Arq Bras Cardiol volume 74, (nº 5), 2000 cols. ArtigoStolf Origein al Mediastinite após transplante cardíaco Mediastinite Após Transplante Cardíaco Noedir A. G. Stolf, Alfredo I. Fiorelli, Fernando Bacal, Luiz F. Camargo, Edimar A. Bocchi, Andréa Freitas, André Nicoletti, Daniela Meira São Paulo, SP Objetivo - Avaliação da incidência e o comportamento de mediastinite após o transplante cardíaco. Métodos - De 1985-99, dos 214 transplantes cardíacos realizados, 12 (5,6%) pacientes, idades entre 42 e 66 (média 52,3±10,0) anos, sendo 10 (83,3%) homens, desenvolveram mediastinite confirmada. Sete (58,3%) pacientes apresentavam estabilidade do esterno à palpação, 4 (33,3%) empiema pleural e 2 (16,7%) não apresentavam saída de secreção purulenta pela incisão. Resultados - Staphylococcus aureus foi agente etiológico identificado em 8 (66,7%) pacientes na secreção da incisão, do mediastino ou ambos, o Staphylococcus epide.rmidis em 2 (16,7%), o Enterococcus faecalis em 1 (8,3%) e em 1 (8,7%) paciente a etiologia ficou indeterminada. O tratamento cirúrgico foi realizado em caráter de urgência, onde a extensão do desbridamento foi realizada de acordo com as condições locais. Em 2 (16,7%) casos optou-se pela manutenção da ferida cirúrgica aberta e curativos diários com açúcar granulado. A ressecção total do esterno foi realizada em apenas 1 (8,3%) paciente. Desta série, 5 (41,7%) pacientes morreram e as causas dos óbitos estiveram relacionadas à infecção. A necropsia revelou persistência da mediastinite em 1 (8,3%) paciente. Conclusão - A agilidade no diagnóstico da mediastinite e a drenagem cirúrgica precoce têm modificado a evolução natural desta enfermidade. Todavia, a vigilância aos preceitos básicos de profilaxia de infecção ainda se constitui na melhor forma de tratamento da mediastinite. Palavras-chave: mediastinite, transplante cardíaco, imunossupressão Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP Correspondência: Noedir A.G. Stolf - Rua João Lourenço, 386 - 04508-030 São Paulo, SP Recebido para publicação em 30/9/99 Aceito em 24/11/99 A despeito dos aprimoramentos do transplante cardíaco, a rejeição e a infecção ainda representam os grandes desafios a serem vencidos na melhora dos resultados deste procedimento. Estas duas entidades são as principais responsáveis pela morbidade e mortalidade durante os primeiros meses que sucedem a operação 1. Os processos infecciosos retardam a recuperação pós-operatória e estão presentes na maioria das complicações responsáveis pelo insucesso do transplante. Em outras situações, a infecção apenas representa a via final comum da má evolução do paciente operado. A gravidade e a freqüência das infecções guardam relação direta com o grau de imunossupressão e com as condições intra-operatórias. Diferentes fatores influenciam na transmissão dos agentes infecciosos, tais como doenças associadas, o estado clínico do receptor, do doador, o requinte da técnica operatória, bem como, as condições do ambiente cirúrgico. A prevenção ainda representa um dos aspectos mais importantes no combate às complicações da ferida cirúrgica. Porém, após o seu estabelecimento, a precocidade no diagnóstico, a identificação do patógeno e a instalação imediata da terapêutica efetiva contribuem para a resolução do processo. Contudo, deve-se ressaltar que no transplante, a imunossupressão torna estes pacientes mais susceptíveis à invasão dos microorganismos. Nas operações cardíacas convencionais, a incidência de mediastinite tem sido referida entre 0,4% e 8,0%, com mortalidade ao redor de 30% 2. No transplante, esta afecção é mais temível em razão da alta taxa de mortalidade. O tratamento da mediastinite melhorou nos últimos anos em razão da ampliação do arsenal propedêutico disponível, permitindo abreviar o diagnóstico e o seu tratamento 2-4. O objetivo do presente estudo consiste na apresentação da experiência adquirida, nos últimos 14 anos, no tratamento dos pacientes que desenvolveram