Assad na década de 1970
surtiram efeitos positivos no campo econômico, mas o presidente sofria com a desconfiança
sectária em seu governo, pois Hafez era alauíta, como a maioria de seus oficias de alta
patente.
A maioria sunita do país não considerava alauítas como sendo muçulmanos e isso fez
com que Hafez procurasse durante décadas uma aprovação, como citado por Rubin (2007, p.
73):
The fact its rulers come mainly from the minority Alawite community whose Arab
and Islamic credentials are suspect to the majority Sunni Muslims has forced the
regime‘s frantic efforts to prove its Arab patriotism and Muslim fidelity.
Após conseguir se eleger para um mandato de sete anos, Hafez enfrentou sua primeira
onda de insatisfação quando promulgou uma nova constituição, e retirou a regra de que
apenas muçulmanos poderiam ser presidente e inserindo, posteriormente, que os alauítas eram
parte dos muçulmanos; causando a grande revolta de 1973 (CLEVELAND & BURTON,
2009). Os protesto foram duramente reprimidos, demostrando ali que o novo governo não
aceitaria de bom tom as opiniões individuais contrárias a ele.
As tensões disseminaram-se durante a Guerra árabe-israelense17, ajudando Hafez
promover o sentimento de defesa pan-arábica entre seus nacionais que depositaram uma
maior credibilidade em seu governo, mesmo a guerra tendo sido um desastre para a Síria.
Aproveitando-se deste aval popular Hafez se toma conta dos 3 poderes, trazendo toda forma
de decisão para si, e inicia uma grande onda de nepotismo, em que coloca seus familiares em
grandes cargos governamentais para manter base de apoio e não haver riscos de queda
(HINNEBUSCH, 2001).
Os integrantes da classe média e habitantes das grandes cidades eram de maioria
sunita e aceitaram o governo juntamente com as minorias agrícolas que eram formadas
basicamente por alauítas, conseguindo assim um equilíbrio entre as bases de sustentação do
governo (HINNEBUSCH, 2001). Em 1975 inicia-se a Guerra Civil Libanesa, fruto de
17
Também conhecido como Guerra do Yom Kippur foi um conflito ocorrido no feriado de mesmo nome no ano
de 1973, aonde Síria e Egito tentam recuperar os seus territórios perdidos para Israel na Guerra dos Seis Dias. O
conflito foi um bom exemplo da bipolaridade mundial vivida na época, já que os EUA apoiaram Israel e a URSS
deu aval aos países árabes (HINNESBUSCH, 2001).
32
disputas sectárias, precipitadas pelo grande número de refugiados palestinos no país,
repercutindo uma onda de intolerância, como explica Cleveland & Bunton (2009, p. 383):
The civil war was not an exclusively Lebanese affair; it was precipitated by the
Palestinian presence in the country and soon attracted external intervention by Syria
and Israel, thus bringing to an end the attempts of Lebanon‘s political bosses to
insulate their country from the wider regional conflict.
O Líbano havia aceitado receber refugiados sírios em acampamentos mais ao sul do
país, em um acordo firmado com OLP (Organização para a Libertação da Palestina). Neste
acordo o governo libanês permitia a OLP realizar incursões militares contra Israel, desde que
previamente com o consentimento libanês, fator este que não foi respeitado (Ibidem).
As retaliações às investidas da OLP logo se voltaram contra o Líbano e seus cidadãos,
que não aceitavam sofrer por uma guerra que não era deles e por haver aumentado
drasticamente a pobreza no país. A intensa entrada de muçulmanos no país fez com que
houvesse descontentamento da maioria maronita18 do Líbano (Ibidem).
Os muçulmanos exigiam políticas igualitárias, o que não era aceito pelos cristãos. Em
maio de 1976 o presidente sírio enviou suas tropas ao Líbano para apoiar os cristão maronitas
na guerra civil, fator este que até os dias atuais não tem-se total esclarecimento dos motivos
de Hafez apoiar cristãos e não muçulmanos. Uma das causas prováveis seja a tentativa de um
domínio sobre o Líbano, pois os palestinos tentariam tomar o país para si. (HINNEBUSCH,
2001).
On October 18, 1976, Syria and the PLO accepted a cease-fire drawn up by Arab
heads of state, and the worst of the fighting came to a halt. The terms of the
agreement provided for the stationing in Lebanon of an Arab deterrent force to
maintain law and order. In reality, the force was composed almost exclusively of
Syrian troops whose presence enabled al-Asad to continue his efforts to shape the
Lebanese situation to suit the needs of Damascus. These efforts continued under his
successor into the early 2000s, and although they have undergone several twists and
turns, their overall objective remained constant: the establishment of Syrian
preeminence in Lebanon (CLEVELAND & BUNTON, 2009, p. 385.
Durante a década de 1970 o governo obteve resultados significativos quanto ao
desenvolvimento e economia, por conta de acordos com países árabes produtores de petróleo,
mas o pan-arabismo começa a entrar em choque quando o Egito, um dos principais
18
Os cristãos maronitas habitam principalmente o Líbano e tem suas próprias liturgias quando em comparação à
Igreja Apostólica Romana, como o direito de seus sacerdotes ao casamento, e utilização das línguas siríaca e
árabe para seus cultos, ao invés do latim. Respeitam a autoridade do Papa e seguem as mesmas datas sagradas da
igreja católica romana.
33
disseminadores do movimento, aceita um acordo de paz19 em março de 1979 com Israel,
reconhecendo-o como Estado, causando uma onda de revoltada e ódio no mundo árabe contra
o Egito, o qual foi posteriormente retirado da Liga Árabe até 1989. Esse acordo teve como
consequência um boicote dos países árabes produtores de petróleo ao EUA e parte da Europa
que apoiava Israel (CLEVELAND & BUNTON, 2009).
Neste momento a crise do petróleo começa a influenciar na economia síria e em todo o
mundo árabe. A Síria começa a enfrentar uma forte recessão a partir de 1979, conjuntamente
com as notícias de grandes esquemas de corrupção dentro do governo de Hafez a população e
o governo tentam aumentar sua influência para impedir uma insurgência, com medidas
populistas de culto à figura de Hafez e grandes investimentos educacionais, fazendo discursos
de erradicação do analfabetismo (Ibidem).
Embora o governo tenha sido formado majoritariamente por alauítas o governo
precisava manter diálogos e bases com a população sunitas para evitar maiores insatisfações.
Apesar disto, durante a década de 1980 os principais problemas internos da Síria foram as
políticas sectárias e o poder concentrado nas mão de apenas um povo.
O regime usou do sistema educacional para implementar sua ideologia. ―Under the alAsad regime, all levels of the educational system were tightly controlled by the central
government, which used the classroom as a forum for indoctrinating students into Ba‘thist
ideology‖ (CLEVELAND & BUNTON, 2009, p. 403).
Somente progredia na carreira de serviço público ou educacional quem estava de
acordo com o regime, e para adquirir uma maior base de apoio o partido deu mais liberdade
para as mulheres da Síria, fato este que despertou a ira de muitos muçulmanos
fundamentalistas, alegando uma falta de respeito ao Islã (Ibidem).
As relações com o vizinho Iraque começaram a piorar quando após a revolução do Irã
de 1979, Sadam Hussein, que acabara de assumir o poder do Iraque e também era membro do
partido Baath, decide atacar o Irã em 1980 durante a Revolução Iraniana e seu novo regime do
Aiatolá Khomeini. A ofensiva de Hussein contou com apoio de vários países árabes, menos
da Síria de Hafez (Ibidem):
19
O acordo de Camp David consistiu em um acordo de paz fixado entre Egito e Israel e uma série de
comprometimentos que os dois países seguiriam para tentar amenizar com conflitos entre árabes e israelense.
Nos termos do acordo o Egito reconheceu o Estado de Israel e negociou o também reconhecimento da Palestina.
Fato este que nunca ocorreu, fazendo o acordo ser um total fracasso para o Egito e os ideais do pan-arabismo. O
acordo foi mediado pelo governo norte americano de Jimmy Carter (CLEVELAND & BUNTON, 2009).
34
Al-Asad saw Khomeini‘s regime as a protest against the US Israeli order, and he
believed the Arabs should support the new government in Tehran. There may have
been a certain hardheaded logic to al-Asad‘s position, but it was lost on other Arab
leaders, and Syria became increasingly isolated within the Arab world
(CLEVELAND & BUNTON, 2009, p 406).
A maioria dos países árabes que apoiaram o ataque era de governos sunitas que não
aceitavam o novo governo xiita do Irã, deixando o governo alauíta de Hafez menos vinculado
a apoiar a ofensiva. Mesmo após esse estranhamento a Síria permaneceu sendo o país com
maior influência na Liga Árabe (Ibidem).
O poder na Síria estava dividido entre o partido Baath, entre oficiais profissionais que
eram como um conselho de defesa, e as forças de segurança alauítas, criada à época para
impedir um golpe presidencial que partisse de dentro das forças militares, e que era autônomo
a eles. Em 1984 Hafez fica doente e seu irmão Rifat que era considerado extremamente
corrupto e despótico assume o poder provisoriamente, causando quase uma guerra civil
formada por parte dos próprios apoiadores de Hafez, mas os distúrbios cessam após o retorno
de Hafez (Ibidem).
Umas das formas encontradas por Hafez para evitar um gasto desnecessário com
segurança e ficar tranquilo quanto às revoltas sociais foi criar uma devoção à sua figura, com
a criação de verdadeiros ―santuários‖ públicos, em praças e ruas por toda a Síria, com faixas,
pinturas e estátuas suas. A adoração traria cada vez menos descontentamentos com seu
governo (WEDEEN, 1999).
O partido mantinha controle sobre diversas instituições, conselhos e sindicatos
nacionais, conforme é descrito por Hinnebusch (2001, p. 78):
The party apparatus also controlled an array of corporatist associations through
which differentiated societal sectors were brought under regime tutelage [...] The
trade unions and the teachers‘ and agronomists‘ unions were traditionally Ba‘thdominated. The professional associations (niqabat mihaniya) of doctors, lawyers,
and engineers in which the Ba‘th was lightly represented retained a certain
independence until the Islamic rebellion (1978–82), during which their leaders were
replaced by state appointees [...].
Contanto, apesar de todos esses fatores o país ainda contava com muitos setores
insatisfeitos com o regime de Hafez, que resultou em um atentado à sua vida de 1980 durante
a Rebelião Islâmica20. Após o atentado o regime inicia uma caçada paranoica aos
20
A Rebelião Islâmica ocorreu entre 1976 e 1982 por disputas sectárias dentro da síria entre alauítas e sunitas
que eram contrários ao regime de Hafez al-Assad. ―Then the Lebanese intervention, growing Alawi privilege,
and the Islamic rebellion in the late seventies seriously exacerbated sectarian conflict in the army: there were
instances of actual defection of Sunni officers to the Islamic opposition motivated by sectarian animosities,
35
muçulmanos sunitas contrários ao governo e a possíveis responsáveis pelo atentado, com
torturas em prisões e execuções arbitrárias, resultando no grande massacre de Hama
(HINNEBUSCH, 2001).
