PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde Departamento de Medicina Veterinária Curso de Medicina Veterinária em Betim Ana Carolina Gatti Vianna Gisele da Silva Alves Renata Araújo Silva Carvalho Renata de Fátima Belo HIPERSENSIBILIDADE ALIMENTAR EM CÃES (Revisão de literatura) Betim 2013 Ana Carolina Gatti Vianna Gisele da Silva Alves Renata Araújo Silva Carvalho Renata de Fátima Belo HIPERSENSIBILIDADE ALIMENTAR EM CÃES (Revisão de literatura) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Medicina Veterinária em Betim da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Medicina Veterinária. Orientador: João Carlos Toledo Júnior Betim 2013 Ana Carolina Gatti Vianna Gisele da Silva Alves Renata Araújo Silva Carvalho Renata de Fátima Belo HIPERSENSIBILIDADE ALIMENTAR EM CÃES (Revisão de literatura) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Medicina Veterinária em Betim da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Medicina Veterinária. ____________________________________________ João Carlos Toledo Júnior (orientador) – PUC Minas ____________________________________________ ThalitaTelles – UFMG ____________________________________________ Ericka HomannDelayte – UFMG Betim, 18 de junho de 2013 AGRADECIMENTOS Por toda ajuda e apoio somos gratas: A Deus, pois sem a força dele não teríamos conseguido chegar até aqui. Aos nossos pais, motivo da nossa existência, educação e persistência. Aos nossos irmãos, por acreditarem sempre no nosso potencial. Ao João, nosso orientador, por ter nos dado a direção de todo o trabalho, sem ele este trabalho não seria o mesmo. A Thalita, por toda ajuda durante a realização deste trabalho. A todas as pessoas que contribuíram para a construção deste trabalho através dos incentivos. E, por fim, aos animais, pois sem eles nada disso seria possível. RESUMO A hipersensibilidade alimentar canina é um distúrbio com manifestações cutâneas, não sazonal,associado à ingestão de ingredientes antigênicos encontrados na dieta, na maioria das vezes uma proteína de alto peso molecular. Tem patogênese pouco clara, mas sabe-se que ocorre devido às reações de hipersensibilidade do tipo I. A existência de predisposição racial é controversa, não existindo predisposição sexual e acomete cães com idade variando de seis meses a 11 anos de idade. Os sinais clínicos são muitas vezes variáveis e inespecíficos, sendo muito parecidos com os da dermatite atópica, o que dificulta muito o diagnóstico. Os cães apresentam prurido intenso, localizado ou generalizado, com pouca resposta à terapia com glicocorticóides. O diagnóstico da doença é muito difícil, uma vez que não existem exames complementares específicos para a sua confirmação. Diante disso, este é realizado através do teste de dieta de eliminação, que é considerado como teste “padrão-ouro”. O principal desafio no tratamento da hipersensibilidade alimentar é educar e orientar o proprietário, uma vez que o animal alérgico deve se alimentar somente com ração hipoalergênica ou dieta caseira receitada pelo veterinário. O presente trabalho tem como objetivo fazer uma revisão de literatura sobre essa doença. Palavras chave – Hipersensibilidade alimentar, imunoglobulina E, dieta, alérgeno. ABSTRACT The canine food hypersensitivity is a non-seasonal skin disorder associated with the intake of antigenic ingredients found in the diet, in most cases a protein of heavy molecular weight. Its pathogenesis is not clear, but it is knowm it occurs due the hypersensitivity reactions to the type 1. The existence of breed predisposition is a bit controversial, there is no sexual predisposition and it affects dogs with ages varying from six months to 11 years old. The clinical signs are often variable and non-specific, being very similar to the atopic dermatitis, which makes the diagnosis more difficult. Dogs present intense itching that can be local or generalized; this itching presents little response to the therapy with glucocorticoids. The diagnosis of the disease is very hard since there aren´t any specific complementary examinations to confirm the diagnosis, based on that, the diagnosis is achieved through the elimination diet test, that is considered as the “gold standard” one. The main challenge thing in the food hypersensitivity treatment is to instruct the owner, because the allergic animal must be fed with hypoallergenic feed or homemade diet prescribed by the veterinarian. The goal of the current paper is to review the literature about this disease. Key words – Food hypersensitivity, immunoglobulin E, diet, allergen LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 – Degranulaçãomastocitária ................................................................................ 16 LISTA DE TABELAS TABELA 1 – Rações comerciais para HpAC existentes no Brasil ........................................ 22 TABELA 2 – Principais antibióticos sistêmicos utilizados no tratamento de piodermites secundárias .............................................................................................................................. 26 TABELA 3 – Principais anti-histamínicos, dose, frequência e eficácia relativa, indicado no controle do prurido .................................................................................................................. 26 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Elisa Ensaio Imunoabsorvente Ligado à Enzima HpAC Hipersensibilidade alimentar canina IgA Imunoglobulina A IgE Imunoglobulina E IgG Imunoglobulina G IL-4 Interleucina 4 IL-13 Interleucina 13 MHCII Moléculas do complexo de histocompatibilidade principal II PAF Fator Ativador das Plaquetas TDE Teste de Dieta de Eliminação TGSA Teste Gastroscópico de Sensibilidade por Alimento TLAI Tecido Linfóide Associado ao Intestino TRAA Teste Radioalergoabsorvente SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11 2 METODOLOGIA ......................................................................................................... 