UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA 4ª Semana do Servidor e 5ª Semana Acadêmica 2008 – UFU 30 anos ENFRENTAMENTO DA MORTE: UMA EXPERIÊNCIA EM CUIDADOS PALIATIVOS Nome do primeiro autor: Cristina Elias Marques1 Nome da instituição e endereço: Universidade Federal de Uberlândia, Faculdade de Medicina – Curso de Graduação em Enfermagem. Av. Mato Grosso n°3214, Bairro Umuarama, CEP 38405-314, Tel: (34) 3212-4386. Uberlândia – MG. e-mail: [email protected] Nome do segundo autor: Glenda Dyonísio2 Nome da instituição e endereço: Universidade Federal de Uberlândia, Faculdade de Medicina – Curso de Graduação em Enfermagem. Rua Conrado Orsi nº12, Bairro Paraíso, CEP 38445-036, Tel: (34) 3242-2469. Araguari - MG. e-mail: glenda_dyoní[email protected] Nome do terceiro autor: Maria Izabel Taliberti Pereira de Souza3 Nome da instituição e endereço: Universidade Federal de Uberlândia, Faculdade de Medicina – Curso de Graduação em Enfermagem. Praça Coronel Carneiro nº105, Bairro Fundinho, CEP 38400-218, Tel: (34) 3234-2047. Uberlândia - MG. e-mail: [email protected] Resumo: O objetivo do presente trabalho é analisar o enfrentamento da morte do paciente vivenciado pelas estagiárias do projeto de extensão “Cuidados Paliativos em Enfermagem” no Hospital de Clínicas de Uberlândia no Setor de Oncologia, Unidade de Terapia da Dor e Cuidados Paliativos, de fevereiro a agosto de 2008. O interesse em relatar a experiência surgiu da necessidade de expressar a importância do cuidado aos pacientes em cuidados paliativos, a necessidade de inclusão da abordagem da morte no curso de graduação em Enfermagem e, sobretudo, o enfrentamento da morte vivenciado por nós enquanto futuras enfermeiras, já que aprender a lidar com as perdas num contexto de uma doença crônica, como o câncer, é um desafio que poucos se propõem a discutir, e muito menos a enfrentar. A prática dos Cuidados Paliativos pressupõe uma nova forma de encarar a morte, onde a autonomia daquele que está morrendo é respeitada acima de tudo, passando o paciente a assumir o controle da situação dentro dos seus limites. O ideal é uma morte em casa, na proximidade da família e de entes queridos. A transparência na relação dos profissionais paliativistas com a família e com o próprio enfermo desempenha papel fundamental nesse novo processo de morrer. Com o decorrer do estágio aprendemos muito sobre a morte e a importância da sua abordagem durante a graduação em enfermagem, uma vez que estamos inseridas num contexto histórico-social de negação da morte e de formação profissional caracterizada pelo enfoque nos aspectos teórico-técnicos. Esse projeto de extensão nos possibilitou entender que a morte é um fenômeno complexo, com implicações profundas, sendo necessária a sua compreensão através de uma perspectiva multidisciplinar, e que, compreendê-la influenciou positivamente na nossa qualidade de vida como pessoas e também na maneira como interagiremos futuramente na prática profissional com o processo de morte e morrer. Palavras-chave: cuidados paliativos, paciente terminal, morte, ensino de enfermagem _________________________ 1 Acadêmica do 6º período do Curso de Graduação em Enfermagem: Bacharelado/Licenciatura da Universidade Federal de Uberlândia - MG. 2 Acadêmica do 6º período do Curso de Graduação em Enfermagem: Bacharelado/Licenciatura da Universidade Federal de Uberlândia - MG 3 Professora Mestre do Curso de Graduação em Enfermagem: Bacharelado/Licenciatura da Universidade Federal de Uberlândia - MG. 1. INTRODUÇÃO: 1.1. O que é Cuidados Paliativos? O olhar sobre a morte ganhou uma nova perspectiva com o surgimento dos cuidados paliativos, que teve seu surgimento na Inglaterra no final da década de 1960 (Menezes, 2004). Segundo a Organização Mundial da Saúde – WHO (1990), Cuidado Paliativo é “o cuidado total e ativo de pacientes cuja doença não é mais responsiva ao tratamento curativo. Esse cuidado é da maior importância para o controle da dor e outros sintomas como também os fatores psicológicos, espirituais e sociais”. Além do conhecimento específico da profissão, o profissional paliativista deve ser “humano”, saber ouvir e demonstrar interesse pelo paciente como um todo, Conforme afirma Menezes (2004), a medicina paliativa é uma nova forma de discurso em torno do morrer, que insurge nos limites da medicina curativa, em resposta ao seu olhar fragmentado do doente. 