No final da década de 1980 a crise volta a assolar a Síria, após a crise mundial do
preço do petróleo e o colapso da União Soviética, que era a principal base de apoio político,
comercial e ideológico do partido Baath, deixando assim a Síria com problemas de
financiamento, investimentos e importações. Neste período do início da década de 1990 o país
e o governo passam por grandes ameaças externas, já que não tinham mais a segurança
ofertada pela União Soviética e o país entra em estagnação (HINNEBUSCH, 2001).
A Síria chega a cogitar se alinhar diplomaticamente ao EUA, mas o país consegue sua
recuperação, muito devido ao fato de ao longo do governo ter conseguido números incríveis
quanto à melhoria social. Se por um lado Hafez agia como um tirano que privilegiou seu
povo, por outro o país conseguiu aumentos significativos em alfabetização, maior acesso ao
ensino médio e superior e diversificação econômica, para evitar a dependência de poucos bens
(Ibidem).
Dentro das grandes cidades havia setores e instituições privadas que o governo não
conseguira controlar, os quais ideais ultra islâmicos e contrários ao governo foram mantidos,
e muitos pediam por uma processo de democratização (PIPES, 1990). O aumento do acesso à
educação havia trazido também maior consciência política, fazendo com que Hafez desse um
pouco mais de espaço no governo a membros sunitas da população, principalmente os grandes
empresários (HINNESBUSCH, 2001).
Os grandes comerciantes e a classe média alauíta mostraram-se descontentes com a
abertura dada aos sunitas, mas Hafez tinha a obrigação de contrabalancear o poder no país
para evitar a derrubada de seu governo. Embora o Baath seja um partido socialista, o seu
modelo de governo na Síria era diferente do implementado na União Soviética, permitindo o
acesso a bens privados. O grande problema é que com a maior liberalização Hafez ficou
refém do poder de barganha dos empresários. Eles exigiam maiores dispositivos democráticos
e independência comercial (Ibidem).
O maior problema do governo, além do crescimento ideológico do islã
fundamentalista, era a liberalização dada aos empresários, que haviam ficado muito influentes
em alguns setores da sociedade, além de grandes sindicatos que exigiam melhores direitos
including the attempt on Asad‘s life by a member of the presidential guard and the 1979 massacre of scores of
Alawi cadets by a Sunni officer. Moreover, in at least two instances, military discipline collapsed when units
ordered into action against Sunni cities split along sectarian lines (HINNEBUSCH, 2001, p. 82).
36
trabalhistas. O poder dado aos sunitas descontentou os produtores alauítas, fazendo com que
se aumentasse a disputa de poder e a pressão sobre Hafez (WEDEEN, 1999).
O governo decide continuar o projeto populista e desacelerar a liberalização, mas a
Síria já havia se tornado muito dependente do capital privado e necessitaria de apoio para
combater a onda fundamentalista que crescia (Ibidem). A figura de Hafez al-Assad estava
muito desgastada, e demandava por uma troca de poder.
The main immediate threat to regime stability is a succession crisis. Rifat al Asad‘s
bid for power in 1984 seemed to show that, when the inevitable succession crisis
comes, praetorianism, suppressed but apparently just below the surface, could break
out again. Three decades of personalization at the top—at the expense of the party,
the font of Ba‘thist ideology and of parliament, embodiment of legitimate
procedure—have so weakened the institutions essential to a smooth succession [...]
(HINNESBUSCH, 2001, p. 109).
Hafez, percebendo que o país clamava por uma mudança política, começa a preparar
seu filho Bashar al-Assad para assumir o poder, pois seu irmão mais novo Bassel havia
falecido em 1994. Porém, Bashar não tinha experiência política não filiação ao partido Baath,
fato qual logo seria resolvido.
He has been appointed commander of the Presidential guard, has presided over an
anti-corruption campaign and assumed authority over Syria‘s relations with
Lebanon. He was depicted as a new broom, overtly appealing to the youth of Syria‘s
educated middle class (HINNESBUSCH, 2001, p. 109).
Em junho de 2000 Hafez falece e Bashar assume o poder por referendo, sendo o único
candidato na disputa. A partir deste momento a Síria passaria por um período de incertezas
em relação ao seu novo líder.
37
CAPÍTULO II
COMPLEXOS REGIONAIS DE SEGURANÇA
38
2. COMPLEXOS REGIONAIS DE SEGURANÇA
O novo mundo globalizado com intensas trocas e relações entre os Estados não
suporta mais as antigas teorias de defesa e segurança, como efetivas para se analisar os
cenários internacionais. Principalmente a partir do pós Guerra Fria temos o surgimento de
novos Estados e o crescimento da importância das relações regionais entre múltiplos atores
em detrimento às antigas políticas uni e bilaterais.
Devido a interdependência estatal, passa a ser improvável um Estado garantir de forma
autônoma a sua segurança, dependendo da integração com a região aonde se encontra,
recebendo influência direta dos atores e países mais próximos. Esta nova forma de análise
aparece com a Escola de Copenhague21, a qual defende que dinâmicas culturais, políticas e as
crises dentro de cada Estado tem maior probabilidade de serem afetadas a partir de relações
regionais.
Neste capítulo apresentaremos a Teoria dos Complexos Regionais de Segurança, que
corrobora os estudos modernos sobre segurança, o qual divide o globo em complexos e
subcomplexos de segurança, baseado em níveis de amizade e inimizade entre o que a teoria
chama de unidades. Trabalharemos os conceitos de região; regionalismo; regionalização;
defesa e ameaça, com enfoque na região que a Síria está incluída, o Subcomplexo do Levante.
A região do Levante tem características de distanciamento entre os Estados, com
conflitos contínuos, como é o caso do entre Israel e Palestina, além de grandes fluxos
humanos, ausência de democracia. A teoria dos Complexos de Segurança trouxe a divisão de
5 setores: político; militar; econômico; societário e ambiental, aonde cada um apenas pode
funcionar adequadamente com a estabilidade dos outros.
2.1. O NOVO MODELO DE SEGURANÇA
Durante o século XX e principalmente após a Segunda Guerra Mundial os estudos
sobre defesa e segurança intensificaram-se, sobretudo durante a guerra fria, fazendo com que
21
A Escola de Copenhague, originalmente Copenhague Peace Research Institute (COPRI) foi criada em 1985
para desenvolver estudos para paz e segurança, tornando-se uma importante fonte de consulta teórica para
analistas e governos.
39
os governos e os cientistas políticos se preocupassem cada vez mais com o tema. Entretanto, o
assunto era analisado apenas do ponto de vista estratégico militar, baseado na teoria realista.
(DAVID, 2000).
Mas em meados da década de 1980 começam a aparecer novas definições sobre
segurança, defesa e ameaça, baseados em estudos da Escola de Copenhague e de seu mais
influente membro Barry Buzan22. Buzan, inicialmente, continuou a levar em consideração
alguns pontos principais da tradicional escola realista, como o fato do Estado ser o
protagonista nos estudos sobre segurança.
Buzan defendia a importância dos aspectos econômicos, sociais, políticos e
ambientais, nos desdobramentos da segurança e estratégia de um Estado em seus primeiros
trabalhos, embora continuasse a dar grande ênfase aos aspectos militares. Mas tais aspectos
deveriam ser avaliados em conjunto a todos os outros, fazendo este modelo teórico da Escola
de Copenhague, ficar conhecido como abrangente. (BUZAN, 199).
A partir do início da década de 1990 as teorias da Escola começam a ganhar mais
importância frente a outras teorias sobre segurança. ―A incapacidade das análises realistas em
prever o fim da estrutura bipolar colocou em cheque a hegemonia do paradigma realista, já
que a capacidade de fazer previsões era sustentada como uma das vantagens do realismo em
relação às demais teorias‖ (HALLIDAY, 1999). A Escola começa a dar cada vez mais força a
análises sociais sobre a segurança, deixando para segundo plano as questões sobre estratégia
militar, com publicações de Ole Wæver23, agregando o construtivismo social ao teor da
Escola.
É também possível identificar a incorporação de teorias pós-modernas nos trabalhos
desse pesquisador. Rejeitando o positivismo que dominava a abordagem de
Buzan,Wæver (1995) descarta a existência de realidade social que pode ser
conhecida de forma apriorística e defende que questões de segurança são construídas
pelas práticas sociais. Processos de construção de questões de segurança ocorrem,
primordialmente, por meio de discursos proferidos pelos atores mais interessados
em estabelecer as agendas de segurança. Questões políticas podem, portanto, sofrer
processos/movimentos de‖ securitização‖ * ou ―desecuritização‖ ** (TANNO,
2003, p. 57).
22
Barry Buzan é um professor Emérito e pesquisador da área de Relações Internacionais, além de ser um dos
criadoress e maior nome da Copenhagen Peace Research Institute, tendo aperfeiçoado a Teoria dos Complexos
de Segurança em obras como: People States and Fear (1983) e em Regions and Powers The Structure of
International Security (2003).
23
Ole Waever é um importante professor e teórico das Relações Internacionais tendo dado uma das maiores
contribuições nos estudos de segurança da Escola de Copenhague, aperfeiçoando a teoria juntamente a Barry
Buzan. Entre suas principais obras estão: A New Framework for Analysis (1998) e Regions and Powers (2003).
40
A agregação das teorias de Buzan e Wæver fez com que fosse adquirida uma maior
consistência sobre a definição dos conceitos de segurança, ameaça, defesa e estratégia. A
estratégia passa a não ser apenas de cunho militar, passando a coexistir com as estratégias de
cunho mais diplomático que evitem chegar-se a conflitos armados e as que auxiliem no fim de
conflitos e retomem a paz, com o auxílio de Organizações Internacionais (DAVID, 2000).
Para DAVID (2000) o objetivo dos estudos estratégicos é entender os aspectos que
desencadeiam e ou dão fim ás guerras. Tais aspectos não devem ser dissociados dos novos
conceitos de segurança e defesa, sendo atualmente obrigatória sua complementariedade para
uma segurança estatal satisfatória.
As novas estratégias e suas análises corroboraram para estudos sobre defesa mais
eficientes e novas políticas de defesa, baseadas também em novos conceitos sobre o que seria
uma ameaça e como cada tipo desta deveria ser tratada. ―Nos estudos das Relações
Internacionais, o termo ‗Ameaça‘ é relativamente recente e ainda pouco usado. Normalmente,
ele aparece no bojo de uma preocupação estratégica, essencialmente militar, relativa a função
às Forças Armadas [...]‖ (SAINT-PIERRE, 2003, p. 23).
O avanço dos estudos da Escola de Copenhague no pós Guerra Fria demonstrou que a
ameaça não tem aspecto simplesmente militar, mas conta com outras vertentes as quais os
Estados precisariam direcionar atenção. Saint-Pierre (2003, p. 24) descreve o conceito mais
puro de ameaça:
Pode significar: 1) palavra ou gesto intimidativo; 2) Promessa de castigo ou
malefício; 3) Prenúncio ou indício de coisa desagradável ou temível, de desgraça, de
doença. Em todos os casos é algo que indica, que mostra, que anuncia um dano, uma
desgraça. Não é a própria desgraça ou dano, mas seu anúncio, seu indicativo, seu
sinal.
Portanto, a ameaça é essencialmente diferente do que ela manifesta: não é ela que
provoca o temor, mas quem a anuncia.
