1 INSTITUTO BRASILEIRO DE TERAPIA INTENSIVA MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM TERAPIA INTENSIVA AUGUSTA CARNEIRO DE ALMEIDA NÓBREGA ASPECTOS BIOÉTICOS NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA COM ENFOQUE NA DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA JOÃO PESSOA 2016 2 AUGUSTA CARNEIRO DE ALMEIDA NÓBREGA ASPECTOS BIOÉTICOS NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA COM ENFOQUE NA DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA Artigo científico Instituto apresentado Brasileiro de ao Terapia Intensiva como exigência parcial para a obtenção de aprovação no Mestrado Terapia Profissionalizante Intensiva do Instituto Brasileiro de Terapia Intensiva. Orientador: Prof. Dr. Douglas Ferrari. JOÃO PESSOA 2016 em 3 RESUMO Na realidade ocidental, o lidar com a morte é algo interdito, que traz sofrimento, para o paciente, a família e, inclusive para a equipe de saúde, que ainda vê a morte como um fracasso profissional. Diante do exposto, o objetivo deste estudo é analisar a produção científica sobre a prática de distanásia e ortotanásia entre os profissionais de saúde. Para o alcance dos objetivos propostos foi realizada uma revisão sistemática da literatura. Pesquisaram-se textos no Scientific Electronic Library Online (SciELO) utilizando os seguintes descritores: “distanásia” OR “ortotanásia”, sendo localizados, respectivamente, 21 e 24 artigos. Foi definido como critérios de inclusão artigos completos disponíveis na língua portuguesa, publicados no intervalo de 2011 a 2016. Foram excluídos textos listados repetidamente e textos que não estavam ligados diretamente à temática abordada. Desse modo, os artigos científicos selecionados resultaram em 10. A partir da análise aprofundada do conteúdo dos artigos encontrados, emergiram quatro categorias de análise. São elas: 1. Despreparo profissional para lidar com morte e ortotanásia; 2. Responsabilidade e fragilidade legal da ortotanásia; 3. Opiniões de profissionais, familiares e pacientes sobre as práticas de distanásia e ortotanásia; e 4. Práticas que beneficiam a ortotanásia. Percebeu-se que o tema sobre a morte e morrer, e distanásia e ortotanásia são difíceis para os profissionais de saúde. Conclui-se que os profissionais de saúde consideram a distanásia irrelevante e concordam com a premissa da ortotanásia. Observa-se, todavia, que a distanásia é praticada com maior frequência em relação à ortotanásia, inferindo-se que uma parte dos profissionais possui a visão tecnicista de buscar sempre curar o paciente. Palavras-chave: distanásia; ortotanásia; morte; UTI. 4 ABSTRACT In Western reality, dealing with death is something forbidden, which brings suffering to the patient, family and even health team, which still sees death as a professional failure. Given the above, the objective of this study is to analyze the scientific literature on the practice of futility and orthothanasia among health professionals. To achieve the proposed objectives a systematic review of the literature was performed. Researched up texts on Scientific Electronic Library Online (SciELO) using the following descriptors: "futility" OR "orthothanasia", being located, respectively, 21:24 articles. Was defined as complete articles inclusion criteria available in Portuguese, published in the 2011 range to 2016 texts were excluded listed repeatedly and texts that were not directly linked to the theme. Thus, the selected scientific articles resulted in 10. From the detailed analysis of the content of articles found, emerged four categories of analysis. They are: 1. Professional Unpreparedness to deal with death and orthothanasia; 2. Responsibility and legal fragility of orthothanasia; 3. Opinions of professional, family and patients about the practices of futility and orthothanasia; and 4. Practices that benefit orthothanasia. It was noticed that the subject of death and dying, and dysthanasia and orthothanasia are difficult for health professionals. It was concluded that health professionals consider irrelevant dysthanasia and agree with the premise of orthothanasia. It is noted, however, that dysthanasia is practiced more frequently in relation to orthothanasia, inferring that some of the professionals have the technical vision to seek always cure the patient. Keywords: dysthanasia; orthothanasia; death; ICU. 5 INTRODUÇÃO Na civilização ocidental, desde a Idade Média até a contemporaneidade, o homem tem concebido de diferentes formas a sua compressão acerca da morte. Na Idade Média, compreendia-se a morte como