mediastinite após transplante cardíaco. Métodos De março/85 a junho/99, 214 pacientes foram submetidos Arq Bras Cardiol, volume 74 (nº 5), 419-424, 2000 419 Stolf e cols. Mediastinite após transplante cardíaco Arq Bras Cardiol volume 74, (nº 5), 2000 ao transplante cardíaco no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP. A análise retrospectiva desta série revelou que 12 (5,6%) pacientes desenvolveram no pós-operatório osteomielite no esterno, infecção no mediastino, ou ambos, e que necessitaram de limpeza e drenagem cirúrgica. A idade dos pacientes esteve compreendida entre 42 e 66 (média de 52,3±10,0) anos, dos quais 10 (83,3%) eram homens. Quanto à etiologia da cardiomiopatia que motivou o transplante, a isquêmica esteve presente em 5 (41,7%) pacientes, a idiopática em 4 (33,3%), reumática em 2 (16,7%) e a chagásica em 1 (8,3%). Sete (58,3%) pacientes apresentavam hipertensão arterial sistêmica, 4 (33,3%) infarto agudo do miocárdio prévio, 4 (33,3%) desenvolveram pelo menos um episódio de infecção controlada, 4 (33,3%) tromboembolismo pulmonar, 2 (16,7%) apresentavam sinais de arteriopatia periférica e cinco (41,7%) apresentavam antecedentes de tabagismo. Dois (16,7%) pacientes haviam sido submetidos à revascularização do miocárdio previamente, dos quais um deles (8,3%), a duas revascularizações e um implante de marcapasso; um outro caso (8,3%) teve substituição da valva mitral por bioprótese de pericárdio bovino. Dois (16,7%) pacientes encontravam-se em choque cardiogênico grave e o transplante foi realizado em caráter de prioridade. A idade dos doadores variou entre 37 e 50 (média 41±6,7) anos. Todos os corações transplantados foram provenientes de doadores que não apresentavam doença infecto-contagiosa em atividade e as determinações sorológicas para doença de Chagas, sífilis, hepatite e síndrome da imunodeficiência adquirida foram consideradas negativas. Na tabela I encontram-se as principais características dos pacientes estudados que apresentaram mediastinite após o transplante cardíaco. No presente estudo não foram considerados os pacientes com infecções superficiais da ferida operatória, apenas aqueles com infecções profundas com drenagem es- pontânea ou não de secreção purulenta, com comprometimento do esterno, do mediastino, ou ambos, e que necessitaram de reabertura da incisão cirúrgica. O diagnóstico de mediastinite obedeceu aos critérios adotados pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Instituto do Coração e foi considerado positivo, quando satisfeito um dos critérios abaixo mencionados. Cultura positiva de tecido do mediastino, do esterno ou do líqüido pericárdico por punção aspirativa ou durante o ato cirúrgico. Evidência de mediastinite ou osteomielite pelo exame direto durante o ato cirúrgico ou em exame histopatológico. Pelo menos um dos seguintes parâmetros, sem outra causa reconhecida: febre superior a 38,0°C, dor torácica, instabilidade do esterno associados à drenagem purulenta do esterno ou mediastino, hemocultura positiva ou cultura positiva de material de drenagem do mediastino ou esterno, alargamento do mediastino ao exame radiológico e a presença de coleção líquida detectada por tomografia computadorizada. A antibioticoprofilaxia após o transplante foi realizada nos dois primeiros (16,7%) pacientes com cefoxitina-2g e oxacilina-2g, por via endovenosa, iniciada na indução anestésica e mantida a cada seis horas até completar oito doses. Nos demais pacientes empregou-se cefuroxima-1,5g, por via endovenosa, iniciada duas horas antes da operação e mantida a cada 12h, por cinco doses. A imunossupressão e os episódios de rejeição obedeceram ao mesmo protocolo previamente publicado 5. Amostras de sangue dos doadores foram colhidas para determinação sorológica, após o transplante, de citomegalovírus e toxoplasma. A antibioticoterapia era inicialmente orientada e modificada, sempre que possível, em função da sensibilidade do agente etiológico e da resposta