A ameaça pode ou não ser concretizada, causando também determinado dano ao
ameaçado, como no terrorismo atual, principalmente de extremistas islâmicos, que tem por
objetivo criar pane nas populações e conseguir um distúrbio social. O efeito seria o fim da
tranquilidade por parte de quem a recebe e possivelmente um início de um descontrole na
segurança.
O ameaçado deve tomar as medidas necessárias para evitar que a ameaça se conclua,
como por exemplo, um Estado que é o receptor de uma ameaça por parte de outra ou de
alguma força ou ator externo ou interno, assim formulando parte da sua estratégia de defesa
41
(SAINT-PIERRE, 2003). As vulnerabilidades de um país devem ser sanadas ou ao menos
estabilizadas para não comprometer a segurança, tornando-se uma ameaça para este.
Para Saint-Pierre existem diversas fontes de ameaça, mas podendo ser sintetizadas em
dois grupos: As fontes de ameaça naturais e as humanas. As fontes naturais são entendíveis
como forças da natureza ou do meio ambiente, como uma catástrofe climática ou natural, um
surto epidêmico ou qualquer outro fator advindo ou não da responsabilidade humana, como a
poluição, que poderia causar um desastre ambiental ou um maremoto que não tem influência
humana, cabendo aos governos criarem medidas e estratégias as quais tentem dirimir os
efeitos destas ameaças.
A fontes de ameaças naturais geralmente não são premeditadas, diferenciando-as das
fonte de ameaças humanas que em muitos casos são planejados para atingir um alvo
determinado. As pessoas, como demostra o nome, são as responsáveis por este tipo de
ameaça, muitas vezes perpetrada contra o Estado de Direito24 e suas instituições, ou a outros
cidadãos com direitos iguais ou que deveriam tê-los.
São agentes, os homens, individualmente, em grupos, em associações, em classes,
organizados nacionalmente, em alianças internacionais ou coalizões estatais que
originam o sinal que ameaça. Podem ameaçar como concorrentes, como adversários
ou como inimigos. Podem ser ameaçadores na figura do Estado, de grupos
societários ou de indivíduos isoladamente. Podem fazê-lo através de sanções
econômicas, de sabotagens, de guerras, de ataques terroristas ou meramente de
ondas migratórias (SAINT-PIERRE, 2003, p. 34).
Essas fontes de ameaças contra um governo ou Estado geram sinais que devem ser
percebidos por parte dos ameaçados, para chegar-se a um denominador comum sobre a
melhor estratégia de defesa, para tentar amenizar os impactos de uma ameaça que se
concretize naquilo que ela assinalava. Nos dias atuais de instabilidade política em muitos
países, as ameaças são pincipalmente direcionadas contra a figura do Estado e o seu poder de
monopólio do uso da força, com a tentativa de desestabilizá-lo por motivos de luta internas
por poder ou de recuperação de direitos essenciais que em alguns casos é omitido pelo Estado
a alguns grupos, fazendo deste a ameaça contra seus próprios cidadãos (Saint-Pierre, 2003).
Segundo Saint-Pierre outro alvo de ameaças seriam grupos societários, étnicos,
culturais ou religiosos que sofreriam ataques por parte de outros grupos maiores ou menores
em população e influência política. Tais ameaças podem partir do próprio governo, que em
24
O Estado de Direito é a condição na qual nenhum indivíduo ou autoridade sobrepõe-se a lei. A condição para
um bom funcionamento do Estado de Direito é a democracia, a qual cidadãos comuns elegem seus governantes
que criarão leis seguidas por todos.
42
tese democrática, deveria governar de forma igualitária para todos os povos, algo que não
ocorre com facilidade, causando mazelas direcionadas a grupos sem o mesmo foco
direcionado pelas políticas públicas.
Outras formas de ameaça seriam contra o meio ambiente ou contra a dignidade da
pessoa humana, a qual pode ter seus direitos básicos ameaçados por suas opções divergentes a
maioria. ―Às vezes, a segurança dos cidadãos pode ser ameaçada sob o argumento da
segurança estatal, muito embora o sentido último do Estado, o compromisso central do
contrato social que funda Leviatã, seja precisamente a segurança daqueles‖ (SAINT-PIERRE,
2003, p. 37).
Muitos seriam os meios de ameaçar de forma intencional a paz e a segurança
societária, como os militares, políticos de forma interna e externa, podendo partir de grupos
paramilitares ou outro Estado, meios econômicos como o aumento de taxas de compras e
exportação e os meios envolvendo a saúde da população, com armas biológicas (Ibidem).
Dentre a evolução de tais conceitos, encontra-se o mais importante e de maior
complexidade que ainda é motivo de diversos debates, que é o novo conceito de segurança.
Em seus primeiros trabalhos Barry Buzan mencionava os Estado como o principal agente e
instrumentalizador de quaisquer aspectos securitário, mesmo validando a importância de
outros atores, embora menor. Ole Wæver refuta tal ideia e traz a ideia de que algumas áreas
não são necessariamente ligadas ao Estado no que diz respeito ao tema segurança. (TANNO,
2003).
Muitas são as definições de segurança como ―A ausência de guerra, a procura dos
interesses nacionais, a proteção de valores fundamentais, a capacidade de sobrevivência, a
resistência à agressão, a melhoria da qualidade de vida, o reforço dos Estados, o seu
enfraquecimento, o afastamento de ameaças [...]‖ (DAVID, 2000, p. 27). O atual
entendimento da Escola defende que dentro de uma sociedade é quase impossível um ator agir
isoladamente para garantir a segurança.
Para definirem-se os padrões sobre segurança de uma sociedade e como funcionam
suas dinâmicas, deve-se analisar a cultura, história e o modo como os diferentes povos desta
sociedade interagem entre si e com os seus vizinhos ao longo dos anos (HOUGH, 2004).
Existem os conceitos mais ligados a segurança militar e societário como a ―ausência de
ameaças militares e não militares que pudessem pôr em causa os valores centrais que uma
pessoa ou uma comunidade querem promover e que implicassem o risco de utilização da
força‖ (DAVID, 2000. p. 27).
43
O Estado não é visto atualmente como o único gerenciador da segurança ou
insegurança dentro de um sistema internacional ou nacional, dividindo essa responsabilidade
com ONG‘s, OI‘s e forças internas que auxiliam ou desestabilizam a segurança (Ibidem).
Quando algo ameaça a as instituições, o território, a estabilidade e os direitos oferecidos pelo
Estado, a segurança pode compromete-se.
Security is taken to be about the pursuit of freedom from threat and the ability of
states and societies to maintain their independent identity and their functional
integrity against forces of change which they see as hostile. The bottom line of
security is survival, but it also reasonably includes a substantial range of concerns
about the conditions of existence. Quite where this range of concerns ceases to merit
the urgency of the ' security' label (which identifies threats as significant enough to
warrant emergency action and exceptional measures, including the use of force) and
becomes part of the everyday uncertainties of life is one of the difficulties of the
concept (BUZAN, 1991, p. 432).
A Escola de Copenhague, que é Construtivista Social, pretende analisar as
idiossincrasias sociais, o contexto histórico, repetições de atos e a cultura de determinadas
populações para avaliar a forma como o governo e seus governantes agem, mas sem propor
novas políticas de segurança. Para os membros da Escola a cultura da população, suas
identidades e o modo de agir através da história são o que determinam como são e serão seus
líderes (DAVID, 2000).
Nos dias atuais muitos governos utilizam-se dos conceitos de ameaça e segurança para
exercer o seu direito de uso da força, que em muitos casos vem de forma exacerbada e
deslegitima direitos de parte ou de toda sua população. A evolução dos conceitos fez com
dois dos principais nomes do construtivismo social, Barry Buzan e Ole Wæver, unissem suas
ideias para realizar estudos mais aprofundados, antes realizados por Buzan, sobre complexos
de segurança, trazendo a discussão para um nível regional, e não apenas Estado-centrado ou
internacional.
2.1.1. REGIÃO, REGIONALISMO, E REGIONALIZAÇÃO
Uma região é um espaço no qual dinâmicas sociais diferentes ocorrem, podendo esse
espaço ser limítrofe ou mais distante, e pode ser determinado a partir de um plano geográfico,
proximidade cultural ou Estados com o mesma tipo de comportamento, como os mesmo
interesses comerciais, sociais e políticos para o desenvolvimento de cada Estado
44
individualmente (HERZ, 2004). As regiões podem ser socialmente construídas a partir das
intensas relações entre os atores.
O regionalismo, aqui de caráter estatal, é um fenômeno político-social que acontece
quando Estados ou outros atores de uma região coordenam políticas relevantes para ambas as
partes e ―A existência de um projeto para maior aproximação no nível regional pode ser
detectado‖ (HERZ, 2004, p. 8). A cooperação e tomadas de decisão nem sempre partem do
Estado ou suas Instituições, podendo este poder ser transferido para a figura de uma
Organização Internacional, como a União Europeia, que reúne os interesses de todos as partes
de uma determinada região.
O regionalismo pode ocorrer de uma forma natural ao longo dos tempos, por costume,
necessidade ou por semelhanças entre as partes. A regionalização é o proposital
aprofundamento das relações entre Estados ou atores estatais de uma região, por conta dos
interesses e benefícios mútuos para partes que compartilhem de características semelhantes,
podendo haver relações comerciais, culturais e cooperação para a segurança regional(Ibidem).
2.2. A TEORIA DOS COMPLEXOS REGIONAIS DE SEGURANÇA
Os Complexos Regionais de Segurança já vinham sendo estudos por Buzan e pela
Escola de Copenhague durante a década de 1980, passando por um processo evolutivo que
inicia com seu livro People, States and Fear (1983), no qual cita os complexos divididos em
grupos de Estados, ainda influenciado pelo antigo conceito sobre segurança. Com o fim da
Guerra Fria, o mundo se desprende, em parte, da bipolaridade e da influência direta da URSS
e dos EUA, em especial os países menos desenvolvidos que sofriam diretamente com o
conflito, assim redefinindo prioridades e sua governança independente (BUZAN & WÆVER,
2003).
Anteriormente, Buzan trabalhava com a ideia de setores de segurança, mas
conjuntamente a Wæver em Regions and Powers (2003), traz os níveis de análise,
delimitando além da influência dos fatores culturais no processo de securitização, as relações
em nível local e regional, definindo as relações em nível regional como as grandes causadoras
dos conflitos atuais (Ibidem). Durante toda a história das relações internacionais e dos estudos
de segurança e estratégia, as análises eram feitas sobre um escopo global e regional, o que
começou a se mostrar ineficiente frente ao novo cenário pós-Guerra Fria.
45
Buzan e Wæver (2003) defendem que as unidades e os Estados se conectam de forma
tão intrínsecas que as suas seguranças não podem ser estudadas separadamente, pois as
relações entre vizinhos regionais afetam diretamente o comportamento de um com o outro,
como também a influência histórica ou atual de grandes potências na região e nos Estados
individualmente. Buzan (1983 apud BUZAN & WÆVER, 2003, p. 44) definia os complexos
regionais de segurança como ―a group of states whose primary security concerns link
together sufficiently closely that their national securities cannot reasonably be considered
apart from one another‖.