algo natural da vida humana. O moribundo utilizava seus últimos instantes para se despedir das pessoas que o visitavam. A morte era vista como algo inerente à vida, uma etapa a ser vivida por todos os seres humanos e, assim, era permitida sua compreensão e elaboração. Já na contemporaneidade, a morte torna-se um tabu, um tema proibido. O indivíduo que desfalece não vivencia seus últimos dias junto aos seus parentes e o velório agora é privado e rápido. A morte domada passa a ser interditada (CAPUTO, 2008; KOVÁCS, 2014). Em consonância com essa perspectiva de interdição da morte, é crescente o avanço das ciências da saúde e suas tecnologias duras, que transformam a trajetória das doenças e trazem melhorias significativas para a saúde dos seres humanos. A palavra de ordem na prática de cuidado ao paciente é salvá-lo a todo custo. Com isso, a morte domesticada, domiciliar passa a ser uma morte institucionalizada, no hospital. Como consequência, há uma inversão na estatística de local de morte: no século passado, 90% das pessoas morriam em casa, perto dos seus entes queridos; hoje, 70% dos pacientes morrem nos hospitais (FÉLIX et al., 2013; KOVÁCS, 2014). Nesse contexto, o paciente fica longe do seu lar, em um ambiente insalubre e muitas vezes rodeado de quem não lhe é importante. A família fica afastada ou com visitas limitadas pelas regras da rotina hospitalar. Além disso, entre os profissionais, em especial médicos e enfermeiros, verifica-se o uso de tecnologias e tratamentos marcados pela obstinação terapêutica – a distanásia – que faz com que o sofrimento seja prolongado na busca da cura, um reflexo da formação acadêmica voltada para o salvar vidas a todo custo e visão de morte como fracasso profissional (AZEREDO; ROCHA; CARVALHO, 2011; FÉLIX et al., 2013; KOVÁCS, 2014; MARTA et al., 2009). Há, portanto, um conluio em torno do silêncio, que traz como consequências a solidão e sofrimento silencioso à tríade hospitalar - o paciente, a família e a equipe (HERMES; LAMARCA, 2013; VARGAS et al., 2013). Neste cenário emerge a temática da morte e do morrer, que agrega ao fazer do profissional uma série de condutas e responsabilidades que merecem ser discutidas. A capacidade das ciências da saúde, por meio do uso da alta tecnologia, de prolongar a vida dos pacientes, principalmente a manutenção daqueles que se encontram em estado terminal, gera o questionamento sobre a lacuna na prática de saúde sobre a distinção 6 entre o que “poderia” e o que “deveria” ser feito, e o limite com a ética (MARTA et al., 2009; MORTIZ; NASSAR, 2004). Além disso, é observada o desconforto ou despreparo dos profissionais na oferta de cuidados paliativos aos pacientes terminais (GARCIA, 2011). Torna-se, portanto, indispensável a discussão sobre o impasse entre métodos artificiais para prolongamento da vida e a aceitação do ritmo natural das doenças, com destaque para a distanásia e a ortotanásia. A distanásia é a prática pela qual se prolonga, através de meios artificiais e desproporcionais, a vida de um enfermo incurável. Trata-se de uma obstinação terapêutica ou futilidade médica, marcada pela realização de tratamentos inúteis para salvar a qualquer custo a vida de um paciente. Uma prática que, apesar de danosa a todos os envolvidos, ocorre de forma silenciosa e frequente nos hospitais brasileiros, especialmente nas salas de emergências e nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Já a ortotanásia relaciona-se ao processo de humanização da morte e ao alívio da dor. Não se trata de negligência médica, mas de não realização tratamentos invasivos, com enfrentamento da morte com dignidade, sem cair na distanásia (GARCIA, 2011). Duas práticas em oposição, que envolve uma difícil decisão para profissionais de saúde e familiares e que ocorrem no cotidiano dinâmico e silencioso do hospital. Diante do exposto, o objetivo deste estudo é investigar a produção científica sobre a prática de distanásia e ortotanásia por profissionais de saúde em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). MÉTODO Para o alcance dos objetivos propostos neste estudo, foi realizada uma revisão sistemática da literatura. Para adequação ao limite mínimo e máximo de referências das normas de tese, foi realizada uma série de filtros de seleção. Foram pesquisados textos no Scientific Electronic Library Online (SciELO), por conter um número expressivo de textos relacionados ao tema proposto neste estudo. Para tanto, foram utilizados os seguintes descritores: “distanásia” OR “ortotanásia”. O Portal foi acessado durante o mês de outubro de 2016, sendo obtidos inicialmente 21 textos para o descritor “distanásia” e 24 textos para o descritor “ortotanásia. A partir de então, foram definidos os seguintes critérios iniciais de inclusão: artigos completos disponíveis na língua portuguesa publicados no intervalo de 2011 a 2016. 