12 2.1 APesquisa .................................................................................................................. 12 2.2 População e Amostra ................................................................................................ 12 3 REVISÃO DE LITERATURA .................................................................................... 12 3.1 Sistema imunológico .................................................................................................. 14 3.2 Fatores predisponentes ............................................................................................. 17 3.3 Sintomasclínicos ........................................................................................................ 18 3.4 Diagnóstico diferencial .............................................................................................. 19 3.5 Diagnóstico ................................................................................................................. 19 3.5.1 Teste de eliminação da dieta................................................................................... 20 3.5.2 Dietas hidrolisadas .................................................................................................. 22 3.5.3 Teste gastroscópico de sensibilidade por alimento ................................................. 23 3.5.4 Teste intradérmico ................................................................................................... 24 3.5.5 Avaliação sorológica ............................................................................................... 24 3.6 Tratamento................................................................................................................. 25 3.7 Prognóstico ................................................................................................................. 26 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 27 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 28 11 1. INTRODUÇÃO A hipersensibilidade alimentar canina (HpAC) dentre as reações de hipersensibilidade alérgica cutânea mais comuns, é a que aparece em terceiro lugar em casuística, logo após a dermatite alérgica à picada de pulga e à dermatite atópica. É um distúrbio cutâneo não sazonal, pruriginoso, associado à ingestão de ingredientes antigênicos encontrados na dieta, na maioria das vezes uma proteína. Estima-se que 1% de todas as dermatopatias caninas esteja representado pelas reações de hipersensibilidade alimentar e que 10% das dermatites alérgicas tenham esta mesma etiologia (SCOTT, 1996; FERNANDES, 2005; SALZO, 2009). Para que a hipersensibilidade a um alimento ocorra, proteínas ou outros antígenos devem ser absorvidos pelo trato gastrointestinal, interagir com o sistema imunológico e produzir uma resposta. O intestino é a principal via de entrada de antígenos no corpo e os linfócitos presentes na mucosa, submucosa, placas de Peyer ou linfonodos mesentéricos são responsáveis pela resposta imune adequada contra esses antígenos (CORRAINI, 2012). Os alérgenos alimentares mais comumente relacionados com as manifestações de HpAC são os trofoalérgenos, que em geral são proteínas de peso molecular variado, não desnaturadas pelo calor, ácido ou proteases. Os trofoalérgenos mais comuns são as proteínas encontradas na carne bovina, na carne de frango, no leite, ovos, milho, trigo e soja (FERNANDES, 2005). A patogênese exata da HpAC permanece pouco clara, sendo um tipo de reação adversa de natureza imunológica, acreditando-se haver envolvimento de reações de hipersensibilidade imediata (tipo I) e suspeitando haver envolvimento também das hipersensibilidade do tipo tardio (tipo III e IV) (ALLENSPACH, 2006; KENNIS, 2006; DURANTI, 2011). Os sintomas da HpAC são muitas vezes variáveis e inespecíficos, podendo determinar alterações em diversos sistemas orgânicos. Embora a exposição aos alérgenos alimentares ocorra primeiro no aparelho digestivo, poucos cães apresentam sinais gastrointestinais. A maioria dos cães apresenta somente sintomas cutâneos que muito afligem seus proprietários. Estes sintomas dificultam o diagnóstico pelo quadro dermatológico não ser muito especifico, sendo muitas vezes confundido com o de outras dermatopatias alérgicas, parasitárias ou mesmo bacterianas (SALZO, 2009; VEENHOF, 2011). Como os exames complementares não auxiliam muito no diagnóstico, este baseia-se, principalmente, na anamnese e avaliação das lesões cutâneas encontradas no exame físico dos animais acometidos, o teste de dieta de eliminação (TDE) é considerado como sendo o 12 “padrão-ouro” para o diagnóstico da doença, porém existem dificuldades em convencer os proprietários a realizar o teste completamente (SALZO, 2009; ZIMMER, 2011). O presente trabalho de revisão bibliográfica foi baseado em textos técnicos científicos encontrados na literatura mundial, publicados até o ano de 2012, principalmente a partir do ano de 2001. 2.0 METODOLOGIA 2.1 A Pesquisa A pesquisa, objeto deste estudo, caracteriza-se como uma Revisão de Literatura. Pesquisar, ler e analisar compreendendo os textos publicados sobre hipersensibilidade alimentar canina e, com isto fazer uma revisão de literatura sobre o assunto, comparando as informações e os dados publicados pelos diversos autores, buscando saber em quais aspectos os diversos autores apresentam opiniões idênticas ou opostas. 