1.2. A morte e o curso de Enfermagem Assim como o nascer, a morte faz parte do processo de vida do ser humano. Portanto, é algo extremamente natural do ponto de vista biológico. A morte é um conceito que adquirimos de acordo com nossa personalidade, ambiente social, cultural e religioso e educação familiar (Combinato & Queiroz, 2006). A prática dos Cuidados Paliativos pressupõe uma nova forma de encarar a morte, onde a autonomia daquele que está morrendo é respeitada acima de tudo, passando o paciente a assumir o controle da situação dentro dos seus limites. O ideal é uma morte em casa, na proximidade da família e de entes queridos. Deve-se zerar todas as pendências a resolver, para que a partir de uma “consciência tranqüila”, onde a transparência na relação dos profissionais paliativistas com a família e com o próprio enfermo desempenhem papel fundamental nesse novo processo de morrer. A abordagem do tema morte no Curso de Enfermagem é muito relevante, uma vez que a morte é uma questão assustadora, temida e incômoda, e além do mais o trabalho no hospital, onde o contato com a possibilidade ou ocorrência da morte é constante, pode provocar sentimentos muito intensos nos profissionais de saúde como medo, angústia, ansiedade, sintomas físicos e outros, que são geralmente mais drásticos para aqueles profissionais que não tiveram preparo quanto á morte durante a sua formação acadêmica. A negação da morte é um mecanismo constantemente utilizado pelos profissionais, o que acaba por impossibilitar o reconhecimento das angústias do paciente e familiares frente à morte, não favorecendo a elaboração do luto. As manifestações públicas de sofrimento são interditadas e o trabalho do enfermeiro deve ir na direção contrária a esta interdição, procurando facilitar a manifestação dos sentimentos. Por este motivo, encontra grande resistência ao tentar ultrapassar o "pacto de silêncio" instalado nos hospitais. Devido à importância da abordagem do tema Morte e Cuidados Paliativos nos cursos de graduação em enfermagem, no primeiro semestre de 2008, participamos da primeira turma da disciplina optativa denominada “Cuidados Paliativos” que foi oferecida pelo Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Uberlândia, como forma de adquirir mais conhecimento a respeito do tema. 1.3. O estágio Como alunas do Curso de Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal de Uberlândia, participamos, desde fevereiro de 2008, como estagiárias do projeto de extensão “Cuidados Paliativos em Enfermagem” no Hospital de Clínicas de Uberlândia no Setor de Oncologia, Unidade de Terapia da Dor e Cuidados Paliativos. O projeto tem por objetivo 2 proporcionar melhor qualidade de vida aos pacientes fora de possibilidade terapêutica de cura, através de um cuidado humanizado e eficiente, prestado por uma equipe multidisciplinar juntamente com as estagiárias de enfermagem. Desde então, através dessa experiência, percebemos a falta de conhecimento teórico na área de Oncologia, e, sobretudo em Cuidados Paliativos, por não serem esses temas abordados durante o período da graduação. Vale ressaltar ainda que são poucos os graduandos que participam deste projeto de extensão no Programa de Cuidados Paliativos, portanto, a grande maioria não têm a oportunidade de experiência nesse campo. O interesse em relatar a experiência como estagiárias nesse projeto surgiu da necessidade de expressar a importância do cuidado aos pacientes em cuidados paliativos, a necessidade de inclusão da abordagem da morte no curso de graduação em Enfermagem e, sobretudo, o enfrentamento da morte vivenciado por nós enquanto futuras enfermeiras, já que aprender a lidar com as perdas num contexto de uma doença crônica como o câncer é um desafio que poucos se propõem a discutir, e muito menos a enfrentar. 