7 Após a utilização destes critérios de inclusão, houve a redução de textos para 25 artigos científicos distribuídos em 09 textos com descritor “distanásia” e 16 textos para o descritor “ortotanásia”. Nestes 25 textos resultantes, foram definidos critérios de exclusão: textos que foram listados repetidamente (f = 06), textos que não estavam ligados diretamente à temática abordada (f = 00) e textos que não retratavam estudos empíricos (f = 09). Desse modo, restaram 10 artigos analisados, com processo de seleção apresentado na Figura 1 e artigos selecionados apresentados no Quadro 1. Figura 1 – Artigos relacionados após critérios de inclusão e exclusão 8 Quadro 1 Estudos analisados sobre distanásia e ortotanásia Texto 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Título Autor MARREIRO, Cecília Responsabilidade civil do médico na prática da distanásia Lôbo MAZUTTI, Sandra Regina Gonzaga; . Limitação de Suporte Avançado de Vida em pacientes NASCIMENTO, admitidos em unidade de terapia intensiva com cuidados Andréia de Fátima; paliativos integrados FUMIS, Renata Rego Lins OLIVEIRA, Maria Autonomia do idoso e distanásia Zeneida Puga Barbosa; BARBAS, Stela POLETTO, Sadi; Vivência da morte de idosos na percepção de um grupo de SANTIN, Janaína Rigo; médicos: conversas sobre a formação acadêmica BETTINELLI, Luiz Antonio Docentes de enfermagem e terminalidade em condições SANTANA, Júlio César dignas Batista et al SANCHEZ Y SANCHES, Kilda Mara; Ortotanásia: uma decisão frente à terminalidade SEIDL, Eliane Maria Fleury SANTOS, Luís Roberto Conhecimento, envolvimento e sentimentos de concluintes Gonçalves dos; dos cursos de medicina, enfermagem e psicologia sobre MENEZES, Mariana ortotanásia Pires; GRADVOHL, Silvia Mayumi Obana SANTOS, Maria Terminalidade da vida em terapia intensiva: Fernanda Gonçalves posicionamento dos familiares sobre ortotanásia dos; BASSITT, Débora Pastore. Acesso à tecnologia biomédica: perspectiva bioética dos SARAIVA, Ana Maria enfermeiros portugueses Pinto Distanásia e ortotanásia: práticas médicas sob a visão de SILVA, José Antônio um hospital particular Cordero da et al Ano 2013 2016 2013 2013 2013 2013 2013 2011 2014 2014 9 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os artigos analisados foram publicados entre os anos de 2011 e 2016: 01 artigo (10,00%) em 2011, 06 artigos (60,00%) em 2013, 02 artigos (20,00%) em 2014 e 01 artigo (10,00%) em 2016. Não foram encontradas publicações dentro dos critérios estabelecidos nos anos de 2012 e 2015. Observa-se que as publicações se encontram mal divididas ao longo dos anos, reforçando a necessidade de estudos para manter o tema atualizado (ver Tabela 1). Tabela 1 - Ano de publicação Ano f Porcentagem 2011 01 10% 2012 00 00% 2013 06 60% 2014 02 20% 2015 00 00% 2016 01 10% Fonte: Scielo Com relação ao tratamento dos dados obtidos, revela-se que a maioria dos artigos (f = 07; 70,00%) utilizou metodologia qualitativa (entrevistas, casos clínicos, análise de prontuários) e apenas 03 (30,00%) foram analisados quantitativamente. Além disso, percebeu-se que 01 (10,00%) estudo foi realizado na região Norte, 01 (10,00%) na região Nordeste, 04 (40,00%) na região Sudeste, 01 (10,00%) na região Centro-oeste, 01 (10,00%) na região Sul e 02 (20,00%) em Portugal (ver Tabela 2). Tabela 2 - Região de Publicação Região f Porcentagem Norte 01 10% Nordeste 01 10% Sudeste 04 40% Centro-oeste 01 10% Sul 01 10% Portugal 02 20% Fonte: Scielo 10 A partir da análise aprofundada do conteúdo dos artigos encontrados, emergiram quatro categorias de análise que representam um pouco da realidade na formação acadêmica dos profissionais, legislação sobre distanâsia, e posicionamento de profissionais, familiares e pacientes sobre a distanásia e ortotanásia. São elas: 1. Despreparo profissional para lidar com morte e ortotanásia; 2. Responsabilidade e fragilidade legal da ortotanásia; 3. Opiniões de profissionais, familiares e pacientes sobre as práticas de distanásia e ortotanásia; e 4. Práticas que beneficiam a ortotanásia (ver Figura 2). Figura 2 – Categorias emergidas nas análises dos documentos 1. Despreparo profissional para lidar com morte e ortotanásia Nessa categoria emergiram três estudos que retratam o despreparo dos profissionais para o lidar