clínica do paciente. Contudo, a administração empírica era reservada para situações especiais por exigência do grave estado clínico do paciente, enquanto se aguardava a identificação do patógeno. Tabela I - Características pré-operatórias dos pacientes com mediastinite N° Sexo Idade Antecedentes mórbidos e hábitos Tempo de Internação antes do Tx dias Tipo de cardiomiopatia Operações cardíacas anteriores HAS, IAM, litíase renal HAS, IAM, pneumonia, fumo 1 30* HAS, ITU, TEP, pneumonia, HAS HAS TEP, pneumonia IAM, arteriopatia, An.Ao.Ab. Operado HAS, nefrectomia, fumo FR, fumo Pneumopatia, IAM, arteriopatia, fumo HAS, IAM, DM, fumo * 1 1 1 1 1 1 96* 1 Isquêmica Isquêmica Reumática Idiopática Chagásica Idiopática Idiopática Isquêmica Idiopática Reumática Isquêmica Isquêmica (1)RM (1)TVMi (2)RM, (1)MP - anos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 M M F M M F M M M M M M 55 66 65 45 40 48 42 53 62 45 65 42 Tempo de espera dias 45 65 96 (*)Choque cardiogênico e insuficiência respiratória; ( ) número de operações; An.Ao.Ab.- aneurisma de aorta abdominal; AVC- acidente vascular sistêmico; DMdiabetes mellitus; HAS- hipertensão arterial sistêmica; IAM-infarto agudo do miocárdio; ITU- infecção do trato geniturinário; M- masculino; F- feminino; RMrevascularização do miocárdio; MP- marcapasso; TEP- tromboembolia pulmonar; TVMi- troca de valva mitral; Tx- transplante. 420 Arq Bras Cardiol volume 74, (nº 5), 2000 Stolf e cols. Mediastinite após transplante cardíaco Uma vez estabelecido o diagnóstico de mediastinite, o tratamento cirúrgico foi indicado em caráter de urgência. Durante o ato operatório procurou-se estabelecer a extensão do acometimento infeccioso, procurando-se retirar todo tecido com necrose, seguindo-se de exaustiva lavagem da ferida cirúrgica com soro fisiológico e iodo povidona (PVPI). Em todos os casos foi mantida a irrigação contínua a 5% de PVPI em solução fisiológica durante cinco a sete dias. Resultados A duração do transplante variou entre 4:50h e 12:00h, com média de 7,6±2,1h e em um (8,3%) paciente, com operações cardíacas prévias, esse tempo foi prolongado em conseqüência de lesão do ventrículo direito durante a esternotomia. O tempo de permanência dos drenos torácicos variou entre três e cinco dias, com média de 3,7±0,7 dias. Seis (50,0%) pacientes receberam pulsoterapia endovenosa antes das manifestações de mediastinite, para controle de rejeição aguda. No momento da confirmação do diagnóstico de mediastinite, 8 (66,7%) pacientes apresentaram temperatura corpórea superior à 37,5°C e apenas 2 (16,7%) não desenvolveram leucocitose. Sete (58,3%) pacientes apresentavam estabilidade do esterno à palpação, quatro (33,3%) sinais de empiema pleural e 2 (16,7%) não apresentavam saída de secreção purulenta pela incisão. Um (8,3%) paciente evoluiu com fortes dores torácicas, como manifestação isolada, quatro dias antes da confirmação diagnóstica de mediastinite. Na tabela II, encontram-se as características clínico e laboratorial dos pacientes no período em que foi realizado o diagnóstico de mediastinite. O Staphylococcus aureus foi agente etiológico identificado em oito (66,7%) pacientes na secreção da incisão, do mediastino ou ambos; o Staphylococcus epidermidis em dois (16,7%), o Enterococcus faecalis em 1 (8,7%) e em 1 (8,7%) paciente a etiologia ficou indeterminada. Em 2 (16,7%) pacientes, o agente etiológico da mediastinite foi isolado também na corrente sangüínea. Todos os pacientes apresentavam outros focos de infecção associados. Em 2 (16,7%) pacientes, foram identificados dois agentes concomitantes na secreção do mediastino. A tabela III apresenta a distribuição dos patógenos responsáveis pela mediastinite, as infecções associadas e a antibioticoterapia empregada. Uma vez estabelecido o diagnóstico de mediastinite, o tratamento cirúrgico foi realizado em caráter de urgência, variando entre o 11° e o 52° dia de pós-operatório, com média de 19,8±11,9 dias. A extensão do