2. OBJETIVO GERAL: Realizar um levantamento bibliográfico sobre o assunto morte, cuidados paliativos e ensino de enfermagem e apresentar um relato de experiência como estagiárias do projeto de extensão “Enfermagem em Cuidados Paliativos” oferecido pelo curso de graduação de Enfermagem da Universidade Federal de Uberlândia. 3. OBJETIVO ESPECÍFICO: Analisar o enfrentamento da morte do paciente vivenciado pelas estagiárias. 4. METODOLOGIA: 4.1. Revisão bibliográfica Este trabalho foi elaborado tendo como base um levantamento bibliográfico utilizando-se livros científicos, manuais, revistas e periódicos da Biblioteca da universidade, publicados a partir de 1998, além de pesquisas eletrônicas nos bancos de dados Scielo e outros. As palavras-chave utilizadas para a busca foram: cuidados paliativos, paciente terminal, morte, ensino de enfermagem. 4.2. Tabulação dos dados Posteriormente foi realizada a análise e tabulação das atividades realizadas pelas duas estagiárias no referido projeto, no período de fevereiro a agosto de 2008, registradas pelas mesmas em impresso próprio Em seguida, fez-se uma reflexão sobre o enfrentamento da morte dos pacientes por essas estagiárias. 5. REFERENCIAL TEÓRICO: 5.1. Cuidados Paliativos e a morte O aumento da expectativa de vida favoreceu uma maior e mais prolongada exposição aos agentes cancerígenos provenientes da urbanização. Essa exposição modificou os hábitos de vida das pessoas, principalmente em relação ao tabagismo, à exposição excessiva ao sol, ao sedentarismo, ao consumo de álcool, à alimentação inadequada, tanto pela falta de fibras e vitaminas, quanto pelo excesso de gordura e conservantes, entre outros (Brasil, 1999). 3 O câncer é a segunda causa de mortalidade por doença, ficando atrás apenas das doenças cardiovasculares. Aproximadamente 60% dos pacientes, quando diagnosticados, já estão numa fase avançada da doença que, independentemente da terapêutica utilizada, evoluirá para a morte (Bettega, 1999). O cuidado paliativo é concebido como um tratamento que fornece alívio, de duração variável. O termo “palliare” era entendido como cobrir, proteger, acobertar, sendo um termo constantemente compreendido em nossa cultura como algo sem muito valor (Melo, 2000). Atualmente, o conceito de cuidados paliativos aborda intervenções que visam o controle da dor e o alívio dos sintomas em busca de uma qualidade de vida melhor, com a perspectiva de cuidar e não somente curar. (Pessini, 2003). Conforme Schramm (2002), os cuidados paliativos vêm atualmente, preencher o espaço existente entre, por um lado, a competência técnica da medicina e da cura (que apesar dos incríveis avanços continua sendo limitada) e a cultura do respeito da autonomia do paciente no que se refere às suas decisões extremas, as quais implicam também em poder dizer quando não quer mais viver sofrendo. O movimento em favor da boa morte começou no exterior (Europa e EUA) e mais tarde chegou ao Brasil, no final dos anos 1980. Aqui, sofreu as adaptações necessárias à cultura brasileira, mas permaneceram algumas inadequações (Maués, 2006). De modo um tanto paradoxal, os Cuidados Paliativos pretendem pôr fim a uma concepção médica vigente - da morte como um evento velado e oculto - criando outra, tornando a morte visível socialmente. Dito de outra forma, os Cuidados Paliativos propõem a construção de novas representações sobre a morte, valorizando as emoções, a subjetividade, a sensibilidade, a receptividade e as relações interpessoais. 5.2. A Enfermagem no processo: Cuidados Paliativos e o morrer A enfermagem pode ser definida como a arte e a ciência de assistir o doente nas suas necessidades básicas, e em se tratando de cuidados paliativos poderíamos acrescentar contribuir para uma sobrevida digna e uma morte tranqüila. Os enfermeiros, ao lidar com cuidados paliativos, devem lembrar que o sofrimento do paciente tem várias facetas e é compartilhado por ele e por sua família. Medina (2000) aponta quatro dimensões da dor, que envolvem os aspectos físicos, sociais, psíquicos e espirituais. Essas dimensões poderão dar sustentação para que ele possa vivenciar a dor de modo mais singular, amenizando o seu sofrimento. Toda a equipe de enfermagem deve envolver- se no atendimento ao paciente e à sua família, promovendo o conforto e o bem-estar, e assim minimizando o sofrimento para estes e também para a própria equipe. Espera-se que o ato de cuidar não se direcione para qualquer ação, e sim para um agir ético, de forma consciente, ordenada e, sobretudo que respeite os direitos do paciente (Fernandes & Freitas, 2006). 