Este conceito mudaria no aspecto do grupo de Estados se transformar em um grupo de
unidades, podendo estas ser ONG‘s, OI‘s, grupos paramilitares, sindicatos, associações e
outros atores sociais. Essas unidades teriam também influência direta sobre a segurança e
insegurança, e as dinâmicas regionais, de um modo mais intenso que influência externa de
grandes potências de fora do Complexo (WÆVER, et al.,1998). Agora a hipótese trabalhada é
a de que o Estado pode não ser o principal definidor da securitização de um Estado, sendo ele
influenciado pelo meio social e regional, e não o contrário, embora Buzan e Wæver tentem
não fazer este tipo de afirmação.
Os Complexos Regionais de Segurança são utilizados para analisar as dinâmicas
regionais e baseiam-se no grau de relação entre Estados e suas unidades, dependente da
impossível dissociação de seus vínculos.
RSCs are defined by durable patterns of amity and enmity taking the form of
subglobal, geographically coherent patterns of security interdependence.The
particular character of a local RSC will often be affected by historical factors such as
long-standing enmities (Greeks and Turks, Arabs and Persians,Khmersand
Vietnamese), or the common cultural embrace of a civilisational area (Arabs,
Europeans, South Asians, Northeast Asians, South Americans). The formation of
RSCs derives from the interplay between, on the one hand, the anarchic structure
and its balance-of-power consequences, and on the other the pressures of local
geographical proximity. Simple physical adjacency tends to generate more security
interaction among neighbours than among States located in different areas, [...]
(BUZAN & WÆVER, p.45).
É mais fácil um Estado entrar em conflito ou negociar bilateralmente com uma
unidade mais próxima do que com as mais distantes geograficamente, principalmente nos dias
atuais, de intensa movimentação transfronteiriça, de grande câmbio comercial, fluxo humano
e de bens e serviços. Os estudos dos CRS realizados por Buzan e Wæver trabalham com a
ideia de balanças de poder entre os países de um Complexo e a relação deste com grandes
potências, trazendo influências externas ao complexo para o equilíbrio da balança.
46
As rivalidades dentro de determinado complexo seriam ampliadas de acordo com o
apoio de uma grande potência, fazendo com que o Estado com o melhor acordo e força dentro
do complexo determine a dinâmica regional, para pior, ou melhor, (Ibidem). O termo Estado
Penetrador foi cunhado para aclarar a presença externa no Complexo. Estado esse que
penetra com facilidade em momentos de instabilidade política e diplomática entre membros
CRS. ―Such linkage between the local and global security patterns is a natural feature of life
in an anarchic system‖ (BUZAN & WÆVER, 2003, p. 46).
Os Estados de um determinado CRS também criam alianças para evitar a penetração e
influência maior de uma grande potência na região, como é o caso das tentativas da Liga
Árabe, desde sua criação, de impedir a influência de povos e governos não árabes no Oriente
Médio. As relações interestatais são afetadas por níveis de confiança mútua, ou desconfiança,
baseado no histórico das relações entre estes. O equilíbrio da balança de força se faz
necessária para alcançar o que David (2000) cita como paz positiva.
A paz positiva ocorre quando as relações interestatais são baseadas em confiança
mútua para manutenção da paz. Quando um Estado penetrador ou potência regional utiliza de
sua superioridade para forçar outros Estados a seguir regras impostas, pode-se ter a sensação
de paz, mesmo que forçada, definida como paz negativa. Para David (2000), este tipo de paz
não é durável, pois demonstra a fraqueza de Organizações Internacionais, frente a influência
de grandes potências dentro dos organismos, nas relações multilaterais e processos decisórios.
O fortalecimento das OI‘s traria benefícios para todos os membros de um CRS, pois o
equilíbrio no processo decisório sobre segurança regional poderia sanar os desfavorecimentos
a países menores.
Smaller states will usually find themselves locked into an RSC with their
neighbours, great powers will typically penetrate several adjacente regions, and
superpowers will range over the whole planet. Local States can of course securitise
threats seen to come from distant great powers, but this does not necessarily, or even
usually, constitute security interdependence (BUZAN & WÆVER, 2003, p.46).
Geralmente dentro de um CRS, Estados divergentes contam com o apoio de potências
externas diferentes, pois caso exista o apoio em comum, tende-se a uma maior chance de
manutenção pela paz, tendo o Estado penetrador como negociador direto (BUZAN &
WÆVER, 2003). Muito embora favoreça também o poderio da potência sobre a região e a
dependência a ela, deixando os países menores em estado de submissão aos interesses
externos.
47
Para realmente ser considerado um CRS, as unidades deste, devem compartilhar
semelhanças na agenda de securitização e as mesmas preocupações e ameaças comuns a estes.
A definição de um CRS ocorre baseada nas relações de poder e nos padrões de amizade e
inimizade, facilitando as definições de quem são as potências regionais (Ibidem). Buzan e
Wæver (2003) definem as potências com maior influência como sendo um fenômeno de
sobreposição, o qual o país um Estado forte influência as dinâmicas e balanças de poder da
região, por conta de uma lacuna deixada da bipolaridade da Guerra Fria (TANNO, 2003).
Embora muito da influência exercida sob os CRS pelo mundo ainda seja emanada por Rússia
e Estado Unidos.
Os padrões de amizade e inimizade resultam da história das relações entre as unidades,
trazendo os pontos negativos, positivos e seus ressentimentos para as relações atuais. ―Estes
padrões variam de coisas específicas como disputas de fronteiras, interesses com populações
étnicas afins e alinhamentos ideológicos a ligações históricas existentes há muito tempo [...]‖
(RUDZIT, 2005, p. 312). Além das relações de amizade e inimizade para se definir quais são
as unidades de um complexo, o estudo das sociedades e das suas relações internas e externas,
baseando-se na história, composição étnica, religiosa e contexto político, facilitaria a
compreensão da dinâmica de complexo.
A teoria dos CRS divide-se em 4 níveis primários de análise definidos por Buzan e
Wæver (2003) que iniciaria pela avaliação doméstica de cada Estado, suas instituições, forças
militares, direitos e garantias dos cidadãos, a forma de agir do governo, entre outros aspectos
internos. ―The specific vulnerability of a state defines the kind of security fears it has [...] and
sometimes makes another state or group of states a structural threat even if it or they have no
hostile intentions‖ (BUZAN & WÆVER, 2003, p. 51).
O segundo nível seria o estudo das relações entre os Estados da região, como eles
interagem e as suas interdependências, que serviria para avaliar a relação com outras regiões
de fora do seu complexo. Essa relação com outras regiões faz parte do terceiro nível de
análise, pois pode demonstrar quando alguma unidade de um complexo procure ajuda em
outra região, por não sentir segurança na sua própria região. O quarto nível corresponde a
influência das grandes potências globais e sua relação com cada unidade regional (Ibidem).
O Estado mais poderoso de um complexo ou externo, que tenha influência sobre a
região seria o principal responsável pela estabilidade e instabilidade na região, pois todas as
outras unidades teriam de alguma forma dependência em algum setor com este maior forte.
Para Buzan (1991) existem 5 setores na segurança de um Estado: militar, societal, econômico,
48
político e ambiental, os quais não conseguem funcionar adequadamente sem a estabilidade
dos demais setores.
Military security concerns the two-level interplay of the armed offensive and
defensive capabilities of states, and states' perceptions of each other's intentions.
Political security concerns the organizational stability of states, systems of
government, and the ideologies that give them legitimacy. Economic security
concerns access to the resources, finance and markets necessary to sustain
acceptable levels of welfare and state power. Societal security concerns the ability of
societies to reproduce their traditional patterns of language, culture, association, and
religious and national identity and custom within acceptable conditions for
evolution. Environmental security concerns the maintenance of the local and the
planetary biosphere as the essential support system on which all other human
enterprises depend. These five sectors do not operate in isolation from each other.
Each defines a focal point within the security problematique, and a way of ordering
priorities, but all are woven together in a strong web of linkages (BUZAN, 1991, p.
433).
Além de estarem atrelados dentro de um Estado, esses setores têm ligação com setores
iguais ou diferentes de outras unidades de um Complexo, por conta do intenso aumento nas
relações regionais e internacionais e um mundo cada vez mais globalizado, no qual a
interdependência cooperativa faz-se necessária para uma evolução conjunta e individual. Cada
setor conta com sua própria dinâmica e diferentes atores dentro de uma sociedade,
necessitando de uma agenda especializada e que integrativa, pois não é possível analisar e
desvencilhar um setor de outro. (TANNO, 2003).
Cada setor tem sua autonomia e ritmo próprio, muitas vezes não podendo ser
controlado pelo Estado, mas se apenas um destes setores estiver funcionando deficitariamente,
pode afetar a segurança dos outros de uma unidade, ou das outras unidades com as quais tenha
relações de amizade, dependência ou cooperação. O estrago é mais perceptível em unidades
do mesmo complexo, por conta de maiores relações de amizade, inimizade e por conta da
proximidade (Ibidem).
A instabilidade política em um Estado pode desencadear insegurança no setor
econômico e na atividade comercial, fazendo com que as unidades dependentes sofram com
esta insegurança, mesmo que estejam estáveis, por exemplo. Nos dias atuais, as crises nos
setores políticos e sociais afligem o mundo, a ponto que as fronteiras transformaram-se em
meros caminhos de fuga e travessia de refugiados, baseados na insegurança nacional e
regional.
Para Buzan & Wæver (2003) os CRS são zonas que podem sofrer ter incidências de
uma ou mais forças, podendo ser regionais ou externas à região, definindo os tipos de
polaridades existente em uma região, podendo elas serem unipolares, bipolares, tripolares e
49
multipolares. A polaridade seria avaliada a partir das balanças de poder de determinada
região, na qual a unipolaridade seria a incidência de um Estado que determinasse grande parte
da atividade as outras, podendo esta ser potência regional ou superpotência externa
(FUCILLE e REZENDE, 2012). A bipolaridade ocorre com a divisão de poder entre 2
unidades, a tripolaridade entre 3 unidades e a multipolaridade acima de 4, tendo em tese uma
melhor distribuição de poder.
Buzan & Wæver (2003) dividem essa balança de poder de um CRS em dois tipos:
padrão e centrado. No tipo padrão pode-se haver um ou mais Estados dividindo a balança,
mas sendo estes, sempre regionais. ―Nesse tipo, não há a presença de uma potência global,
sendo, portanto, o poder definido em termos da polaridade regional, sendo que a relação
social entre as potências regionais que definirá o elemento da política de segurança do CRS‖
(FUCILLE e REZENDE, 2012, p. 5).
Já no tipo centrado de CRS pode haver o controle direto de uma superpotência
externa, como também este controle poderia ser delegado e exercido por Organizações
Internacionais como a Liga Árabe, Mercosul ou ONU.
Já os CRS centrados são, de acordo com os autores, de três formas: (1) unipolar,
sendo o polo uma grande potência; (2) unipolar, sendo o polo uma superpotência;
(3) centrada, mas integradas por instituições, e não por um poder regional. Os
teóricos sugerem, contudo, uma opção extra, (4) categorizada assim porque não
identificam nenhum CRS centrado desse tipo: quando há um CRS centrado unipolar,
mas a potência regional não é uma grande potência no nível global (FUCILLE e
REZENDE, 2012, p. 5).