2.2 População e amostra A população envolvida neste estudo compreende autores que publicaram sobre o tema proposto: Hipersensibilidade alimentar canina, em artigos técnicos científicos a nível mundial no intervalo de 1996 a 2012, mas principalmente a partir do ano de 2001. 3.0 REVISÃO DE LITERATURA Casos de HpAC tem sido relatados desde 1920, apresentando a ocorrência de quadros de alterações gastrointestinais e cutâneas em resposta a alérgenos alimentares. Tentativas de correlacionar uma manifestação clínica a testes cutâneos intradérmicos a alérgenos alimentares em cães foram descritas em detalhes no início de 1930. No entanto, a incidência e a patogênese da hipersensibilidade alimentar em animais de companhia continuam a ser assunto de muito debate e especulação (JACKSON, 2001; DAY, 2005). Embora a exposição aos alérgenos alimentares ocorra primeiro no aparelho digestivo, a minoria dos cães com hipersensibilidade alimentar tem sintomas gastrointestinais, sendo os cutâneos os principais desenvolvidos (VEENHOF, 2011). 13 As reações alérgicas são respostas não habituais do sistema imunológico como reatividade alterada a um antígeno. A HpAC é definida como resposta imune adversa, provocada pela exposição a um ingrediente particular presente na dieta, apresentando-se como distúrbio cutâneo não-sazonal pruriginoso. A patogênese exata da HpAC, ainda não está bem estabelecida, mas há envolvimento das reações de hipersensibilidade do tipo I e as habituais fontes de proteínas e de carboidratos encontradas na alimentação são os principais agentes alergênicos (SCOTT, 1996; ALLENSPACH, 2006; SALZO, 2009; GASCHEN, 2011). O antígeno é definido como uma substância capaz de estimular a produção de anticorpos. O alérgeno é um antígeno capaz de desencadear e ligar a imunoglobulina E (IgE), induzindo a degranulação dos mastócitos após a ligação da IgE na superfície da célula. Idealmente, a hidrólise protéica impede a degranulação dos mastócitos que iria ocorrer em resposta à proteína intacta e permite que o paciente que possua hipersensibilidade não desenvolva os sintomas clínicos após ingerir a proteína hidrolisada. (CAVE, 2006). A maioria dos alérgenos são glicoproteínas hidrossolúveis, relativamente estáveis ao calor, ácido e proteases. A antigenicidade de uma proteína é determinada pela sua estrutura primária, isto é, sua sequência de aminoácidos, sua estrutura secundária, dobragem da cadeia de aminoácidos em hélices ou folhas, e sua estrutura terciária, mais de uma dobragem das hélices e folhas. A diminuição da antigenicidade pode ser alcançada interrompendo a estrutura tridimensional da proteína (estruturas secundárias e terciárias), alterando a estrutura das cadeias laterais de aminoácidos ou clivando as ligações peptídicas, todo esse processo é conhecido como hidrólise (FERNADES, 2005; CAVE, 2006; PLANT, 2011). Segundo a maioria dos autores pesquisados, as proteínas encontradas na carne bovina são consideradas como sendo o alérgeno alimentar mais comum em causar HpAC. Existem outras proteínas que também podem ocasionar HpAC, estas podem ser encontradas em produtos lácteos, trigo, ovos, frango, cordeiro, milho e soja (ISHIDA, 2004; SILVA, 2009; GASCHEN, 2011; PLANT, 2011). A cocção dos alimentos pode aumentar ou diminuir a alergenicidade de suas proteínas. Algumas proteínas são termoestáveis não mudando a sua capacidade antigênica, enquanto que outras são termolábeis, o que poderia contribuir para mudanças de sua capacidade antigênica, sendo a maioria dessas proteínas de origem animal. As proteínas termolábeis têm sua alergenicidade diminuída através da cocção, enquanto que nas termoestáveis isso não acontece. As proteínas de origem vegetal são facilmente inativadas pelo cozimento, pelo congelamento de duas semanas ou pela ação de enzimas digestivas (FERNANDES, 2005; DURANTI, 2011). 14 Segundo Fernandes (2005) e Plant (2011), parece haver predisposição racial, sendo as raças mais acometidas os Golden Retrievers, Labradores, Cockers Spaniel, Sharpeis, Schnauzers Miniatura, Collies, Pastores Alemães, Poodles, Wests White Terrier, Boxers, Teckels, Dálmatas, Lhasas Apso e Soft Coated Wheater Terrier. Conforme afirmação de Veenhof (2011) não há nenhuma predisposição racial ou sexual conhecida. A hipersensibilidade alimentar não está geralmente associada à mudança recente na dieta, e na maioria dos casos, os pacientes que apresentam a patologia já comem a dieta causadora há mais de 2 anos, é necessário explicar para os proprietários o motivo pelo qual isso ocorre. A idade de início é variável, e os sintomas clínicos geralmente são observados em cães com mais de 6 meses e menos de 11 anos de idade (DAY, 2005; KENNIS, 2006). 3.1 Sistema imunológico A hipersensibilidade é caracterizada por sinais clínicos reproduzíveis iniciados pela exposição a um antígeno numa dose tolerada por indivíduos normais. Todos os animais são expostos aos antígenos ambientais no alimento ou no ar inalado, sendo que, a maioria destes responde aos antígenos com a produção de anticorpos imunoglobulina G (IgG) ou imunoglobulina A (IgA), e não há consequência clinica óbvia. Alguns animais, no entanto, podem responder aos antígenos através de uma resposta Th2 exagerada e produzindo quantidades excessivas de anticorpos IgE. Estes animais desenvolvem reações de hipersensibilidade tipo I (TIZARD, 2009). Mesmo com várias barreiras existentes, os antígenos da dieta podem entrar na mucosa intestinal pelas células M situadas nas placas de Peyer. Macrófagos nessa placa fagocitam, processam e apresentam peptídeos unidos a molécula de histocompatibilidade com a síntese de IgA. As células T e B migram das placas de Peyer para os linfonodos mesentéricos, desses