5.3. O projeto de extensão A criação do projeto de extensão: “Cuidados Paliativos em Enfermagem” do curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Uberlândia se deu a partir de fevereiro de 2003. Com a criação deste projeto buscou-se novos cenários de ensino-aprendizagem, na prestação de serviços à comunidade, cujo objetivo era capacitar acadêmicos de Enfermagem a prestar cuidados paliativos de Enfermagem a pacientes em estágio terminal e seus familiares; utilizar uma metodologia de assistência de Enfermagem ao paciente terminal e seus familiares; compreender e promover terapias paliativas e alternativas no que se refere a: alívio da dor, manutenção da integridade da pele, alimentação, higiene e conforto e outros cuidados. 4 Para o funcionamento desse projeto, a cada semestre são escolhidos 2 estagiários do 5º período. Durante o período de estágio são desenvolvidas atividades como: • Participação da reunião semanal de acolhimento com toda a equipe do programa. • Participação das visitas domiciliares, segundo agenda pré-estabelecida pelo grupo, juntamente com a enfermeira do programa e realização de cuidados de Enfermagem necessários. A finalidade deste trabalho é de ensinar o cuidador a cuidar do paciente no domicílio e prestar assistência humanizada ás pessoas que se encontram com enfermidade avançada e progressiva, buscando melhor qualidade de vida por meio de especial atenção ao paciente e à família. • Participação das reuniões quinzenais de cuidadores, coordenadas pela Psicologia, Serviço social e Enfermagem, as quais têm como objetivo essencial cuidar do cuidador. Para Matumoto (1998), o acolhimento nos serviços de saúde é considerado um processo, especialmente de relações humanas, pois deve ser realizado por todos os trabalhadores de saúde e em todos os setores do atendimento, não se limitando ao ato de receber, mas se constituindo em uma seqüência de atos e modos que compõem o processo de trabalho em saúde. No setor de Oncologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia, o acolhimento tem como objetivo transmitir informações, esclarecer dúvidas, trocar experiências e principalmente a humanização e otimização dos serviços de saúde, garantindo ao usuário do serviço o conhecimento de recursos tanto humanos, quanto tecnológicos ou os direitos oferecidos pelo sistema, viabilizando o bom uso. Durante o acolhimento, entre fevereiro e agosto de 2008, foi realizado o histórico de enfermagem de todos os 99 pacientes admitidos no programa, e em alguns pacientes também foi possível realizar o exame físico no momento do acolhimento, já que estes encontravam-se presentes. No demais pacientes, o exame físico foi realizado durante a 1ª visita domiciliar de enfermagem. Todas as informações coletadas foram registradas em impresso próprio do hospital. Desta forma, as estagiárias tiveram a oportunidade de desenvolver suas habilidades de Sistematização da Assistência de Enfermagem. Durante a realização dessas visitas foram feitos pelas estagiárias vários procedimentos como: exame físico, cateterismo vesical, curativos, coleta de material para exames, mensuração da dor, avaliações e orientações de enfermagem. A assistência domiciliar, segundo o INCA, pode ser considerada o carro-chefe na assistência ao paciente oncológico em cuidados paliativos, pois vai ao encontro das necessidades apresentadas por estes pacientes. O paciente internado deseja estar em sua casa. O atendimento a este seu desejo torna-se difícil de ser realizado, principalmente pela insegurança demonstrada pelos familiares responsáveis, justamente por não contarem