MINISTÉRIO DA SAÚDE FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ INSTITUTO OSWALDO CRUZ PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA PARASITÁRIA APOPTOSE E PERFIL DO REPERTÓRIO DA CADEIA VARIÁVEL ΒETA DO RECEPTOR DE CÉLULAS T EM LINFÓCITOS T CD8+ DE PACIENTES COM LEISHMANIOSE CUTÂNEA RAQUEL FERRAZ NOGUEIRA Rio de Janeiro 2011 INSTITUTO OSWALDO CRUZ Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular RAQUEL FERRAZ NOGUEIRA APOPTOSE E PERFIL DO REPERTÓRIO DA CADEIA VARIÁVEL ΒETA DO RECEPTOR DE CÉLULAS T EM LINFÓCITOS T CD8+ DE PACIENTES COM LEISHMANIOSE CUTÂNEA Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Biologia Parasitária do Instituto Oswaldo Cruz, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre, área de concentração: Imunologia e Patogenia Orientador: Dr. Álvaro Luiz Bertho dos Santos Rio de Janeiro 2011 ii INSTITUTO OSWALDO CRUZ Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular APOPTOSE E PERFIL DO REPERTÓRIO DA CADEIA VARIÁVEL ΒETA DO RECEPTOR DE CÉLULAS T EM LINFÓCITOS T CD8+ DE PACIENTES COM LEISHMANIOSE CUTÂNEA AUTORA: RAQUEL FERRAZ NOGUEIRA ORIENTADOR: DR. ÁLVARO LUIZ BERTHO DOS SANTOS Banca Examinadora: Dra. Alda Maria da Cruz Instituto Oswaldo Cruz – Fiocruz, RJ Dra. Andrea Henriques Pons Instituto Oswaldo Cruz – Fiocruz, RJ Dr. Jorge Clarêncio Souza Andrade Centro de Pesquisa Gonçalo Muniz – Fiocruz, BA Rio de Janeiro 2011 iii AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Dr. Álvaro Luiz Bertho dos Santos, grande influência para a minha formação profissional e quem me deu a oportunidade e o privilégio de iniciar a carreira na FIOCRUZ. Obrigada pelas aulas de imunologia, de leishmaniose e de citometria de citometria de fluxo. Sua atenção, paciência e incentivo alimentaram a minha dedicação e envolvimento neste trabalho que você me confiou. Gratidão e amizade eterna; Agradeço à Clarissa Ferreira, fundamental em muitas etapas deste trabalho, sempre disposta a ajudar. Ganhei a oportunidade de ensiná-la o pouco que sei e tive o privilégio de aprender muito. Em pouco tempo se tornou uma grande companheira e amiga; Aos meus pais, agradeço o amor e carinho incondicionais, a confiança, o incentivo constante e o investimento de sempre na minha vida acadêmica. Agradeço a vocês e a minha irmã, Bianca Ferraz, por compreenderem a minha ausência nestes últimos anos e por me encorajar nos momentos difíceis; Aos amigos da turma de mestrado em Biologia Parasitaria (2009-2011); À Tatiana Cury, Renata Ferraz, Mariana Faria, Thais Miquelino, Raquel Sepulveda e Bianca Ferraz, que moraram comigo e acompanharam de perto meu estudo; Aos pacientes que aceitaram participar deste estudo e aos voluntários sadios: obrigada pela doação das amostras de sangue periférico! Agradeço à equipe do Centro de Referência de Leishmanioses e do Ambulatório do IPEC: Dr. Armando Schubach, Dra. Claudia Valete, Dr. Marcelo Rosandisk, à equipe de Coleta do ambulatório, à Ginelza Perez, à Michelle Moreira, e em especial à Dra. Maria Inês Pimentel por disponibilizar o acesso às informações clínicas e epidemiológicas dos pacientes; À pós-Graduação em Biologia Parasitária e sua equipe; À Plataforma de Citometria de Fluxo do IOC, à Dra. Andrea Henriques Pons e ao Alessandro Marins; À Plataforma de Citometria de Fluxo do PDTIS, à Dra Íris Marins Peixoto e ao Dr. Geraldo Pereira; A todos que fazem, ou fizeram, parte do laboratório de imunoparasitologia do IOC, pesquisadores, alunos e técnicos. A convivência com estas pessoas alimentou a minha alegria em trabalhar aqui; Ao Dr. Sérgio Mendonça, pela atenção, incentivo e pelas sugestões; iv À Dra Léa Cysne pelas palavras amorosas de sempre e à Dra Fátima Conceição pelas sugestões e apoio antes das minhas apresentações; À Rosa Plácido agradeço pelo material necessário para a execução dos experimentos; e à Vera e à Rose, sempre bem humoradas. Obrigada pela atenção e disponibilidade em ajudar; À Thalita e a Simone, que foram tão atenciosas em, muitas vezes, trazer as amostras de sangue pra mim; À Simone agradeço ainda pela coleta das amostras de sangue dos voluntários sadios, assim como ao Ricardo Nogueira e à Dra Joseli Ferreira; Agradeço ao Juan Camilo que sempre trazia uma solução simples para os problemas que eu achava difíceis; à Amanda e à Elisângela, companheiras na alegria e no desespero; Aos integrantes do laboratório interdisciplinar de pesquisas médicas (LIP-MED), as primeiras pessoas que conheci quando iniciei o estágio curricular. Agradeço a convivência cordial, a cooperação e descontração. À Dra. Alda Maria Da-Cruz, pelas revisões, correções e sugestões, que tanto me ajudaram ao longo da elaboração deste trabalho; e ao Adriano Gomes e a Joanna Reis, pela colaboração, atenção, artigos e anticorpos monoclonais. Aos integrantes da Banca examinadora que aceitaram o convite para a avaliação do presente estudo À Dra. Marize Nunes, à Dra. Paula de Lucca, à Dra Roberta Olmo pela contribuição com os reagentes que precisei durante a execução deste trabalho. À Rosângela, à Sylvia e ao Ricardo pelo serviço de secretariado. À Beckman Coulter, pela doação do kit IOTest Beta Mark que possibilitou o estudo do repertório Vβ, e pelo financiamento das inscrições em congressos. À Fundação Oswaldo Cruz, meu endereço mais fixo no Rio de Janeiro. Ao IOC pelo financiamento de passagens aéreas para que eu pudesse participar de congressos. À CAPES pela concessão da bolsa de estudos. v “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças.” (Charles Darwin) vi SUMÁRIO Lista de Abreviaturas ................................................................................................................ix Resumo .....................................................................................................................................xi Abstract ....................................................................................................................................xii Lista de Tabelas ......................................................................................................................xiii Lista de Figuras .......................................................................................................................xiv 1. Introdução ...........................................................................................................................18 1.1 Epidemiologia das leishmanioses ......................................................................................18 1.2 Agentes etiológicos e ciclo de vida ....................................................................................20 1.3 Formas clínicas da leishmaniose tegumentar .....................................................................22 1.3.1 Leishmaniose subclínica ................................................................................................ 22 1.3.2 Leishmaniose cutânea (LC) ............................................................................................23 1.3.3 Leishmaniose mucosa (LM) ............................................................................................23 1.3.4 Leishmaniose cutânea disseminada (Ldiss) ....................................................................24 1.3.5 Leishmaniose cutânea difusa (LCD) ...............................................................................24 1.4 Diagnóstico da leishmaniose tegumentar Americana ........................................................25 1.5 Tratamento da leishmaniose tegumentar Americana .........................................................26 1.6 Imunopatogenia da leishmaniose tegumentar Americana .................................................26 1.6.1 Resposta imune inata .....................................................................................................27 1.6.2 Resposta imune adaptativa .............................................................................................28 1.6.2.1 O repertório de linfócitos T ..........................................................................................29 1.6.2.2 Reconhecimento antigênico e ativação de clones específicos ....................................33 1.6.2.3 Os linfócitos T de memória ..........................................................................................38 1.6.2.4 A apoptose de linfócitos T na LTA ..............................................................................40 1.7 Citometria de Fluxo ...........................................................................................................43 2. Justificativa .........................................................................................................................45 3. Objetivo geral .....................................................................................................................47 3.1 Objetivos específicos .........................................................................................................47 4. Metodologia ........................................................................................................................48 4.1 Casuística ...........................................................................................................................48 4.2 Coleta do material biológico ..............................................................................................49 4.3 Obtenção de células mononucleares de sangue periférico .................................................49 4.4 Ensaio ex vivo para avaliação fenotípica das subpopulações de linfócitos T CD8+, repertório Vβ e apoptose ...........................................................................................50 4.5 Preparo de antígenos particulados de Leishmania (Viannia) braziliensis .........................53 4.6 Ensaio in vitro para avaliação fenotípica das subpopulações de linfócitos T CD8+ e apoptose .................................................................................................................................53 4.7 Citometria de Fluxo ...........................................................................................................55 4.7.1 Definição de Regiões e Compensação de Cores .............................................................55 4.7.2 Análise Citofluorimétrica das Amostras Obtidas Ex vivo ...............................................57 4.7.3 Análise Citofluorimétrica das Amostras Obtidas Após Estimulação In vitro com Antígenos de Leishmania .........................................................................................................60 4.8 Análise Estatística ..............................................................................................................61 5. Resultados ...........................................................................................................................62 5.1 Características clínicas e epidemiológicas dos indivíduos avaliados ................................62 5.2 Avaliação do percentual de linfócitos T CD8+ obtidos ex vivo e in vitro... .......................64 vii 5.3 Perfil de distribuição das subpopulações de linfócitos T CD8+..........................................66 5.4 Análise comparativa das subpopulações de linfócitos T CD8+ entre os grupos estudados ..................................................................................................................................68 5.5 Avaliação do percentual dos linfócitos T CD8+ em apoptose ............................................73 5.6 Distribuição das subpopulações de linfócitos T CD8+ em apoptose ..................................75 5.7 Análise comparativa das subpopulações de linfócitos T CD8+ em apoptose entre os grupos estudados ..................................................................................................................................77 5.8 Avaliação do perfil do repertório Vβ de linfócitos T CD8+................................................83 5.9 Comparação do repertório Vβ de linfócitos T CD8+..........................................................85 5.10 Alterações do repertório Vβ das subpopulações de linfócitos T CD8+ durante e após o tratamento da leishmaniose cutânea .........................................................................................86 5.10.1 Alteração da frequência de Vβ 12, Vβ 21.3 e/ou Vβ 22, em linfócitos T CD8+ efetores .....................................................................................................................................87 5.10.2 Alteração da frequência de Vβ2, Vβ 3, Vβ 5.3, Vβ 9, Vβ 13.2 e/ou Vβ 23, em linfócitos T CD8+ naïve ...........................................................................................................88 5.10.3 Alteração da frequência de Vβ 2, Vβ 5.2, Vβ 9, Vβ 18 e/ou Vβ 22, em linfócitos T CD8+ de memória efetora .........................................................................................................90 5.10.4 Alteração da frequência de Vβ 2, Vβ 9, Vβ 13.2, Vβ 18 e/ou Vβ 23, em linfócitos T CD8+ de memória central em pacientes ...................................................................................92 6. Discussão .............................................................................................................................96 7. Conclusões .........................................................................................................................108 8. Referências Bibliográficas ...............................................................................................109 Anexo I ...................................................................................................................................129 viii Lista de Abreviaturas 7-AAD 7-aminoactinomicina D APC Antigen Presenting Cell - Célula apresentadora de antígeno Ag-Lb Antígeno de Leishmania Braziliensis AICD Activated Induced Cell Death - Morte Celular Induzida por Ativação CD Cluster of Differentiation CDR Complementarity-determining region – Região determinante de complementariedade Cols. Colaboradores CMSP Células mononucleares do sangue periférico ConA Concanavalina A CTRL Controle - Indivíduos Sadios DC Dendritic cell ECD Electron Coupled Dye (similar ao PE-TR) ELISA Enzyme-Linked Immunosorbent Assay – Ensaio imunoenzimático FITC Isotiocianato de fluoresceína FSC Forward Scatter gp-63 Glicoproteína 63 IDRM Intradermorreação de Montenegro IFN-γ Interferon-gama IgG Imunoglobulina G IL Interleucina LC Leishmaniose Cutânea LCD Leishmaniose Cutânea Difusa LDis Leishmaniose Disseminada LM Leishmaniose Mucosa LPG Lipofosfoglicano LT Leishmaniose Tegumentar LTA Leishmaniose Tegumentar Americana LV Leishmaniose Visceral MFI Mean Fluorescence Intensity (Intensidade Média de Fluorescência) MHC Major Histocompatibility complex - Complexo Principal de Histocompatibilidade NK Célula Natural-Killer NNN Meio de cultura McNeal, Novy & Nicolle ix OMS Organização Mundial da Saúde PBS Phosphate Buffered Saline PBSAZ Sódica Phosphate Buffered Saline – Tampão Fosfato Salino - contendo 0,1% de Azida PCR Polimerase Chain Reaction – Reação em Cadeia da Polimerase PDT Pacientes Durante o Tratamento PE Ficoeritrina PE-TR Ficoeritrina-Texas Red RIFI Reação de imunofluorescência indireta SSC Side Scatter TCR T Cell Receptor - Receptor de célula T Th-1 Linfócitos T helper do tipo 1 Th-2 Linfócitos T helper do tipo 2 TLR Receptor do tipo Toll TME Linfócitos T de Memória Efetora TMC Linfócitos T de Memória Efetora TNF-α Tumor Necrosis Factor alpha - Fator de necrose tumoral-alfa Vβ Cadeia varíavel Beta do TCR x RESUMO A resposta imune envolve a participação de subpopulações de células T naïve, efetoras e de memória, as quais são funcionalmente distintas, e a atividade destas células depende do reconhecimento antigênico, que ocorre no contexto MHC-peptídeo-TCR. A manutenção destas subpopulações e a homeostasia do sistema imune são controlados, entre outros fatores, pela apoptose. No entanto, este processo de morte também tem sido relacionado à diversas patologias, sendo responsável pela modulação de eventos imunológicos, interferindo no curso da infecção. Em pacientes com leishmaniose cutânea (LC), apesar da indução preferencial de linfócitos T CD4+, os linfócitos T CD8+ estão envolvidos nos processos de progressão e controle da infecção. Neste contexto, a citometria de fluxo foi utilizada definir simultaneamente as subpopulações de linfócitos T CD8+ naïve, efetora, de memória central e de memória efetora; a diversidade do repertório Vβ destes linfócitos; e a ocorrência de apoptose, na resposta imune da LC. Neste estudo foram analisadas amostras de sangue periférico, obtidas ex vivo de pacientes durante e após o tratamento, e de indivíduos sadios; e após cultivo in vitro frente a antígenos de Leishmania braziliensis. Os resultados mostram que a apoptose exerce um papel modulador, diminuindo a frequência de linfócitos T CD8+, o que parece contribuir para a persistência da lesão ativa, no décimo dia de tratamento; enquanto a cura clínica parece ser consequência da diminuição de apoptose nestes linfócitos T CD8+ contribuindo para o restabelecimento da frequência destas células. A análise da distribuição das subpopulações de linfócitos T CD8+ revelou que a proporção de células naïve e efetoras é invertida ao longo do tratamento e do processo de resolução da lesão. Paralelamente, apesar do maior percentual de linfócitos T CD8+ efetores observados em pacientes durante o tratamento, a ocorrência de apoptose nestas células pode comprometer uma resposta imune eficaz, estando associada à presença de lesão ativa ulcerada. O caráter modulador que este processo de morte exerce na resposta imune em ambos os grupos de pacientes sugere que a ocorrência de apoptose, mais intensa na fase ativa da doença, esteja relacionada à manutenção da infecção. A reunião das análises de repertório Vβ nas diferentes subpopulações de linfócitos T CD8+ mostraram uma indução oligoclonal na qual as células que expressam Vβ 9, Vβ 13.2 ou Vβ 23 podem ser os clones selecionados a se diferenciar em células de memória central após a cura clínica; enquanto que os clones que expressam a cadeia Vβ 22, parecem ser preferencialmente selecionados a se diferenciar em células de memória efetora, durante a fase ativa da doença. Os únicos clones de linfócitos T CD8+ efetores que apresentaram uma expansão significativa foram aqueles que expressam a cadeia Vβ 12, a qual parece estar associada à resposta imune efetora desencadeada na fase ativa da LC. Sendo assim, a heterogeneidade entre o repertório Vβ das diferentes subpopulações de linfócitos T CD8+ ressalta a importância de avaliar separadamente o repertório das células naïve, efetoras, de memória central e de memória efetora. xi ABSTRACT The immune response involves the participation of subpopulations of naïve effector and memory T cells, which are functionally distinct, and the activity of these cells depends on antigen recognition, which occurs in the context of MHC-peptide-TCR. The maintenance of these subpopulations and the homeostasis of the immune system are controlled, among other factors, by apoptosis. However, this process of death has also been linked to several diseases, being responsible for the modulation of immunological events, affecting the course of infection. In patients with cutaneous leishmaniasis (CL), despite of preferential induction of CD4+ T lymphocytes, CD8+ T cells are involved in the processes of progression and outcome of infection. In this context, flow cytometry was used to define the subpopulations of naive, effector, central memory and effector memory T CD8+ lymphocytes; the diversity of the Vβ repertoire of these lymphocytes, and the occurrence of apoptosis, during the immune response of the CL. We analyzed peripheral blood samples, obtained ex vivo from patients during and after treatment and from healthy individuals, and after in vitro against antigens of Leishmania braziliensis. The results show that apoptosis plays a modulating role, reducing the frequency of CD8+ T cells, which appears to contribute to the persistence of active lesions on the tenth day of treatment; while clinical cure appears to be the result of decreased apoptosis in these CD8+ T lymphocytes, contributing to the restoration of the frequency of these cells. The analysis of the distribution of subpopulations of CD8+ T cells showed that the proportion of naïve and effector cells is reversed during the treatment process and the resolution of the lesion. In