desbridamento foi diretamente proporcional ao acometimento da infecção observado durante o ato operatório. A esternectomia total foi realizada em apenas 1 (8,3%) paciente em conseqüência do estado avançado de osteomielite. Em 2 (16,7%) pacientes, optou-se pela manutenção da ferida cirúrgica aberta e curativos diários com açúcar granulado. Em 3 (25,0%) pacientes houve a necessidade de repetir o desbridamento por persistência do processo infeccioso. Todavia, no caso n° 12 (8,3%), a reintervenção realizada no 44° dia de pós-operatório foi indicada por manutenção do estado febril e piora do quadro clínico, porém, não foram observados sinais de mediastinite em atividade e a cultura de amostras coletadas do local foi negativa. Dois (16,7%) pacientes foram reinternados devido ao recrudescimento do quadro infeccioso. Desta série, 5 (41,7%) pacientes morreram e as causas dos óbitos estiveram de alguma forma relacionadas à infecção. A necropsia revelou persistência da mediastinite em apenas um paciente (caso n° 8). Na tabela IV encontram-se descritas a conduta cirúrgica e a evolução dos pacientes. Discussão A mediastinite modifica substancialmente a evolução natural dos pacientes no pós-operatório, pelo alto índice de Tabela II – Características clínicas e laboratoriais dos pacientes que desenvolveram mediastinite N° 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Tempo de op. (Transplante) horas Tempo de drenagem torácica dias Rejeição antes da mediastinite T °C 4:50 6:40 6:00 7:00 7:30 4:30 7:50 7:30 10:00 9:00 12:00** 8:00 3 4 4 3 3 3 3 5 3 4 4 3 3-B 1-A 3-B 3-A 3-A 1-A e 1-B 3-A 1-B 3-A 36,5 38,0 38,0 37,5 37,5 36,5 37,5 38,0 36,5 36,5 37,5 38,0 N° de Leucócitos 14 300 16 400 18 900 14 700 11 000 8 100 15 900 12 000 23 500 22 600 16 600 7 300 *Manifestações clínico-laboratoriais Esterno Secreção Purulenta Incisão Mediastino Instável Estável Estável Estável Instável Estável Instável Estável Instável Estável Instável Estável Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim*** Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Pleura Sim Não Não Não Sim Não Não Sim Não Não Sim Não (*) Billigan et al; (**) lesão do ventrículo direito durante a esternotomia; (***) dor torácica intensa; Op.- operação; T- temperatura. 421 Stolf e cols. Mediastinite após transplante cardíaco Arq Bras Cardiol volume 74, (nº 5), 2000 Tabela III – Diagnóstico da mediastinite e antibioticoterapia N° Identificação do agente etiológico Sangue Incisão e/ou mediastino 1 - S. epidermidis 2 - S. aureus 3 - - 4 - S. aureus 5 S. epidermidis S. epidermidis 6 - 7 - 8 - S. aureus Enterobacter sp E. faecalis P. aeruginosa S. aureus 9 10 11 12 S. aureus - S. S. S. S. aureus aureus aureus aureus Infecção associada Antibioticoterapia durante a mediastinite Pneumonia candidíase oral loja do MP Toxoplasmose CMV, sepse Pneumonia CMV, ITU Empiema sepse Empiema Herpes oral candidíase oral Cândida-fezes sepse Candidíase oral Cefoxitina, clindamicina, cefoxitina Vancomicina, cefoxitina Cefoxitina, clindamicina, cefoxitina Vancomicina, clindamicina, ceftazidima, ceftriaxona Vancomicina, cefoxitina Vancomicina, fluconazol, neomicina Vancomicina, ciprofloxacina, aztreonam, clindamicina Vancomicina, clindamicina, ceftazidima, ceftriaxona Vancomicina, ceftazidima Vancomicina, cefuroxima Vancomicina, ciprofloxacina Vancomicina, clindamicina, ceftazidima Empiema Pneumonia Pneumonia Perna E Pneumonia E- Enterococcus; P- pseudomonas; S- Staphylococcus; MP- marcapasso; ITU-infecção do trato geniturinário; CMV- citomegalovírus. Tabela IV - Tratamento cirúrgico e evolução dos pacientes com mediastinite N° Tratamento cirúrgico Evolução pós-operatória PO Conduta operatória Evolução após o desbridamento Evolução necropsia causa do óbito 1 30° Desbridamento, irrigação com PVPI 2 52° Desbridamento, irrigação com PVPI 31° Hemotórax toracotomia e PCR, coma IMO, sepse 3 12° Desbridamento, irrigação com PVPI Dissociação AV súbita 4 5 14° 18° 39° 59° 