Os CRS, em alguns casos, têm um grande número de unidades, dinâmicas variadas e
relações que necessitam ser analisadas de modo menos alargado, formando os subcomplexos,
conceito definido por Buzan & Wæver (2003). Os subcomplexos são subdivisões que
ocorrem dentro de grandes CRS, como no Complexo do Oriente Médio, que está inserido no
Supercomplexo Asiático. O CRS do Oriente Médio é formado pelos seguintes Estados:
Marrocos, Argélia, Líbia, Egito, Israel, Líbano, Síria, Palestina, Jordânia, Turquia, Iraque, Irã,
Afeganistão, Arábia Saudita, Iêmen, Omã e Emirados Árabes.
Para Buzan & Wæver (2003) esse Complexo começou a se formar em 1945, após a
maciça descolonização e a relação posterior de todos nos conflitos e cooperações geradas após
a criação da Liga Árabe em 1945. O Grande Complexo do Oriente Médio é formado pelo
Subcomplexo do Levante, o de maior influência, Subcomplexo do Golfo e o Subcomplexo do
Magreb.
50
2.3. SUBCOMPLEXO DO LEVANTE
O Subcomplexo do Levante possivelmente seja o subcomplexo com as dinâmicas e
relações mais complicadas de serem analisadas, pois concentra um grupo de países que
tiveram os papéis mais importantes no desenrolar do Oriente Médio durante o século XX, e
que são de suma importância para a estratégia das superpotências na região.
Para Buzan & Wæver (2003) é difícil precisar quando se inicia o subcomplexo,
formado por Israel, Egito, Síria, Líbano, Palestina e Jordânia, pois as relações de amizade,
inimizada e a balança de poder somente começa a ficar mais clara após o fim da colonização e
início da emancipação em alguns desses países. A interdependência na segurança pode ser
melhor observada a partir de 1945, ano em que todos os Estados começam a agir de forma
independente e podem projetar, de certo modo, suas políticas.
A criação da Liga Árabe em 1945 mostrou o pacto feito entre os Estados árabes para
defesa regional e segurança comum dos membros, voltando-se contra o Estado de Israel, que
aprofundou suas relações perenes de inimizade com os integrantes do grupo, principalmente
Palestina e os criadores da Liga, Egito e Síria. Mas as definições de amizade do complexo não
podem apenas ser analisadas entre judeus e árabes, ―[...] the construction of Arab nationalism
has generated considerably more inter-Arab rivalry and conflict than cooperation and
harmony, and the same could be said about inter-Islamic relations‖ (BUZAN & WÆVER,
2003, p.190).
51
Figura 2- Mapa do CRS do Oriente Médio e Subcomplexo do Levante
Fonte: BUZAN & WÆVER (2003).
Mesmo havendo muitas divergências culturais e religiosas entre Estados e povos
árabes do Subcomplexo do Levante, uniram-se inicialmente, com o pretexto de defesa da
Palestina e de todos os Estados árabes (Ibidem). ―This subcomplex involves principally Israel
and its immediate neighbours, and is a mixture of states (Egypt, Syria, Lebanon, Jordan) and
nonstate actors (PLO, Hamas, Hizbollah)‖ (BUZAN & WÆVER, 2003, p. 191).
Embora o Iraque tenha tido relação duradoura com os países do Subcomplexo do
Levante, até a década de 1970, inclusive nas relações de segurança, Buzan & Wæver (2003)
não consideram o Estado iraquiano como parte integrante deste subcomplexo. Para os autores
as relações iraquianas estão mais ligadas com Irã e os países do Golfo, principalmente a
Arábia Saudita, com quem teve conflitos armados e políticos nas últimas décadas do século
XX, como a Guerra Irã-Iraque e a Primeira e Segunda Guerra do Golfo (ZAHREDDINE, et
al., 2011).
Os conflitos entre os Estados árabes do Grande Complexo do Oriente Médio,
enfraqueceram a liderança egípcia durante a década de 1970 e 1980, separando ainda mais as
alianças e tornando mais visíveis as subdivisões na conformação dos complexos e suas
dinâmicas. Os Estados do Subcomplexo do Levante compartilhavam dos mesmos temores em
relação a sua segurança, criando alianças externas ao complexo para tentar se proteger, como
as alianças entre Síria-Rússia e a entre Israel e os Estados Unidos, demonstrando assim o
presente interesse regional das superpotências mesmo após o fim da Guerra Fria.
52
Embora os Estados árabes contenham grandes diferenças nas suas características
religiosas, sociais e econômicas, eles assemelham-se pelos longos períodos ditatoriais e
contínua luta interna pelo poder, trazendo assim a instabilidade política interna e regional,
como informado por Buzan & Wæver (2003, p. 194),
most of the states in the Middle East are towards the weak end of the spectrum of
sociopolitical cohesion. Democracy is rare, dictatorship common, and the use of
force and repression in domestic political life endemic. Strong links among
authoritarian regimes, oil resources, international capital, and great power allies have
allowed rentier states to deploy extensive internal security forces to suppress their
populations and delink their regimes from civil society.
Os conflitos entre Israel e os outros Estados do Subcomplexo do Levante
determinaram as dinâmicas atuais de segurança regional, o que acabou por distanciar as
relações entre eles, pois as sucessivas derrotas causaram a insatisfação popular, aumentando
os problemas internos.
O Líbano convivia há décadas com o caos social por conta da intensa presença de
refugiados palestinos, quando Israel invadiu o país 1982. O alvo israelense era Organização
para Liberdade da Palestina, sediada em Beirute, a qual vinha sendo alvo de ataques por parte
de grupos cristãos libaneses que eram contra a permanência dos palestinos no país, apoiando
forças israelenses a efetuar um verdadeiro massacre (ZAHREDDINE, et al., 2011).
O caos social libanês foi causado pelo aumento significativo do número de
muçulmanos sunitas, em contraste a diminuição dos árabes cristãos libaneses. O país foi
tomado por forças paramilitares, como afirma Zahreddine (2011, p.89):
A guerra civil e as milícias regionais que fragmentavam o país; a presença das
Forças de Defesa de Israel, do exército Sírio e das facções palestinas, bem como, das
forças armadas estadunidenses, francesas e das Nações Unidas no país, revelaram
um cenário complexo e explosivo, que acarretou a destruição do país e um grande
número de mortos.
O governo de Hafez al-Assad maximizou esse caos ao apoiar grupos diferentes
durante a Guerra Civil Libanesa, separando cada vez mais os povos árabes da região. Durante
as últimas décadas do século XX, os conflitos entre Israel e Palestina foram amplamente
usados por líderes dos países do Levante para justificar a falta de competência na gestão do
nacional, ausência de segurança regional e como ferramenta para perpetuação política
(BUZAN & WÆVER, 2003).
Para Buzan & Wæver (2003) as dinâmicas de segurança do Levante são altamente
influenciadas pelos grupos paramilitares, que apoiam ou discordam de governos do
53
subcomplexo. Tal instabilidade política interna de cada unidade transborda para o nível
região, pois lideranças débeis e sociedades desestruturadas economicamente, envoltas por
guerras e caos social, não seriam capazes de cooperar e prover a segurança individual ou
conjunta.
A partir do começo dos anos 1990, os conflitos Israel-Palestina passam a não ser o
ponto determinante das dinâmicas de segurança da região, pois eclodem inúmeros conflitos
internos nos outros Estados (Ibidem). Embora as unidades regionais determinem a maior parte
das relações sobre segurança, os Estados penetrados continuam a exercer papel fundamental
no que acontece na região, com o financiamento e apoio a aliados regionais específicos.
As dinâmicas do Subcomplexo do Levante são determinadas por disputas internas de
suas unidades, como divisões sectárias; políticas; territoriais, como no caso dos curdos;
econômicas, através de disputas sobre petróleo e produção agrícola; como também por lutas
sobre direitos civis ao exigirem as mesmas garantias dadas a poucos privilegiados (Ibidem).
De acordo com Buzan & Wæver (2003), as superpotências globais influenciam o nível
regional de 3 formas: Venda de armamento para exércitos nacionais ou grupos contrários ao
governo instalado; com intervenção direta em conflitos internos ou regionais; negociando a
paz ou usando poderio militar; e em terceiro lugar fica o permanente estado de alerta e
desconfiança que superpotências penetradoras causam nas unidades regionais, provocando
muitas vezes a disseminação do terror e a temor antiocidental.
Para Buzan & Wæver (2003), mesmo com os problemas estruturais no complexo, em
suas relações econômicas, militares, sociais, políticas e ambientais, as bases das unidades e as
mesmas lideranças do Subcomplexo do Levante mantiveram-se de pé por décadas, embora
veremos mais à frente, que em determinado momento do século XXI, estes aspectos começam
a mudar.
A grande diversidade religiosa, cultural e de bens minerais tem gerado mais revoltas e
luta pelo poder, dentro dos próprios Estados, nos últimos anos do que reinvindicações
contrárias à presença ocidental (Ibidem). Seria esse o começo de uma reformulação regional e
a ampliação de subcomplexo.
54
CAPÍTULO III
A GRANDE QUEBRA
55
3. A GRANDE QUEBRA
As relações entre as unidades do Subcomplexo do Levante têm inúmeras dinâmicas e
intensa transformação, principalmente nos últimos 15 anos, depois da invasão estadunidense
ao Iraque, afetando diretamente as unidades do subcomplexo. As intensas penetrações de
potências globais, como China, Rússia e Estados Unidos intensificaram a diminuição dos
laços regionais entre os Estados por conta da preferência natural de cooperar com quem tenha
maior poder e mais a oferecer.
O Estado de Israel e os outros do Levante, não mantinham vínculos em prol da
segurança regional, tendo mais fatores de inimizade que traziam inúmeros problemas para a
região como o aumento da tensão e pobreza dentro dos outros Estados, contando com líderes
que perpetuavam o poder à base de pouca legitimidade e grande repressão contra a população.
O aumento das crises econômicas e as falhas na gestão por parte dos governos árabes e do
Oriente Médio fizeram com que eclodisse um maior número de conflitos contra os governos
ditatoriais.
As instabilidades vividas nas unidades do complexo e nos 5 setores básicos de
segurança estatal podem afetar diretamente a segurança da Síria. O contrário pode ser
considerado mais prevalente, pois como um dos Estados mais importantes do Oriente Médio e
Levante, não se fez presente devido a governantes com dificuldades de negociar
regionalmente e falhas internas.
A transferência de poder e tomada de negociações para uma Organização regional
mostrou-se ineficiente frente aos desafios históricos de desconfianças locais permanentes e a
constante presença de potências, que através da história deixaram mais lições negativas do
que positivas. Tais desafios perpassam por rivalidades religiosas, territoriais, étnicas,
políticas, econômicas e principalmente pela prevalência do interesse de infindáveis
governantes sem o menor senso de coletividade e movidos pelo poder cegante.
Bashar al-Assad é apenas mais um ator na tortuosa história recente do Subcomplexo
do Levante, na medida em que tal desestruturação iniciou-se muito antes de sua chegada ao
poder e os outros Estados já estavam dentro ou a caminho do abismo. No livro Regions and
Powers (2003), Barry Buzan e Ole Wæver não mencionam o Iraque como parte integrante do
Subcomplexo do Levante, pois a época de sua publicação as dinâmicas e relações de
dependências ainda não haviam chegado ao padrão atual.