parallel, despite the higher percentage of effector CD8+ T lymphocytes observed in patients during treatment, the occurrence of apoptosis in these cells may impair an effective immune response, being associated with the presence of active lesions ulcerated. The modulator character that this death process has on the immune response in both groups of patients suggests that the occurrence of apoptosis, more intense in the active phase of the disease, is related to the maintenance of infection. Taking together the data analysis of Vβ repertoire in different subsets of CD8+ T cells showed an oligoclonal induction, in which cells expressing Vβ 9, Vβ 13.2 and Vβ 23 can be the clones selected to differentiate into central memory cells after clinical cure; while clones expressing Vβ 22, seem to be preferentially selected to differentiate into effector memory cells during the active phase of the disease. The only clones of effector CD8+ T lymphocytes that showed a significant expansion were those that express the Vβ 12, which seems to be associated with an effector immune response triggered in the active phase of the CL. Thus, the heterogeneity between the Vβ repertoires of different subsets of CD8+ T cells underscores the importance of separately assessing the repertoire of naïve, effector, central memory and effector memory T cells. xii Lista de Tabelas Tabela 1.1: Perfis de resposta imune celular associada às diferentes formas clínicas da leishmaniose tegumentar Americana .......................................................................................37 Tabela 4.1: Anticorpos monoclonais específicos para 24 cadeias Vβ utilizados no protocolo experimental, conforme distribuição em oito tubos de ensaio (A-H) contendo a mesma amostra. Kit IOTest® Beta Mark .............................................................................................51 Tabela 4.2: Combinação de 7-AAD e anticorpos monoclonais, utilizados como marcadores para avaliar diferentes características celulares por citometria de fluxo, em ensaio experimental ex vivo .................................................................................................................52 Tabela 4.3: Combinação de 7-AAD e anticorpos monoclonais, utilizados como marcadores para avaliar diferentes características celulares por análise citofluorimétrica, no ensaio in vitro ..........................................................................................................................................54 Tabela 5.1: Características clínicas e epidemiológicas dos 22 pacientes de leishmaniose cutânea incluídos no estudo .....................................................................................................63 Tabela 5.2: Contrações (setas vermelhas) e expansões (setas azuis) de cadeias Vβ expressas por linfócitos T CD8+ e pelas subpopulações naïve; efetora; de memória efetora e de memória central .......................................................................................................................................95 xiii Lista de Figuras Figura 1.1: Distribuição geográfica da leishmaniose tegumentar nas Américas ....................19 Figura 1.2: Ciclo de vida da Leishmania SP ...........................................................................22 Figura 1.3: Fotografias do aspecto macroscópico de lesão de leishmaniose tegumentar Americana. Lesão de leishmaniose cutânea (A); lesão de leishmaniose mucosa (B); lesão de leishmaniose difusa (C); lesões de leishmaniose disseminada (D) ............................24 Figura 1.4: Estrutura do complexo receptor de célula T e cadeias que compõem o CD3 (TCRCD3) .........................................................................................................................................29 Figura 1.5: Apresentação e reconhecimento antigênico no contexto MHC-peptídeoTCR ..........................................................................................................................................34 1.6: Resposta Figura imune celular durante a leishmaniose tegumentar Americana.................................................................................................................................38 Figura 4.1: Esquema do protocolo citofluorimétrico utilizado no ensaio ex vivo ..................52 Figura 4.2: Esquema do protocolo citofluorimétrico utilizado no ensaio in vitro ..................54 Figura 4.3: Ajuste de quadrantes e compensação de cores .....................................................56 Figura 4.4: Estratégia do “contra-gate” para definição da região de análise (gate) nos linfócitos ...................................................................................................................................57 Figura 4.5: Dot plot de granularidade (SSC) vs tamanho (FSC); com gate de linfócitos em azul (A); histograma baseado no gate de linfócitos, e linfócitos T CD8+ separados das células natural killer pela diferença entre alta e baixa intensidade de fluorescência; Dot plot de antiCD8 vs FSC e gate de linfócitos T CD8+ com alta intensidade de fluorescência ............................................................................................................................59 Figura 4.6: Esquema representativo do protocolo citofluorimétrico utilizado na análise de cada amostra obtida ex vivo......................................................................................................64 Figura 4.7: Representação gráfica do protocolo citofluorimétrico de análise multiparamétrica das amostras obtidas após cultivo in vitro ...............................................................................60 xiv Figura 5.1: Avaliação, ex vivo (A) e após cultivo in vitro (B), do percentual de linfócitos T CD8+ .........................................................................................................................................64 Figura 5.2: Avaliação do percentual de linfócitos T CD8+ cultivados in vitro, sem estímulo antigênico (background - BG); e sob estímulo de antígenos de Leishmania (Viannia) braziliensis (Lb-Ag) .................................................................................................65 Figura 5.3: Perfil de distribuição de células efetoras (CD8+CD45RA+CD27-), naïve (CD8+CD45RA+CD27+), de memória efetora (TME) (CD8+CD45RA-CD27-) e de memória central (TMC) (CD8+CD45RA-CD27+) .....................................................................................67 Figura 5.4: Avaliação, ex vivo, do percentual de linfócitos T CD8+CD45RA+CD27(efetores) ..................................................................................................................................68 Figura 5.5: Avaliação do percentual de linfócitos (Linf.) T CD8+CD45RA+CD27- (efetores), cultivados in vitro, sem estímulo antigênico (background - BG); e sob estímulo de antígenos de Leishmania (Viannia) braziliensis (Lb-Ag).........................................................................69 Figura 5.6: Avaliação, ex vivo, do percentual de linfócitos (Linf) T CD8+CD45RA+CD27+ (naïve) ......................................................................................................................................70 Figura 5.7: Avaliação do percentual de linfócitos (Linf.) T CD8+CD45RA+CD27+ (naïve), cultivados in vitro, sem estímulo antigênico (background- BG); e sob estímulo de antígenos de Leishmania (Viannia) braziliensis (Lb-Ag) ........................................................................70 Figura 5.8: Avaliação, ex vivo, do percentual de linfócitos T CD8+CD45RA-CD27- (de memória efetora - TME) ...........................................................................................................71 Figura 5.9: Avaliação, ex vivo, do percentual de linfócitos T CD8+CD45RA-CD27+ (de memória central – TMC) ............................................................................................................71 Figura 5.10: Avaliação do percentual de linfócitos (Linf.) T CD8+CD45RA- (de memória) cultivados in vitro, sem estímulo antigênico (background- BG); e sob estímulo de antígenos de Leishmania (Viannia) braziliensis (Lb-Ag) ........................................................................72 Figura 5.11: Avaliação, ex vivo (A) e após cultivo in vitro (B), do percentual de linfócitos T CD8+ em apoptose ................................................................................................73 xv Figura 5.12: Avaliação do percentual de linfócitos T CD8+ em apoptose, cultivados in vitro, sem estímulo antigênico (background - BG); e sob estímulo de antígenos de Leishmania (Viannia) braziliensis (Lb-Ag) .................................................................................................74 Figura 5.13: Perfil de distribuição das subpopulações de linfócitos T CD8+ efetora (CD8+CD45RA+CD27-), + - - (CD8 CD45RA CD27 ) naïve e de (CD8+CD45RA+CD27+), memória central (TMC) de memória + efetora - (TME) + (CD8 CD45RA CD27 ) em apoptose ...................................................................................................................................76 Figura 5.14: Avaliação, ex vivo, do percentual de linfócitos T (Linf.) CD8+CD45RA+CD27(efetores) em apoptose .............................................................................................................77 Figura 5.15: Avaliação do percentual de linfócitos T (Linf.) CD8+CD45RA+CD27- em apoptose, cultivados in vitro, sem estímulo antigênico (background - BG); e sob estímulo de antígenos de Leishmania (Viannia) braziliensis (Lb-Ag) ........................................................78 Figura 5.16: Avaliação, ex vivo, do percentual de linfócitos T CD8+CD45RA+CD27+ (naïve) em apoptose ..............................................................................................................................79 Figura 5.17: Avaliação do percentual de linfócitos T CD8+ CD45RA+CD27+ em apoptose, cultivados in vitro, sem estímulo antigênico (background - BG); e sob estímulo de antígenos de Leishmania (Viannia) braziliensis (Lb-Ag) ........................................................................80 Figura 5.18: Avaliação, ex vivo, do percentual de linfócitos T CD8+CD45RA-CD27- (de memória efetora) em apoptose .................................................................................................81 Figura 5.19: Avaliação, ex vivo, do percentual de linfócitos T CD8+CD45RA-CD27+ (de memória central) em apoptose .................................................................................................81 Figura 5.20: Avaliação do percentual de linfócitos T CD8+CD45RA- em apoptose, cultivados in vitro, sem estímulo antigênico (background - BG); e sob estímulo de antígenos de Leishmania (Viannia) braziliensis (Lb-Ag) ........................................................82 Figura 5.21: Perfil do repertório de 24 cadeias Vβ em linfócitos T CD8+ ..............................84 Figura 5.22: Percentual de expressão das cadeias Vβ 2; Vβ 13.2; Vβ 18; Vβ 9; Vβ 23; em linfócitos (linf.) T CD8+............................................................................................................86 xvi Figura 5.23: Percentual de expressão da cadeia Vβ 12; Vβ 21.3; e Vβ 22; em linfócitos (linf.) T CD8+CD45RA+CD27- (efetores) ..........................................................................................88 Figura 5.24: Percentual de expressão da cadeia Vβ 2; Vβ 13.2; Vβ 5.3; Vβ 23; Vβ 3 e Vβ 9; em linfócitos (linf.) T CD8+CD45RA+CD27+ (naïve) .............................................................90 Figura 5.25: Percentual de expressão da cadeia Vβ 2; Vβ 5.2; Vβ 9; Vβ 18 e Vβ 22; em linfócitos (linf.) T CD8+CD45RA-CD27- (memória efetora) .................................................92 Figura 5.26: Percentual de expressão da cadeia Vβ 2; Vβ 13.2; Vβ 9; Vβ 18 e Vβ 23; em linfócitos (linf.) T CD8+CD45RA-CD27+ (memória central) .................................................94 xvii 1. INTRODUÇÃO 1.1 EPIDEMIOLOGIA DAS LEISHMANIOSES As leishmanioses constituem um grupo de doenças causadas por protozoários de diferentes espécies do gênero Leishmania, e caracterizam-se por apresentar um amplo espectro de manifestações clínicas que podem ser divididas em dois grupos: a leishmaniose visceral (LV) e a leishmaniose tegumentar (LT) (Lainson, 1983; Grimaldi & Tesh, 1993; Desjeux, 1996). As manifestações clínicas das leishmanioses dependem da espécie de Leishmania; da resposta imune e das características genéticas do hospedeiro vertebrado; e da espécie do inseto vetor envolvida na transmissão do parasito (Antinori et al, 2005; Reithinger et al, 2007). Atualmente a leishmaniose é considerada uma antropozoonose. Entretanto, historicamente esta doença constitui uma zoonose típica, com reservatórios silvestres e vetores bem definidos, enquanto os humanos assumem o papel de hospedeiros acidentais. A forma tegumentar da doença já foi descrita em animais sinantrópicos como cães, gatos e cavalos (Aguilar et al, 1987; Mancianti, 2004). Como as altas taxas de infecção nestes animais acompanham o aumento das infecções no ambiente doméstico, acredita-se que os mesmos atuem como reservatórios desta doença (Reithiger & Davis, 1999). Além disso, com o crescimento populacional, a urbanização, as mudanças ambientais, a devastação de florestas e a adaptação do vetor ao ambiente peridomiciliar, o homem passou a fazer parte do ciclo (SVS/MS, 2010). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) as leishmanioses estão entre as seis doenças tropicais de maior importância para a saúde pública, porém ainda estão inseridas no grupo das doenças negligenciadas. A doença está amplamente distribuída, atingindo oitenta e oito países, principalmente aqueles situados em regiões tropicais e subtropicais. De acordo com o Manual de Vigilância da Leishmaniose Tegumentar Americana (SVS/MS, 2010), estima-se que, no mundo, 350 milhões de indivíduos estejam expostos ao risco de se infectar, com registro anual de dois milhões de novos casos de leishmaniose. Devido às diferenças geográficas, epidemiológicas e clínicas da forma tegumentar, a doença tem sido classificada como Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) no Novo Mundo (Américas) e Leishmaniose Tegumentar do Velho Mundo (Europa, Ásia e África) (Grimaldi, Tesh & McMahon-Pratt, 1989; SVS/MS, 2010). No Brasil, são observadas as formas clínicas tegumentar e visceral, constituindo um quadro endêmico com características próprias relacionadas às questões de saúde pública. A LTA é observada desde o Sul dos Estados Unidos (Texas) até o norte da Argentina (Figura 1.1), alcançando maior importância no Peru e no Brasil, onde apresenta ampla distribuição 18 por todo o território nacional. De acordo com a última edição do Manual de Vigilância da Leishmaniose Tegumentar Americana (SVS/MS, 2010), no período de 1985 a 2005 foi verificada uma média anual de aproximadamente 30.000 casos autóctones registrados, embora não haja dados mais recentes. A maioria dos casos é causada pela espécie L. (Viannia) braziliensis, incluindo também a L. (Leishmania) amazonensis e L. (V.) guyanensis como as principais espécies responsáveis pela doença no país (Da-Cruz & Pirmez, 2005). Figura 1.1: Distribuição geográfica da leishmaniose tegumentar nas Américas. Adaptado de World Healthy Org anization (WHO), 2010. http://www.who.int/leishmaniasis/leishmaniasis_maps/en/index.html. Com a expansão geográfica da LTA, durante a década de 1980, a doença foi assinalada em 19 estados brasileiros e, em 2003, foi confirmada a autoctonia nos 27 estados do país. Apesar da ampla dispersão no território nacional há intensa concentração de casos em determinadas áreas, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, enquanto que em outras, os casos apresentam-se isolados. A doença é incidente na Amazônia; na Bahia; em Minas Gerais, na região do Triângulo Mineiro e nas regiões próximas à bacia do rio Mucuri e do rio Doce; em São Paulo, na região sul que abrange a área de Mata Atlântica; bem como nos estados do Espírito Santo; Mato Grosso do Sul e Goiás. Também são encontrados focos da doença no estado do Rio de Janeiro, como, por exemplo, nos municípios de Mesquita; Paraty; Ilha Grande; Paracambi e na própria capital (Oliveira-Neto et al, 2000(a); Vieira-Gonçalves et al, 2008; Rangel & Lainson, 2009). Os casos autóctones e epidemias de LTA no estado do Rio de Janeiro podem ser explicados pela ocupação de áreas florestais e consequente urbanização das mesmas, expondo a população aos vetores infectados com L. braziliensis (Lutzomyia intermedia e Lu. migonei) ou L. amazonensis (Lu. flaviscutellata). 19 1.2 AGENTES ETIOLÓGICOS E CICLO DE VIDA Taxonomicamente, a Leishmania pertence ao reino Protista, filo Protozoa, subfilo Sarcomastigophora, classe Mastigophora, ordem Kinetoplastida, subordem Trypanosomatina, família Trypanosomatidae e gênero Leishmania (Maslov, Podlipaev & Lukes, 2001; Rey, 2008). Foram identificas pelo menos dezessete espécies patogênicas ao homem (Grimaldi, Tesh & McMahon-Pratt, 1989). As espécies de Leishmania podem pertencer ao subgênero Viannia ou ao subgênero Leishmania dependendo da localização no intestino do hospedeiro invertebrado em que se desenvolvem (Killick-Kendrick, 1979; Ryan et al, 1987). Os protozoários deste gênero são heteroxenos, incluindo em seu ciclo de vida a participação de um hospedeiro invertebrado e um hospedeiro vertebrado, e apresentam-se sob duas formas evolutivas: amastigota e promastigota (Rey, 2008). O homem e outros mamíferos, como os cães e roedores silvestres, representam os hospedeiros vertebrados da Leishmania, enquanto as fêmeas (hematófagas) de flebotomíneos são os vetores da doença. Estes insetos (Ordem: Díptera; Família: Psychodidae) pertencem à subfamília Phlebotominae e podem ser do gênero Lutzomyia no Novo Mundo ou do gênero Phlebotomus no Velho Mundo (Laison, 1983; Rey, 2008; Rangel & Lainson, 2009). Apesar das 500 espécies de flebotomíneos já identificadas, somente 40 participam do ciclo da Leishmania como vetores (Grimaldi & Tesh, 1993; Rocha et al, 2010). Poucas espécies são responsáveis pela transmissão dos agentes infecciosos da LTA, indicando que as espécies de Leishmania parecem ter preferência por espécies particulares de flebotomíneos (Rangel & Lainson, 2009). No flebotomíneo, os parasitos do gênero Leishmania localizam-se na luz do tubo digestório e se apresentam sob a forma promastigota. Nesta fase do ciclo, os parasitos têm forma alongada, medindo de 8 a 15 µm, com flagelo emergindo do pólo anterior do corpo celular que lhes confere motilidade, podendo chegar a 20 µm. As amastigotas parasitam células do sistema fagocítico do hospedeiro vertebrado, possuem forma arredondada ou ovóide, medem de 3 a 5 µm e possuem flagelo interiorizado (Rey, 2008). O ciclo evolutivo da Leishmania (Figura 1.2) é iniciado no momento que o inseto vetor (flebotomíneo), ao realizar o repasto sanguíneo em um hospedeiro vertebrado infectado, ingere monócitos/macrófagos contendo as formas amastigotas do parasito. Ao serem liberadas no trato digestivo do inseto, as amastigotas se diferenciam em promastigotas procíclicas que aderem ao epitélio intestinal graças à expressão de lipofosfoglicano (LPG), que facilita a sua fixação. Além deste glicoconjugado, a metaloprotease gp63 atua na proteção das promastigotas contra as enzimas hidrolíticas do intestino do inseto. Nesta fase, ocorre intensa 20 multiplicação que se reflete na expansão inicial da população dos parasitos (Descoteaux & Turco, 1999; Bates & Rogers, 2004). A fase seguinte, denominada metaciclogênese, se caracteriza pela diferenciação das promastigotas procíclicas em promastigotas metacíclicas, forma infectante para o hospedeiro vertebrado, na qual o LPG é alterado fazendo com que os parasitos se desprendam do intestino e migrem para a porção anterior do trato digestivo (Sacks & Perkins, 1984; Sacks & da Silva, 1987; Bates, 2007). Ao realizar o repasto sanguíneo, a fêmea de flebotomíneo regurgita as promastigotas metacicíclicas dando início ao processo infeccioso no homem. A saliva do inseto também está envolvida neste processo de transmissão e contribui para o desenvolvimento das lesões características da doença, através da supressão da produção de óxido nítrico (NO2) nos macrófagos, aumentando a chance de sobrevivência do parasito (Alexander, Satoskar & Russel, 1999; Menezes et al, 2008). Após escaparem do meio extracelular, as promastigotas invadem as células do sistema fagocítico mononuclear, como macrófagos, células dendríticas e neutrófilos (Peters et al, 2008). No caso de infectarem os macrófagos, as leishmânias são interiorizadas no fagossoma, o qual se funde ao lisossomo formando uma estrutura chamada fagolisossomo ou vacúolo parasitóforo, onde se diferenciam em amastigotas. Dentro destes vacúolos, as formas amastigotas se multiplicam sucessivamente por divisão binária, rompem as células e são fagocitadas por novas células, propagando a infecção. Os neutrófilos infectados parecem funcionar como uma ponte entre o parasito e a célula hospedeira final, o macrófago, já que após a morte fisiológica dos neutrófilos (células de vida curta) as formas amastigotas liberadas são prontamente fagocitadas pelos macrófagos, assim como os neutrófilos apoptóticos contendo amastigotas (John & Hunter, 2008; Laskay, Van Zandbergem & Solbach, 2008). O ciclo se completa quando um flebotomíneo realiza um repasto sanguíneo em um hospedeiro infectado e ingere as células infectadas com as formas amastigotas. Novamente, no inseto vetor, as amastigotas se diferenciam em promastigotas, reiniciando o ciclo de vida da Leishmania (Bates, 2007; Silveira et al, 2009). 