23° Desbridamento, irrigação com PVPI Desbridamento, irrigação com PVPI Desbridamento, esternectomia, ferida aberta + açúcar Rotação muscular + fechamento do tórax Desbridamento, irrigação com PVPI Mediastinite persistente Óbito - 50°PO sem mediastinite lesão cerebral Óbito - 63°PO sem mediastinite Toxoplasmose Óbito - 46°PO sem mediastinite rejeição Alta - 46°PO Alta - 90°PO 8 18° 23° 49° 11° Desbridamento, irrigação com PVPI Desbridamento, ferida aberta + açúcar Desbridamento, ferida aberta + açúcar Desbridamento, irrigação com PVPI 9 13° Desbridamento, irrigação com PVPI 10 11 10° 12° Desbridamento, irrigação com PVPI Desbridamento, irrigação com PVPI 12* 24° 44° Desbridamento, irrigação com PVPI Desbridamento, irrigação com PVPI 6 7 Pneumonia IMO Sepse Óbito 63°PO sem mediastinite TEP, sepse Alta – 151° PO IMO, sepse Óbito -15°PO Com mediastinite sepse Alta – 60°PO 90° PO – retirada de fio de aço TVP e infecção na perna E, enxerto muscular livre Agranulocitose, IRA Alta – 45°PO Alta - 60°PO Alta - 90°PO (*) Recebeu alta hospitalar e foi reinternado por infecção; PO- dia de pós-operatório; PVPI- iodo povidona; AV- atrioventricular; DC- doença de Chagas; Eesquerda; IRA- insuficiência renal aguda; GECA- gastrenterocolite; PCR- parada cardiorrespiratória; TEP- tromboembolismo pulmonar; TVP- trombose venosa profunda; IMO- insuficiência de múltiplos órgãos; MIE- membro inferior esquerdo; CMV- citomegalovírus. 422 Arq Bras Cardiol volume 74, (nº 5), 2000 morbimortalidade, prolonga a internação e eleva os custos hospitalares 6. O diagnóstico e o tratamento cirúrgico precoce evitam a propagação da infecção e as seqüelas devastadoras, freqüentemente associadas. A incidência de mediastinite nas operações cardíacas convencionais não tem sido encontrada com freqüência elevada, geralmente inferior a 1%, muito embora, durante a década de 80, a mortalidade atribuída a esta entidade era referida entre 14 e 47% 1,7. Recentemente, a taxa de mortalidade foi reduzida para cifras inferiores a 10%, mesmo em casos de transplante cardíaco 2,8. No presente estudo, a incidência e a mortalidade confirmaram a gravidade desta entidade, observada por outros autores 3,6,8. Grossi e cols., analisando 7.949 pacientes submetidos a operações cardíacas observaram que apenas 0,97% deles desenvolveram mediastinite, identificando como fatores de risco a associação de procedimentos operatórios, sangramento, baixo débito cardíaco e a ventilação mecânica prolongada. Karwande e cols. encontraram mediastinite em 2,8% dos pacientes após transplante cardíaco e mortalidade de 8,3%. Por outro lado, Albat e cols. reduziram a incidência de mediastinite após o transplante com a diminuição de corticóide 9. A falta de uniformidade nos resultados encontrados na literatura ocorre, entre outras causas, em parte pelas diferentes definições atribuídas à extensão da infecção na ferida operatória. As complicações da esternotomia variam desde pequenas deiscências estéreis até mediastinites supurativas, com grave acometimento sistêmico. Os termos mediastinite e osteomielite de esterno são muitas vezes empregados como sinônimos para designarem infecção profunda da ferida cirúrgica. Contudo, as infecções profundas confinadas ao tecido subcutâneo e muscular sem acometimento ósseo, geralmente apresentam evolução benigna. Diante destes fatos, nesta série houve a preocupação de se adotar critérios bem definidos na seleção da casuística, para facilitar a análise dos resultados obtidos. O transplante cardíaco é considerado uma operação limpa; todavia, oferece terreno fértil ao desenvolvimento dos microorganismos pela extensa agressão cirúrgica e imunossupressão. As bactérias gram-positivas são os agentes mais freqüentemente isolados. A freqüência do Staphylococcus aureus e do Staphylococcus epidermidis nesta série de pacientes está de acordo com as observações de outros autores que os responsabilizam por mais de 80% dos casos de mediastinite 7,10. As bactérias gram-negativas