com o suporte exclusivamente destinado a viabilizar esta possibilidade. Nesse sentido, as visitas realizadas proporcionaram às estagiárias ma experiência importante no atendimento à comunidade e na complementação de seu aperfeiçoamento como profissional. O objetivo da reunião de cuidadores é, antes de tudo, conhecer o cuidador, para então proporcionar-lhes a oportunidade de refletir e relatar algumas das experiências vividas em sua prática diária, esclarecer dúvidas quanto aos cuidados ao paciente, prover a educação, o apoio emocional e social e o auxílio no enfrentamento da doença e auxiliar na elaboração do luto. Este suporte é de fundamental importância, pois permite ao cuidador sentir-se amparado e motivado a prestar os cuidados e dar apoio ao paciente. Segundo Rezende et al. (2005), o paciente com câncer deve contar com uma ampla estrutura de apoio para enfrentar as diferentes etapas do processo, desde a prevenção, o diagnóstico e os tratamentos prolongados. É justamente na fase terminal da doença, quando não é possível mais controlar a doença, que o papel dos cuidadores torna-se mais importante e, ao mesmo tempo, mais difícil. A família é afetada pela doença, e a dinâmica familiar afeta o paciente: depressão no paciente, por exemplo, prediz depressão no cuidador, e vice-versa. A OMS considera o atendimento às necessidades dos cuidadores um dos principais objetivos dos cuidados paliativos. Percebe-se que o cuidador revela um dedicar-se por inteiro ao cuidado ao 5 ser doente e que o cansaço e a tristeza do cuidador principal estão relacionados a desgastes físico e emocional. 6. REFLEXÕES SOBRE O ENFRENTAMENTO DA MORTE: Com o decorrer do estágio aprendemos muito sobre a morte e a importância da sua abordagem nos cursos de graduação em enfermagem, uma vez que estamos inseridas num contexto histórico-social de negação da morte e de formação profissional caracterizada pelo enfoque nos aspectos teórico-técnicos. Foi possível entender que a morte é um fenômeno complexo, com implicações profundas, sendo necessária a sua compreensão através de uma perspectiva multidisciplinar, e que, além disso, como a morte faz parte do desenvolvimento humano e está freqüentemente presente em nosso cotidiano, compreendê-la influenciou positivamente na nossa qualidade de vida como pessoas e também na maneira como interagiremos futuramente na prática profissional com o processo de morte e morrer. 6.1. Situações vivenciadas no acolhimento: a má notícia Desde o momento em que uma pessoa supõe que pode ter câncer e faz o primeiro contato com o médico que fará a avaliação diagnóstica, detona-se em todo o sistema – paciente e família – um “alarme”, que desencadeia uma série de reações, em geral pessimistas: de pânico, desespero e caos. Essas reações se ampliam e se particularizam, à medida que o diagnóstico do câncer é confirmado e se torna necessário assimilar, processar, elaborar e finalmente compreender o que está acontecendo para que se possa fazer o enfrentamento necessário, ou seja, a adesão ao tratamento (Maia,2005). No entanto, há situações em que mesmo se submetendo ao tratamento, a doença não regride e muitas vezes se dissemina para outros órgãos ou regiões do organismo, num processo conhecido como metástase. Quando todas as possibilidades terapêuticas se esgotaram, o enfoque do tratamento deixa de ser a cura e passa a se concentrar no alívio dos sintomas. Na situação de enfermidade terminal ocorrem algumas de características que indicam quando um paciente deve ser encaminhado ao programa de Cuidados Paliativos. Segundo a SECPAL (2005), são elas: • A presença de uma enfermidade avançada, progressiva e incurável; • Falta de possibilidades razoáveis de resposta ao tratamento específico; • Presença de numerosos problemas ou sintomas intensos, múltiplos e multifatoriais; • Prognóstico de vida inferior a 6 meses; • Grande impacto emocional do paciente e família, relacionada com a presença, explícita ou não, da morte. No momento em que o médico faz o encaminhamento do paciente para o programa de Cuidados Paliativos, devem ser dadas, ao paciente