trafegam para o ducto torácico, chegando a circulação sanguínea. Da circulação os linfócitos ativados retornam à mucosa digestiva e passam a residir na lamina própria onde irão secretar mais IgA. O que pode aumentar a mobilização sérica de IgE é uma diminuição significativa de IgA no intestino, que funcionaria como primeira barreira imunológica no local, aumentando desta forma a absorção do antígeno (FERNANDES, 2005; CORRAINI, 2012; KENNIS, 2006). A hipersensibilidade imediata tipo I, que envolve IgE, é a reação alérgica mais comum possuindo o mecanismo mais bem conhecido. A combinação do alérgeno com a IgE 15 específica fixada a mastócitos teciduais ou a basófilos circulantes provoca a liberação de mediadores químicos, incluindo histamina, serotonina, cininas e outras (FERNANDES, 2005; DURANTI, 2011). As células apresentadoras de antígenos (células dendríticas, macrófagos e linfócitos B) usam receptores denominados moléculas do complexo de histocompatibilidade principal II (MHCII) para ligar e apresentar os antígenos (TIZARD, 2009; CORRAINI, 2012). Na hipersensibilidade imediata, as células Th2 ativadas secretam, principalmente interleucina-4 (IL-4) e interleucina 13 (IL-13), expressam o ligante CD40 que agem sobre as células B, tornando-as plasmócitos secretores de IgE e produzindo células B de memória. Quando ocorrer uma nova exposição ao antígeno, IgE especifica será secretada pelos plasmócitos e se ligarão aos mastócitos (KENNIS, 2006; TIZARD, 2009; CORRAINI, 2012). A IL-4 também é produzida em quantidades significativas por mastócitos estimulados que podem alterar o equilíbrio de células auxiliares e aumentar ainda mais a produção de células Th2 e a liberação de IL-4. Os animais alérgicos superexpressam IL-4 levando à atividade excessiva de células Th2 e à produção elevada de IL-4, o que aumenta a produção de plasmócitos secretores de IgE (TIZARD, 2009). Os mastócitos desempenham um papel fundamental na imunidade inata, já que quando encontram microrganismos invasores, liberam moléculas que causam alterações no fluxo sanguíneo vistas na inflamação aguda. Essas moléculas inflamatórias são normalmente confinadas aos grânulos mastocitários, mas são liberadas quando essas células degranulam. Muitos mecanismos diferentes estimulam a degranulação mastocitária. Dentre eles, o mais bem caracterizado envolve IgE que se liga aos mastócitos por receptores de alta afinidade, tornando essa ligação quase irreversível. Isso assegura que os mastócitos fiquem constantemente recobertos por IgE (figura 1) (TIZARD, 2009). A reação imediata inicia-se pela ligação cruzada de duas moléculas de IgE , seguida pela ativação e degranulação dos mastócitos. Mediadores pré-formados como histamina, enzimas e fatores quimiotáticos são liberados, e outros mediadores (prostaglandinas e leucotrienos) são formados. Esses mediadores são responsáveis pelos sintomas das reações alérgicas (figura1) (KENNIS, 2006; CORRAINI, 2012). 16 Fig. 1 – Processo de degranulação mastocitária Fonte: CAVE, 2006. A histamina é uma amina vasoativa de vida curta que produz aumento do fluxo sanguíneo local e permeabilidade vascular, e as enzimas quinase, triptase e esterases de serina. Essas podem ativar as metaloproteinases de matriz, causando destruição tecidual. Durante a ativação, os mastócitos liberam quimiocinas, que são mediadores lipídicos como o fator ativador das plaquetas (PAF), além de outras citocinas. Esses mediadores contribuem para respostas inflamatórias crônicas e agudas. Os mediadores lipídicos atuam causando contração da musculatura lisa, aumento da permeabilidade vascular e secreção de muco, induz também a ativação e o influxo de leucócitos que contribuem para a resposta tardia. Essas células representam importantes papeis na imunoregulação, remodelamento dos tecidos e defesa do hospedeiro e na fisiopatologia. Este tipo de hipersensibilidade, ocorre em questão de minutos ou horas depois da ingestão do antígeno que passa pela barreira de proteção do intestino e alcança os basófilos sensibilizando as células ligadas à IgE na pele, por isto a pele é uma das áreas mais afetadas do organismo (FERNANDES, 2005; CORRAINI, 2012). A hipersensibilidade alimentar retardada também conhecida como hipersensibilidade tipo III e IV, tem sua fisiopatologia pouco conhecida, mas sabe-se que ela ocorre dentro de horas a dias após a ingestão do alérgeno (FERNANDES, 2005). Reações de hipersensibilidade do tipo III ou mediadas por imunocomplexos, caracterizam-se pela deposição de complexos circulantes de antígeno-anticorpo nas paredes 17 dos vasos sanguíneos. Esses imunocomplexos, geralmente contendo IgG ou IgM, fixam complemento atraindo neutrófilos que ao se infiltrarem liberam enzimas proteolíticas e hidrolíticas, provocando lesão tecidual. Reações de hipersensibilidade e liberação de histaminas podem ser importantes no inicio da deposição de imunocomplexos (NASCENTE, 2006). Reações mediadas por células, tardias ou tipo IV, não envolvem anticorpos e sim células, principalmente as células T. Ao invés de ocorrerem dentro de poucos minutos ou horas após o individuo sensibilizado ser novamente exposto ao antígeno, essas reações tardias não são aparentes por um dia ou mais. Um importante fator no atraso é o tempo requerido para as células T e macrófagos participantes migrarem e acumularem-se junto aos antígenos estranhos. As células já sensibilizadas, em contato com o antígeno, ativam células T, que liberam citocinas, fator importante neste tipo de reação, contribuindo para a reação inflamatória atraindo e ativando macrófagos (NASCENTE, 2006). 