21 Figura 1.2: Ciclo de vida da Leishmania sp. Adaptado e traduzido de Sacks & Noben-Trauth, 2002. 1.3 FORMAS CLÍNICAS DA LEISHMANIOSE As formas clínicas da leishmaniose dependem do tropismo da espécie de Leishmania infectante. A LV, também denominada calazar, é uma doença sistêmica, causada principalmente pelas espécies viscerotrópicas L. donovani, L. infantum (no Velho Mundo) e L. infantum chagasi (nas Américas) (Barral et al, 1986; Herwaldt, 1999). Já a LT apresenta, por sua vez, uma grande variedade de manifestações clínicas, histopatológicas e imunológicas que caracterizam as seguintes formas da doença: leishmaniose cutânea, leishmaniose mucosa, leishmaniose cutânea difusa e leishmaniose cutânea disseminada (Da-Cruz & Pirmez, 2005; Silveira et al, 2009). 1.3.1 Leishmaniose Subclínica Alguns indivíduos, mesmo infectados por Leishmania, apresentam manifestação clínica discreta ou não apresentam nenhuma manifestação, com o controle da infecção, não havendo evolução e nem a necessidade de tratamento. Já foi relatado em área endêmica que 10% dos indivíduos sadios apresentavam Intradermoreação de Montenegro (IDRM) positiva, caracterizando uma forma subclínica da leishmaniose (Guerra et al, 1985; Follador et al, 2002; Fagundes et al, 2007). 22 1.3.2 Leishmaniose Cutânea (LC) A LC representa a forma mais frequente da doença. Possui como agente etiológico principalmente as espécies L. braziliensis e L. amazonensis, mas pode ser causada por qualquer espécie dermotrópica. A LC é caracterizada pelo desenvolvimento de lesões únicas ou escassas na pele, restritas ao(s) local(ais) de inoculação, geralmente em regiões do corpo expostas ao inseto vetor. O período de incubação varia de dez dias a três meses até o aparecimento de um eritema inicial da lesão. A seguir, a lesão avança para uma pápula ou nódulo com bordas elevadas, podendo formar uma úlcera centralizada (Figura 1.3A) com ou sem linfadenopatia regional (Barral et al, 1995; Reithinger et al, 2007). A doença evolui de forma crônica e usualmente a lesão cicatriza quando os pacientes recebem a terapia recomendada pelo Ministério da Saúde (SVS/MS, 2010), podendo ainda ser curada de forma espontânea (Marsden et al, 1984; Carvalho et al, 1985). As lesões cicatrizadas em geral são lisas, brilhantes e finas com dimensões que correspondem aos limites da úlcera. A ocorrência de traumatismo da cicatriz pode facilitar o surgimento de lesão leishmaniótica, levando à reativação da infecção, provavelmente relacionada à manutenção do parasito nestes locais (Oliveira-Neto et al, 1998). Foi demonstrado ainda que três anos após a cicatrização o padrão de celularidade da reação inflamatória da lesão leishmaniótica altera lentamente mesmo após a cura clínica, sugerindo um estabelecimento do equilíbrio parasito-hospedeiro somente após este período (Morgado et al, 2010). As lesões localizadas causadas por L. braziliensis, em geral, apresentam baixa carga parasitária, enquanto as lesões causadas por L. amazonensis e L. guyanensis apresentam-se mais ricas em parasitos (Silveira, Lainson & Corbett, 2005; Silveira et al, 2009; Matta et al, 2009). 1.3.3 Leishmaniose Mucosa (LM) Cerca de 3% a 5% dos pacientes de LC, causada por L. braziliensis, desenvolvem leishmaniose mucosa (LM) (Marsden, 1986). A LM é uma forma mais grave, caracterizada por múltiplas ou extensas lesões destrutivas na cavidade oral e nasofaríngea associada à intensa resposta inflamatória (Figura 1.3B) (Amato, de Andrade & Duarte, 2003). Nesta forma clínica, a lesão geralmente não cura espontaneamente e os pacientes apresentam uma resposta celular exacerbada, intensa perda tecidual e baixa carga parasitária (Carvalho et al, 1985; Marsden, 1986; Oliveira-Neto et al, 1998; Silveira et al, 2009). A lesão causa deformidade devido ao intenso infiltrado inflamatório, geralmente da mucosa nasal, palato e faringe. Em alguns casos a infecção inicia-se na semimucosa exposta, como no lábio, e é denominanda LM primária (Marzochi,1992). 23 1.3.4 Leishmaniose cutânea disseminada (LDiss) A LDiss é uma forma rara da doença, na qual 1% dos pacientes com LC apresenta disseminação da lesão inicial. A LDiss é identificada quando há mais de dez lesões espalhadas pelo corpo (Figura 1.3C), pequenas, papulares ou acneiformes, com pequenas úlceras que apresentam escassez ou ausência de parasitos (Carvalho et al, 1994). O processo de difusão pode ocorrer em dois ou três meses, quando diversas lesões com pápulas eritematosas e/ou ulceradas podem aparecer (Costa et al, 1986; Turetz et al, 2002; Silveira, Lainson & Corbet, 2005; Vieira-Gonçalves et al. 2008). 1.3.5 Leishmaniose cutânea difusa (LCD) A LCD é uma forma grave e rara da leishmaniose, causada pela espécie L. amazonensis. O início da doença é lento, com desenvolvimento de uma lesão nodular única que não responde ao tratamento e evolui progressivamente para a forma difusa, sem ulceração (Figura 1.3D). Esta lesão tende a se disseminar por toda a pele, com acentuada proliferação de parasitos e consequente disseminação da infecção. Os pacientes de LCD apresentam resposta imune anérgica, IDRM negativa e são refratários ao tratamento (Silveira et al, 2009). Figura 1.3: Fotografias do aspecto macroscópico de lesão de leishmaniose cutanea (A); lesão de leishmaniose mucosa (B); lesão de leishmaniose difusa (C); lesões de leishmaniose disseminada (D). Adaptado de Secretaria de Vigilância Sanitária; Ministério da Saúde (SVS/MS), 2007 e 2010. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_vigilancia_leishmaniose_tegumentar_americana.pdf 24 A LTA, portanto, se mostra como uma doença de grande impacto na saúde pública não somente pela sua alta incidência e ampla distribuição geográfica, mas também pela possibilidade de assumir formas que podem levar a lesões destrutivas, desfigurantes e ainda incapacitantes. Os casos desta doença devem ser vistos sob uma perspectiva abrangente incluindo a espécie do parasito e a resposta imune de cada indivíduo, sendo a associação destes fatores determinante para a evolução da doença (SVS/MS, 2010). 1.4 DIAGNÓSTICO DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERIACANA O diagnóstico clínico da LTA é baseado na aparência e localização das lesões e na epidemiologia, principalmente quando o paciente tem procedência de área endêmica ou visitou áreas onde há ou houve casos de leishmaniose. O “padrão ouro” de diagnóstico laboratorial da leishmaniose é realizado através de métodos diretos de isolamento e identificação do parasito. As formas amastigotas presentes na lesão podem ser identificadas por análise microscópica do tecido acometido, por multiplicação do parasito em cultura e/pu pelo inóculo de raspados de lesões ou de fragmento de tecido retirado por biópsia, em animais susceptíveis, como hamsters. A técnica de PCR também permite diagnosticar as leishmanioses através da amplificação de segmentos gênicos específicos do protozoário em questão (Uliana et al,1991; Fagundes et al, 2010). A IDRM é uma forma indireta de diagnóstico laboratorial baseado na mensuração da resposta imune celular com a injeção intradérmica de antígenos do parasito. O resultado é avaliado entre 48 e 72 horas, sendo consideradas positivas as reações com área de enduração maior ou igual a 5 mm. No entanto, nas primeiras semanas (4 a 6) após o surgimento da lesão, a reação pode ser negativa. Pacientes de LM usualmente apresentam resposta exacerbada, com vários centímetros de enduração, enquanto nos pacientes com a forma difusa a reação costuma ser negativa e nos pacientes de LC a resposta é moderada. Este método indireto complementa o diagnóstico clínico-epidemiológico, mas a confirmação da doença é realizada por métodos parasitológicos (Vega-Lopez, 2003; SVS/MS, 2010). Testes sorológicos para detecção de anticorpos anti-Leishmania circulantes no soro dos pacientes também podem ser realizados, como a reação de imunofluorescência indireta (RIFI) e o ensaio imuno-enzimático (ELISA) (Barroso-Freitas et al, 2009; SVS/MS, 2010). 25 1.5 TRATAMENTO DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA Há seis décadas os antimoniais pentavalentes têm sido recomendados como a droga de primeira escolha no tratamento das leishmanioses (Herwaldt, 1999; Ashutosh, Sundar & Goyal, 2007), sendo que no Brasil o mais utilizado é o antimonial pentavalente N-metil glucamina (Glucantime ® Rhodia). Na maioria dos casos o tratamento com antimoniais é efetivo, apresentando taxa de cura entre 60 e 100%. Entretanto esta medicação possui algumas desvantagens, como alto custo, difícil administração e alta toxicidade, podendo desencadear efeitos adversos como artralgia, mialgia, anorexia, náusea, dor abdominal, pancreatite, distúrbios intestinais, cefaléia, alterações cardíacas e hepáticas, e insuficiência renal aguda (Nogueira & Sampaio, 2001; Mayrink et al, 2006). Por este motivo alguns pesquisadores têm buscado esquemas terapêuticos alternativos e doses menores para o uso de antimoniais com o objetivo de obter resultados satisfatórios, em casos de resistência à dosagem recomendada, e de minimizar os efeitos colaterais (Oliveira-Neto et al, 2000(b); Oliveira-Neto & Mattos, 2006 (a)(b); SVS/MS, 2010). A resposta ao tratamento é avaliada a partir de critérios clínicos. Os pacientes de LC são considerados curados quando apresentam epitelização completa da lesão (ou lesões) e regressão total da infiltração e eritema, até três meses após a conclusão do esquema terapêutico. Nos casos em que os pacientes não respondem ao tratamento, a segunda linha de escolha para tratar as leishmanioses são as drogas pentamidina e a anfotericina B (SVS/MS, 2010). 1.6 IMUNOPATOGENIA DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA A infecção produzida por espécies do gênero Leishmania gera respostas imunes muito complexas e a evolução da infecção pode tomar vários rumos dependendo das populações celulares envolvidas; tipo e quantidade de citocinas produzidas e secretadas; e da espécie de Leishmania envolvida no processo patogênico, a qual está diretamente relacionada com a forma clínica que a doença se apresenta (Silveira et al, 2009). O processo imunológico que ocorre durante a leishmaniose é mediado pela imunidade inata e adaptativa, e é iniciado assim que a fêmea de flebotomíneo regurgita as promastigotas metacíclicas de Leishmania no hospedeiro vertebrado durante o repasto sanguíneo. 26 1.6.1 Resposta Imune Inata A resposta imune inata é de baixa especificidade e é capaz de acionar rapidamente mecanismos celulares e bioquímicos durante a infecção por microorganismos. Esta resposta é realizada através de barreiras físicas e químicas; de células fagocíticas, que detectam os antígenos por suas regiões microbianas conservadas; de células Natural Killer (NK); de proteínas sanguíneas, como os membros do sistema complemento e mediadores inflamatórios; e das citocinas que regulam e coordenam diversas atividades desta resposta (Abbas & Litchman, 2007). A alteração da integridade da pele causada pelo inseto vetor gera uma resposta inflamatória inicial, a qual envolve o recrutamento e a migração de uma variedade de células, em especial células NK e células fagocíticas como as células dendríticas (denditric cell - DC)/ células de Langerhans, neutrófilos e macrófagos (Silveira et al, 2009). Nos três primeiros dias de infecção, após as leishmânias escaparem da lise mediada pelo sistema complemento (Sacks & da Silva, 1984), os neutrófilos são as células preponderantes e representam a primeira população celular a chegar ao sítio inflamatório e, portanto, as primeiras células a serem infectadas pelas formas promastigotas metacíclicas de Leishmania (John & Hunter, 2008; Laskay, Van Zandbergem & Solbach, 2008; Peters et al, 2008). A seguir, as DC (células de Langerhans epidérmicas e DC cutâneas) e os macrófagos, derivados de monócitos e residentes no tecido epitelial, também fagocitam estes parasitos e participam do processo inicial de resposta à infecção (Von Stebut et al, 1998; Baldwin et al, 2004; Van Zandbergen et al, 2004; Garg, Trudel & Trembley, 2007; Ritter & Osterloh, 2007; Von Stebut, 2007; Silveira et al, 2008). Os neutrófilos são células de vida curta que entram em processo de apoptose em torno de 6 a 10 horas. As promastigotas de Leishmania podem inicialmente ser fagocitadas por neutrófilos, que por sua vez adiam o processo de apoptose por aproximadamente três dias. Neste período há recrutamento de monócitos/macrófagos, através da secreção de quimiocinas, para o sítio inflamatório onde fagocitam os neutrófilos infectados em apoptose. Esta transferência de parasitos dos neutrófilos aos macrófagos, denominada “Cavalo de Tróia”, inclui um mistura de parasitos viáveis e mortos (Van Zandbergen et al, 2004; John & Hunter, 2008; Laskay, Van Zandbergen & Solbach, 2008; Ritter, Frieschknecht & Van Zandbergen, 2009). Em particular, os macrófagos desempenham um papel triplo durante a infecção por Leishmania, já que representam as células hospedeiras do parasito; atuam como células 27 apresentadoras de antígenos (APCs); além de exercer sua função de célula efetora de eliminação do patógeno (Bogdan & Rollinghoff, 1999; Cunningham, 2002; Ruiz & Becker, 2007). As promastigotas interiorizadas são abrigadas nos vacúolos parasitóforos dos macrófagos, permitindo que os microorganismos intracelulares sejam expostos à atividade leishmanicida desta célula, a qual inclui ação de enzimas lisossômicas, radicais de oxigênio e NO2 (Weinberg, 1998; Liew, Xu & Chan, 1999; Bogdan et al, 2000). Paralelamente, o microambiente deste vacúolo induz a diferenciação das promastigotas em amastigotas, forma evolutiva mais resistente à resposta oxidativa desencadeada pela célula hospedeira (Cunnihghan, 2002). As APCs são capazes de reconhecer moléculas presentes na superfície do parasito, como o lipofosfoglicano (LPG), através de receptores tipo Toll-2 (Toll-like receptor 2 - TLR2) e TLR-4 (de Veer et al, 2003; Tuon et al, 2008). A partir deste reconhecimento, estas células são capazes de induzir a produção de citocinas proinflamatórias, como fator de necrose tumoral-α (Tumoral Necrosis Factor, TNF-α), Interferon-γ (IFN-γ), interleucina-12 (IL-12), IL-1, IL-6. Estas citocinas são decisivas tanto para o controle da disseminação do parasito como para a evolução das lesões já que estes mediadores inflamatórios, quando em níveis elevados, podem levar a destruição do tecido (Aebischer et al, 1994; Da-Cruz et al, 1996). Entretanto, não só a LPG, como também a gp63, presentes na superfície da Leishmania, são capazes de inibir a ativação de macrófagos, impedindo, alterando ou adiando a produção destas citocinas (Reiner & Malemud, 1985). O processo de infecção é dinâmico, ao ponto que, enquanto o sistema imune desencadeia mecanismos para neutralizar e/ou lisar os parasitos e recuperar a homeostasia, a própria Leishmania possui mecanismos de escape que alteram o processo imunológico que está sendo desencadeado. Sendo assim, os parasitos podem sofrer repetidas divisões binárias até que os macrófagos sejam lisados e, então, invadir células vizinhas promovendo a manutenção da infecção (Kima, 2007; Ritter & Osterloh, 2007). 1.6.2 Resposta Imune Adaptativa A resposta imune adaptativa se caracteriza pela especificidade e memória e envolve a participação dos linfócitos T e B. Esta resposta é dividida nas seguintes fases: reconhecimento antigênico; ativação de linfócitos antígeno-específicos; fase efetora de eliminação e controle de patógenos; apoptose de clones de linfócitos efetores e manutenção de células de memória imunológica; e finalmente retorno à homeostase (Abbas & Litchman, 2007). Sendo assim, a diferenciação dos linfócitos naïve em subpopulações efetoras e de memória são processos fundamentais da imunidade celular adaptativa (Appay et al, 2008). 28 A resposta imune a patógenos intracelulares é mediada principalmente por linfócitos T (Abbas & Litchman, 2007). Nos pacientes de LTA, o desencadeamento de uma resposta imune eficaz é caracterizado por uma reação de hipersensibildiade tardia dependente da indução de linfócitos T circulantes específicos aos antígenos de Leishmania (Castés et al, 1983; Silveira et al, 1991; Convit et al. 1993, Carvalho et al, 1995; Castés & Tapia, 1998). 1.6.2.1 O Repertório de Linfócitos T Os linfócitos T constituem um grupo de células caracterizado pela expressão do receptor de célula T (T cell receptor – TCR) ligado de forma não covalente à molécula CD3 (Figura 1.4). Neste complexo molecular (TCR-CD3) o TCR é a unidade de reconhecimento antigênico, enquanto o CD3 é a unidade de transdução de sinais do linfócito T. Além deste complexo, os linfócitos T também se caracterizam pela expressão das moléculas adaptadoras CD4 ou CD8, as quais distinguem duas populações linfocitárias com funções efetoras distintas, mas que atuam de forma conjunta na resposta imune (Peakman & Vergani, 2011; Abbas & Litchman, 2007). Figura 1.4: Estrutura do complexo receptor de célula T e cadeias que compõem o CD3 (TCR-CD3). Os heterodímeros α:β do TCR estão associados com um complexo de quatro cadeias (duas ε, uma δ, uma γ), além de dois domínios intracelulares. Adaptado de Janeway, 2008(a). O TCR é especializado em reconhecer complexos moleculares compostos por peptídeos de origem intracelular apresentados pela molécula do complexo principal de histocompatibilidade (major histocompatibility complex – MHC), ou CD1, e é incapaz de reconhecer antígenos solúveis (Loureiro & Ploegh, 2006). O MHC de classe I está presente em todas as células nucleadas do organismo, enquanto o MHC de classe II está presente somente nas APCs (Abbas & Litchman, 2007). 