56
Iremos avaliar o Iraque como parte do Subcomplexo do Levante e os as causalidades
que o fazem ter um papel fundamental nas dinâmicas atuais do Levante, principalmente
depois de 2003 além de uma breve análise sobre as recentes relações entre as unidades do
Subcomplexo.
3.1. O GOVERNO DE BASHAR E SEUS EXTREMOS
Bashar chega ao poder em 2000 com uma grande desconfiança tanto por parte da
população síria como pelas lideranças nacionais e regionais, pois não sabiam como o segundo
filho de Hafez agiria frente a tamanha responsabilidade depois de três décadas de um
turbulento governo de seu pai. Mas logo no início, entretanto, ele tomou medidas que tiveram
boa aceitação por grande parte dos céticos, como a retirada de oficiais do alto escalão do
governo, considerados corruptos e violentos; abertura da economia; libertação de prisioneiros
políticos; maior liberdade à imprensa (BERZINS, 2013).
As medidas prometidas por Bashar foram inicialmente cumpridas, mas de forma
passageira e superficial, fazendo em pouco tempo retornar as prisões de opositores do
governo e a restrição crítica por parte da mídia. Deu continuidade a Lei de Emergência de
quase 50 anos, a qual autorizava a prisão de opositores governistas sem nenhuma decisão
jurídica. Muitos destes presos eram funcionários do governo anterior, considerados corruptos,
sendo eles expulsos do país, montando uma forte base opositora e conspiratória contra seu
governo, com a ajuda financeira das fortunas desviadas. (RUBIN, 2007).
Logo Bashar mostrava que seu comportamento e modo de governar não diferiria muito
de seu pai, trazendo de volta o ambiente de perseguição política e favorecimentos a grupos
direcionados, como a alguns sunitas e aos alauítas, seu grupo étnico religioso, além de
privilegiar grandes empresários da base governista. Algumas regiões do país e grupos étnicos
foram esquecidos, a exemplo da perseguição governista aos curdos que habitavam o território
sírio (Ibidem, 2007).
Na política externa ele manteve a posição hostil em relação a Israel e a penetração
americana na região, sendo um dos opositores mais ferrenhos à invasão estadunidense no
Iraque em 2003. Por conta da continuação do estilo governista de Hafez, Bashar manteve o
apoio a grupos extremistas que atuam no Oriente Médio, como o palestino Hamas e o libanês
Hezbollah (BERZINS, 2013).
Continuando a política de apoio a tais grupos, Bashar, em 2003, iniciou apoio à grupos
paramilitares que atuavam no Iraque guerrilhando contra o exército americano, fazendo com
que os EUA aplicasse as primeiras sanções contra a Síria em 2004 (PHILLIPS, 2010). Em
57
fevereiro 2005 ocorre o assassinato do ex primeiro ministro do Líbano, Rafik Hariri, recaindo
as suspeitas de ter tido a participação de Bashar, inclusive por grandes potências como os
EUA.
Após o assassinato, a população do Líbano intensifica as reinvindicações para saída
das tropas sírias do país, após 30 anos de ocupação, ocorrendo o fim da ocupação em abril de
2005 na Revolução dos Cedros25. O episódio do assassinato de Rafik, que era um dos maiores
símbolos da luta árabe, fez com que a imagem de Bashar ficasse deteriorada com líderes
políticos e povos árabes do Oriente Médio (RUBIN, 2007).
Bashar havia prometido uma infinidade de melhorias para a população, não cumprindo
a maioria delas, tal como a diminuição de imagens promocionais do governo e o culto à
imagem do presidente, a maneira que ocorria no governo de seu pai, mas com diferenças
notórias do ponto de vista estratégico.
Hafiz arose in opposition to the ideologues of the Ba‘th party. He came from a
pragmatic background, in which one did whatever was needed to survive. For Hafiz,
caution was a byword. His talent lay in political maneuvering rather than risk taking,
ideological intoxication, or confusing propaganda with reality (RUBIN, 2007,
p.141).
A repercussão da morte de Rafik Hariri foi extremamente danosa para a Síria, tanto do
ponto de vista interno, quanto na política externa, sofrendo inclusive com ameaças de
embargos e sanções econômicas ao país pelo envolvimento de oficiais do alto escalão da
forças armadas sírias, terminando por causar a retirada da embaixada americana do país. Para
evitar o aumento do descontentamento interno o presidente prendeu escritores e jornalistas
que o acusavam de participação no assassinato, proibindo a publicação de qualquer crítica às
forças armadas do país (RUBIN, 2007).
Embora relatórios finais apontem para o não envolvimento direto de oficiais sírios e de
seu presidente, eles demonstram que eles demonstram que eles tinham ciência do
planejamento do assassinato e não tomaram medidas para impedi-lo. Acusados pelo governo
americano de financiar o terrorismo, o governo dos Assad se denomina apenas como um
apoiador de grupos de resistência em prol da defesa árabe, frente ao avanço ocidental e
sionista sobre o Oriente Médio (RABIL, 2006).
No ano de 2005 foi realizado um estudo que mostrava a dimensão da crise econômica
que o país estava sofrendo, baseado principalmente no falta de mão de obra qualificada
25
A Revolução dos Cedros foi um grande protesto popular libanês ocorrido logo após o assassinato do exprimeiro-ministro Rafik Hariri. A população foi às ruas exigindo a saída do exército sírio do Líbano,
conseguindo obter êxito na reinvindicação.
58
devido a educação de qualidade direciona apenas a limitada parcelas e regiões do país e do
esgotamento de muitas reservas de petróleo. O investimento no setor agrícola caiu pela
metade, e áreas produtoras do país foram esquecidas (Ibidem).
Em 2007 eles restringiu ainda mais as liberdades individuais com a fiscalização em
sites da internet, bloqueando redes sociais como o Facebook, publicando em sites
governamentais conversas particulares, criando um ambiente mais hostil em relação a
convivência de grupos diferentes, em lugares com grupos pró e contra o governo.
Inexplicavelmente, mesmo com todos estes fatores o governo mantinha uma boa
popularidade, mas não por ser competente ou deixar a população satisfeita, entretanto por
manipular os sentimentos islâmicos fundamentalistas antiocidental e anti-israelense (Ibidem).
Síria, Israel e Líbano estão diretamente interligados em relação ao terrorismo do
Hezbollah, pois o grupo receberia apoio logístico da Síria enquanto estava ocupando o Líbano
para treinar neste país, facilitando os ataques contra Israel. O governo de Bashar apoiou
outros grupos extremistas ao longo dos seus primeiros anos, mas todos ligados a uma lógica
de defesa territorial e orgulho árabe, diferente do repúdio que declarou frente aos atos da rede
terrorista Al-Qaeda26, o qual via como uma ameaça ao Oriente Médio (RUBIN, 2007).
O governo dos Assad tem uma base majoritariamente alauíta, que é da vertente xiita
do Islã, sendo minoria na Síria e maioria nos Estados do Oriente. A escassez de recursos e
oportunidades, associados aos ataques a populações sunitas do país, tal como o realizado em
1982 na cidade de Hama, ainda persistia no imaginário da população, facilitando a ida de
combatentes sírios para forças de resistência no Iraque (LESCH 2012).
O governo americano tentou negociar, sem êxito, um plano de segurança fronteiriça
com a Síria, para impedir o fluxo desordenado de pessoas na fronteira entre o Iraque e a Síria.
Bashar via como impossível a tarefa de proteger uma fronteira tão grande, desmentindo as
acusações do governo americano de que ele apoiava os combatentes no Iraque, pois para
Bashar o terrorismo da Al-Qaeda resumia-se em caos total, dificultando suas pretensões
comerciais com o Iraque.
Bashar manteve-se moderado para os padrões sírios até o ano de 2007, quando ele
fortaleceu o culto a sua imagem e a repreensão pública a funcionários e dissidentes. Muitos
especialistas declaram que o maior defeito de Bashar é o de não aceitar conselhos e mudar de
opinião muito rapidamente, dificultando a correta execução de políticas (RUBIN, 2007). Os
26
Al-Qaeda é uma organização para militar ultra fundamentalista baseada em conceitos de defesa territorial,
proteção árabe e conservação de valores islâmicos. Foi criada no final da década de 1970 com o intuito de
expulsar o exército russo do Afeganistão, tornando-se mais tarde uma facção criminosa e de influência global.
59
EUA tentaram, por anos, negociar um acordo de cooperação no qual a Síria se comprometesse
em controlar o fluxo de pessoas e mercadorias, inclusive armas, na fronteira com o Iraque.
A guerra do Iraque afetava diretamente a Síria, a qual sofreu com a invasão de
refugiados iraquianos, aumentando as dificuldades as quais o país passava, tendo em vista o
caos causado na segurança econômica, política, social, ambiental, por conta da escassez de
água em algumas regiões, e militar, tendo um alto nível de dissidência em suas forças
armadas.
O governo americano assume um papel de incentivador populacional na Síria, tanto no
governo de George W. Bush quanto no de Obama, tentando influenciar a população a uma
mudança de comportamento, ao exigir seus direitos e um sistema democrático eficiente. O
governo Bush tentou de uma forma mais veemente retirar Bashar do poder, principalmente
com a estratégia de afastar os aliados regionais sírios, Irã e Iraque, este último cortando
relações diplomáticas em 2009 por acusar o governo sírio de permitir a livre circulação de
terroristas no país.
In December 2006, for example, Iraqi national security adviser Muwaffaq al-Rubaii
accused Syria of hosting the leaders of those directing terrorism in Iraq and claimed
that 90 percent of the terrorists bound for Iraq arrive at Damascus airport and then
are allowed to cross the Syria-Iraq border (RUBIN, 2007, p. 213).
O Iraque passava pelo primeiro governo pós-transição e realizada uma expurgação dos
parlamentares e membros do partido Baath do poder, recebendo apoio e influência norteamericana. Os EUA também enfraqueceram cada vez mais o Irã, com graves sanções
econômicas e políticas, desestabilizando regionalmente a Síria (Ibidem). O governo de Bashar
recebia pressões externas desde 2005, para reforçar as investigações da morte de Hariri,
principalmente da França e dos Estados Unidos.
3.2. VIZINHANÇA INSTÁVEL
As relações diplomáticas entre Israel e os membros árabes do Subcomplexo do
Levante vêm sendo praticamente escassas principalmente após a criação da Liga Árabe, em
1945. Os conflitos armados entre israelenses e palestinos intensificaram-se em 2000, após
60
uma visita de Ariel Sharon27 a uma área santa de Jerusalém, soando como uma provocação
aos muçulmanos, dando início a Segunda Intifada (ZAHREDDINE, 2011).
O conflito fez a fronteira e os diálogos ficarem ainda mais fechados, causando
aumento de ataques praticados por grupos extremistas, como o Hamas. Israel retirou-se do
Líbano em 2000, após os intensos ataques perpetrados pelo Hezbollah. As disputas no Líbano
tinham um caráter político e disputa de influência regional, sendo um embate entre Síria, que
ocupava o Líbano desde 1976, e Israel.