com a morte e o morrer, e para a prática de ortotanásia. Realidade presente em diferentes categorias de profissionais de saúde, aqui contemplados por médicos, enfermeiros e psicólogos, em decorrência de uma formação acadêmica tecnicista e voltada para o “manter a vida”. Na pesquisa de Poletto, Santin e Bettinelli (2013) objetivou-se conhecer as vivências e abordagens de médicos envolvendo o processo de morte e morrer de pacientes idosos em ambiente hospitalar, por meio de entrevistas com 11 médicos. Como resultado, verificou-se que há uma omissão no ensino médico sobre morte e 11 morrer, pois os temas não são contemplados nos projetos pedagógicos, gerando não capacitação dos profissionais para lidar com a morte, não aceitação da naturalidade desta e insegurança na prática de ortotanásia. Com enfoque sobre docentes de enfermagem, Santana et al. (2013) realizaram um estudo para compreender a percepção desses sobre a ortotanásia. Os resultados emergiram o despreparo da equipe em contextos de morte, a dificuldade dos familiares no processo da finitude, a prática constante de prolongamento do sofrimento humano nas UTIs e a prática de cuidados paliativos como uma solução emergente. De forma semelhante, Santos, Menezes e Gradvohl (2013) realizaram uma pesquisa com objetivo de avaliar o conhecimento sobre ortotanásia dos concluintes dos cursos de medicina, enfermagem e psicologia de uma universidade. As entrevistas com 22 alunos mostraram que eles possuem um baixo conhecimento sobre o tema, consideram importante o envolvimento dos familiares na decisão da ortotanásia, e não se sentem preparados para o enfrentamento da morte. Verificou-se, portanto, a necessidade de maior enfoque sobre o tema nos cursos de graduação da área da saúde, visando preparar melhor os futuros profissionais. 2. Responsabilidade e fragilidade legal da ortotanásia Nessa categoria emergem dois artigos. A partir deles, observa-se que, como um agravante da falta de capacitação do profissional, está o peso da responsabilidade e fragilidade legal da ortotanásia. Marreiro (2013), por meio de estudo de caso hipotético, relata uma história frequente na realidade dos hospitais. A história remete a um paciente que, ao internarse, ciente de sua terminalidade, expressa o desejo de permanecer sob os cuidados paliativos e na companhia de sua família. Desejo negado, já no segundo dia de internação, quando é feita manobra de ressuscitação após parada cardiorrespiratória, seguida por procedimentos invasivos em uma semana na UTI e morte solitária. Fica evidente que a obstinação terapêutica predomina sobre a autonomia do paciente, privando-o de morrer de maneira humanizada e digna. Conclui-se que há responsabilidade civil do médico pela prática da distanásia, vez que é por meio desta que se instauram danos ao paciente terminal, o que por si só lhe subtrai o direito a uma morte digna e humana. De forma complementar, Sanchez e Seidl (2013) objetivaram refletir sobre práticas de limitação ou retirada de suporte vital em situações de terminalidade, por 12 meio de entrevistas com dez médicos oncologistas. Seus resultados constataram que quase todos os médicos compreendiam o conceito de ortotanásia, mas elencavam a fragilidade legal de sua regulamentação proveniente de uma entidade de classe. Constatou-se ainda que os princípios bioéticos, como autonomia, beneficência, nãomaleficência e justiça, podem contribuir para a elucidação de dilemas sobre a retirada ou limitação de suporte vital. 3. Opiniões de profissionais, familiares e pacientes sobre as práticas de distanásia e ortotanásia Nessa categoria emergem 4 artigos com estudos de opiniões de profissionais, familiares e pacientes sobre a preferência pela distanásia ou ortotanásia. Observa-se que, no geral, essas três categorias de sujeitos preferem as práticas de ortotanásia, não concordando com intervenções com obstinação e pouca qualidade de morte dos pacientes. Constatou-se, todavia, em um estudo que, alguns familiares, sem conhecimento e experiência sobre doença terminal preferem a distanásia. Com abordagem sobre os profissionais, Saraiva (2014) realizou um estudo que objetivou analisar os princípios éticos e os fatores relacionados com a política de saúde que podem limitar ou não a decisão de acesso à tecnologia biomédica, por meio de uma pesquisa survey com enfermeiras. Concluiu-se que o uso de tecnologia de saúde deve ocorrer mediante a avaliação dos resultantes de sua utilização, refutando a prática da distanásia. Ao lançar o olhar sobre os pacientes, Oliveira e Barbas (2013) objetivaram