29 Para a indução de clones de linfócitos T específicos aos antígenos de Leishmania, as APCs infectadas migram para os órgãos linfóides secundários, principalmente linfonodos, onde os linfócitos T estão concentrados, e então apresentam os antígenos do parasito a estas células. Nestes órgãos ocorre uma interação célula-célula, conhecida como sinapse imunológica, e consequente apresentação antigênica no contexto MHC-peptídeo-TCR. Diferentes TCRs compõem o repertório de linfócitos T, garantindo que uma variedade de peptídeos não próprios seja reconhecida, o que permite que clones específicos sejam selecionados para proliferar e participar da resposta imune adaptativa (Abbas & Litchman, 2007; Nolte et al, 2009; Viola, Contento & Molon, 2010). O TCR é um heterodímero formado por duas cadeias de glicoproteínas ligadas de forma covalente. A maioria dos linfócitos T possui TCR do tipo αβ (90-99%), enquanto uma minoria expressa TCR do tipo γδ. Cada cadeia (α, β, γ, δ) é formada por uma região transmembrana hidrofóbica; uma região citoplasmática curta; um domínio constante (C); e um domínio variável (V), o qual possui o sítio de ligação ao antígeno. A porção extracelular deste heterodímero, similar ao fragmento de ligação ao antígeno das imunoglobulinas, é composta por regiões V e C da cadeia leve e da cadeia pesada (Meuer et al, 1983; Brenner, Trowbridge & Strominger, 1985). A diversidade necessária para o reconhecimento de uma variedade de antígenos pelo TCR é gerada no timo, durante a ontogenia dos linfócitos T (Kimura et al, 1987). A ampla variedade das cadeias α, β, γ, δ é dada pelo conjunto de segmentos gênicos descontínuos denominados V (variável); J (juncional); e D (diversidade), presente somente na cadeia β e na cadeia γ; além de um ou dois segmentos C (constante) (Abbas & Litchman, 2007). Os genes que codificam a cadeia α estão localizados no cromossomo 14 enquanto os genes que codificam a cadeia β localizam-se no cromossomo 7 (Collins et al, 1985; Kimura et al, 1987; Robinson et al, 1993; Rowen, Koop & Hood, 1996). A codificação da região variável é realizada através de um processo denominado recombinação somática, na qual os segmentos de um gene V, de um gene J e, no caso da cadeia β, de um gene D se combinam aleatoriamente. Em cada clone de linfócito T ocorre uma combinação diferente dos segmentos gênicos V, (D) e J, os quais se aproximam para formar um único gene V(D)J, que então se torna contíguo ao gene C para produzir uma das cadeias do receptor. Este processo inclui a excisão dos segmentos e junção de um segmento D a um segmento J. A seguir, ocorre a junção de DJ a um segmento V na recombinação da cadeia β (Hozumi & Tonegawa, 1976; Mak et al, 1987; Fugmann et al, 2000; Abbas & Litchman, 2007). Neste contexto, a diversidade destes segmentos e a imprecisão aleatória do processo de junção dos mesmos é que garantem a diversidade dos TCRs. A consequência deste processo promove uma 30 característica de combinação única e original ao TCR, expresso nos diferentes clones de linfócito T (Rowen, Koop & Hood, 1996). A variabilidade entre os diferentes TCRs se concentra no domínio V das cadeias α e β, que é composto por três regiões de variabilidade, denominadas regiões hipervariáveis ou determinantes da complementariedade (CDR1, 2 e 3). Estas regiões fornecem uma superfície complementar à superfície tridimensional do antígeno, sendo que o CDR3 é a região que confere maior diversidade ao TCR (van der Merwe & Davis, 2003; Abbas & Litchman, 2007; Murre, 2007; Peakman & Vergani, 2011). As propriedades de reconhecimento antigênico são testadas quanto à especificidade e avidez da interação do TCR ao complexo peptídeo-MHC, a fim de garantir que somente as células com tolerância a antígenos próprios sobrevivam e amadureçam. Quando esta interação é de baixa avidez, o linfócito é selecionado positivamente e, em contrapartida, as células cujo TCR tem alta avidez pelo MHC próprio são selecionadas negativamente (Hogquist, Baldwin & Jameson, 2005). Sendo assim, os diferentes linfócitos T podem ser selecionados para morrer por apoptose antes de atingir a maturidade, ou podem ser selecionados para sobreviver e desenvolver a população de linfócitos maduros. Após deixar o timo, os linfócitos T maduros, CD4+ ou CD8+, concentram-se nos órgãos linfóides secundários, como baço e linfonodos, e recirculam continuamente pelos tecidos periféricos a fim de propiciar o encontro com possíveis antígenos (Peakman & Vergani, 2011; Murre, 2007). O repertório do TCR αβ que pode ser gerado pela recombinação gênica é da ordem de cem mil especificidades, entretanto, somente uma parte desta variedade de clones é selecionada para deixar o timo e migrar para os órgãos linfóides secundários. Após a seleção tímica de restrição do MHC, de auto-tolerância e de competência imunológica, aproximadamente 95% dos timócitos que sofreram o rearranjo V(D)J não amadurecem e sofrem apoptose, e somente os linfócitos maduros é que representam o repertório αβ do TCR de cada indivíduo (Davis & Bjorkman, 1988; Arstila et al, 2000). Apesar do baixo percentual de timócitos selecionados positivamente, estes linfócitos expressam um repertório de receptores de tal diversidade que os capacita a responder a uma quantidade ilimitada de antígenos não próprios, através da seleção clonal que atua na resposta imune adaptativa. Existe ainda, uma população de linfócitos T CD8+ cujo TCR é formado por um homodímero αα, os quais apresentam uma menor capacidade de interação com o MHC classe I e menor habilidade na transdução de sinais, quando comparados com o heterodímero αβ. Sendo assim, a cadeia β seria mais eficiente no processo de reconhecimento antigênico exercendo um importante papel na resposta imune (Das & Janeway, 1999; Bosselut et al, 31 2000). Neste cenário, diversas pesquisas baseadas na resposta imune adaptativa e na especificidade dos linfócitos T têm sido conduzidas através da análise da cadeia variável β do TCR, isto é, do repertório Vβ. Inicialmente os estudos do repertório Vβ estavam associados ao papel dos superantígenos na ativação do sistema imune e à proliferação e deleção de linfócitos T específicos em resposta à estimulação por antígenos dominantes (Gollob & Palmer, 1992; Fleischer et al, 1996). Posteriormente, o repertório Vβ passou a ser estudado principalmente no câncer (Stefanski & Mathur, 1996), nas doenças auto-imune (Martinez-Taboada, Goronzy & Weyand, 1996), na infecção pelo HIV (Gorochov et al, 1998), e nas doenças causadas por protozoários (Pirmez et al, 1993; Uyemura et al, 1993; Costa et al, 2000; Lumsden, Cranmer & Krzych, 2010). Na leishmaniose foi demonstrado que o repertório Vβ apresenta algumas expansões em mais de 50% dos pacientes infectados por L. braziliensis, embora tal avaliação não tenha sido realizada separadamente em linfócitos T CD4+ e T CD8+ (Uyemura et al, 1993). Neste cenário, o estudo do repertório Vβ, inicialmente realizado por biologia molecular, passou a ser realizado por citometria de fluxo devido a possibilidade de se definir os perfil de repertório Vβ em diferentes populações celulares em uma mesma amostra (van den Beemd et al, 2000; Lima et al, 2003; Menezes et al, 2004; Giacoia-Gripp et al, 2005; Clarêncio et al, 2006, Keesen et al, 2011; Tembhare et al, 2011). Ao longo dos últimos 25 anos, foi produzida uma variedade de anticorpos específicos para a cadeia variável do TCR, sendo que a maioria destes é reativa à cadeia β. Diferentes perfis de distribuição deste repertório já foram associados a algumas doenças, como leucemia (Plasilova, Risitano & Maciejewski, 2003); esclerose múltipla (Hong et al, 1999); artrite reumatóide (Goodall, Bledsoe & Gaston, 1999); psoríase (Bour et al, 1999); Doença de Chagas (Costa et al, 2000; Menezes et al, 2004); artrite reumatóide (Moss et al, 1992), e leishmaniose (Uyemura et al, 1993; Clarêncio et al, 2006; Kariminia et al, 2007; Xin et al, 2011). Além disso, alguns estudos vêm demonstrando uma expansão oligoclonal de linfócitos T antígeno-específicos e uma distribuição heterogênea dos clones durante diferentes processos infecciosos (Menezes et al, 2004; Giacoia-Gripp et al, 2005, Clarêncio et al, 2006; Keesen, 2010). Outra abordagem de caracterização do repertório Vβ de linfócitos T baseia-se na avaliação de indivíduos sadios com o intuito de definir a distribuição clonal normal e proporcionar uma melhor interpretação da frequência de clones de linfócitos em diferentes patologias (van den Beemd et al, 2000). Os segmentos gênicos Vβ são agrupados em 26 diferentes famílias, baseadas na homologia das sequências gênicas (75% de homologia), sendo que algumas destas consistem 32 de vários membros, como as famílias Vβ 5, Vβ 6, Vβ 8 e Vβ 13 (Arden et al, 1995). Uma avaliação do repertório Vβ em indivíduos sadios mostrou que a distribuição das famílias parece ser heterogênea, já que a expressão de determinados membros Vβ tendem a ser mais dominantes como Vβ 2, Vβ 6, Vβ 8, Vβ 17, enquanto as famílias Vβ 12 e Vβ 24 são menos expressas (Malhorta et al, 1992). Além disso, algumas cadeias são preferencialmente mais expressas em subpopulações de linfócitos T CD4+ como Vβ 5.1, Vβ 6.7, Vβ 8, Vβ 9 e Vβ 12, assim como as famílias Vβ 1, Vβ 5.2, Vβ 9, Vβ 14, e Vβ 23 são mais frequentes em linfócitos T CD8+ (Grunewald, Janson & Wigzell, 1991; Clarke et al, 1994; Muraro et al, 2000; van der Beemd et al, 2000; Melenhorst et al, 2002). A habilidade dos linfócitos T em detectar, eliminar e memorizar uma variedade de antígenos encontrados em vários patógenos é garantida por esta extraordinária diversidade do repertório de seus receptores, e pela capacidade de distinguir uma infinidade de sequências peptídicas (antígenos) diferentes, desencadeando uma cascata de eventos imunológicos (Murre, 2007). 1.6.2.2 Reconhecimento Antigênico e Ativação de Clones Específicos Na LTA, o curso da doença é determinado pela natureza e magnitude das respostas orquestradas por linfócitos T, os quais precisam ser ativados, através da apresentação antigênica e da ação de citocinas, para exercer suas funções em total plenitude. A apresentação dos antígenos de Leishmania ocorre preferencialmente via MHC classe II para os linfócitos T CD4+ (Scott et al, 1989). Alguns autores já demonstraram que os linfócitos T CD8+ também são capazes de reconhecer estes antígenos através da apresentação via MHC classe I (Conceição-Silva et al, 1994; Rodriguez et al, 1999; Bertholet et al, 2006; Janeway, 2008b). Para isto, os antígenos de Leishmania são transportados do vacúolo parasitóforo para o citosol, onde são processados por proteossomos, para então serem apresentados no contexto do MHC classe I (Ruiz & Becker, 2007). A habilidade de um antígeno endocitado de escapar do compartimento endossomal para o citoplasma e ser apresentado via MHC classe I é chamada de “apresentação cruzada” (cross presentation) (Kovacsovics-Bankowski & Rock, 1995; Janeway, 2008b). Os linfócitos T, para os quais os peptídeos antigênicos são apresentados, são denominados de “células naïve” (virgens), ou seja, células que não tiveram contato prévio com nenhum antígeno relacionado, sendo assim também conhecidas como “células em repouso” (resting cells). A manutenção da viabilidade e da diversidade destes linfócitos T naïve é garantida pela seleção positiva, mencionada anteriormente, que também acontece nos 33 ambientes extratímicos através da constante interação TCR-MHC. Além da interação com MHC, os linfócitos naïve também dependem do contato com a IL-7 para se manterem vivos e neste estado funcional (Pinti et al, 2010; Kim, Hong & Park, 2011). O estado inativo das células naïve é mantido até que uma APC apresente algum peptídeo antigênico a estes linfócitos (Mescher et al, 2006; Sarkar et al, 2008). Após a interação do complexo MHC-peptídeo com o TCR, o CD3 se encarrega de transduzir os sinais para o interior do linfócito T, enquanto a molécula adaptadora CD4 ou CD8 (ligada ao MHC classe II ou MHC classe I, respectivamente) exercem a função de sustentar esta interação (Figura 1.5). Figura 1.5: Apresentação e reconhecimento antigênico no contexto MHC-peptídeo-TCR. APC (célula apresentadora de antígeno); MHC (complexo principal de histocompatibilidade classe I); TCR (receptor de célula T; CD8+ T (linfócito T CD8+); CD8 (molécula adaptadora); α e β (cadeias alfa e beta que compõem os heterodímeros MHC e TCR). Além destas interações, a ativação das células naïve requer outros dois sinais adicionais. Um deles é dado pela interação das moléculas co-estimulatórias, B7-1 (CD80) e B7-2 (CD86) presentes na superfície das APCs, à molécula CD28, expressa em 95% dos linfócitos T CD4+ e em 50% dos linfócitos T CD8+ (Bromley et al, 2010; van der Merwe & Cordoba, 2011). Esta interação regula positivamente os genes de sobrevivência, facilitando assim a progressão do ciclo celular e a produção de IL-2 (Sharpe & Freeman, 2002). Outra importante molécula co-estimulatória é o CD27, membro da superfamília de receptores do fator de necrose tumoral (TNF). Esta glicoproteína transmembrana de linfócitos T e B têm como único ligante o CD70, presente principalmente em células dendríticas. Após a interação com o CD70, a trimerização do CD27 contribui para a sinalização intracelular que 34 resulta na ativação do linfócito. Em consequência da ativação celular há um aumento da expressão de CD27 nos linfócitos naïve, entretanto, conforme estas células se diferenciam em efetoras, este receptor é liberado da superfície dos linfócitos, muito provavelmente por proteases ligadas à membrana (Loenen et al, 1992; Hamann et al, 1999; Schildknecht et al, 2007). Tanto em humanos como em modelos de infecção murinos, foi revelado que os linfócitos T CD8+ efetores apresentam baixa ou nenhuma expressão deste receptor (Kuijpers et al, 2003; Wherry et al, 2003; Baars et al, 2005). Neste contexto, a interação CD27-CD70 parece ser crucial para a regulação da resposta imune celular (Nolte et al, 2009). O outro sinal necessário para a ativação das células naïve é dado pela secreção de citocinas, pelas APCs, como por exemplo: IL-12, IFN tipo I (IFN-α e β) e IL-4. Após a ativação, os sinais co-estimulatórios precisam ser sustentados ou modificados para promover a expansão clonal e a diferenciação celular. Nos linfócitos T, o CD40L (ligante de CD40, presente na superfície das APCs) desempenha o papel de induzir a expressão de B7, que por sua vez contribui com a ativação celular. A IL-2, ao interagir com seu ligante (CD25), também participa deste processo, orientando a expansão do número de linfócitos T antígenoespecíficos e a diferenciação destas células. Assim como o CD25, a molécula CD69 também faz parte do fenótipo dos linfócitos ativados, sendo a quantificação destes receptores uma das ferramentas utilizadas para se determinar tal ativação. A caracterização fenotípica, não só das células naïve, mas também de outras subpopulações de linfócitos T, como células efetoras e de memória, são frequentemente realizadas através da determinação da expressão de isoformas de CD45 (CD45RA e CD45RO); de moléculas co-estimulatórias (CD27 e CD28); e/ou de moléculas associadas à migração celular, como CCR7 e CD62L, na membrana destas células. Desta forma, a expressão destas moléculas e a interação com seus ligantes são fortemente reguladas e dependentes do estado de ativação celular. Após o reconhecimento antigênico, as células ditas efetoras são linfócitos que foram ativados e executam suas funções de forma a eliminar o parasito (Hamann et al, 1997; Young et al, 1997; Sallusto et al, 1999; Baars et al, 2000; Hendriks et al, 2000; Boyman et al, 2009). Neste contexto, na infecção por Leishmania, a atividade efetora mútua e a cooperação entre os linfócitos T CD4+ e CD8+ parecem definir o curso da resposta imune responsável pela imunopatogenia na LTA. Os linfócitos T CD4+ (T helper – Th) ativados, reativos aos antígenos de Leishmania, são responsáveis por orquestrar e direcionar a resposta imune celular. Em modelos murinos de infecção por Leishmania, foi estabelecida uma dicotomia de perfis de diferenciação de linfócitos T CD4+ baseado na produção de determinadas citocinas: 35 perfil de resposta do tipo Th1, caracterizada por um elevado nível das citocinas IL-2, IFN-γ e TNF-α; e perfil de reposta do tipo Th2, que é caracterizada pela secreção principalmente de IL-4, IL-5, IL-10 e IL-13 (Locksley & Scott, 1991; Reiner & Locksley, 1993). A secreção destas últimas resulta em ativação de linfócitos B, com consequente produção de anticorpos e em ausência de estímulo de ativação de macrófagos para destruição do parasito, sendo o perfil Th2 associado a uma anergia na resposta imune em relação ao parasito, observada na progressão da doença (Scott et al, 1989; Cáceres-Dittmar et al, 1993; Reiner & Locksley , 1993; Sacks & Noben-Trauth, 2002). Na resposta do tipo Th1, a produção de citocinas pró-inflamatórias tem sido associada à cura da doença, não só pela ativação de macrófagos através do IFN-γ, que aumenta sua habilidade em fagocitar e destruir os parasitos, mas também pela indução e manutenção de linfócitos T CD8+ citotóxicos, através da IL-2 (Ruiz & Becker, 2007). Estes linfócitos T CD8+ citotóxicos têm a propriedade de destruir as células infectadas por mecanismos de citotoxicidade, através da liberação de grânulos líticos, após o reconhecimento do antígeno na superfície da célula-alvo, ou por secreção de citocinas do tipo Th1. Tais grânulos compreendem a perforina, que é capaz de formar poros na membrana das células–alvo, comprometendo assim a integridade das mesmas e induzindo morte celular por apoptose; e também a granzima, outra proteína citotóxica, que tem a capacidade de ativar caspases na célula-alvo, levando-a a morte por apoptose (Sacks & Noben-Trauth, 2002; Ruiz & Becker, 2007). Atualmente tem sido descrita uma terceira classe de grânulos líticos, chamada granulisina, cuja atividade antimicrobicida a torna capaz de induzir apoptose de células-alvo (Janeway, 2008(a)). Neste contexto, a secreção destes grânulos é fundamental para os mecanismos efetores destes linfócitos, induzindo apoptose nas células infectadas. Além da citotoxicidade, os linfócitos T CD8+ efetores participam do processo de resolução da infecção por Leishmania, através da secreção de IFN-γ que ativa os macrófagos, induzindo-os a destruir estes parasitos (Pompeu et al, 2001; Da-Cruz et al, 2002; Nateghi Rostamani et al, 2010). Os pacientes de LTA com menor capacidade de montar uma resposta imune celular do tipo Th1 tendem a um pior prognóstico da doença e a uma resposta terapêutica menos favorável (Scott et al, 1989; Coutinho et al, 1996). Já foi reportado que as células T de pacientes de LC que apresentaram cura espontânea apresentam uma intensa proliferação quando reestimuladas com antígenos de Leishmania (in vitro) e uma alta capacidade de produção de IFN-γ (Carvalho et al, 1995). Contudo, indivíduos naturalmente capazes de controlar a infecção apresentam mecanismos imunológicos que levam a um adequado 36 equilíbrio da produção de IFNγ e IL-10, associado a um controle da replicação parasitária sem causar danos teciduais (Gomes-Silva et al, 2007). Paralelamente, pacientes de LM apresentam produção exarcebada de IFN-γ e TNF-α, as quais parecem ser responsáveis pelos danos teciduais que caracterizam as manifestações clínicas desta forma da doença (Bacellar et al, 2002; Da-Cruz et al, 2002). Atualmente, se aceita, de maneira geral, que a diferença entre resistência e susceptibilidade à infecção por Leishmania está relacionada ao balanço entre as citocinas produzidas pelos linfócitos T CD4+ Th1 e Th2 (Pirmez et al, 1993; Bacellar et al 2002; Gomes-Silva, 2007). Além deste perfil de citocinas, a distribuição de linfócitos T CD4+ e CD8+ também está associada às diferentes manifestações clínicas da LTA, resultando em uma resposta celular de hipersensibilidade que pode ser avaliada pela intensidade do teste de IDRM (Barral et al, 1987; Coutinho et al, 1987; Hernández-Ruiz et al, 2010) (Tabela 1.1). Tabela 1.1: Perfis de resposta imune celular associada às diferentes formas clínicas da leishmaniose tegumentar Americana. LM (leishmaniose mucosa); LC (leishmaniose cutânea); LDiss (leishmaniose disseminada); LD (leishmaniose difusa); Th1 e Th2 (perfil de produção de citocinas, por linfócitos T CD4+, do tipo 1 e do tipo 2); CD4 e CD8 (linfócitos T CD4+ e CD8+); IDRM (Teste de Intradermorreação de Montenegro). Em pacientes de LC, a evolução para a cura está associada a uma regulação aumentada de linfócitos T CD8+, principalmente pela produção de IFN-γ (Uzonna, Joyce & Scott, 2004). Além disso, foi demonstrado, em modelo experimental, que os linfócitos T CD8+ contribuem para uma produção ótima de IFN-γ pelos linfócitos T CD4+(Herath, Kropf & Muller, 2003). Segundo Uzonna, Joyce e Scott (2004) na ausência de linfócitos T CD8+ há uma sustentação do perfil Th2, e o perfil Th1 depende da produção de IFN-γ por linfócitos T CD8+, os quais teriam então um papel regulador dos linfócitos T CD4+. Entretanto, a produção exacerbada de IFN-γ pode estar envolvida com o dano tecidual e com as formas mais graves da doença (Brodskyn et al, 1997; Bacellar et al, 2002). Estes dados parecem confirmar o importante papel dos linfócitos T CD8+ em uma resposta equilibrada durante a LC, provavelmente relacionada à destruição de células infectadas, levando à resolução da infecção (Chan, 1993; Conceição-Silva et al, 1994; Da-Cruz et al, 1994; Coutinho et al, 1998; Agnelo et al 2003; Da-Cruz et al, 2005; Ruiz & Becker, 2007; Hernández-Ruiz et al, 2010) (Figura 1.6). 37 Figura 1.6: Resposta imune celular durante a leishmaniose tegumentar Americana. APC (célula apresentadora de antígeno); MHC (complexo principal de histocompatibilidade); TCR (receptor de célula T); IL (interleucina); IFN-γ (Interferon gama); TNF-α (Fator de necrose tumoral alfa) Linf T (linfócito T); Th1 e Th2 (linfócitos T helper - CD4+ - que produz citocinas do tipo 1 ou 2). Adaptado de Ruiz & Becker, 2007. Durante a fase efetora, os linfócitos T atuam de forma a promover a destruição das células-alvo através da secreção de citocinas e grânulos líticos, no caso dos linfócitos T CD8+. Estas células possuem um fenótipo que se caracteriza pela modulação de determinadas moléculas de superfície. Para exercer suas funções efetoras, os linfócitos T deixam de expressar tanto o CD62L como o CCR7, porém passam a expressar VLA-4, que permite a ligação ao endotélio vascular em locais de inflamação. Da mesma forma, tanto o CD28 como o CD27 são liberados nesta fase, enquanto o CD45RA permanece na superfície celular destes linfócitos (Wowk & Trapani, 2004; Abbas & Litchman, 2007). 