3.2 Fatores Predisponentes A qualidade do alimento e os fatores individuais do animal podem predispor a problemas alérgicos. Todos os fatores que contribuem para tolerância imunitária podem favorecer o desenvolvimento de hipersensibilidade alimentar. Podem ser eles: má digestão, problemas de permeabilidade intestinal, imunizações e atopia (DURANTI, 2011). Falhas nos mecanismos de defesa da mucosa intestinal podem predispor ao desenvolvimento de HpAC. Principalmente, proteínas de baixa digestibilidade, em que a digestão incompleta destas proteínas, aumenta a permeabilidade da mucosa do intestino diminuindo o transito intestinal e aumentando o contato com o alérgeno. Por isso, a primeira medida a ser tomada quando se tem um paciente com suspeita de HpAC é retirar o alimento suspeito (FERNANDES, 2005). O trato gastrointestinal evoluiu para permitir que o corpo pudesse lidar com grande número de alérgenos potenciais sem desenvolver hipersensibilidade clínica. Portanto, existem mecanismos para limitar o desenvolvimento de HpAC. A conversão de proteínas em aminoácidos na digestão, as torna pequenos peptídeos fracamente imunogênicos. As que permanecem grandes o suficiente para manter epítopos alergênicos encontram uma camada de muco com IgA e carboidratos fragmentados, podendo limitar a interação do alérgeno com as microvilosidades. Esta camada pode ser modificada por doenças inflamatórias e infecciosas 18 do trato gastrointestinal, predispondo nestes casos ao desenvolvimento de HpAC (PLANT, 2011). Alérgenos potenciais devem, então, passar pela barreira epitelial, após serem ingeridos onde se deparam com o tecido linfóide associado ao intestino (TLAI), que deve montar uma resposta imune contra os alérgenos e produzir tolerância por via oral a numerosos alérgenos alimentares através de uma resposta imunossupressora. Se os mecanismos que produzem tolerância oral, mediada por linfócitos T reguladores, não funcionam adequadamente, a sensibilização pode ocorrer. Em animais jovens, infecções ou parasitas intestinais podem causar dano à mucosa intestinal, resultando em absorção anormal de alérgenos e subseqüentemente sensibilização (PLANT, 2011). 3.3 Sinais clínicos Acredita-se que uma pequena quantidade de proteína alimentar seja necessária para induzir sintomas clínicos de HpAC, porém a maioria dos cães com sintomas de hipersensibilidade alimentar ficaram expostos ao alimento por pelo menos dois anos antes da apresentação dos mesmos (FERNANDES, 2005). Segundo Jackson (2007) em Silva (2009), os sintomas clínicos da HpAC tornam-se evidentes nos cães, antes dos 3 anos de idade, contudo, as primeiras manifestações podem surgir desde os seis meses até os doze anos de idade. O principal sintoma clínico nas hipersensibilidades alimentares é o prurido que normalmente atinge orelhas, membros, região inguinal e axilar, face e pescoço. Também pode apresentar, em decorrência do prurido crônico, seborréia seca ou oleosa, alopecia, liquenificação, eritema e hiperpigmentação, com as lesões podendo ser localizadas ou generalizadas (FERNANDES, 2005; KENNIS, 2006; PLANT, 2011). Outras reações de hipersensibilidade, tais como dermatite alérgica a picada de pulga e dermatite atópica podem ser problemas concomitantes. Otite eczematosa pruriginosa e bilateral frequentemente com infecção secundária bacteriana ou por Malassezia spp., junto com dermatite seborreica secundária ou piodermite superficial ou profunda são comumente vistas como complicações da HpAC (JACKSON, 2001; PLANT, 2011; CORRAINI, 2012). Os cães com HpAC cutânea podem ter concomitantemente sinais gastrointestinais, incluindo vômitos, diarréia, flatulência e aumento da freqüência de defecação (DAY, 2005; PLANT, 2011). 19 3.4 Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial das dermatopatias de etiologia alérgica dos carnívoros domésticos constitui constante desafio ao clínico veterinário (SALZO, 2009). A HpAC é clinicamente muito semelhante à outras dermatopatias pruriginosas, portanto, seu diagnóstico deve ser diferenciado de vários quadros, entre eles, a dermatite alérgica à picada de pulga, reações adversas a drogas (diferencial para qualquer dermatose), hipersensibilidade parasitária intestinal, pediculose, dermatite alérgica de contato (principalmente se os sintomas clínicos estiverem na região ventral), escabiose (quando está significativamente papular), dermatofitose, disqueratinização, piodermite e malasseziose e, intolerância alimentar (FERNANDES, 2005; GASCHEN, 2011). 3.5 Diagnóstico O diagnóstico de HpAC deve ser baseado na anamnese completa e detalhada do paciente, exame clínico e identificação da dieta alergênica através de TDE. Como métodos auxiliares no diagnóstico pode-se contar com o teste intradérmico, provas sorológicas e testes de gastroscopia (FERNANDES, 2005). Chegar no diagnóstico definitivo de HpAC é difícil pela falta de testes adequados, pois não existem achados laboratoriais consistentes para pequenos animais com hipersensibilidade alimentar. Pode ou não encontrar eosinofilia periférica. Os achados histopatológicos geralmente se caracterizam por dermatite perivascular, com predomínio de neutrófilos ou células mononucleares e alterações supurativas secundárias variáveis (CORRAINI, 2012). O diagnóstico de HpAC é baseado em melhora ou resolução dos sintomas clínicos após a introdução de uma nova dieta, seguido de retorno desses sinais quando se retoma a dieta original, com melhora posterior na reintrodução da dieta de teste. Para o sucesso deste processo é necessário e fundamental o total compromisso e cooperação do proprietário (ALLENSPACH, 2006; BOND, 2008). 