conhecer a opinião de 112 idosos sobre o exercício da autonomia, a utilização de medidas obstinadas de distanásia e a escolha do local de morte. Os resultados mostraram que 67% não concordam com a manutenção da vida “de qualquer jeito”, com prolongamento do sofrimento de morrer. A lucidez foi o indicador de qualidade de vida mais apreciado (79%), seguido pela autonomia em poder respirar sem o uso de aparelhos (17%) e alimentar-se sem o uso de sonda (4%). A casa do paciente (63%) foi considerada o local de morte mais apropriado. Já sobre o olhar dos familiares, Santos e Bassitt (2011) realizaram um estudo que objetivou avaliar o posicionamento dos familiares sobre a ortotanásia, por meio de acompanhamento de 60 familiares ao longo de um ano em uma UTI. Os resultados mostraram que a maioria dos pacientes (53,3%) discutiu o desejo de cuidados de final de vida com a família, mas 76,7% não discutiram isso com seu médico. A maioria dos 13 familiares afirmou ser a favor da ortotanásia (83,3%), gostariam que os profissionais falassem abertamente sobre o assunto (85,0%) e desejavam participar do processo de decisão de qualidade de final de vida (65,0%). Por outro lado, o estudo de Silva et al. (2014), que avaliou a alternativa mais aceita entre distanásia e ortotanásia com 190 familiares, verificou que a maioria dos participantes (64,2%) manifestou preferência pela distanásia como conduta para seu familiar. Decisão influenciada pelo nível de conhecimento dos participantes acerca do significado de doença terminal, bem como da existência prévia de diálogo a respeito do fim da vida, entre o doente e sua família. O estudo indica a necessidade de trazer o tema para discussão da sociedade, sensibilizando-a a entender implicações individuais e coletivas do prolongamento da vida em situação de sofrimento. 4. Práticas que beneficiam a ortotanásia Por fim, essa última categoria é composta por uma única pesquisa, que retrata a ortotanásia como prática emergente possível, elencando fatores que facilitam sua operacionalização. O estudo de Mazutti, Nascimento e Fumis (2016) objetivou estimar a incidência de limitação de Suporte Avançado de Vida em pacientes graves internados em UTI de um hospital ao longo de três anos e que estavam em cuidados paliativos integrados. Os resultados mostraram que, entre os 342 que passaram pelo programa de cuidados paliativos houve uma demora de 2 dias para o óbito, boa parte das limitações de Suporte Avançado de Vida (42,7%) aconteceu no primeiro dia de internação, e a ressuscitação cardiopulmonar (96,8%) e o suporte ventilatório (73,6%) foram as limitações mais adotadas. O estudo mostra, portanto, que, em hospitais onde existem comissões de cuidados paliativos, a prática de distanásia é evitada e a ortotanásia é aceita, sem culpa, por paciente, família e profissional. Como pilar fundamental para esse trabalho está a realização de comunicação eficaz, por meio de conferência com a família e paciente a respeito das opções de tratamento, preferencialmente dentro das primeiras 72 horas de admissão na UTI. 14 CONSIDERAÇÕES FINAIS Contempla-se, por meio dos resultados adquiridos no presente estudo, que os profissionais de saúde, sobretudo médicos e enfermeiros de emergência e UTI, em razão do constante contato com o óbito de pacientes nesses ambientes, acabam por naturalizar a ocorrência da morte. Em contrapartida, esse ainda é um tema delicado que sucinta nos profissionais de saúde frustração, em função da formação acadêmica voltada para o salvar vidas. Pode-se verificar que os profissionais de saúde consideram a distanásia irrelevante e concordam com a premissa da ortotanásia. Observa-se, todavia, que a distanásia é praticada com maior frequência em relação à ortotanásia, inferindo que uma parte dos médicos possui a visão tecnicista de buscar sempre curar o paciente. Ainda assim, a ortotanásia é uma prática presente em hospitais, apontando que é crescente a preocupação dos profissionais da saúde com o amparo e conforto de pacientes em estado terminal, item importante para melhorar a qualidade de morte desses pacientes. Por fim, contempla-se que os profissionais não estão preparados adequadamente para lidar com a efetivação da morte. Reforça-se a necessidade de ampliar e aprofundar a preparação dos acadêmicos ao longo de todo o curso sobre Tanatologia, Cuidados Paliativos e Psicologia Médica. Temáticas, estas, que auxiliam o profissional a lidar com a terminalidade. REFERÊNCIAS AZEREDO, N. G.; ROCHA, C. F.; CARVALHO, P. A. 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