1.6.2.3 Os Linfócitos T de Memória Após a atividade efetora, a maioria dos clones de linfócitos efetores que participaram do controle do patógeno sofre apoptose. Uma minoria destas células antígeno-específicas (1 a 3 %) se diferencia em linfócitos de memória como uma forma de armazenar as células com especificidade àqueles antígenos, promovendo um grau de proteção ao mesmo. Para tal função, característica da imunidade adaptativa, as células de memória possuem vida prolongada e apresentam altas taxas de divisão celular que contribuem para a sua renovação e manutenção (Tough & Sprent, 1994; Zielinski et al, 2011). 38 Além dos linfócitos efetores, os linfócitos naïve também podem se diferenciar em células de memória durante uma resposta imune antígeno-específica. O processo de diferenciação das células naïve em células de memória já foi demonstrado em linfócitos T CD4+ e sugerido para linfócitos T CD8+ (Sprent & Tough, 1994; Sallusto et al, 1999; Scott et al, 2004; Stemberger et al, 2007). Em ambos os casos, o antígeno previamente reconhecidos, caracteriza a especificidade das células de memória, as quais são capazes de montar uma resposta qualitativa e quantitativamente aumentada, em relação à resposta primária. O reconhecimento deste antígeno leva a uma ativação e intensa proliferação dos linfócitos de memória específicos aos mesmos, de forma que as atividades efetoras destas células resultam em rápida secreção de citocinas e/ou de grânulos líticos (Abbas & Litchman, 2007). A resposta imune celular de memória está diretamente relacionada com a proteção contra determinados patógenos, quando responde de forma eficaz a um antígeno previamente reconhecido pelo sistema imune (Gourley et al, 2004). Devido a estas propriedades, as células de memória são alvo de estudos para a elaboração de vacinas e estratégias para controle de doenças causadas não só por patógenos, como também por antígenos próprios como nas doenças auto-imune e no câncer (Zanetti, Castiglioni & Ingulli, 2010). Os mecanismos de geração e manutenção destes linfócitos T de memória ainda não estão completamente esclarecidos. Sabe-se que estas células fazem parte de uma população heterogênea que apresenta diferenças quanto à capacidade de responder a uma infecção e promover proteção, podendo ser diferenciadas por seus receptores de superfície, pela secreção de citocinas e pela atividade citotóxica (Hamann et al, 1997). Sendo assim, os linfócitos T de memória podem ser divididos em células de memória central (TMC) e células de memória efetora (TME). Neste contexto, alguns estudos têm demonstrado a importância destas duas subpopulações celulares não só no controle de infecções, mas também na eficácia de vacinas (Lauvau et al, 2001; Seaman et al, 2004; Zaph et al, 2004). Fenotipicamente ambas as subpopulações de linfócitos de memória são CD45RACD45RO+ e podem ser diferenciadas pelas moléculas co-estimulatórias CD27 ou CD28 e/ou pelas moléculas associadas à migração celular, como CD62L e CCR7, devido às diferentes características funcionais entre as células de memória efetora e central (Hamann et al, 1997; Young et al, 1997; Sallusto et al, 1999; Baars et al, 2000; Hendriks et al, 2000). Os linfócitos TMC estão concentrados nos órgãos linfóides secundários. A viabilidade destas células é mantida por longo período mesmo na ausência de estímulo antigênico, apresentando uma baixa atividade efetora. Entretanto, sob novo estímulo antígeno-específico, estas células podem ser prontamente ativadas. Algumas moléculas como CD27, CD62L, 39 CCR7 são expressas constitutivamente por estas células, além do CD45RO, mencionado anteriormente. Já os linfócitos TME dependem de um estímulo antigênico contínuo para que a manutenção da sua viabilidade seja garantida. Estas células povoam preferencialmente tecidos periféricos e têm a capacidade de se diferenciar rapidamente em células efetoras sendo direcionadas para o sítio de infecção. Sendo assim, estas células expressam moléculas, como o CD25 e CD69, indicando seu estado ativado e são capazes de secretar IFN-γ, IL-4 e IL-5. Além disso, + as células - - de memória podem ser caracterizadas pelo fenótipo - CD45RO CD45RA CD27 CCR7 (Hamann et al, 1997; Sallusto et al, 1999; Sallusto et al, 2004). Apesar dos padrões característiscos de distribuição, no sangue as proporções relativas de linfócitos TMC de TME variam entre os linfócitos T CD4+ e T CD8+, sendo que as células TMC são predominatemente linfócitos T CD4+ e as células TME, linfócitos T CD8+ (Sallusto et al, 2004). Uma terceira população de células de memória tem sido caracterizada pela sua produção de perforina, sendo chamadas de células de memória efetoras altamente diferenciadas (TEMRA) (Geginat, Sallusto & Lanzavecchia, 2003; Harari et al, 2004). O sistema imune reúne uma variedade de fatores que são imporantes para a manutenção das subpopulações de células de memória, assim como de células efetoras e naïve. O controle deste processo envolve fatores de sobrevivência como IL-2, IL-7, e estimulação antigênica. Inversamente, a renovação celular e redução do número de células são controladas pela apoptose, a qual também exerce a função de manter ou recuperar a homeostase do sistema imune. A sobrevivência das células naïve, em repouso, durante alguns anos; a expansão de linfócitos T em resposta à estimulação antigênica, seguida da remoção e contração destas células; e a seleção de clones antígenos-específicos que são mantidos a longo prazo (células de memória) são exemplos do balanço destes processos de manutenção, renovação e redução das subpopulações (Sprent & Tough, 1994; Abbas & Lichtman, 2007). 1.6.2.4 A apoptose de linfócitos T na Leishmaniose Cutânea A apoptose é um processo de morte comprometido com a manutenção da homeostase, responsável pela renovação; maturação e seleção do repertório de linfócitos; e diferenciação celular, mencionados anteriormente, assim como com a remoção de células infectadas, danificadas ou auto-reativas (Kerr, Willie & Currie, 1972; Cohen et al, 1992; Krammer et al, 1994; 2000; Parolin & Reason, 2001). A apoptose de linfócitos está envolvida nos processos fundamentais que regulam o sistema imune, atuando como um mecanismo capaz de controlar o curso da resposta imune celular (Krammer et al, 1994). Este processo de morte celular 40 programada, geneticamente controlado, depende da interação célula-meio externo e envolve a participação de uma família de proteínas, chamada Bcl-2, constituída por membros pró (Bax, Bak e Bid) e anti-apoptóticos (Bcl-2, Bcl-w e Bcl-xL) (Cohen et al, 1992; Tsujimoto, 2003; Tichý, 2006). O processo apoptótico pode ocorrer através de duas vias principais: a via extrínseca ou dos receptores de morte; e a via intrínseca ou mitocondrial. Estas duas vias diferem no modo pelo qual são iniciadas, mas ambas convergem para a ativação de caspases efetoras (caspases 3, 6, 7), responsáveis pela proteólise observada no processo apoptótico. Após a ativação das caspases efetoras ocorrem alterações funcionais, expressas morfologicamente, por desorganização do citoesqueleto de maneira que a célula perde o contato com as células vizinhas; encolhimento celular; fragmentação do DNA; alteração da membrana plasmática de forma que o fosfolipídeo fosfatidilserina (PS) se desloca da porção interna para a porção externa da membrana plasmática; e formação de corpos apoptóticos contendo os fragmentos nucleares e as organelas condensadas em seu interior (Taylor, Cullen & Martin, 2008). De uma maneira geral, várias horas são necessárias do início do processo de morte celular até a fragmentação celular final, sendo que o cronograma correto depende do tipo celular, do estímulo e da via apoptótica desencadeada (Ziegler & Groscurth, 2004). O evento final do processo apoptótico consiste na remoção dos corpos apoptóticos por fagócitos, sem que haja a formação de um processo inflamatório, já que a integridade da membrana celular das células apoptóticas é mantida e, portanto não há liberação dos constituintes celulares potencialmente indutores de uma resposta inflamatória (Elmore, 2007). A indução e a inibição da apoptose de células hospedeiras tem um importante papel nas infecções parasitárias, podendo estar diretamente relacionadas com o controle e a eliminação dos parasitos (Guillermo et al, 2009). Diversos estudos vêm demonstrando que a exarcebação ou inibição da apoptose de determinadas populações celulares estariam relacionadas ao agravamento ou à cura de doenças como o câncer (Debatin et al,1993; Lane et al, 1994; Debatin, 2009); a AIDS (Gougeon & Montagnier, 1993; Sloand et al, 1997; Ross, 2001; Roshal, Zhu & Planelles, 2001; Gallo & Montagnier, 2003); a diabetes (Barreto et al, 2006); a Doença de Chagas (Lopes et al, 1995; Barcinski & DosReis, 1999; Lüder, Gross & Lope, 2001; de Meis et al, 2008); e as leishmanioses (Das et al, 1999; Bertho et al, 2000; Lüder, Groos & Lopes, 2001; Shaha, 2006; Hernández-Ruiz et al, 2010). A própria Leishmania pode sofrer apoptose como um mecanismo regulatório do número de parasitos durante o processo de divisão celular das promastigotas no trato digestivo do inseto vetor, impedindo que uma multiplicação excessiva comprometa a vida do 41 flebotomíneo. Nos macrófagos do hospedeiro vertebrado a apoptose das formas amastigotas pode atuar no controle da divisão celular, regulando o número de parasitos na célula hospedeira e minimizando a resposta imune (Shaha, 2006). Acredita-se que a exposição de fosfatisilserina pelas formas promastigotas está relacionada à capacidade da Leishmania de mimetizar uma morte apoptótica, induzindo a fagocitose das mesmas pelos macrófagos, que contribuiria para o estabelecimento da infecção (Wanderley et al, 2006, 2009). Tem sido observado níveis aumentados de apoptose em linfócitos T durante as infecções por Trypanosoma cruzi (Lopes & DosReis, 1994; Lopes et al, 1995; Martins et al, 1998; DosReis & Lopes, 2009), Toxoplasma gondii (Khan, Matsuura & Kasper, 1996; Luder, Gross, 2005; Lee et al, 1999), Plasmodium sp. (Baldé, Sarthou & Roussilhon, 1995; Matsumoto et al, 2000), e Leishmania sp. (Das et al,1999; Bertho et al, 2000). A morte destas células parece comprometer o processo de expansão clonal e diferenciação celular, resultando em produção insuficiente de citocinas e diminuição de atividade citotóxica que resultariam na persistência do parasito (Guillermo et al, 2009). Tanto em pacientes infectados por Leishmania como em infecções experimentais, tem sido descrita e discutida a influência da apoptose na imunopatogênese da doença. Em camundongos suscetíveis a L. donovani, foi observado um aumento da apoptose de linfócitos T CD4+ após a ativação destas células com conseqüente redução da produção de IL-2 e IFN-γ (Das et al, 1999). A resposta do tipo Th1 realizada pelos linfócitos T CD4+ em camundongos infectados por L. major ou por L. donovani parece ser modulada pela indução do processo apoptótico e modulação da produção de IFN-γ por estar células (Huang et al, 1998; Alexander, Kaye & Engwerda, 2001). Além disso, a anergia celular induzida por antígenos de L. amazonensis, principal agente etiológico da LCD, está associada à apoptose de linfócitos T, que prejudicaria a apresentação antigênica pelos macrófagos, resultando em uma ativação reduzida da resposta imune celular (Pinheiro et al, 2004).Em camundongos suscetíveis à infecção por L. major (BALB/c) foi observado um aumento progressivo deste processo de morte celular programada nos órgãos linfóides, enquanto nos camundongos resistentes a esta infecção (CBA), havia apenas uma apoptose transitória (Desbarats et al, 2000). Tanto os linfócitos T CD4+ como os linfócitos T CD8+, presentes nos linfonodos de camundongos infectados por L. major, sofrem apoptose durante a infecção (Desbarats et al, 2000). Em lesões de pacientes infectados por L. braziliensis, estas células também sofrem apoptose sendo que este fenômeno de morte se mostra mais acentuado nos linfócitos T CD8+, o que parece comprometer uma resposta imune eficiente (Bertho et al, 2000). Por sua vez, a morte de linfócitos T CD4+ interfere na produção adequada de citocinas do tipo Th1 42 reduzindo assim, a ativação dos linfócitos T CD8+. Em humanos, a anergia celular e a apoptose, observadas durante a leishmaniose visceral, foram correlacionadas a uma baixa produção de IL-2 e níveis reduzidos de proteínas da família Bcl-2 em linfócitos T os quais poderiam estar entrando em processo de morte por falta do estímulo de ativação (IL-2) e de sobrevivência (Bcl-2) (Das et al, 1999; Mukherjee, Sen & Ghose, 2006). Sendo assim, a apoptose parece ter um papel imunomodulador do sistema imune, seja fisiologicamente, exercendo o papel de controlar a homeostase, seja influenciando a imunopatogenia de uma série de doenças como, por exemplo, a leishmaniose. 1.7 CITOMETRIA DE FLUXO Ao longo dos últimos quarenta anos, a citometria de fluxo veio ganhando espaço no cenário científico, apresentando-se como a principal ferramenta utilizada para a caracterização fenotípica e funcional de uma diversidade de populações celulares, tendo um importante papel no avanço dos conhecimentos na área da imunologia. Esta metodologia permite uma análise celular individual na qual diversas de características, fenotípica e funcional, podem ser avaliada simultaneamente. Particularmente na leishmaniose, a citometria de fluxo tem oferecido uma grande contribuição para o estudo da imunopatogenia desta doença, principalmente, no que diz respeito à frequência e proporção de linfócitos T CD4+ e T CD8+ e a produção de citocinas por estas células (Scott et al, 1989; Da-Cruz et al, 1994; Barral et al, 1995, Coutinho et al, 1996; Bertho et al, 2000; Bottrel et al, 2001; Toledo et al, 2001; DaCruz et al, 2002; 2005; Gomes-Silva et al, 2007; Mendes-Aguiar et al, 2009; Maretti-Mira et al, 2011). Com o avanço tecnológico dos equipamentos e com a evolução da produção dos anticorpos monoclonais e substâncias fluorescentes, os protocolos multiparamétricos se mostram cada vez mais elaborados envolvendo uma diversidade de marcadores que possibilitam uma avaliação fenotípica/funcional mais abrangente, envolvendo uma série de abordagens. O estudo da apoptose, inicialmente realizado por microscopia ótica e posteriormente através da microscopia eletrônica (Fesq et al, 1994; Walker et al, 1998) e eletroforese em gel (Wyllie, 1998), passou a ser realizado por citometria de fluxo (Schimid et al, 1994; Darzynkiewicz et al, 1997; Vermes et al, 1995; Douglas et al, 1998; Bertho, Santiago & Coutinho, 2000) a qual se mostra, como uma ferramenta adequada, no que tange a determinação e avaliação de células neste processo de morte e que é atualmente a metologia 43 de escolha preferencialmente utilizada (Schimid, Uittenbogaart & Jamienson, 2007; Gille et al, 2011; Zimmermann & Meyer, 2011). Alterações morfológicas, atividade das caspases, manutenção da integridade de membrana, e principalmente a detecção da fragmentação do DNA podem ser utilizados para identificar as células apoptóticas por citometria de fluxo. Além disso, do ponto de vista morfológico, a retração celular pode ser considerada uma característica de morte celular por apoptose. A célula dimunui seu tamanho e aumenta sua granulosidade, sendo facilmente evidenciadas através da citometria de fluxo (Bertho, Santiago & Coutinho, 2000). Entre outros marcadores do processo apoptótico, estão os anticorpos monoclonais anti-caspases iniciadoras (caspases 2, 8, 9 e 10) e anti-caspases efetoras (caspases 3, 6, 7) (Taylor, Cullen & Martin, 2008; Martinez, Reif & Pappas, 2010). Além das características morfológicas e ds anticorpos monoclonais (anti-caspase, anti-Bcl, anti-Fas); a Anexina-V; o Iodeto de Propídeo; e a 7-AAD também têm sido utilizados para a identificação destas células, podendo ainda ser utilizados concomitantemente a uma análise fenotípica (Nicoletti et al, 1991). O repertório de linfócitos T, o qual era avaliado por biologia molecular (Pantaleo et al, 1994; Hawke, Rast & Litman, 1996; Ria et al, 2001), passou a ser estudado também por citometria de fluxo, principalmente pela possibilidade de reunir informações fenotípicas aos perfis do TCR, através da marcação das células com uma combinação de anticorpos monoclonais (van den Beemd et al, 2000; Lima et al, 2003; Menezes et al, 2004; GiacoiaGripp et al, 2005; Clarêncio et al, 2006, Keesen et al, 2011; Tembhare et al, 2011). Além disso, a fabricação de kits (kit IOTest Beta Mark TCR Vβ Repertoire – Beckman Coulter, EUA) permitiu que o repertório Vβ fosse analisado a partir de um número reduzido de amostras, facilitando e otimizando tal estudo. As alterações fenotípicas que caracterizam o processo de diferenciação celular também têm sido exploradas para a identificação das subpopulações de linfócitos por citometria de fluxo, através de combinações de anticorpos monoclonais como anti-CD45RA, anti-CD45RO, anti-CD27, anti-CD28, anti-CCR7 e anti0CD62L (Hamann et al, 1997; 1999; Sallusto et al, 1999; Baars et al, 2000; Monsurrò et al, 2002; Mackus et al, 2003; Campbell et al, 2009; Nikolova et al, 2009; Libri et al, 2011). Neste cenário, a citometria de fluxo se apresenta como uma ferramenta adequada, moderna, e indispensável para o estudo fenotípico/funcional de diversas populações celulares, permitindo, a partir de protocolos multiparamétricos, determinar características e fenômenos imunológicos, em amostras obtidas de modelos experimentais e de humanos. 