20 3.5.1 Teste de dieta de eliminação O teste consiste em fornecer ao animal alimentos com os quais o mesmo não teve contato até então, principalmente com relação à proteína deste novo alimento (FERNANDES, 2005). As dietas de prescrição veterinária geralmente contêm uma única fonte de proteína e uma única fonte de carboidrato. A proteína é geralmente aquela que a maioria dos animais não recebe regularmente em sua alimentação, portanto, não se espera que provoque uma resposta alergênica. O médico veterinário deve estar ciente, no entanto, que muitas destas "novas" fontes de proteína podem estar disponíveis em alimentos industrializados. O conhecimento detalhado sobre a composição da dieta é, portanto, fundamental antes da seleção da dieta para um determinado cão (JACKSON, 2001). Quando se realiza TDE, um dos principais fatores que interfere nos resultados é a falta de comprometimento do proprietário, que muitas das vezes não cumpre a dieta por falta de expectativa ou pelo fato do teste ser de longa duração, requerendo investimentos e cooperação de todas as pessoas envolvidas com o animal, devendo haver total controle sobre o que o animal ingere. Portanto é necessário que se avalie a situação familiar antes de instituir a dieta de eliminação, pois, famílias em que há vários animais de estimação, crianças, idosos ou múltiplos tratadores, é quase impossível alcançar o objetivo desejado, pois é difícil manter o controle sobre o que os proprietários oferecem para os seus animais comerem (JACKSON, 2001; GASCHEN, 2011). As proteínas comercialmente utilizadas disponíveis nas novas dietas, variam em diferentes partes do mundo, de acordo com a disponibilidade e as convenções sociais. Elas podem incluir carne de veado, cordeiro, coelho, pato, peixes diversos, alce, cabra, avestruz, javali, ema, entre outros. Cuidados devem ser tomados para selecionar dietas derivadas a partir de uma única fonte de proteína, quando a informação completa dos ingredientes são exibidas, dependendo dos requisitos de rotulagem de diferentes países. Em alguns casos, as fontes de proteína não listadas no rótulo podem ser detectadas com técnicas de laboratório (PLANT, 2011). É aconselhável selecionar proteínas de animais filogeneticamente distantes daqueles das dietas anteriores. Alérgenos de carne de boi teoricamente, podem reagir de forma cruzada com os de outros ruminantes. Assim, cordeiro e carne de veado podem não ser a melhor proteína, porque a maioria dos animais foram previamente expostos a carne de boi. Há evidências de alergénos comuns em carnes de aves, e a utilização de dietas de pato em 21 pacientes previamente exposto a galinha pode não ser aconselhável. A reatividade cruzada entre proteínas não está muito bem esclarecida em cães, mas acredita-se que elas existam. Carboidratos são menos frequentemente descritos como causas de HpAC, mas a dieta de teste inclui uma nova fonte de carboidrato (GASCHEN, 2006; PLANT, 2011). Para a formulação da dieta para o TDE utiliza-se uma fonte de carboidrato que pode ser arroz integral ou batata, uma fonte de proteína que pode ser de carnes de coelho, lebre, ovino ou peixe. A mudança da dieta regular para a nova dieta deve ser feita no período de 3 a 5 dias, de modo a evitar desconforto gastrointestinal. Faz-se uso desta formulação por seis a oito semanas, sendo que no geral com 15 dias já deve ser possível observar algum resultado com relação à diminuição do aparecimento de lesões de pele e prurido, utiliza-se para a produção da dieta hipoalergênica o mínimo de aditivos possíveis, como óleo e sal. Durante esta fase não se deve fornecer ao animal nenhum outro tipo de alimento, como petiscos, bolachas, doces e etc. (JACKSON, 2001; FERNANDES, 2005; SALZO, 2009). Segundo Jackson (2001), os sinais de melhora clínica aparecem dentro de 2 a 48 horas após a mudança da dieta, alguns desses sinais iniciais podem ser sutis. No entanto, isto pode representar a porcentagem de cães que têm reações mediadas por IgE por conseguinte, o controle do animal durante 2 semanas de desafio é recomendado, porque algumas reações podem ser mediadas por células ou associadas com reações de fase tardia. Se o animal não responder a restrição dietética, o regime deve ser reavaliado com os proprietários para se ter certeza de que o animal não está sendo alimentado com outros produtos como doces, petiscos e suplementos minerais, ou mesmo creme dental com sabor. Esta é uma causa comum de falha, pois os proprietários não conseguem entender que estes produtos podem conter alérgenos potenciais (JACKSON, 2001). Observa-se que ao administrar formulações comerciais no TDE alguns animais não apresentam melhora, entretanto, quando feito o uso de formulações caseiras, a melhora ocorre, provavelmente, devido à presença de alguns ingredientes alergênicos que não entram nas dietas caseiras, como por exemplo, os aditivos alimentares (FERNANDES, 2005). Se o proprietário estiver disposto a preparar uma dieta bem equilibrada, com uma única fonte de proteína para várias semanas, dietas caseiras servem como alternativa. Estas oferecem a vantagem de não ter aditivos, caso os proprietários optem por utilizar esta dieta, a mesma deverá ser formulada por nutricionista veterinário e deve ser cuidadosamente seguida, porém estas são difíceis de equilibrar nutricionalmente, representando um esforço extra para o proprietário (JACKSON, 2001; PLANT, 2011). 22 Caso esta dieta seja utilizada somente como dieta de teste e não de manutenção, não deve-se tentar equilibrá-la com vários micronutrientes. Se o paciente for ser alimentado com a dieta caseira de longo prazo, é necessário buscar o nutricionista veterinário para alcançar o equilíbrio adequado dos nutrientes (LEWIS, 2012). 