e os fungos raramente são encontrados, assim como as infecções mistas referidas em cerca de 40% dos casos 11,12. A concomitância de diferentes agentes patogênicos, observada nesta série, pode ter sido facilitada pela imunossupressão, que predispõe a disseminação hematogênica. A identificação em necropsia do Toxoplasma gondii no mediastino foi atribuída à extensa disseminação da toxoplasmose e não ao agente etiológico da mediastinite. O estabelecimento do início da mediastinite e a sua evolução seqüencial não são facilmente caracterizados, Stolf e cols. Mediastinite após transplante cardíaco pois, diferentes fatores concorrem na sua patogênese. A drenagem inadequada do mediastino com a manutenção de coleções sero-sanguinolentas no espaço retroesternal predispõe a colonização e a propagação dos microorganismos. Em outras situações, a instabilidade óssea e a solução de continuidade da pele são os fatores predisponentes na instalação da infecção. Em geral, nas fases precoces, a osteomielite está confinada aos tecidos locais e a instabilidade do esterno, que aparece em poucos dias, reflete o estágio avançado da infecção. A mediastinite crônica que ocorre poucas semanas após a operação é caracterizada por fístulas ou coleções circunscritas e oferece oportunidade de tratamento com resultados mais satisfatórios 13. Esta última observação parece que interferiu de forma significativa na evolução dos pacientes estudados, considerando-se que foi mais fácil o controle da infecção naqueles casos que desenvolveram mediastinite na 2ª ou 3ª semana após o transplante. Possivelmente, nesse subgrupo de pacientes, outros fatores devem ter concorrido positivamente e auxiliaram o bloqueio do processo infeccioso, tais como: as suas condições clínicas preexistentes, a precocidade na reintervenção, a intensidade e a virulência do agente agressor. A mediastinite manteve-se em franca atividade local em apenas 8,3% dos pacientes; nos demais houve remissão, mesmo naqueles que morreram, onde a necropsia identificou organização do processo. Isto sugere que o tratamento aplicado foi eficiente para debelar a infecção local. Os principais fatores de risco que têm sido apontados no desenvolvimento das infecções do mediastino são: tabagismo, pneumopatias, permanência hospitalar pré-operatória prolongada, preparo inadequado da pele para a operação, sangramentos, reoperações, intubação prolongada e a imunossupressão 1,2,7. A identificação destes fatores e o requinte da técnica operatória constituem-se em importantes armas na prevenção das infecções pós-operatória. Os cuidados cirúrgicos estendem-se desde a esternotomia, com adequada hemostasia, até o uso racional do eletrocautério e da cera de osso 10,11. Os sintomas e sinais clássicos de infecção aguda encontrados habitualmente na mediastinite, podem estar mascarados pela dor torácica própria do pós-operatório ou outras infecções associadas. A supuração pela incisão e a instabilidade do esterno, próprias da mediastinite, nem sempre aparecem como primeira manifestação de infecção, o que ocorreu em 83,3% e 41,6% dos casos estudados, respectivamente. Estas manifestações têm sido referidas em diferentes experiências com incidência de até 90% 7,8. No presente estudo, possivelmente, a baixa incidência de instabilidade do esterno ocorreu pela precocidade do tratamento cirúrgico, não permitindo extensão do comprometimento ósseo. Apenas um paciente apresentou dor torácica intensa, como manifestação isolada, durante quatro dias, antes que fosse possível o estabelecimento do quadro clínico confirmado de mediastinite. A febre e a leucocitose, freqüentemente encontradas nos processos infecciosos, estiveram 423 Stolf e cols. Mediastinite após transplante cardíaco Arq Bras Cardiol volume 74, (nº 5), 2000 presentes na fase inicial do diagnóstico da mediastinite em 66,7% e 83,3% dos pacientes, respectivamente. A observação clínica diária oferece os melhores subsídios na identificação da mediastinite, pois, a