44 2. JUSTIFICATIVA A extensa distribuição geográfica da Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA), sua alta incidência e o grande número de indivíduos expostos fazem desta morbidade uma questão de grande importância para a saúde pública mundial. No Brasil, são registrados anualmente cerca de 30.000 novos casos de LTA (SVS/MS, 2010), tornando-se necessária uma atenção especial, por parte dos órgãos competentes, aos esforços direcionados para o controle desta doença. A LC é a forma clínica mais frequente da doença e é endêmica no Estado do Rio de Janeiro, onde a maioria dos casos é causada pela espécie Leishmania (Viannia) braziliensis. A estratégia mais expressiva para a profilaxia da LC seria o desenvolvimento de uma vacina capaz de proteger os indivíduos que se encontram nas áreas de risco de transmissão do parasito. Paralelamente, uma terapia menos agressiva, em termos de efeitos colaterais, se faz necessária, com o intuito de amenizar as consequências da terapia atualmente utilizada. A perspectiva de controle desta doença depende de um aprofundamento e detalhamento do conhecimento no que diz respeito aos fenômenos que ocorrem durante a resposta imune específica a Leishmania. Este conhecimento é fundamental para estabelecer parâmetros imunológicos associados com a patogênese, a cura e a resposta protetora da LC, para que possa então, ser aplicado em manipulações terapêuticas e no desenvolvimento de vacinas. Sabendo que a LC está em expansão e ainda sem controle efetivo, estudos mais detalhados em relação à resposta imune são extremamente relevantes para uma melhor compreensão e aprofundamento dos conhecimentos no que diz respeito à imunopatogenia desta doença. Ao longo dos anos, vários estudos vêm demonstrando a importância da resposta imune celular, mediada por linfócitos T, na LC. Os avanços no entendimento desta doença têm sido obtidos através de estudos baseados na avaliação da frequência de linfócitos T CD4+ e T CD8+. No entanto, estes linfócitos T se diferenciam em células funcionalmente distintas, tornando-se importante uma avaliação das subpopulações naive, efetora, de memória central e de memória efetora (Hamann et al, 1997; Sallusto et al, 2004; Appay et al, 2008). Apesar dos linfócitos T CD4+ orquestrarem a resposta imune celular na LC, os linfócitos T CD8+ parecem estar diretamente relacionados à destruição de células infectadas, atuando não só através da sua atividade citotóxica, com secreção de grânulos citolíticos como, também, através de IFN-γ (Pirmez, 1992; Da-Cruz et al, 1994; Barral-Neto et al, 1995; Mendonça et al, 1995; Brodskyn et al 1997; Coutinho et al, 1998; Pompeu et al, 2001; DaCruz et al, 2002; Bertholet et al, 2005; Maretti-Mira et al, 2011). Além disso, já foi demonstrado que a progressão da doença está associada a uma maior ocorrência de apoptose dos linfócitos T CD8+. Bertho e colaboradores (2000) demonstraram que, em lesões de 45 pacientes que evoluíram para a cura espontânea havia um menor percentual de apoptose dos linfócitos T CD8+ enquanto a maior ocorrência deste processo de morte, em lesões de pacientes, estava associada á progressão da doença. Sendo assim, a apoptose teria um papel modulador na resposta imune de pacientes de LC, podendo contribuir para a progressão da doença. Neste contexto, a ativação de linfócitos T; a diferenciação de células efetoras e de memória; e a apoptose são mecanismos envolvidos na resposta imune, os quais estão envolvidos na respoata imune durante a LC e que podem influenciar os processos de proteção, cura e progressão desta doença. Quanto à especificidade dos linfócitos T, diversas pesquisas baseadas na resposta imune adaptativa têm sido conduzidas através da análise da cadeia variável β do TCR, isto é, do repertório Vβ. Diferentes perfis de distribuição deste repertório já foram associados à doenças como leucemia (Plasilova, Risitano & Maciejewski, 2003); esclerose múltipla (Hong et al, 1999); artrite reumatóide (Goodall, Bledsoe & Gaston, 1999); e Doença de Chagas (Costa et al, 2000; Menezes et al, 2004). Na LC, poucos estudos têm sido realizados com o objetivo de avaliar possíveis alterações no perfil do repertório de linfócitos T em pacientes (Uyemura et al, 1993; Clarêncio et al, 2006). Além disso, ainda não há descritona literatura uma análise do repertório Vβ de subpopulações de linfócitos T em pacientes de leishmaniose, o que permitiria uma avaliação dos clones preferencialmente induzidos e que poderiam participar de uma resposta imune no sítio da infecção.. Sendo assim, a avaliação da diversidade dos clones de linfócitos T CD8+ entre subpopulações funcionalmente distintas (naïve, efetora e de memória) e a indução de apoptose nestas células, tornaram-se um importante foco de investigação que possibilita uma melhor compreensão e aprofundamento dos conhecimentos dos fenômenos envolvidos na resposta imune na LC, associados à progressão e à cura da doença. Neste contexto, as informações obtidas através de uma análise fenotípica/funcional multiparamétrica de linfócitos T CD8+ de pacientes, com doença ativa e em tratamento, e curados após o fim daterapia, trazem novas perspectivas para os estudos em vacina; terapias mais eficientes e menos agressivas; e melhores condições de avaliar a resposta terapêutica após o tratamento. Seguindo esta linha de pesquisa, o desenho experimental deste trabalho é fruto do interesse em aprofundar os conhecimentos acerca das características da resposta imune celular por linfócitos T CD8+, durante a LC causada por L. braziliensis. Para isto, a citometria de fluxo mostra-se como a ferramenta ideal, que permite a realização de uma análise multiparamétrica para determinar características fenotípicas e funcionais dos linfócitos T CD8+. 46 3. OBJETIVO GERAL Avaliar o papel da apoptose e a diversidade do repertório de linfócitos T CD8+ e de suas subpopulações naïve, efetora, de memória central e de memória efetora, na resposta imune de pacientes durante e após o tratamento da leishmaniose cutânea. 3.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 3.1.1 Avaliar a frequência de linfócitos T CD8+ e a ocorrência de apoptose nestas células, obtidas ex vivo e após estimulação in vitro com antígenos de L. braziliensis, nos dois grupos de pacientes e em indivíduos sadios; 3.1.2 Determinar a razão da frequência de linfócitos T CD8+ naïve, efetores, de memóriacentral e de memória efetora, a fim de identificar se a distribuição/proporção destas subpopulações sofre alguma alteração, nos diferentes estados imunológicos que se encontram os indivíduos dos três grupos estudados; 3.1.3 Avaliar a influência dos antígenos de L. brazliensis na indução de apoptose dos linfócitos T CD8+ naïve, efetores, de memória central e de memória efetora; e na frequência destas subpopulações; 3.1.4 Caracterizar o perfil do repertório Vβ do TCR de linfócitos T CD8+, obtidos ex vivo, através da avaliação do percentual de expressão de 24 cadeias Vβ e comparar a distribuição dos clones entre os indivíduos sadios; os pacientes em tratamento, com doença ativa; e os pacientes pós-tratados, clinicamente curados, a fim de identificar possíveis expansões ou contrações clonais nos diferentes estágios da doença; 3.1.5 Caracterizar o perfil do repertório Vβ das células naïve, efetoras, de memória central e de memória efetora, e avaliar se a distribuição dos clones é heterogênea entre estas subpopulações dos linfócitos T CD8+. 47 4. METODOLOGIA 4.1 CASUÍSTICA Participaram deste estudo, indivíduos adultos, maiores de 18 anos com média de idade de 38,1±17,6 anos entre os homens e de 38±13,4 anos entre as mulheres, os quais foram divididos em três grupos: Grupo I: Indivíduos sadios (Controles – CTRL; n=18); sem histórico prévio de leishmaniose e que não residem em áreas endêmicas desta doença. Grupo II: Pacientes de leishmaniose cutânea (LC) em tratamento (décimo dia após o início do tratamento com Glucantime®) (pacientes durante tratamento - PDT; n=14), apresentando lesões cutâneas ulceradas, cujo diagnóstico de (LC) foi confirmado por critérios clínicos, epidemiológicos, e exames parasitológicos (cultivo, PCR e/ou imprint). Grupo III: Pacientes de LC após a conclusão da terapia, de acordo com critérios definidos pela equipe médica do IPEC (octagésimo dia após o início do tratamento), clinicamente curados (pacientes póstratamento - PPT; n=11). Todos os pacientes foram atendidos no ambulatório do Serviço de Referência em Leishmaniose do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC), FIOCRUZ, e foram submetidos a um ensaio clínico de tratamento, randomizado e duplo cego, com Glucantime®. Foram investigadas informações epidemiológicas e clínicas, como idade e sexo; número e área das lesões durante a fase ativa; tempo de evolução; local de moradia dos indivíduos; resposta ao teste de Intradermorreação de Montenegro (IDRM); resposta ao tratamento; cura clínica; reativação e re-infecção, através de levantamento dos prontuários dos pacientes. O critério de cura clínica foi definido pela epitelização total das lesões ulceradas, regressão da infiltração e do eritema, após conclusão do esquema terapêutico (Ministério da Saúde, 2010). Com base nestas definições, as lesões cicatrizadas, em até três meses após a conclusão do esquema terapêutico, foi considerada como cura clínica recente. Em caso de ausência de cicatrização completa, após uso do Glucantime®, o tratamento seria considerado insatisfatório, sendo necessário um esquema terapêutico alternativo ou a repetição de um ciclo da mesma terapia antimonial, o que não ocorreu neste estudo, já que todos os pacientes avaliados apresentaram cura clínica após a terapia, e ausência de reativação até o octagésimo dia após o início do tratamento. 48 Foram excluídos do estudo os pacientes com doenças sistêmicas concomitantes, que sabidamente interferem na capacidade imunológica do indivíduo; pacientes sob o uso de medicação tópica sobre a lesão cutânea; gravidez; tratamento prévio com leishmanicidas; e pacientes com contra-indicação para o uso do Glucantime®, na dose e esquema terapêutico recomendados pelo Ministério da Saúde. Foram excluídos, ainda, os indivíduos que apresentaram resposta negativa à IDRM, a fim de incluir somente aqueles que apresentaram uma resposta imune celular preservada. O estudo segue a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde que trata das diretrizes e normas de pesquisas envolvendo seres humanos. O desenho experimental e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (anexo 1) foram aprovados pelos Comitês de Ética em Pesquisa da FIOCRUZ (CEP-FIOCRUZ) sob o número 502/09 e do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (CEP-IPEC/FIOCRUZ) sob o número 057/2009. 4.2 COLETA DO MATERIAL BIOLÓGICO Foram obtidas amostras de sangue periférico, através de punção venosa em tubos heparinizados (Becton Dickinson, Franklin Lakes, NJ, EUA), num volume máximo de 20 mL de sangue de cada indivíduo, as quais foram enviadas ao laboratório onde foram processadas. O tempo entre a coleta do material biológico e o processamento do mesmo foi no máximo 24 horas. Havendo necessidade os tubos com sangue foram deixados de um dia para o outro (overnight), à temperatura ambiente de 20ºC±2º C, sempre sob homogeneização (Arsec, São Paulo, SP, Brasil). 4.3 OBTENÇÃO DE CÉLULAS MONONUCLEARES DE SANGUE PERIFÉRICO A obtenção de células mononucleares de sangue periférico (CMSP), utilizadas nos ensaios experimentais ex vivo e in vitro, foi feita através de centrifugação em gradiente de Ficoll-Hypaque (Histopaque® 1077, Sigma, St. Louis, MO, EUA), descrita a seguir: o sangue heparinizado foi diluído na proporção 1:1 em meio de cultura RPMI 1640 (Gibco, Carlsbad, CA, EUA), suplementado com HEPES (10mM; Sigma, EUA), 2-mercaptoetanol (1mM; Gibco, EUA), L glutamina (1,5mM; Sigma, EUA), penicilina (200UI; Sigma, EUA) e estreptomicina (200µg/mL; Sigma, EUA). O sangue diluído foi então depositado cuidadosamente sobre o Ficoll-Hypaque, numa proporção 2:1, em tubo de 50 mL (Corning Inc., México). Posteriormente, esta amostra foi submetida a uma centrifugação por 30 minutos, a 400 g na temperatura de 20ºC, sem freio (Thermo Fisher Scientific Inc., EUA.). As células mononucleares foram coletadas, com auxílio de uma pipeta Pasteur (Corning Inc., Corning, NY, EUA), a partir do anel de células formado na interface entre o soro e o Ficoll, 49 sendo a seguir submetidas a três lavagens, com meio RPMI suplementado, por centrifugação (10 minutos/250 g/20°C, com freio). O número de células viáveis foi determinado através da diluição em Azul de Tripan (Sigma, EUA) seguida da contagem em câmara de Neubauer com auxílio de microscópio óptico (Carl Zeiss Inc., Thornwood, NY, EUA). A concentração de células viáveis foi ajustada para 3x106/mL de meio RPMI suplementado, acrescido de 10% de soro humano AB Rh+ inativado (Sigma, EUA). Estas células foram, então, utilizadas nos ensaios ex vivo e in vitro de caracterização fenotípica e e funciona dos linfócitos T CD8+. 4.4 ENSAIO EX VIVO PARA AVALIAÇÃO FENOTÍPICA DAS SUBPOPULAÇÕES DE LINFÓCITOS T CD8+, REPERTÓRIO Vβ E APOPTOSE As CMSP obtidas dos indivíduos dos três grupos estudados foram sedimentadas por centrifugação (679 g, 5 minutos) e ressuspendidas numa solução de Tampão Fosfato contendo 0,1% de azida sódica (Merck, EUA) e 2% de Soro Fetal Bovino (SFB; Sigma, EUA) (PBSaz). Posteriormente, estas células foram distribuídas em tubos de microcentrifugação de 1,5 mL (Eppendorf, Hauppauge, NY, EUA) na concentração 5x105 células/50 µL de PBSaz e submetidas a um protocolo citofluorimétrico de marcação, que inclui a 7-AAD (7aminoactinomicina D) e um painel de anticorpos monoclonais, descrito a seguir (Figura 4.1): para a determinação do repertório Vβ de linfócitos T foi utilizado o kit IOTest Beta Mark TCR Vβ Repertoire (gentilmente cedido pela Beckman Coulter, EUA), o qual é composto por anticorpos monoclonais específicos para um total de vinte e quatro (1, 2, 3, 4, 5.1, 5.2, 5.3, 7.1, 7.2, 8, 9, 11, 12, 13.1, 13.2, 13.6, 14, 16, 17, 18, 20, 21.3, 22, 23) (Tabela 4.1), pertencentes a 19 das 26 famílias Vβ conhecidas. Estas 24 cadeias abrangem 70% do repertório Vβ do TCR de linfócitos T CD3+ de um indivíduo normal, e são divididas em oito frascos de forma que os três anticorpos monoclonais contidos em cada frasco são conjugados ao FITC, ao PE ou ao FITC e PE. Além dos anticorpos anti-Vβ, utilizou-se os anticorpos monoclonais anti-CD8/APC; e anti CD45RA/ECD (PE-TR) e anti-CD27/PE-Cy7 para identificar as subpopulações naïve, efetora, e de memória (efetora e central), os quais foram adicionados às oito amostras. 50 Tabela 4.1: Designação dos anticorpos monoclonais específicos para 24 cadeias Vβ utilizadas no protocolo experimental, conforme distribuição em oito tubos d ensaio contendo a mesma amostra. (A-H). Kit IOTest® Beta Mark. Cadeia Vβ* Fluorocromo conjugado Tubo Vβ 5.3 PE A Vβ7.1 FITC/PE A Vβ 3 FITC A Vβ9 PE B Vβ 16 FITC/PE B Vβ17 FITC B Vβ18 PE C Vβ5.1 FITC/PE C Vβ20 FITC C Vβ13.1 PE D Vβ13.6 FITC/PE D Vβ8 FITC D Vβ5.2 PE E Vβ 2 FITC/PE E Vβ 12 FITC E Vβ23 PE F Vβ 1 FITC/PE F Vβ21.1 FITC F Vβ 11 PE G Vβ 22 FITC/PE G Vβ 14 FITC G Vβ 13.2 PE H Vβ 4 FITC/PE H Vβ 7.2 FITC H *Nomenclatura segundo Wei et al (1994). FITC - Isotiocianato de fluoresceína; PE - Ficoeritrina . Após a marcação com os anticorpos monoclonais, as amostras foram incubadas por 30 minutos a 4°C (no gelo), protegidas da luz, e em seguida lavadas com PBSaz por centrifugação (670 g, 5 min.). Posteriormente as amostras foram submetidas à marcação com 20 µg/mL de 7-AAD, para identificação das células em apoptose, incubadas por 30 min a 4ºC, e adquiridas através do citômetro de fluxo em até 12 horas. Havendo a necessidade de realizar a aquisição das amostras posteriormente a este período, as amostras foram submetidas a um protocolo de fixação com actinomicina D (AD; Sigma, EUA) e paraformaldeído (PFA; Sigma, EUA) em PBS. Para isto, as células foram centrifugadas (670 g, 5 min) e o sedimento celular foi ressuspendido em 500 µL de PBS contendo 1% de parafolmaldeído e 20 µg/mL de AD (AD/PFA). As amostras fixadas foram armazenadas em geladeira (2 a 8o C), protegidas da 51 luz, e adquiridas por citometria de fluxo em até cinco dias (Schimid et al, 1994). A combinação de marcadores utilizada na análise citofluorimétrica para avaliar as características celulares está descrita na Tabela 4.2. Figura 4.1: Esquema do protocolo citofluorimétrico utilizado no ensaio experimental ex vivo. São adicionados, em cada uma das oito amostras, anticorpos monoclonais específicos para 3 diferentes cadeias Vβ, anticorpos monoclonais anti-CD8, antiCD27 e anti-CD45RA e a 7AAD. Fluorocromos: FITC - Isotiocianato de Fluoresceína; PE - Ficoeritrina; ECD Ficoeritrina-Texas red; PE-Cy7 - Ficoeritrina-Cianina 7; APC Aloficocianina; 7-AAD - 7-Actinomicina D. Tabela 4.2: Combinação de anticorpos monoclonais e 7-AAD, utilizados como marcadores para avaliar diferentes características celulares por citometria de fluxo, em ensaio experimental ex vivo. Amostra CMSP Análise citofluorimétrica Característica celular avaliada Vβ-FITC+ Vβ-PE- Vβ-FITC-PE- Cadeia Vβ do TCR Vβ-FITC- Vβ-PE+ Vβ-FITC-PE- (em 8 tubos contendo anticorpos Vβ-FITC- Vβ-PE- Vβ-FITC-PE+ monoclonais para 3 famílias Vβ) CD8high* Linfócito T CD8+ CD45RA+ CD27+ Linfócito T naïve + - Linfócito T efetor - - Linfócito T de memória efetora - + Linfócito T de memória central CD45RA CD27 CD45RA CD27 CD45RA CD27 7-AAD low** Células em apoptose CMSP - Células mononucleares de sangue periférico; Cadeia Variável Beta do TCR (Vβ); Isotiocianato de Fluoresceína (FITC); Ficoeritrina (PE); * high - células que apresentam alta intensidade de fluorescência; ** low - células que apresentam baixa intensidade de fluorescência. 52 4.5 PREPARO DE ANTÍGENOS PARTICULADOS DE LEISHMANIA (VIANNIA) BRAZILIENSIS As formas promastigotas da cepa de referência de L. braziliensis (MHOM/BR/75/M2903) foram utilizadas para a obtenção de antígenos particulados, os quais foram utilizados no ensaio experimental in vitro. Os parasitos foram expandidos em garrafas de poliestireno de 25cm2 contendo meio de cultura Schneider (pH 7,2; Sigma, EUA) suplementado com 1,5 mM de L-glutamina (Sigma, EUA); penicilina (200 UI; Sigma, EUA) e estreptomicina (200 µg/mL; Sigma, EUA); e 20% de soro fetal bovino (Sigma, EUA); 2% de urina. Após o 50º dia de cultivo, quando as leishmânias estão em fase estacionária, os parasitos foram submetidos a duas lavagens por centrifugação (15 minutos, 1900 g, 40º C) com PBS. A seguir foi realizada a contagem de leishmânias e ajuste para 108 promastigotas/mL, também em PBS. A suspensão foi submetida a 10 ciclos de congelamento em nitrogênio líquido e descongelamento em banho-maria a 70ºC, a fim de lisar os parasitos e obter o antígeno particulado. Após a confirmação da lise completa, através da ausência de parasitos íntegros, realizada através de microscopia óptica, o antígeno foi aliquotado e conservado a -20o C. 4.6 ENSAIO IN VITRO PARA AVALIAÇÃO FENOTÍPICA DAS SUBPOPULAÇÕES DE LINFÓCITOS T CD8+ E APOPTOSE As CMSP obtidas dos indivíduos dos três grupos estudados, foram ajustadas em meio RPMI suplementado, acrescido com 10% de soro humano AB Rh+ inativado (Sigma, EUA). Estas células foram distribuídas (3x105/poço) em placa de poliestireno de 96 poços de fundo chato (Beckton & Dickinson, EUA) e cultivadas em estufa com atmosfera úmida de 5% de CO2 na temperatura de 37ºC (Napco, EUA). A cultura foi realizada em triplicatas sob três diferentes condições de cultivo, baseado no protocolo de resposta proliferativa de linfócitos (Mendonça et al, 1986): células sem estímulo antigênico, utilizadas como controle negativo (background- BG); células estimuladas com o mitógeno Concanavalina-A (Con-A) (1µg/poço) (Sigma, EUA), como controle positivo de proliferação; e células estimuladas com antígenos particulados de L. braziliensis (Ag-Lb) equivalente a 106 promastigotas metacíclicas/poço, para um volume final de 200 µL/poço. O tempo de cultura das células estimuladas com Con-A foi de três dias, enquanto as células estimuladas com antígeno de L. braziliensis e as células sem estímulo foram cultivadas por cinco dias. O acompanhamento da cultura foi realizado por microscopia óptica e após o cultivo as células foram submetidas ao protocolo citofluorimétrico de marcação, 53 descrito a seguir: no 3o dia de cultivo, as CMSP, estimuladas com Con-A, foram homogeneizadas e transferidas para tubos de 1,5 mL (Eppendorf, EUA) e lavadas por centrifugação (670 g, 5 min). As células sedimentadas foram ressuspendidas em PBSaz e submetidas ao protocolo de marcação com 7-AAD (Sigma, EUA) (Schimid et al, 1994), como controle positivo de apoptose. Posteriormente, no 5o dia de cultivo, as CMSP estimuladas com Ag-Lb assim como as células do BG foram homogeneizadas e transferidas com pipeta Pasteur para tubos microcentrifugação de 1,5 mL (Eppendorf, EUA). Estas células foram sedimentadas por centrifugação (670 g, 5 minutos), ressuspendidas em 50µL de PBSaz e submetidas marcação com anti-CD8/PE, anti-CD45RA/ECD e anti-CD27/PE-Cy7 (todos da Beckman Coulter, EUA). A seguir, as amostras foram incubadas por 30 minutos, a 4oC e protegidas da luz. Após uma lavagem em PBSaz (670 g, 5 min.) foi realizada a marcação intracelular com 7-AAD (Sigma, EUA), para determinar as células em apoptose (Figura 4.2). Quando necessário, foi feita a fixação das células com AD/PFA (Sigma, EUA). A combinação da 7-AAD com os anticorpos monoclonais, utilizados como marcadores para a avaliação das características celulares por citometria de fluxo, após cultivo in vitro, está descrita na Tabela 4.3. Figura 4.2: Esquema do protocolo citofluorimétrico utilizado após o ensaio experimental in vitro. No 30 dia do cultivo in vitro, a 7-AAD é adicionada as amostras que contem as células estimuladas com concanavalina-A (Con-A). No 50 dia foram adicionados anticorpos monoclonais anti-CD8, antiCD27 e anti-CD45RA, e 7-AAD as amostras que contem as celulas não estimuladas – background (BG) e aquelas que contém as células estimuladas com antígenos de L. braziliensis (Ag-Lb). Tabela 4.3: Combinação de anticorpos monoclonais e de 7-AAD utilizados como marcadores para avaliar diferentes características celulares por citometria de fluxo, em ensaio experimental in vitro. Amostra CMSP Análise citofluorimétrica Característica celular avaliada CD8high* Linfócito T CD8+ + + CD45RA CD27 Linfócito T naïve CD45RA+ CD27- Linfócito T efetor CD45RA- CD27- Linfócito T de memória efetora CD45RA- CD27+ Linfócito T de memória central 7-AADlow** Células em apoptose CMSP - Células mononucleares de sangue periférico * high - células que apresentam alta intensidade de fluorescência; ** low - células que apresentam baixa intensidade de fluorescência. 54 4.7 CITOMETRIA DE FLUXO As amostras foram adquiridas em um total de 50 mil eventos, nos citômetros de fluxo Cyan (Beckman Coulter, EUA), da Plataforma de Citometria de Fluxo do IOC, FIOCRUZ e no citômetro de fluxo FACS Aria (Becton and Dickinson, EUA), da Plataforma do PDTIS, FIOCRUZ. As análises citofluorimétricas foram realizadas utilizando os programas computacionais específicos Summit 4.3 e FACSDiva. 