e à família todas a informações sobre o motivo do encaminhamento, o propósito do programa e a mudança no enfoque do tratamento. Nós estagiárias, observamos durante as reuniões de acolhimento que esse é um momento bastante delicado tanto para o sistema família-paciente, quanto para a equipe. Muitas vezes o paciente e a família desconhecem o motivo do encaminhamento para o programa, pois não foram informados pelo médico. Algumas vezes essa informação não foi entendida ou por outras, tanto paciente quanto a família estão em processo de negação da doença e isso dificulta o entendimento do objetivo e funcionamento do programa. Isso pode ser explicado pelo fato de que o indivíduo e a família precisam de um certo tempo para a assimilação, processamento e elaboração do dado novo: a doença, e também da inclusão no programa que visa não cura, mas a qualidade de vida. Existem muitas doenças fatais além do câncer, porém a impressão que se tem é de que as outras doenças matam, o câncer destrói (Carvalho, 2003). 6 6.2. Visita domiciliar: orientações sobre o óbito domiciliar Quando participamos de visitas domiciliares que visavam orientar a família sobre o óbito no domicílio, percebemos que o programa de cuidados paliativos contribuía para a desospitalização e oferecia um atendimento mais humanizado aos pacientes, pois o foco de atenção se voltava a tríade paciente, família e cuidador, sempre tentando resgatar a dignidade humana e amenizar o sofrimento. Por isso, as condutas médicas, trabalho da enfermagem e do serviço social somavam-se ao trabalho do psicólogo, que favorecia a manifestação dos medos e fantasias do paciente, estimulando sua participação no tratamento. Dessa forma, tudo isso possibilitava que o paciente expusesse seus sentimentos como, angústia, desesperança, mudanças estruturais na sua relação com a vida e também sobre a expectativa de morte. Nestas visitas, em particular, também foram realizadas a orientação da família com relação aos procedimentos burocráticos para providenciar velório e sepultamento, o que os próprios familiares afirmavam ser muito importante naquele momento, pois permitia que eles se sentissem mais seguros e preparados para viver o momento final da vida do paciente juntamente dele em casa. Contudo, também percebemos que uma boa parte das famílias por falta de estrutura física, emocional e social acabam por preferir a internação do paciente e conseqüentemente, a morte no hospital, porque não concordavam que a morte em casa proporcionaria mais dignidade ao paciente. No início, ter vivenciado essas visitas nos pareceu muito estranho, uma vez que, o que predomina nos cursos de graduação em saúde é a medicina curativista, de certa forma “salvadora”. Porém, posteriormente compreendemos o quanto essa vivência foi importante para nós como futuras enfermeiras, uma vez que, a humanização da morte e do processo de morrer é uma condição que pode repercutir positivamente tanto para o doente quanto para o profissional de saúde. 6.3. Reunião de cuidadores: elaboração do luto Quando as famílias não fazem adequadamente o luto de suas perdas, elas não conseguem seguir em frente com as tarefas do viver. Os membros da família podem culpar a si mesmos ou uns aos outros pela morte; eles podem tentar transformar outras pessoas em substitutas para a pessoa perdida ou se abster de experimentar novamente a proximidade com os outros. Não é a morte em si, mas a evitação da experiência pela mistificação, que passa a ser problemática (Maia, 2005) É de grande importância que as famílias possam ser ajudadas, através dos rituais que favorecem a elaboração do luto, a fazer o reconhecimento comum da realidade da morte a fim de normalizar a perda; a valorizar as experiências compartilhadas da perda, contextualizando-a em rituais funerários, por exemplo; a reorganizar o sistema familiar através de tarefas adaptativas à nova realidade; e a reinvestir sua energia em outros relacionamentos e projetos de vida. Se as famílias não têm essas possibilidades e sub-ritualizam sua perda, pode-se, em momento posterior, realizar sua ritualização