3.5.2 Dietas hidrolisadas O uso de dietas hidrolisadas também serve como método diagnóstico para cães com hipersensibilidade alimentar. As propriedades alergênicas dos alimentos podem ser reduzidas através de processos enzimáticos, resultando na destruição dos alergénos. O uso de uma dieta hidrolisada tem clara vantagem sobre o produto industrializado (BOND, 2008). As dietas hidrolisadas são conhecidas comercialmente como rações hipoalergênicas. São obtidas através da modificação da proteína, na qual há alterações das características físicas das moléculas que a tornará incapaz de promover uma resposta imune. Isto é obtido através da proteólise enzimática, processo que reduz o peso molecular da proteína para menos de 18000 dáltons, o que representa o limite inferior para muitos antígenos alimentares (NASCENTE, 2006). A hidrólise de proteínas é conseguida por utilização de enzimas proteolíticas de grau alimentar. O hidrolisado resultante varia de acordo com a composição do composto original, com a especificidade das enzimas proteolíticas escolhidas, com o método pelo qual a hidrólise é realizada e com qualquer outro processamento do produto resultante (CAVE, 2006). Quando a história dietética adequada não estiver disponível, como pode ser o caso de um cão adotado adulto, a dieta de proteína hidrolisada pode ser a melhor escolha (PLANT, 2011). A seleção inicial da dieta comercial rica em proteínas hidrolisadas para um paciente particular provavelmente deve basear-se na fonte de proteínas. Nenhuma das dietas comerciais atualmente disponíveis são suficientemente hidrolisadas para garantir a completa ausência de todos os alérgenos. Portanto, é prudente escolher a dieta que não inclua uma fonte de proteína que o paciente já tenha ingerido ou suspeito de ser sensibilizado. Consideração secundária deve ser dada às fontes de hidratos de carbono e lipídios como fontes de alérgenos de proteínas potenciais e não comprovada como fontes de antígenos de hidratos de carbono ou lipídeos (CAVE, 2006). 23 3.5.3 Teste gastroscópico de sensibilidade por alimento O único procedimento atualmente disponível para avaliação direta e imediata de reações mediadas por IgE na mucosa gastrointestinal dos cães é o teste gastroscópico de sensibilidade por alimento (TGSA) (ALLENSPACH, 2006). O TGSA consiste em injetar algumas gotas de extrato alimentar na mucosa gástrica e observar a formação de inflamação, edema e produção de muco na região. Este teste pode também produzir reações sistêmicas, dependendo da sensibilidade do animal. Os tecidos devem ser biopsados, podendo-se ainda determinar o grau de degranulação de mastócitos (FERNANDES, 2005). As respostas positivas a este teste podem ser úteis na elaboração de dietas controle, mas as respostas negativas não podem ser interpretadas com exatidão. As desvantagens desta prova são o elevado custo, o fato de ser muito invasivo, necessitando de anestesia, além de desconhecer-se a precisão diagnóstica (FERNANDES, 2005). A utilização deste teste para diagnosticar cães com alergia alimentar mediada por IgE tem sido descrito em cães saudáveis e em cães suspeitos. O teste é tecnicamente difícil de realizar, e a resposta da mucosa é inconsistente e difícil de interpretar, porque a manifestação alérgica pode acontecer fora do local de aplicação. O TGSA tem sido relatado como de baixa sensibilidade e especificidade variável em relação ao TDE (JACKSON, 2001; ALLENSPACH, 2006). 3.5.4 Teste intradérmico Segundo Fernandes (2005), o teste alérgico intradérmico com extratos alimentares é incerto como diagnóstico nos cães. É realizado da seguinte maneira: os extratos alimentares suspeitos são inoculados na pele do animal e após 15 minutos é realizada a leitura, medindose as pápulas formadas. Jackson (2001) e Gaschen (2011), concordam que o teste não é de confiança e não tem nenhum valor devido à sua baixa sensibilidade e especificidade. Os testes intradérmicos tem baixa correlação com o TDE devido à presença de mecanismos não mediados por IgE, tais como a hipersensibilidade do tipo IV na patogênese de hipersensibilidade alimentar em cães (JACKSON, 2001). 24 3.5.5 Avaliação sorológica Como provas sorológicas existem os testes radioalergoabsorvente (TRAA) e ensaio imunoabsorvente ligado à enzima (Elisa). Com o advento de provas sorológicas para a detecção de IgE alimento específica iniciou-se uma verdadeira revolução nos procedimentos diagnósticos. A resposta alérgica do tipo imediato a alimentos está comumente associada a um nível aumentado de IgE no sangue e à presença de anticorpos IgE específicos para proteínas alimentares, conforme demonstrado por testes cutâneos ou por teste TRAA do sangue (FERNANDES, 2005). A principal falha dos testes TRAA e ELISA estão nos métodos, pois são incapazes de identificar aquelas reações que são retardadas em algumas horas e/ou que não parecem estar associadas a anticorpos IgE (FERNANDES, 2005). Segundo NASCENTE (2006), o teste Elisa possui 100% de sensibilidade e 0% de especificidade. O teste TRAA apresenta resultado negativo sempre verdadeiro, porém o resultado positivo nem sempre o será. Porém, segundo SALZO (2009), o teste TRAA tem alta sensibilidade e baixa especificidade, detectando muitos animais falsos positivos quando comparados com a dieta de eliminação, enquanto que o ELISA tem sensibilidade menor que a do TRAA e uma especificidade maior. Não sendo por isso considerados como eficientes no diagnóstico. Segundo GASCHEN (2006), dosagem sérica de IgE especifico não apresenta nenhum valor diagnóstico devido à sua baixa sensibilidade e especificidade. 