Israel conta com grande apoio de superpotências, como Estados Unidos e Reino
Unido, devido aos interesses estratégicos destas nações para a região. Em 2001 Israel começa
a construir um grande muro na fronteira com a Jordânia, para impedir a passagem de
refugiados e terroristas vindos dos países árabes (FELTON, 2008).
As relações com o Líbano voltam a chegar ao limite após um ataque do grupo
Hezbollah contra a região da fronteira com Israel. As tropas israelenses invadiram o território
libanês no dia 26 de julho de 2006 para tentar tirar do poder o Grupo 14 de Março28, deixando
o país em apenas um mês devido a uma resolução da ONU para interromper o conflito.
(ZAHREDDINE, 2011).
O Primeiro Ministro israelense Benjamin Netanyahu, eleito novamente em 2009,
tentou diplomaticamente entrar em um acordo de paz com a Síria, recebendo inúmeras
negativas, pois a principal pauta de negociações síria eram sobre as colinas de Golã, o acesso
a água e os assentamento israelenses no território reivindicado da Palestina. Os conflitos
armados entre o exército israelense e o grupo Hamas intensificaram-se em 2008, causando o
enfrentamento na Faixa de Gaza29.
Os grupos extremistas têm grande importância nas dinâmicas de segurança do
Subcomplexo do Levante, influenciando totalmente as políticas externas e internas das
unidades, movimentando populações refugiadas através das fronteiras, deslocando grande
quantidade de contingente militar, absorvendo regiões e reservas naturais, afetando assim o
setor econômico e os outros da esfera de segurança, ambiental, social, político e militar.
27
Ariel Sharon foi primeiro-ministro de Israel de 2001 a 2006, sendo umas das figuras mais importantes na
história política contemporânea israelense e mundial.
28
O Grupo 14 de Março é partido libanês formado a partir de uma coalisão de outros partidos criado em 2005,
logo após o assassinato do primeiro-ministro Rafik Hariri. O Grupo foi criado pelo filho se Rafik, Saad Hariri,
com ideais liberais, maior aproximação ao mundo ocidental e com o intuito de pressionar a retirada das tropas
sírias do Líbano. São rivais diretos do Grupo 8 de Março.
29
Faixa de Gaza é a denominação dada a região Palestina que faz fronteira com Israel e Egito, tendo sido objeto
de disputa e guerras no último século, perdurando até os dias atuais.
61
O governo da Síria apoia alguns destes grupos, trazendo entraves ás negociações com
Líbano, pois além dos resquícios da longa ocupação, repressão e suspeita de assassinato de
Hariri, disputam desde 2000 a área fronteiriça de Sha’a. As disputas políticas internas
libanesas sofrem influências rigorosamente externas, sendo um grupo financiado pelo Estado
sírio e outro por potencias ocidentais (FELTON, 2008).
Outra disputa territorial ocorre entre Líbano e o Estado de Israel, trazendo
enfrentamentos no ano de 2006 e destruição de uma parte significativa das maiores cidades
libanesas. Embora o Líbano tenha histórico hostil com seus vizinhos, mantém algumas poucas
relações comerciais com a Síria, como a exportação de commodities.
O Egito tinha características semelhantes a forma de governo da Síria, com um
infindável presidente o qual mantinha-se no poder desde 1981 e também pertencia à esfera
militar, controlando o país a punho de ferro. Desde o começo de seu mandato, Hosni Mubarak
assumiu uma posição alienada em relação ao conflito entre árabes e israelenses, algo que
dificultou suas relações externas com outros membros do Subcomplexo do Levante. (Amin,
2011).
A democracia no país era frágil, sendo a mídia e as instituições quase totalmente
controladas pelo Estado, que proibia críticas ao presidente Mubarak, além de uma frequente
insatisfação sobre os resultados das eleições, havendo a suspeita de sucessivas fraudes para
manter o presidente no poder, as mesmas acusações que ocorriam no cenário político na Síria.
No âmbito da política externa, o Egito concentrava suas relações basicamente com Estados
Unidos e Israel, algo que sempre descontentou grande parte da população.
O país ganhou contornos ditatoriais graves e teve instituições enfraquecidas como o
judiciário que não conseguia aplicar penas e conduzir as leis nacionais, sendo as instituições
militares responsáveis por severas e injustificáveis torturas contra seus cidadãos (Ibidem). As
acusações de corrupção contra o governo de Mubarak eram constantes e as de incompetência
também, apontado como alheio ao que acontecia regionalmente e internamente, transferindo
todas as decisões para ministros de Estado.
O grande problema no distanciamento das relações e da falta de diálogo entre as
unidades do Levante era o significativo aumento da desconfiança regional entre eles, podendo
ser sanada ou amenizada tão somente a partir do fortalecimento de uma Organização
Regional, na qual sejam postos os objetivos e as pautas de negociações regionais e individuais
de cada unidade. A realocação de autoridades e tomadas de decisões faz-se necessário frente a
históricos de grandes divergências regionais, transferindo as rodadas de negociações para
sólidas organizações como a Liga Árabe, que falhou neste sentido.
62
Estranhamente as unidades do Subcomplexo do Levante aparentavam estar
acomodadas com o caos vivido nas relações regionais e autoritarismo interno, faltando apenas
um estopim para dar início a uma revolução social e política, do mesmo modo como grande
parte do Oriente Médio, tendo em vista que esse papel transformador não parecia vir de cima.
Tal transformação perpassa pelo Iraque, aqui parte integrante do Subcomplexo do
Levante, devido ás semelhanças nos interesses, atores e influência direta sobre a segurança
das unidades pertencentes ao subcomplexo. O Iraque estava sob controle do partido Baathista
desde 1968, estando o governo nas mãos de Sadam Hussein, desde 1979, o qual implantou um
severo regime no país, perseguindo etnias nacionais e se envolvendo em inúmeros conflitos
regionais, como a Segunda Guerra do Golfo30.
O Estado iraquiano estava complemente devastado social e economicamente após o
conflito contra o Irã, o qual havia durado longos 8 anos (1980-1988) e mesmo assim Sadam
Hussein passou a intensificar ataques contra líderes árabes, a exemplo o Kuwait,
desestabilizando ainda mais as frágeis relações pan-arábicas e facilitando a penetração de
superpotências nos Estados do Oriente Médio (ZAHREDDINE, 2011).
O objetivo de Sadam era o de assumir a liderança do mundo árabe, e de uma forma
precipitada, unir os povos árabes, devido a ruptura existente no Oriente entre os países árabes
que se relacionavam de forma mais intensa com potências ocidentais (HALLIDAY, 1999). Os
embargos econômicos sofridos pelo país e causaram decadência de seu papel regional, falta
de confiança populacional, enfraquecimento militar e crescimento de milícias e grupos
extremistas, tanto no Iraque quanto na Síria que embora tivessem relações interrompidas
desde 1990, por conta de disputas políticas e diferentes pontos de vista estratégico,
compartilhavam de praticamente o mesmo modelo governista militar e partido
(ZAHREDDINE, 2011).
Embora o enfraquecimento tenha sido perceptível, alguns países do Oriente
continuaram a desatrelar seus planos da influência direta ocidental, enviesando discursos mais
ríspidos contra estes e seus valores imperialistas. Durante a década de 1990 Sadam continua a
fortalecer seu exército e a mão forte estatal, chamando a atenção do mundo, principalmente
dos EUA, para as suas grandes reservas de petróleo.
Após os episódios do 11 de Setembro, o governo note americano passa a acusar mais
intensamente o Iraque de manter armas nucleares e químicas, sendo aprovado resolução 1.441
30
A Segunda Guerra do Golfo ou Guerra do Iraque foi o conflito iniciado em 2003 entre Estados Unidos e forças
de coalisão contra o Iraque, com o intuito de destituir o ditador Sadam Hussein, acusado de financiar o
terrorismo, e para encontrar possíveis armas de destruição em massa.
63
da ONU para averiguar a acusação, não encontrando vestígios de tais armas (Ibidem). Apesar
disto, Estados Unidos e Reino Unido juntam-se para uma coalisão para invadir o Iraque em
2003 com o pretexto de defesa regional e internacional frente a ameaça iraquiana, democracia
regional e a um possível financiamento do terrorismo da Al-Qaeda, responsável pelos ataques
no 11 de Setembro (Ibidem).
Bashar al-Assad havia iniciado esforços para retornar as relações com o Iraque, não
concordando com a intervenção que resultou em uma gigantesca guerra civil, ataques
terroristas pelo Oriente Médio e Ocidente, queda e enforcamento de Sadam Hussein e
transação para um novo governo fora do Baathismo.
Contudo, apesar de a invasão ter sido retratada como rápida e bem sucedida, várias
forças sectárias se voltaram contra as forças de coalisão e uma verdadeira
insurgência emergiu. O conflito se agravou ainda mais, na medida em que grupos
xiitas e sunitas passaram a lutar pelo poder, e uma nova facção da al Qaeda se
instaurou no país. A situação humanitária no Iraque se tornou deplorável. Em 2008 a
ONU acreditava haver em torno de 4,7 milhões de refugiados no país [...]
(ZAHREDDINE, 2011, p. 86).
3.3. A PRIMAVERA ÁRABE E A CONCRETIZAÇÃO DO “FIM”
Embora o governo norte americano considere um sucesso a operação no Iraque, foi
mais um episódio que findou por desestruturar mais ainda o país, sendo os sinais melhores
percebidos após o começo da saída de boa parte das forças de coalisão a partir do governo de
Barack Obama. Alguns defensores da permanência dos exércitos em solo iraquiano avaliavam
que poderia ocorrer um caos após a saída das tropas, sendo as forças de defesa do Iraque
incapazes de gerir a segurança.
O Oriente Médio sofria há décadas com ditaduras semi-perpétuas, falta de democracia
e repressão social, favorecendo o cenário para uma grande reviravolta nas histórias desses
países, por conta destes povos terem chegado no limite da passividade, descontentamento com
suas realidades de pobreza extrema, concentração de renda e falta de liberdade. As pressão
exercida pelo governo estadunidense teve um papel fundamental na mudança do imaginário
popular, em relação aos seus líderes e sobre seus direitos fundamentais em relação a
democracia.
A Síria, por exemplo, enfrentava graves problemas econômicos devido a reformas
errôneas de Bashar que resultaram em mais concentração de renda, aumento do desemprego e
diminuição da produção agrícola, também agravado por uma longa estiagem sofrida de 2006 a
64
2010, causando a escassez de alimentos em boa parte do país (PHILLIPS, 2010). A indústria
Síria entrou em colapso, aumentaram o número de importações em relação às exportações,
com mercadorias de alto preço, limitando o poder de compra.
A média da pobreza nacional chegou a 34,4% em 2010 e 62% nas zonas rurais,
padecentes da falta de produção e comércio local. Outro agravante foram as drásticas
reduções na produção de petróleo nacional, que era um dos principais responsáveis pela
manutenção da máquina estatal e das receitas da Síria. Todos estes fatores associaram-se
ainda aos frequentes episódios de maus tratos perpetrados pelo governo sírio e seus agentes
contra a população mais carente e claramente direcionada para minorias étnicas, como os
curdos.