terapêutica, a fim de que consigam elaborar seu luto e seguir em frente com suas vidas de forma integrada, fortalecida e livre de mistificações que impediriam a adaptação das gerações posteriores. A reunião de cuidadores do Programa de cuidados paliativos existe para apoiar o cuidador. Durante os encontros são abordados temas como as principais dificuldades em cuidar de um ente querido e vê-lo sofrer, de lidar com o sofrimento do paciente e com a própria dor, com a iminência da morte e com a sensação de impotência diante da situação de enfermidade. Os cuidadores que já estão no grupo há mais tempo sempre tem uma palavra de consolo aos mais aflitos e suas experiências são muito valorizadas tanto por aqueles que acabaram de ingressar no programa quanto para a equipe que , apesar de acompanhar e assistir família e paciente, não conhece todas as situações vividas por eles no dia-a-dia. Aprender a lidar e aceitar a morte do paciente é, com certeza, o tema mais discutido durante as reuniões. Notamos que os cuidadores aproveitam o tempo da reunião para desabafarem suas angústias, sofrimento e medo diante da separação do ente querido. Muitos relataram que qualquer 7 sinal que o paciente apresente, seja de piora ou melhora, é um indício de que tudo “está perto do fim”. Relatam que mesmo sendo algumas vezes maltradados pelos doentes, eles fazem de tudo para que seus últimos dias sejam vividos da melhor maneria possível, e que procuram fazer sempre o melhor, doando-se ao máximo, para que quando o paciente partir, eles possam ter a consciência de que fizeram o melhor. 7. CONCLUSÃO O período que antecede a morte de um ser humano portador de uma doença crônica avançada, progressiva e incurável é talvez um dos períodos mais importantes de sua vida. A idéia de uma morte mais digna, menos sofrida, próxima das pessoas que se ama e que nos são caras, proporcionou a criação de um movimento de cuidados mais humanizado, integral, voltado mais especificamente para indivíduos com doenças crônicas, progressivas e sem possibilidade de tratamento curativo. Foi a partir desse movimento que as discussões sobre os cuidados aos indivíduos ao final da vida passaram a ganhar espaço nos serviços de saúde. Se for admitido que a natureza da formação do profissional de saúde que lida com a terminalidade é complexa, será fácil compreender porque a preocupação com a formação de recursos humanos neste campo é mais do que urgente, porque passa a exigir atenção a todas as dimensões do ser (plano físico, espiritual, social, psicológico e econômico). O Brasil ainda não possui uma estrutura pública de cuidados paliativos oncológicos adequada à demanda existente, tanto sob o ponto de vista quantitativo e qualitativo. Esse cenário indica a necessidade de se estabelecerem políticas de saúde voltadas para os indivíduos ao final da vida, e o primeiro passo é começar investindo na formação dos futuros profissionais de saúde. Essa formação deve enfatizar a globalidade do paciente e de suas necessidades e a qualidade de vida quando esta está próxima do fim. É importante conscientizar o profissional que a morte não é sinônimo de fracasso, assim ele se sentirá mais confortado em suas inevitáveis frustrações profissionais. Ter conhecimento da finitude humana é essencial para entender o paciente em seus momentos finais e apoiar a família, que também carece de cuidados. 8. REFERÊNCIAS: Bettega, R. T. C. et al., 1999, Desarrollo de la medicina paliativa em Latinoamérica. In: Sancho, M.G. et al. “Medicina Paliativa em la cultura latina”. Espanha: Aràn, cap 20. p 317-356. Brasil. Ministério da Saúde., 1999, Secretaria Nacional de Assistência à Saúde. Ministério da Saúde. O controle do câncer no Brasil. In: Brasil. Ministério da Saúde. “Controle do Câncer: uma proposta de integração ensino-serviço”. 3 ed. Rio de Janeiro: INCA, cap 4, p. 253-271. Carvalho, M.M.M.J., 2003, “Introdução à Psiconcologia”. Campinas, Editora Livro Pleno. Combinato, D.S. & Queiroz, M.S., 2006, Morte: uma visão psicossocial. Est. Psicol., 11(2): 209 – 216. 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