investigação laboratorial não é específica e apenas colabora com a suspeita clínica. As hemoculturas foram positivas em 16,7% dos pacientes investigados. Kohman e cols. encontraram bacteremia em 59,2% dos pacientes que desenvolveram mediastinite após revascularização do miocárdio. A imunossupressão seguramente modifica a resposta inflamatória naturalmente observada diante da mediastinite. A radiografia de tórax raramente auxilia no diagnóstico inicial da mediastinite, oferecendo informações mais importantes no seguimento evolutivo do padrão pulmonar. A análise seriada do exame ecocardiográfico e da tomografia computadorizada oferece informações substanciais referentes ao aparecimento de coleções pericárdicas ou retroesternais, considerando-se que o transplante modifica significativamente a anatomia do mediastino 3. Deve-se reiterar que, mais importante do que a análise isolada de um único exame é a observação clínica diária associada às informações clínicas e laboratoriais. O tratamento da mediastinite, como aplicado neste estudo, varia desde simples desbridamento, ressecção parcial ou total do esterno, até procedimentos mais complexos com rotação de retalhos musculares 7,9,13. A antibioticoterapia ou a limpeza cirúrgica isoladas não foram utilizadas em nenhuma situação e não são admissíveis na prática atual. A técnica do desbridamento e o fechamento primário do esterno com manutenção de irrigação contínua do mediastino foi descrita com sucesso inicialmente por Shumacker e Mandelbaum 14, em 1963, no tratamento da mediastinite causada por Staphylococcus após cirurgia cardíaca. O uso de irrigação com antibióticos ou solução de iodo a 0,5% reduziu significativamente a mortalidade desta afecção, a despeito da manutenção ainda de altas taxas de morbidade e mortalidade 15. A irrigação nas suas diferentes formas tem por finalidade a limpeza mecânica e a remoção do material necrótico. A utilização dos retalhos musculares ou epíploon tem sido apresentado de forma controversa, devendo-se considerar a agressão cirúrgica e a oportunidade do emprego desta modalidade 15,16,17. A orientação adotada nesta séria esteve sempre voltada inicialmente para amplo desbridamento dos tecidos necróticos; drenagem múltipla do mediastino e da cavidade torácica, fechamento primário do esterno e manutenção de irrigação contínua com solução de iodo povidona a 0,5%, durante cinco a sete dias. A ferida operatória foi mantida aberta em 16,7% dos pacientes. Tratava-se de situações especiais, onde houve falha no tratamento primário, o comprometimento do esterno era extenso, com necessidade de ressecções ósseas amplas. Esses pacientes foram retirados da ventilação mecânica prolongada, após recuperação do estado clínico geral e a ferida operatória foi mantida aberta. Esta atitude favorece a limpeza e drenagem das secreções, evita a disseminação da infecção e facilita a cicatrização. A contenção do tórax com faixa permite a cicatrização da ferida com aproximação do esterno. A rotação do músculo reto abdominal foi empregado em um caso com ressecção total do esterno. Concluindo, o tratamento da mediastinite continua representando um grande desafio à equipe médica, pois, esta entidade modifica dramaticamente a evolução pós-operatória no transplante cardíaco e pode deixar seqüelas funestas. A agilidade no seu diagnóstico e reintervenção precoce têm modificado a evolução natural desta enfermidade. Todavia, a vigilância aos preceitos básicos de profilaxia de infecção ainda se constitui na melhor forma de tratamento da mediastinite. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Maria R, Minoli L, Parolini M, et al. Prognostic determinants of six-month morbidity and mortality in heart transplant recipients. The Italian Study Group on Infection in Heart Transplantation. J Heart Lung Transplant 1996; 15:124-35. Culliford AT, Cunningham JN, Zeff RH, Isom OW, Teiko P, Spencer FC. 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