Bashar controlava os meios de comunicação e as mídias sociais da internet, o que não
impediu de manifestantes a usaram como meio de protesto, inicialmente contra os elevados
preços dos produtos e posteriormente contra os excessos. O primeiro caso foi um vídeo de
2010 no qual um menino aparece sendo surrado nos pés pelo professor dentro da sala de aula,
causando uma rápida resposta do governo sírio demitindo o professor.
A população notou que as redes sociais seriam uma boa arma na luta pelos seus
direitos, intensificando sua utilização, ocorrendo em contrapartida perseguições e prisões de
internautas e manifestantes. As manifestações contra os governos autoritários espalharam-se
por grande parte do Oriente Médio e parte da África a partir do final de 2010, mostrando a
insatisfação popular compartilhada entre diferentes povos (AJAMI, 2012).
O estopim ocorreu na Tunísia, após um comerciante pôr fogo em seu próprio corpo
após ter sido humilhado por agentes do governo tunisiano. A onda de revoltas populares
espalhou-se pelo Oriente Médio, a exemplo o Egito, que vinha sofrendo há 3 décadas com a
ditadura de Hosni Mubarak, refletindo em campanhas de mobilização e resistência nas redes
sociais, para ida às ruas no mês de janeiro de 2011, derrubando o presidente apenas um mês
após o início dos protestos.
Na Jordânia os protestam contra o rei Abdullah II e o primeiro-ministro Samir al-Rifai
causam a demissão deste, apenas como uma tentativa de estancar as animosidades. Os
protestos desenvolveram-se por parte do Levante, a exemplo da Palestina, contrários ao modo
como o primeiro-ministro Salam Fayyad conduzia as políticas, mas o pior cenário da
Primavera Árabe poderia ser observado na Síria.
Após meses de protestos contrários ao governo de Bashar, a história síria começa a
mudar depois que Hamza Ali al-Khateeb foi preso no dia 29 de abril de 2011, por escrever
palavras antigoverno em um muro na sua cidade de Jiza. Hamza foi levado por militares sírios
65
juntamente com outros detidos, tendo seu corpo devolvido para sua família quase um mês
depois com profundos sinais de tortura, partes do corpo mutiladas, furadas e queimadas.
As torturas a militantes contrários ao governo não era algo novo para a população
síria, mas a brutalidade com que uma criança havia sido torturada chocou o país, devido a
família de Hamza ter filmado o corpo e enviado para jornalistas sírios. Tal ato passaria quase
desapercebido tempos atrás, mas o Oriente Médio estava diferente, o calor das manifestações
nacionais e regionais e a rapidez do compartilhamento das informações online, teve um efeito
contrário ao esperado pelo governo (AJAMI, 2012).
A devolução do corpo soou como uma tentativa de amedrontar a população dando
uma amostra do que aconteceria com aqueles contrários ao regime, mas potencialmente deu
início ao pior capítulo da história do país, levando a população a externalizar todas as décadas
de abusos e insatisfação a líderes absolutistas.
66
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A população síria desenvolveu durante sua história características sociais de
participação política e demonstrações explícitas de insatisfação para com seus governantes, se
tornando um traço cultural comum à uma sociedade que passou por inúmeras opressões
através da história, apesar de conter uma grande diversidade étnica-religiosa e episódios de
segregações internas, a população, em quase sua totalidade, demonstrava união ao protestar
por melhorias direitos. As contestações internas sobre a autoridade do Estado que é a unidade
política e mantém o direito sobre o monopólio do uso da força começaram a desestruturar a
sociedade síria e seu setor político desde a saída da França, e início do atual modelo
governista.
As relações regionais do Subcomplexo do Levante seguiam praticamente a mesma
dinâmica desde o fim da Primeira Guerra mundial, focando no conflito contínuo entre árabes
contra Israel, que têm fronteiras literalmente fechadas para o mundo islâmico, preservando
grande parte da sua segurança, pois mantém relações estreitas com grandes potências
ocidentais, de onde consegue aporte para a manutenção dos setores de segurança e
estabilidade. O grande problema vem sendo a divisão da pobreza entre os outros Estados,
gerada pelos grandes e pequenos conflitos ocorridos no subcomplexo durante o século XX.
As vitórias do Estado de Israel, cominado com o grande apoio recebido e a falta de
reconhecimento do Estado palestino, fez os problemas do subcomplexo criarem um fluxo que
percorre apenas para fora das fronteiras israelenses, começando pela Palestina, que devido aos
conflitos diretos e frequentes ataques internos, iniciou na década de 1940 uma fuga
populacional de refugiados palestinos. Os refugiados do conflito começaram a povoar países
vizinhos, como Síria e principalmente a Jordânia, não estando preparada e nem disposta ao
recebimento destas pessoas, sendo segregados em regiões isoladas do país.
Desde o princípio da Liga árabe, a segurança comum nunca foi exercida como deveria
pelos Estados, ficando voltada estritamente para aspectos militares e de defesa da causa árabe
contra o Estado de Israel. As pautas da Organização carregaram durante décadas tais
conceitos, esquecendo-se de medidas tranquilizadoras, tanto para as populações, quanto para
os Estados, gerando um ambiente de desconfiança entre as forças militares, mantendo os
países sempre em estado de alerta.
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A questão israelense era um dos poucos fatores que uniam estes Estados e os traziam
para o diálogo, muito devido à presença ocidental em alguns destes, como o Egito, que
preferiu uma cooperação com potências como os Estados Unidos a partir da década de 1980,
em detrimento de uma aproximação com Estados árabes. Esse caminho precisou ser seguido
pelos outros membros do Levante, pois sentiram-se isolados na busca por apoio e defesa, a
exemplo do Líbano, em relação aos confrontos e dominação síria.
A própria Síria buscou apoio da União Soviética a partir da década de 1970, sentindose isolada dentro do mundo árabe. As partes do subcomplexo compartilhavam e compartilham
de desconfiança mútua, não demonstrando transparência em suas negociações, sendo
considerado um ameaça para o outro, havendo um maior afastamento a partir da década de
1980, quando Egito sob o controle de Hosni Mubarak se afasta quase que completamente das
relações árabes.
Outro fator de instabilidade regional foi a intensa busca por ganhos militares e seus
equipamentos, sem nenhum controle e informação sobre os ganhos, fazendo as partes
aumentarem mais ainda desconfianças e os investimentos na área, deixando outros setores
desguarnecidos. A exemplo disto, tomemos a Síria e o Iraque, estando por décadas
compartilhando dos mesmo ideais governistas e partido político no governo, mas com um
grande distanciamento entre as partes, tomando caminhos distintos no curso regional.
A falha regional também ocorre em dois níveis de segurança: Individual e interEstados, estando o primeiro deles prejudicados devido a desconfiança populacional em
relação a seus líderes e padrão de governo, destacando-se a falta de democracia e aumento da
opressão estatal. A insegurança entre os Estados propiciou-se devido à falta de diálogo e
transparência nas negociações entre as partes, a fragilidade das fronteiras, causando um
grande fluxo de pessoas e ilícitos entre os Estados.
Já que os Estados do subcomplexo não conseguem dialogar e desenvolver um plano
estratégico para a segurança coletiva, este papel deveria ser desenvolvido uma Organização
Internacional estruturada para esse nível de debate e um Estado que assumisse a liderança
regional. Nenhum dos dois casos ocorre, estando a Liga Árabe desarranjado, sem conteúdo ou
poder, permanecendo apenas como palco para discursão de interesses das grandes potências.
A dificuldade de se alçar uma liderança regional pode ser explicada pela frequente
disputa de poder dentro das unidades do Subcomplexo do Levante, entre grupos contrários ao
governo, de caráter étnico, religioso ou puramente político. É um fator em comum entre todos
os Estados árabes do Levante, a intensa disputa por direitos sociais, poder e o retorno
repressivo por parte dos governos.
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Estas características acompanham a Síria há muitas décadas, principalmente a partir do
começo do governo da família Assad. Hafez al-Assad priorizou suas relações militares e a
busca pela liderança regional, desguarnecendo a população, tratando as manifestações
contrárias ao seu governo com extrema violência, oprimindo especialmente alguns grupos
étnicos nacionais, como os curdos, eu representam uma grande parcela da população ocupante
do território sírio. A repressão social e falta de acesso a direitos básicos, como educação e
saúde criou uma instabilidade social grave para a Síria, começando a ser colhida no governo
de Bashar.
A falta de habilidade de Bashar al-Assad para conduzir as questões de um país,
fizeram com que a Síria enfrentasse graves crises no setor econômico, desestruturando este
setor de segurança, já frágil, por conta do isolamento regional. A área econômica síria foi
afetada diretamente pela insegurança ambiental, causada pela escassez de chuvas e
diminuição do projeto agrícola nacional, como também pela oscilação mundial dos preços do
petróleo.
O setor político passa a sofre críticas mais duras da população, inclusive por parte da
elite, que sai prejudicada das frequentes crises econômicas, questionando a legitimidade de
Bashar para governar o país, principalmente após manobras para sua reeleição em 2007,
sendo considerada fraudulenta por muitos. Muitos grupos antigoverno já se estabeleciam no
país desde os massacres perpetrados por seu pai, ganhando mais força com o acréscimo de
militares dissidentes das forças armadas sírias, não concordantes do modo sectário como a
Síria era conduzida.
A situação no setor militar nacional sofria com as baixas e ameaças internas,
desguarnecendo as fronteiras, possibilitando a passagem de armas para grupos para militares
insurgentes. A insatisfação interna de uma população que padecia há décadas e aclamava por
seus direito básicos, inicia uma crise interna nos setores político, social e militar. O problema
social sírio foi mais agravado pela intensa entrada de refugiados iraquianos que fugiam da
guerra contra os Estados Unidos, a partir de 2003, abarrotando centros urbanos e mexendo
com as frágeis estruturas sociais devido ao aumento da escassez de alimento e educação a
esses refugiados, juntando-se a grupos já reprimidos.
A fragilidade interna da Síria, nos seus setores de segurança, gerou uma maior
suscetibilidade a ameaças externa, agora que compartilhava relações, mesmo que forçadas,
com os problemas domésticos do Iraque. O Iraque teve uma grande influência na
desestruturação da securitização da Síria, devido à proximidade. Durante a Guerra do Iraque,
houve o crescimento de grupos contrários à presença norte americano, inclusive grupos
70
ultrarradicais islâmicos, que se aproveitaram da ausência de segurança militar da Síria para
também se alojar no país vizinho. Os ideias ultrarradicais e os da necessitada de derrubada de
poder foram rapidamente disseminados entre refugiados iraquianos na Síria, e entre membros
da população carente.
O governo de Bashar criou um cenário propício para o surgimento de rivalidades
internas e contestação de poder, baseado em repressão social, falta de liberdade, ausência de
democracia e omissão à segurança nacional. A partir da análise realizada das relações internas
e externas da Síria no último século, e principalmente nos anos de governo da família Assad,
concluímos que as instabilidades internas nos cinco setores de segurança nacional, aliado à
fragilidade dos das outras unidades do Subcomplexo do Levante e a Guerra do Iraque, fizeram
com que a Síria ficasse com todas as suas estruturas abaladas, acarretando na maior guerra da
história do país.
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