3.6 Tratamento O principal desafio na abordagem terapêutica das reações de hipersensibilidade cutânea é selecionar a combinação dietética mais eficaz, de forma a manter sob controle todos os sinais clínicos específicos da HpAC, contribuindo para a melhora da qualidade de vida dos animais. O tratamento mais efetivo para a HpAC consiste em evitar os alimentos agressores identificados no TDE (SILVA, 2009; DURANTI, 2011). A controvérsia persiste entre as escolhas de uma dieta caseira ou uma dieta hipoalergênica comercial. A dieta comercial pode oferecer a vantagem de maior conforto para o proprietário porque não precisa ser preparada. Dietas caseiras podem ser desequilibradas e 25 inadequadas para a raça, porte dos cães de crescimento rápido se não forem cuidadosamente formulada, por isso é importante adicionar suplementos minerais, vitaminas e ácidos graxos essenciais para garantir que a alimentação será adequada. Além disso, carne moída de um determinado animal, pode ser contaminada com carne moída de determinado animal de outra espécie, caso a máquina de moagem não seja completamente limpa entre os usos. No entanto, alguns proprietários desejam cozinhar em casa para seu animal de estimação, e receitas para formulações balanceadas estão disponíveis (GASCHEN, 2006; DURANTI, 2011). As dietas hidrolisadas contêm pequenos peptídeos que são menos susceptíveis de ser alérgenos quando comparados com as proteínas em seu tamanho normal. As dietas comerciais hipoalergênicas contem proteínas hidrolisadas (GASCHEN, 2006). Muitos medicamentos orais aromatizados e petiscos contem proteínas animais ocultas, com isso os cães com hipersensibilidade alimentar voltam a apresentar sinais clínicos, portanto o uso destes produtos devem ser evitados nesses animais (GASCHEN, 2006). Piodermites secundárias, otite externa e dermatites por Malassezia devem ser tratadas com terapias apropriadas (Tabela 2). Caso o quadro seja extremamente agressivo, deve-se optar pelo uso de corticóides, por via oral, na menor dose e, exclusivamente nos primeiros 7 dias de eliminação da dieta, esse tem eficácia variada no controle do prurido e sua utilização deve ser evitada ao máximo, pois podem causar efeitos sistêmicos. Medicamentos antihistamínicos sistêmicos podem ser úteis, durante as primeiras 2 a 3 semanas de eliminação da dieta, para controlar o prurido e evitar automutilação (Tabela 3) (GASCHEN, 2006; FARIAS, 2007; DURANTI, 2011). Tabela 2: Principais antibióticos sistêmicos utilizados no tratamento de piodermites secundárias. Fármaco Dose Cefalexina 30mg/kg/12h Cefpodoxima 5 a 10mg/kg/24h Enrofloxacina 5 mg/kg/12h Marbofloxacina 2,5mg/kg/24h Amoxicilina com clavulanato de potássio 22mg/kg/12h Clindamicina 10mg/kg/12h Azitromicina 5 a 15mg/kg/12h Fonte: FARIAS, 2007. 26 Tabela 3 – Principais anti-histamínicos, dose, freqüência e eficácia relativa, indicados no controle do prurido Fármaco Terfenadina Hidroxizine Clemastina Clorfeniramina Difenidramina Cetirazina Loratadina Prometazina Dose 30-60mg/cão/12h/VO 3mg/kg/8h/VO 0,05-0,1mg/kg/12h/VO 0,2-0,5mg/kg/8 ou 12h/VO 2,2mg/kg/8h/VO 10mg/cão/(<10kg) 24h/VO 10mg/cão/(>10kg) 12h/VO 5-15mg/kg/24h/VO 12,5-25mg/kg/6h/VO Eficácia 38-60% 30% 30% 10% 11% 0% 0% Fonte: FARIAS, 2007 3.7 Prognóstico O prognóstico de HpAC é normalmente favorável, se o diagnóstico for feito corretamente. No entanto, é difícil para muitos proprietários manter uma dieta rigorosa sem oferecer nenhum outro tipo de ingrediente e fazer com que as outras pessoas com quem o cão convive também sigam a restrição (GASCHEN, 2006). Alguns cães podem desenvolver hipersensibilidade a nova dieta após alguns meses ou anos e se faz necessária a escolha de outra dieta, por isso, é importante que os animais diagnosticados com hipersensibilidade alimentar sejam examinados periodicamente para assegurar que continuam assintomáticos (DURANTI, 2011). 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da revisão de literatura apresentada neste trabalho podemos concluir que a HpAC é uma doença freqüente nas clínicas veterinárias, sendo porém, difícil o seu diagnóstico, principalmente por ter sinais e sintomas clínicos comuns a outras afecções cutâneas em cães. Consideramos, portanto, que o médico veterinário deva sempre considerar a hipersensibilidade alimentar entre os diagnósticos prováveis em animais que apresentam dermatite pruriginosa não sazonal. 27 Com a realização de uma ananmese detalhada, considerando toda a história clínica e dietética ao longo da vida do animal e realizando todos os testes possíveis de forma a descartar as outras doenças que fazem parte do diagnóstico diferencial, pode chegar-se ao diagnóstico presuntivo de HpAC e este pode ser confirmado por meio do TDE. A condução correta do TDE, o sucesso terapêutico, a remissão dos sintomas clínicos e a manutenção do animal sem os sintomas durante a vida, depende principalmente, do compromisso e dedicação do proprietário. Este comprometimento, é essencial para o sucesso do controle da doença, pois o proprietário tem que se manter determinado com relação ao tratamento dietético durante toda a vida do animal, orientando as outras pessoas que convivam com o animal para que não ofereçam nenhum tipo de petisco ou outro tipo de alimento. O prognóstico é bom, mas é necessário o controle da dieta por toda a vida do animal alérgico, para que se evite o retorno dos sinais clínicos. Este controle sendo feito de maneira correta permite manter o paciente sem crises alérgicas e por longo período. É importante que fique claro para o proprietário que a doença não tem cura, havendo somente controle. Ainda faltam estudos ampliando o conhecimento sobre a patogênese e manifestação da HpAC, de forma a buscar provas diagnósticas mais precisas e confiáveis que permitam a adoção de medidas mais eficientes no controle do quadro e de suas manifestações. . 28 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLENSPACH, K. et al. 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