4.7.1 Definição de Regiões e Compensação de Cores Anticorpos monoclonais isotípicos anti-IgG conjugados aos mesmos fluorocromos dos ensaios fenotípicos ex vivo e in vitro foram utilizados para controles negativos de marcação e para o ajuste da voltagem ideal, de forma que as células negativas ficaram representadas até grandeza de 101 no gráfico biparamétrico de intensidade de fluorescência. Feito isto, os cursores foram posicionados de modo a formar quatro quadrantes de análise (Figura 4.2B), sendo que as células duplo-negativas foram delimitadas pelo quadrante 3. Para ajustar a compensação de cores foram realizadas seis diferentes marcações simples, isto é, somente um tipo de anticorpo monoclonal e, portanto um fluorocromo, descritos a seguir: anti-CD4/FITC, anti-CD8/PE (Figuras 4.3E e 4.3F), anti-CD45/ECD (Figuras 4.2C e 4.2D), anti-CD3/PE-Cy7 e anti-CD45/APC (todos da Beckman Coulter, EUA), além da marcação simples com 7-AAD (Sigma, EUA). A compensação dos sinais interferentes de fluorescência foi baseada nos critérios de aproximação dos valores da intensidade média de fluorescência (mean fluorescence intensity MFI) entre os quadrantes 1 e 3 (Q1 e Q3), no eixo do x; e entre os quadrantes 3 e 4 (Q3 e Q4), no eixo do y (Figuras 4.3C e 4.3F). As amostras foram adquiridas individualmente e analisadas em gráficos biparamétricos de marcação (dot plot) para avaliar o fluorocromo utilizado na marcação simples versus todos os outros fluorocromos utilizados nas amostras submetidas ao protocolo multiparamétrico. As compensações foram ajustadas de modo que a MFI, no eixo do x, observada no quadrante um (Q1 – Figuras 4.3E e 4.3F), represetando as células positivas para o anticorpo utilizado, deveriam ter um valor igual ou mais próximo possível da MIF do quadrante três (Q3 – Figuras 4.3E e 4.3F), que representa as células negativas para o mesmo anticorpo. O mesmo procedimento foi feito em relação à MFI no eixo do y, observando-se os quadrantes três e quatro (Q3 e Q4 - Figuras 4.3C e 4.3D). A Figura 4.3G representa uma amostra devidamente compensada para dois fluorocromos. 55 Figura 4.3: Ajuste de quadrantes e compensação de cores. Dot plot dividido pelos quadrantes Q1, Q2, Q3 e Q4 (A); limite dos quadrantes posicionado de acordo com a amostra de CMSP não marcada (B); marcação simples com anti-CD45/ECD não compensada, com valores de MFI (intensidade média de fluorescência) diferentes entre o Q1 (quadrante 1) e o Q3 (C); amostra com marcação simples com anti-CD45/ECD compensada, com MFI entre o Q1 e o Q3 ajustada para valores próximos (D); marcação simples com antiCD8/PE não compensada, com MFI diferentes entre o Q4 e o Q3 (E); a mesma amostra com marcação simples com anti-CD45/ECD compensada, com MFI entre o Q4 e o Q3 ajustada para valores próximos (F); amostra compensada contendo os dois anticorpos monoclonais, analisada em protocolo com compensação previamente ajustada (G). 56 4.7.2 Análise Citofluorimétrica das Amostras Obtidas Ex vivo Inicialmente, foi realizada uma marcação simples das CMSP com anticorpos monoclonais anti-CD3, a fim de definir a região de análise (gate) nos linfócitos T, através da estratégia do contra-gate. Para realizar esta estratégia foram criados simultaneamente, um gráfico biparamétrico (dot plot) de granularidade (side scatter – SSC; eixo x) vs tamanho (forward scatter – FSC; eixo y) (Figura 4.4A) e um histograma de intensidade de fluorescência para se definir a região positiva para CD3 (Figura 4.4B). A partir desta região CD3 positiva, foi possível identificar os linfócitos T no dot plot de SSC vs FSC (exemplificado na Figura 4.4C pela cor azul, correspondente às células CD3+). Esta região foi utilizada em todas as análises citofluorimétricas ex vivo realizadas no estudo (Figura 4.4D). Figura 4.4: Estratégia do “contra-gate” para definição da região de análise (gate) nos linfócitos. Gráfico (dot plot) de granularidade (SSC) vs tamanho (FSC) (A); histograma de marcação para o anticorpo monoclonal antiCD3 (células negativas - 10 pico; e positivas - 20 pico, em azul) (B); população de linfócitos T CD3+ representados em azul no dot plot SSC vs FSC (C); dot plot com gate de linfócitos utilizado na análise de novas amostras (D). A partir disto, foi criado um protocolo citofluorimétrico multiparamétrico, no qual, primeiramente, foi feito um gate na região dos linfócitos (Figura 4.5A), baseado na marcação com anti-CD3 (como descrito anteriormente na Figura 4.4), a partir do qual foi identificada a população de linfócitos T CD8+, com alta intensidade de fluorescência (high) (Figura 4.5B e 4.5C). 57 Figura 4.5: Dot plot de granularidade (SSC) vs tamanho (FSC), com gate de linfócitos em azul (A); histograma baseado no gate de linfócitos e linfócitos T CD8+ separados das células natural killer pela diferença entre alta e baixa intensidade de fluorescência delimitada por gate, respectivamente, (B); Dot plot de anti-CD8 vs FSC, baseado no gate de linfócitos, e gate de linfócitos T CD8+ com alta intensidade de fluorescência, em vermelho (C). A partir do gate de linfócitos T CD8+ (Figura 4.6B), outros dot plots foram criados com o intuito de avaliar: o percentual de expressão de três diferentes cadeias Vβ (PE+; FITC+PE+; e FITC+) nos linfócitos T CD8+ (Figura 4.6C); o percentual de linfócitos T CD8+ efetores (CD8+CD45RA+CD27-), naïve (CD8+CD45RA+CD27+), de memória efetora (T CD8+ME) (CD8+CD45RA-CD27-), e de memória central (T CD8+MC) (CD8+CD45RACD27+) (Figura 4.6D); e o percentual de linfócitos T CD8+ em apoptose, com base na positividade para a marcação com 7-AAD, apresentando baixa intensidade de fluorescência (CD8+7-AADlow) (Figura 4.6E). Adicionalmente, a partir de um gate em cada uma das quatro subpopulações de linfócitos T CD8+, o percentual de apoptose e de expressão das três cadeias Vβ, representados graficmente pelos dot plots das Figuras 4.6F e 4.6G, respectivamente. Vale ressaltar que, apesar das células em apoptose também poderem ser identificadas na região do gráfico que representa um menor tamanho (baixo FCS), tais células não foram incluídas no gate de análise, devido ao fato destas células estarem em processo final de apoptose. Nesta etapa da morte celular as células apresentam alterações na membrana plasmática, e consequentemente, de moléculas e receptores de superfície, influenciando a avaliação fenotípica. 58 Figura 4.6: Esquema representativo do protocolo citofluorimétrico utilizado na análise de cada amostra obtida ex vivo: (A) dot plot de SSC vs FSC e gate nos linfócitos (azul); (B) gate nos linfócitos T CD8+, (vermelho); (C) linfócitos T CD8+ que expressam a cadeia Vβ 5.3 (PE+), ou Vβ 3 (FITC+PE+), ou Vβ 7.1 (FITC+); (D) linfócitos T CD8+7-AADlow, em apoptose; (E) linfócitos T CD8+ efetores (CD45RA+CD27+), naïve (CD45RA+CD27+), de memória efetora (CD45RA-CD27-) e de memória central (CD45RA- CD27+); (F) expressão de cadeia Vβ pelas quatro diferentes subpopulações; (G) subpopulações de linfócitos T CD8+ em apoptose. * Os anticorpos anti-Vβ utilizados na amostra exemplificada, pertencem ao tubo A do kit IOTest Beta Mark: anti-Vβ 5.3 (PE); anti-Vβ 3 (FITC-PE); e anti-Vβ 7.1(FITC). 59 4.7.3 Análise Citofluorimétrica das Amostras Obtidas Após Estimulação In vitro com Antígenos de Leishmania A identificação dos linfócitos T CD8+ das amostras cultivadas in vitro (Figura 4.7B) foi realizada a partir do gate nos linfócitos, delimitado pela mesma estratégia do contra-gate, descrita no item 4.7.2. Nestas amostras, o gate de linfócitos foi criado de forma a incluir as células blásticas, observadas nestes experimentos, de acordo com seus perfis morfológicos (tamanho e granularidade) (Figura 4.7A). A partir do gate de linfócitos T CD8+ (Figura 4.7B) foram identificados as células em apoptose (Figura 4.7C); e as células naïve, efetoras, e de memória (Figura 4.7D). A seguir, foram identificadas as células em apoptose, a partir do gate em cada subpopulação (Figura 4.7E). Figura 4.7: Representação gráfica do protocolo citofluorimétrico de análise multiparamétrica das amostras obtidas após cultivo in vitro: (A) dot plot de SSC vs FSC e gate nos linfócitos (azul); (B) gate linfócitos T CD8+, (vermelho); (C) linfócitos T CD8+7-AADlow, em apoptose; (D) linfócitos T CD8+ efetores (CD45RA+CD27+), naïve (CD45RA+CD27+), de memória (CD45RA-); (E) subpopulações de linfócitos T CD8+ em apoptose. 60 4.8 ANÁLISE ESTATÍSTICA Os resultados foram expressos como média±desvio padrão e mediana. As análises de variância entre os três grupos estudados foram realizadas através do teste ANOVA, não paramétrico (teste Kruskal-Wallis) e do pósteste de Dunns. Os resultados do ensaio experimental in vitro foram avaliados pelo teste pareado, não paramétrico de Wilcoxon. Todos os cálculos estatísticos e representações gráficas destes resultados foram obtidos através do programa GraphPad Prism 5 (GraphPad Software Inc., La Jolla, CA, EUA). Foram consideradas estatisticamente significantes as diferenças que apresentaram valores de p<0,05. 61 5. RESULTADOS 5.1 CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E EPIDEMIOLÓGICAS DOS INDIVÍDUOS AVALIADOS Foi avaliado um total de 22 pacientes com leishmaniose cutânea (LC) provenientes do Estado do Rio de Janeiro. Deste total, 15 são do sexo feminino e 7 são do sexo masculino, com idade média ± desvio padrão de 38,1±16,2 anos. A maioria dos pacientes (54,4%) reside em Bangu e Campo Grande, na cidade do Rio de Janeiro; e em Friburgo e São Fidélis, no norte do estado. Nenhum dos pacientes apresentou a forma disseminada da doença, ou evolução para a forma mucosa. As principais características clínico-epidemiológicas dos pacientes estão representadas na Tabela 5.1. Os pacientes foram divididos em 2 grupos: um grupo de pacientes durante o tratamento (PDT), composto por 14 indivíduos; e outro grupo de pacientes póstratamento (PPT), composto por 11 indivíduos. A maioria dos pacientes apresentou apenas uma lesão (19 em 22 pacientes; 86,3%) e o tempo de evolução mais frequente foi de 2 meses (9 em 22 pacientes; 40,9%). Todos os pacientes avaliados durante o tratamento (PDT), ainda apresentavam lesão ulcerada, com infiltrado inflamatório, podendo ser observado que, mesmo após dez dias sob terapia antimonial, estes pacientes ainda apresentavam doença ativa. Ao fim da terapia antimonial (80 dias após o início do tratamento), todos os pacientes avaliados apresentaram resposta satisfatória ao tratamento e nenhum deles apresentou reativação da doença. Desta forma, o grupo de PPT foi composto por indivíduos com cura clínica recente. O grupo controle (CTRL) foi composto por 18 indivíduos sadios, sem diagnóstico prévio de leishmaniose, residentes no Estado do Rio de Janeiro, fora de áreas endêmicas. A idade média±desvio padrão deste grupo foi igual a 33,7 ± 10,7 anos. 62 Tabela 5.1: Características clínicas e epidemiológicas dos 22 pacientes de leishmaniose cutânea incluídos no estudo. Característica Freqüência (n) Percentual (%) Masculino 15 (22) 68,1 Feminino 7 (22) 31,8 Bangu 3 (22) 13,6 Campo Grande 3 (22) 13,6 Friburgo 3 (22) 13,6 Itaguaí 1 (22) 4,54 Japeri 1 (22) 4,54 Nova Iguaçu 1 (22) 4,54 Padre Miguel 1 (22) 4,54 São Fidélis 3 (22) 13,6 Saquarema 1 (22) 4,54 Senador Vasconcelos 1 (22) 4,54 Seropédica 1 (22) 4,54 Teresópolis 2 (22) 9,09 1 mês 6 (22) 27,2 2 meses 9 (22) 40,9 3 meses 4 (22) 18,1 5 meses 3 (22) 13,6 1 lesão 19 (22) 86,3 3 lesões 2 (22) 9,09 8 lesões 1 (22) 4,54 Antebraço 4 (22) 18,1 Braço 8 (22) 36,3 Face 4 (22) 18,1 Mão 3 (22) 13,6 Perna 4 (22) 18,1 Sexo Local de Residência Tempo de Evolução Número de lesões Local da Lesão (n) – Número de pacientes avaliados 63 5.2 AVALIAÇÃO DO PERCENTUAL DE LINFÓCITOS T CD8+ OBTIDOS EX VIVO E IN VITRO A partir da determinação dos percentuais médios dos linfócitos T CD8+, obtidos ex vivo, foi realizada uma análise comparativa entre os CTRL (n=18), os PDT (n=14) e os PPT (n=11). Foi observado um menor percentual médio de linfócitos T CD8+ nos PDT (15,2%±6,6%; mediana=18,1%), quando comparado ao percentual médio destas células nos CTRL (23,6%±5,4%; mediana=22,1%) (p<0,01). Já os PPT apresentaram um maior percentual médio destes linfócitos (21,1%±7,7%; mediana=19,8%) quando comparado aos PDT, e ligeiramente inferior, quando comparado aos CTRL. Estes dados sugerem que haja uma tendência ao restabelecimento da frequência destas células e que a maior frequência das mesmas pode estar associada à cura da lesão e controle da infecção (Figura 5.1A). Com o objetivo de avaliar a frequência de linfócitos T CD8+ sob estimulação antigênica, esta análise comparativa também foi realizada a partir das células obtidas após estímulo in vitro com antígenos de Leishmania braziliensis (Ag-Lb). Nestes experimentos foram analisadas amostras de oito CTRL, doze PDT e seis PPT. O padrão de resultados observados in vitro foi semelhante àqueles obtidos ex vivo. O percentual médio dos linfócitos T CD8+ nos PDT, após estímulo antigênico, foi inferior (13,9%±3,5%; mediana=14,2%) e estatisticamente significante quando comparado ao percentual destas células tanto nos CTRL (21,3%±2,7%; mediana=22%) (p<0,01), como nos PPT (25,7%±10,5%; mediana=28,0%) (Figura 5.1B). Os resultados in vitro sugerem que os Ag-Lb modulam de maneira oposta a frequência de linfócitos T CD8+ durante a doença e após a cura clínica, sendo que a diminuição destas células foi relacionada à fase ativa da doença e o aumento das mesmas após o fim da terapiare parece estar associado à resolução da lesão. Figura 5.1: Avaliação, ex vivo (A) e in vitro (B), do percentual de linfócitos T CD8+. Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (A: n=18; B: n=8), PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (A: n=14; B: n=12), e PPT (pacientes póstratamento) (A: n=11; B: n=6). * (p<0,05) e ** (p< 0,01). Valor de p obtido pelo teste ANOVA não-paramétrico de Kruskal-Wallis e pósteste de Dunns. A mediana foi representada por barras horizontais. Cada ponto representa um indivíduo. 64 A fim de avaliar a influência do estímulo antigênico sob a frequência de linfócitos T CD8+, foi realizada uma análise pareada entre o percentual dos linfócitos T CD8+ não estimulados (background - BG) e aqueles estimulados com antígenos de Leishmania (Ag-Lb). Nos CTRL, não foi observada diferença entre os percentuais das células cultivadas sem estímulo (BG) (18,2%±4.6%; mediana=18,1%) e aquelas estimuladas com Ag-Lb (20,3%±4,7%; mediana=22%) (Figura 5.2A), demonstrando assim que estes antígenos não alteraram a frequência destas células. Já nos PDT, o percentual de linfócitos T CD8+ sob este estímulo antigênico (13,1%±3%; mediana=13,1%) apresentou uma diminuição significante em relação ao BG (16,7%±3,6%; mediana=16,7%) (p<0,001) (Figura 5.2B). Inversamente, nos PPT, o percentual de linfócitos T CD8+ estimulados com Ag-Lb (22,8%±11,9%; mediana=21,6%) foi superior ao percentual de células cultivadas sem estímulo antigênico (17,8%±9,1%; mediana=16,1%) (p<0,05) (Figura 5.2C). Estes resultados demonstram uma especificidade da resposta por linfócitos T CD8+ frente aos Ag-Lb, tanto nos PDT como nos PPT, levando a uma diminuição e a um aumento destas células, respectivamente. Figura 5.2: Avaliação do percentual de linfócitos T CD8+ cultivados in vitro, sem estímulo antigênico (background - BG); e sob estímulo de antígenos de Leishmania (viannia) braziliensis (Ag-Lb). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (A) (n=8), PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (B) (n=12), e pacientes póstratados (PPT) (C) (n=6). * (p<0,05) e ***(p<0,001). Valor de p obtido pelo teste pareado, não-paramétrico de Wilcoxon. As linhas contínuas ligam os resultados referentes ao mesmo indivíduo. 65 5.3 PERFIL DE DISTRIBUIÇÃO DAS SUBPOPULAÇÕES DE LINFÓCITOS T CD8+ A partir do gate de linfócitos T CD8+ totais (Figura 5.3B), foram identificadas as subpopulações naïve; efetora; de memória efetora; e de memória central com base na expressão das moléculas de superfície CD45RA e CD27 (Figura 5.3E). O perfil de distribuição destas quatro subpopulações foi avaliado individualmente nos 18 CTRL; nos 14 PDT, com doença ativa; e nos 11 PPT, curados clinicamente. Em relação aos linfócitos T CD8+ totais (percentual médio 23,6%±5,4%), foi observado que, nos CTRL, as células naïve representam a maioria destes linfócitos (35,6%±10%). Um percentual semelhante foi encontrado nas células de memória central (32,5%±11%), enquanto os linfócitos T CD8+ efetores (16,5%±14,5%) e de memória efetora (14,9%±7,5%), representaram as subpopulações minoritárias dos linfócitos T CD8+ totais (Figura 5.3A). Inversamente, nos PDT, as células efetoras (30,79%±14,68%) representaram a maioria dos linfócitos T CD8+ totais (15,2%±6,6%). O percentual médio de células de memória central (31,1%±12,4%) foi semelhante àquele observado das células efetoras e a minoria destes linfócitos foi representada pelas células de memória efetora (15,1%±6,1%). Os linfócitos T CD8+ naïve apresentaram um percentual médio (22,4%±9,5%) com valor intermediário às outras três subpopulações (Figura 5.3B). Já nos PPT, a distribuição dos linfócitos T CD8+ totais (19,9%±8,2%) apresentou uma maioria de células de memória central (38,55%±10,94%) e uma minoria composta por células efetoras (17,49%±16,63%) e células de memória efetora (19,6%±8,1%). Assim como nos PDT, os linfócitos T CD8+ naïve dos PPT apresentaram um percentual médio (29,42%±17,5%) com valor intermediário quando comparado às outras três subpopulações (Figura 5.3C). Ao realizar uma avaliação intragrupo, através da comparação dos percentuais médios das subpopulações de linfócitos T CD8+, foram observadas algumas diferenças estatisticamente significantes que refletem uma distribuição heterogênea destas células. Paralelamente, através de uma avaliação intergrupo, pôde-se observar que as subpopulaçõesmajoritárias dos três grupos eram diferentes (naïve, nos CTRL; efetora nos PDT; e de memória central nos PPT) e, portanto, a distribuição das subpopulações também mostrou ser heterogênea entre os grupos estudados (Figura 5.3). 66 Figura 5.3: Perfil de distribuição de células efetoras (CD8+CD45RA+CD27-), naïve (CD8+CD45RA+CD27+), de memória efetora (TME) (CD8+CD45RA-CD27-) e de memória central (TMC) (CD8+CD45RA-CD27+). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (A) (n=18), PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (B) (n=14), e PPT (pacientes póstratamento) (C) (n=11). *** (p<0,05), ** (p<0,01) e * (p<0,001). Valor de p obtido pelo teste ANOVA não-paramétrico de Kruskal-Wallis e pósteste de Dunns. Os resultados foram mostrados como média±desvio padrão. 67 5.4 ANÁLISE COMPARATIVA DAS SUBPOPULAÇÕES DE LINFÓCITOS T CD8+ ENTRE OS GRUPOS ESTUDADOS. Ao analisar a diferenciação dos linfócitos T CD8+ em diferentes subpopulações, em relação às células CD8+CD45RA+CD27- (efetoras), foi observado que os PDT apresentaram um maior percentual médio (30,8%±14,7%; mediana =31,7%) quando comparado tanto aos CTRL (16,5±14,4%; mediana=13,1%; p<0,01) como aos PPT (17,5%±16,7%; mediana=14,6%; p<0,05) (Figura 5.4). Foi importante notar a semelhança entre o percentual médio destas células efetoras nos CTRL e nos PPT. Além disso, o maior percentual médio observado nos PDT reforça a idéia de que há uma expansão clonal de células efetoras preferencialmente na fase ativa da doença. Figura 5.4: Avaliação, ex vivo, do percentual de linfócitos T (Linf.) CD8+CD45RA+CD27- (efetores). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (n=18), PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (n=14), e PPT (pacientes póstratamento) (n=11). ** (p<0,01) e * (p<0,05). Valor de p obtido pelo teste ANOVA não-paramétrico de Kruskal-Wallis e pósteste de Dunns. A mediana foi representada por barras horizontais. Cada ponto representa um indivíduo. Após o quinto dia do ensaio experimental in vitro, enquanto os linfócitos T CD8+ efetores dos CTRL (Figura 5.5A) parecem não ser ativados pelos Ag-Lb, (BG:11,5%±2,1%; Ag-Lb:11,9%±2%), em ambos os grupos de pacientes pôde-se observar um aumento da frequência destas células na presença dos Ag-Lb (PDT - BG: 33,1%±9,5%; mediana=37%; Ag-Lb: 41,1%±9,9%; mediana=40,2%; PPT - BG: 26,7%±5,8%; mediana=28,3% AgLb: 37,2±6,1%; mediana=38,4%) (Figura 5.5B e C). 68 Figura 5.5: Avaliação do percentual de linfócitos (Linf.) T CD8+CD45RA+CD27- (efetores), cultivados in vitro sem estímulo antigênico (background - BG); e sob estímulo de antígenos de Leishmania (viannia) braziliensis (Ag-Lb). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (A) (n=8), PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (B) (n=12), e pacientes póstratados (PPT) (C) (n=6). * (p<0,05) e ***(p<0,001). Valor de p obtido pelo teste pareado, não-paramétrico de Wilcoxon. As linhas contínuas ligam os resultados referentes ao mesmo indivíduo. Inversamente, em relação aos linfócitos T CD8+CD45RA+CD27+ (naïve), os PDT apresentaram um menor percentual médio (22,4%±9,6%; mediana=22,2%) quando comparados aos CTRL (35,6%±9,9%; mediana=33,2%) e aos PPT (29,4%±17,5%; mediana=26,7%). Entretanto somente a comparação entre os percentuais de linfócitos T CD8+ naïve dos CTRL e dos PDT foi estatisticamente significante (p<0,01) (Figura 5.6). Mais uma vez, vale ressaltar a heterogeneidade dos percentuais destas células nos PPT. 69 Figura 5.6: Avaliação, ex vivo, do percentual de linfócitos T (Linf.) CD8+CD45RA+CD27+ (naïve). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (n=18), PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (n=14), e PPT (pacientes póstratamento) (n=11). * (p<0,05). Valor de p obtido pelo teste ANOVA nãoparamétrico de Kruskal-Wallis e pósteste de Dunns. A mediana foi representada por barras horizontais. Cada ponto representa um indivíduo. Apesar da diminuição desta subpopulação de linfócitos T CD8+ nos PDT, avaliada ex vivo, após o quinto dia de cultura sob o estímulo de Ag-Lb não foi observada alteração do percentual de células naïve nestes pacientes (BG: 35,7%±8,9%; mediana=37,5% Ag-Lb: 34,8%±7,8%; mediana= 37,8%) (Figura 5.7B), assim como nos PPT (BG: 44,9%±9,5%; mediana=41,2%; Ag-Lb: 43,2%±13,3%; mediana=42,8%) (Figura 5.7C) e nos CTRL (BG: 59,5%±3%; mediana=57,8% Ag-Lb: 58,2%±3,3%; mediana=56,6%) (Figura 5.7A). Figura 5.7: Avaliação do percentual de linfócitos (Linf.) T CD8+CD45RA+CD27+ (naïve), cultivados in vitro sem estímulo antigênico (background- BG); e sob estímulo de antígenos de Leishmania (viannia) braziliensis (Ag-Lb). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (A) (n=8), PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (B) (n=12); e pacientes póstratados (PPT) (C) (n=6). Teste pareado, não-paramétrico de Wilcoxon. As linhas contínuas ligam os resultados referentes ao mesmo indivíduo. 70 Em relação aos percentuais de células de memória, os linfócitos T CD8+ CD45RACD27- (TME) apresentaram um percentual médio semelhante entre os CTRL (14,9%±7,5%; mediana=12,1%) e os PDT (15,2%±6,1%; mediana=13,2%). Já nos PPT, apesar do percentual mínimo e máximo de frequência de linfócitos T CD8+ME ter sido semelhante aos outros dois grupos e da ausência de significância estatística, pôde-se observar um percentual médio ligeiramente mais elevado nestes pacientes (19,6%±8,1%; mediana=19,7%) (Figura 5.8). Figura 5.8: Avaliação, ex vivo, do percentual de linfócitos T (Linf.) CD8+CD45RA-CD27- (de memória efetora - TME). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (n=18), PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (n=14), e PPT (pacientes póstratamento) (n=11). Teste ANOVA não-paramétrico de Kruskal-Wallis. A mediana foi representada por barras horizontais. Cada ponto representa um indivíduo. A diferença da frequência média de linfócitos T CD8+CD45RA-CD27+ (TMC), entre os três grupos estudados também não foi estatisticamente significante (CTRL: 32,5%±10,93%; mediana=35,9%; PDT: 31,4%±12,4%; mediana=30,4%; PPT: 38,6%±10,9%; mediana=35,9%). No entanto, é importante ressaltar a heterogeneidade dos percentuais, a qual pode ser consequência da diversidade de especificidade destas células de memória, em cada indivíduo (Figura 5.9). Figura 5.9: Avaliação, ex vivo, do percentual de linfócitos T (Linf.) CD8+CD45RA-CD27+ (de memória central – TMC). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (n=18); pacientes durante o tratamento (PDT) (n=14); e pacientes póstratamento (PPT) (n=11). Teste ANOVA não-paramétrico de Kruskal-Wallis. A mediana foi representada por barras horizontais. Cada ponto representa um indivíduo. 71 Após os cinco dias do cultivo in vitro, foram observados percentuais muito baixos destas duas subpopulações de linfócitos T CD8+ de memória, tanto nos CTRL como nos pacientes. Sendo assim, para melhor interpretar os resultados, na análise citofluorimétrica, o gate foi feito de forma que as duas subpopulações fossem somadas, facilitando a interpretação da posterior análise das células em apoptose. Sendo assim, enquanto os linfócitos T CD8+ de memória dos CTRL não proliferaram em resposta a estimulação antigênica (BG: 3,7%±1,7%; mediana= 3,7%; Ag-Lb: 4,2%±1,5%; mediana= 4,1%) (Figura 5.10A), tanto as células de memória dos PDT (BG: 3,1%±1,5%; mediana=3,4%; Ag-Lb: 4,7%± 1,9%; mediana=) (Figura 5.10B), e mais expressivamente as células dos PPT (BG: 5,1%±1,2%; mediana= 4,9% Ag-Lb: 8,1%±1,1%; mediana= 8,2%) (Figura 5.10C), foram reativas aos Ag-Lb. Figura 5.10: Avaliação do percentual de linfócitos (Linf.) T CD8+CD45RA- (de memória) cultivados in vitro sem estímulo antigênico (background- BG); e sob estímulo de antígenos de Leishmania (viannia) braziliensis (Ag-Lb). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (A) (n=8); PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (B) (n=12); e pacientes póstratados (PPT) (C) (n=6). * (p<0,05) e **(p<0,01). Valor de p obtido pelo teste pareado, não-paramétrico de Wilcoxon. As linhas contínuas ligam os resultados referentes ao mesmo indivíduo. 72 5.5 AVALIAÇÃO DO PERCENTUAL DOS LINFÓCITOS T CD8+ EM APOPTOSE. Os percentuais médios de linfócitos T CD8+ em apoptose foram comparados entre os três grupos, a fim de avaliar um possível papel da ocorrência deste fenômeno na modulação do perfil de distribuição destas células. Nos PDT, verificou-se um maior percentual médio de linfócitos T CD8+ em apoptose (14,07%±10,59%; mediana=8,9%) em relação aos CTRL (1,9%±1,6%; mediana=1,7%) (p<0,001), enquanto nos PPT, o percentual destas células em apoptose não teve diferença significante em relação aos outros dois grupos (6,1%±6,9%; mediana=4,2%), sugerindo que a apoptose de linfócitos T CD8+ esteja associada à fase ativa da doença (Figura 5.11A). A mesma comparação foi realizada entre os percentuais médios dos linfócitos T CD8+ após estímulo com Ag-Lb, a fim de determinar se a estimulação antigênica é capaz de induzir a apoptose nestas células. Assim como no ensaio ex vivo, foi observado um maior percentual de linfócitos T CD8+ em apoptose nos PDT (12%±6,4%; mediana=10,5%) em relação aos CTRL (5,3%±3,5%; mediana=3,7%). Neste ensaio, os PPT apresentaram um menor percentual de linfócitos T CD8+ (2%±2,1%; mediana=2,9%) quando comparados aos PDT (p<0,05), e mediana semelhante aos CTRL (Figura 5.11B). Estes dados indicam que a apoptose de linfócitos T CD8+, na presença de Ag-Lb, ocorre principalmente nos PDT. Figura 5.11: Avaliação, ex vivo (A) e in vitro (B), do percentual de linfócitos T CD8+ em apoptose. Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (A: n=18; B: n=8); PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (A: n=12; B: n=12); e PPT (pacientes póstratamento) (n=10; n=6). ** (p<0,01) e *** (p<0,001). Teste ANOVA não-paramétrico de Kruskal-Wallis e pósteste de Dunns. A mediana foi representada por barras horizontais. Cada ponto representa um indivíduo. . Paralelamente foi realizada uma análise pareada entre o percentual dos linfócitos T + CD8 em apoptose, não estimulados (BG) e estimulados com Ag-Lb, a fim de avaliar se o percentual destes linfócitos T em apoptose é alterado frente a este estímulo. 73 Nos CTRL, esses antígenos parecem não induzir apoptose nos linfócitos T CD8+ já que o percentual médio das células cultivadas sem estímulo (BG) (3,7%±2,1%; mediana=2,9%) não foi estatisticamente diferente daquelas estimuladas com Ag-Lb (5,3%±3,5%; mediana=3,7%) (Figura 5.12A), assim como nos PPT (BG: 2,7%±1,6%; mediana=2,4%; Ag-Lb: 2,9%±2,1%; mediana=2,9%) (Figura 5.12C). Já nos PDT, pôde ser observado um maior percentual de linfócitos T CD8+ em apoptose na presença de Ag-Lb (BG: 5,6%±5,3%; mediana=3,4%; Ag-Lb: 12%±6,4%; mediana=10,5%) sugerindo que a apoptose destes linfócitos seja induzida especificamente pelos Ag-Lb (Figura 5.12B). Figura 5.12: Avaliação do percentual de linfócitos T CD8+ em apoptose, cultivados in vitro sem estímulo antigênico (background - BG); e sob estímulo de antígenos de Leishmania (viannia) braziliensis (Ag-Lb). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (A) (n=8); PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (B) (n=12); e pacientes póstratados (PPT) (C) (n=6). ** (p<0,01). Valor de p obtido pelo teste pareado, não-paramétrico de Wilcoxon. As linhas contínuas ligam os resultados referentes ao mesmo indivíduo. Em conjunto, estes resultados sugerem que a apoptose seja um fenômeno associado à fase ativa da doença o qual se apresenta diminuído após o fim da terapia e a cura clínica dos pacientes. Além disto, o menor percentual de linfócitos T CD8+ observado nos PDT e a tendência de restabelecimento do número destas células nos PPT parecem ser influenciados por este fenômeno de morte. 74 5.6 DISTRIBUIÇÃO DAS SUBPOPULAÇÕES DE LINFÓCITOS T CD8+ EM APOPTOSE Nos experimentos ex vivo, a distribuição de linfócitos T CD8+ efetores (CD8+CD45RA+CD27-), naïve (CD8+CD45RA+CD27+), de memória efetora (CD8+CD45RA-CD27-), e de memória central (CD8+CD45RA-CD27+) em apoptose foi avaliada através da incorporação de 7-AAD (7-AADlow), a partir do gate em cada uma destas subpopulações de linfócitos TCD8+. Nos CTRL foi observado um maior percentual médio de apoptose nas células naïve (2,7%±1,4%) em relação às outras subpopulações (TME: 0,1%±0,3%; efetora: 0,5%±0,7%; TMC: 0,5%±1,1%) (Figura 5.13A). Nos PDT, os linfócitos T CD8+ naïve também representaram a subpopulação com maior percentual de apoptose (22%±12%) enquanto as células TME (8,6%±19%) e TMC (10%±19,6%) apresentaram os menores percentuais. Já o percentual médio de células efetoras em apoptose foi de 17,9%±16,8% (Figura 5.13B). Ao avaliar os PPT, novamente, os linfócitos T CD8+ naïve representaram a maioria das células em apoptose (14,8%±15,3%). As células TME (6,4%±9,6%) e as TMC (6,8%±9,4%) apresentaram percentuais semelhantes e representaram, novamente, as subpopulações com menor ocorrência de apoptose. Ainda, os linfócitos T CD8+ efetores apresentaram um percentual médio (9%±10,2%) com valor intermediário às outras três subpopulações (Figura 5.13C). Foi realizada uma avaliação intragrupo, através da comparação dos percentuais médios das subpopulações de linfócitos T CD8+. Foi observada uma distribuição heterogênea destas células, tanto nos CTRL como nos PDT, constatada pela diferença estatisticamente significante entre os percentuais de diferentes subpopulações. Paralelamente, foi realizada também uma avaliação intergrupo da distribuição das subpopulações em apoptose, na qual foi observado um perfil homogêneo entre os três grupos estudados, sendo que os linfócitos T CD8+ naïve representaram a maioria das células em apoptose; as células de memória representraam a minoria, e as células efetoras apresentaram um percentual intermediário a estas três subpopulações (Figura 5.13). 75 Figura 5.13: Perfil de distribuição das subpopulações de linfócitos T CD8+ em apoptose: efetora (CD8+CD45RA+CD27-), naïve (CD8+CD45RA+CD27+), de memória efetora (TME) (CD8+CD45RA-CD27-) e de memória central (TMC) (CD8+CD45RA-CD27+). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (A) (n=15); PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (B) (n=11); e PPT (pacientes póstratamento) (C) (n=10). *** (p<0,05) e * (p<0,001). Valor de p obtido pelo teste ANOVA não-paramétrico de KruskalWallis e pósteste de Dunns. Os resultados foram mostrados como média±desvio padrão. 76 5.7 ANÁLISE COMPARATIVA DAS SUBPOPULAÇÕES DE LINFÓCITOS T CD8+ EM APOPTOSE ENTRE OS GRUPOS ESTUDADOS Em relação à subpopulação de linfócitos T CD8+CD45RA+CD27- (efetores) em apoptose, os CTRL apresentaram percentuais inferiores (0,5%±0,7%; mediana=0,3%) em relação aos PDT (17,9%±16,8%; mediana=6,5%) e aos PPT (8,9%±10,2%; mediana=4,9%) (p<0,001). É importante salientar que apesar dos dois grupos de pacientes terem apresentado percentuais significativamente maiores que os CTRL, o percentual de linfócitos T CD8+ efetores em apoptose nos PPT foi menor do que o percentual observado nos PDT (Figura 5.14). Apesar dos PDT apresentarem uma maior frequência linfócitos T CD8+ efetores em relação aos outros dois grupos (como descrito no item 5.6, Figura 5.14), muitas destas células estão programadas para morrer, o que poderia influenciar os efeitos da atividade citotóxica na resposta imune. Paralelamente, apesar dos PPT apresentarem um menor percentual de células efetoras, em relação aos PDT, verificou-se um menor número de linfócitos T CD8+ efetores em apoptose, sugerindo que o menor comprometimento da viabilidade destas células pode estar associado a uma maior eficácia das mesmas, levando a cura clínica. Figura 5.14: Avaliação, ex vivo, do percentual de linfócitos T(Linf.) CD8+CD45RA+CD27- (efetores) em apoptose. Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (n=15); PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (n=11); e PPT (pacientes póstratamento) (n=10). ** (p<0,01) e *** (p<0,001). Valor de p obtido pelo teste ANOVA não-paramétrico de Kruskal-Wallis e pósteste de Dunns. A mediana foi representada por barras horizontais. Cada ponto representa um indivíduo. Similarmente, após a estimulação in vitro com Ag-Lb, enquanto os linfócitos T CD8+ efetores dos CTRL não apresentaram alteração do percentual de apoptose (BG: 1,7%±1,2%; mediana=1,7%; Ag-Lb: 1,7%±1,3%; mediana=1,6%) (Figura 15A), nos PPT pôde-se observar um aumento da frequência destas células em processo de morte (BG: 9,4%±2,5%; mediana=9% Ag-Lb: 11,4%±2,9%; mediana= 10,6%) (Figura 15B), o que foi ainda mais 77 evidente nos PDT (BG: 20,8%±3,3%; mediana= 21,5%; Ag-Lb: 29,2%±5,8%; mediana= 30,1%) (Figura 15C). Figura 5.15: Avaliação do percentual de linfócitos T (Linf.) CD8+CD45RA+CD27- em apoptose, cultivados in vitro sem estímulo antigênico (background - BG); e sob estímulo de antígenos de Leishmania (viannia) braziliensis (Ag-Lb). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (A) (n=8); PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (B) (n=12); e pacientes póstratados (PPT) (C) (n=6). * (p<0,05) e ***(p<0,001). Valor de p obtido pelo teste pareado, não-paramétrico de Wilcoxon. As linhas contínuas ligam os resultados referentes ao mesmo indivíduo. Os CTRL também apresentaram baixo percentual médio de apoptose nos linfócitos T CD8+ naïve (2,7%±1,3%; mediana=2,5%) enquanto nos PDT a frequência média destas células foi de 22%±12% (mediana=18,2%; p<0,001). Os PPT apresentaram um percentual médio de apoptose em linfócitos T CD8+ naïve, intermediário aos CTRL e aos PDT (14,8%±15,3%; mediana=8%). Entretanto, alguns destes PPT apresentaram uma frequência destas células em apoptose semelhante aos CTRL, enquanto outros PPT apresentaram um alto percentual de linfócitos T CD8+ naïve em apoptose, conforme alguns PDT (Figura 5.16). Interessantemente, em ambos os grupos de pacientes foi observado que alguns indivíduos apresentavam alto percentual de linfócitos T CD8+ em apoptose, enquanto os outros pacientes, do mesmo grupo, apresentavam uma menor frequência destas células. 78 Figura 5.16: Avaliação, ex vivo, do percentual de linfócitos T (Linf.) CD8+CD45RA+CD27+ (naïve) em apoptose. Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (n=15); PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (n=11); e PPT (pacientes póstratamento) (n=10). *** (p<0,001). Valor de p obtido pelo teste ANOVA não-paramétrico de Kruskal-Wallis e pósteste de Dunns. A mediana foi representada por barras horizontais. Cada ponto representa um indivíduo. Ao serem cultivados in vitro por cinco dias, somente os linfócitos T CD8+ naïve dos PDT apresentaram uma maior ocorrência de apoptose ao serem estimulados com Ag-Lb (BG: 16,5%±2,8%; mediana= 15,2%; Ag-Lb: 25,1%±7,1%; mediana= 21,5%) (Figura 5.17B). Sendo assim, tanto os CTRL (BG: 5,2%±2,3%; mediana= 4,7%; Ag-Lb: 5,9%±2%; mediana= 5,5%) (Figura 5.17A), como os PPT (BG: 11,1%± 3,8%; mediana= 9,5% Ag-Lb: 13%±3,7%; mediana= 10,7%) (Figura 5.17C). 79 Figura 5.17: Avaliação do percentual de linfócitos T CD8+ CD45RA+CD27+ em apoptose, cultivados in vitro sem estímulo antigênico (background - BG); e sob estímulo de antígenos de Leishmania (viannia) braziliensis (Ag-Lb). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (A) (n=8); pacientes com doença ativa (PDT) (B) (n=12); e pacientes póstratados (PPT) (C) (n=6). ** (p<0,01). Valor de p obtido pelo teste pareado, nãoparamétrico de Wilcoxon. As linhas contínuas ligam os resultados referentes ao mesmo indivíduo. Em geral, foi observado um baixo percentual de apoptose dos linfócitos T CD8+ de memória, tanto TME como TMC. Em relação a apoptose de linfócitos T CD8+ME, os percentuais médios observados tanto nos PDT (10%±19,6%; mediana=0,5%) como nos PPT (6,4%±9,6%; mediana=2%), foram superiores ao percentual médio destas células nos CTRL (0,1%±0,3%; mediana=0%) (p<0,001; p<0,01, respectivamente). Foi possível observar que nos três grupos estudados esta subpopulação de linfócitos T CD8+ se mostrou pouco suscetível a apoptose em alguns indivíduos não foi verificada ocorrência de apoptose nestas células. No entanto, dois pacientes, avaliados durante e após o fim da terapia antimonial, diferente dos outros indivíduos do mesmo grupo, apresentaram um alto percentual de linfócitos T CD8+ME em apoptose (PDT: 29,3% e 36,5%; e PPT: 19,1% e 28,2%) (Figura 5.18). 80 Figura 5.18: Avaliação, ex vivo, do percentual de linfócitos T (Linf.) CD8+CD45RA-CD27- (de memória efetora) em apoptose. Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (n=15); PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (n=11); e PPT (pacientes póstratamento) (n=10). ** (p<0,01). Valor de p obtido pelo teste ANOVA não-paramétrico de Kruskal-Wallis e pósteste de Dunns. A mediana foi representada por barras horizontais. Cada ponto representa um indivíduo. Em relação aos linfócitos T CD8+MC, os CTRL apresentaram um percentual médio de 0,51%±1,05% (mediana=0,9%) de células em apoptose. Os dois grupos de pacientes apresentaram percentual médio de apoptose em TMC superior aos CTRL (PDT: 8,6%±18,1%; mediana=0,6%; PPT: 6,8%±9,4%; mediana=2,9%), embora somente a diferença entre os CTRL e dos PPT tenha sido estatisticamente significante (p<0,05). Entretanto, apesar de dois pacientes apresentarem um alto percentual de linfócito T CD8+MC em apoptose, durante e após o tratamento, a maioria dos PDT e dos PPT apresentaram uma baixa frequência de apoptose destas células, semelhante aos CTRL (Figura 5.19). Figura 5.19: Avaliação, ex vivo, do percentual de linfócitos T (Linf.) CD8+CD45RA-CD27+ (de memória central) em apoptose. Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (n=15); PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (n=11); e PPT (pacientes póstratamento) (n=10). * (p<0,05). Valor de p obtido pelo teste ANOVA não-paramétrico de Kruskal-Wallis e pósteste de Dunns. A mediana foi representada por barras horizontais. Cada ponto representa um indivíduo. 81 Como mencionado anteriormente (item 5.6), após o ensaio experimental in vitro, os linfócitos T CD8+MC e TME foram analisados conjuntamente. Sendo assim, ao avaliar o percentual médio de células de memória em apoptose, foi verificado que os Ag-Lb, não parecem influenciar a frequência destas células em processo de apoptose tanto nos pacientes (PDT - BG: 1,8%±0,8%; mediana= 2,2; Ag-Lb: 2,1%±0,6%; mediana=1,8% (Figura 5.20B); PPT - BG:1,9%±0,6%; mediana= 1.8% Ag-Lb: 1,7%±0,6%; mediana=2% (Figura 5.20C)), como nos CTRL (BG:1,4%±0,5%; mediana= 1,2%; Lb- Ag: 1,7%±0,2%; mediana= 1,8% (Figura 5.20A)). Figura 5.20: Avaliação do percentual de linfócitos T CD8+ CD45RA- em apoptose, cultivados in vitro sem estímulo antigênico (background - BG); e sob estímulo de antígenos de Leishmania (viannia) braziliensis (AgLb). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (A) (n=8); PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (B) (n=12); e PPT (pacientes póstratamento) (C) (n=6). Teste pareado, não-paramétrico de Wilcoxon. As linhas contínuas ligam os resultados referentes ao mesmo indivíduo. 82 5.8 AVALIAÇÃO DO PERFIL DO REPERTÓRIO VBETA DE LINFÓCITOS T CD8+ Devido à diversidade do repertório do TCR de linfócitos T CD8+, à especificidade antigênica destas células e à importância das mesmas em uma resposta imune associada à LC, tornou-se de fundamental importância avaliar a expressão preferencial de determinados clones, nos diferentes grupos de pacientes. Para isso, a frequência de expressão de 24 cadeias Vβ do TCR em linfócitos T CD8+ foi caracterizada nos CTRL, nos PDT e nos PPT. Nestes três grupos estudados foi observada uma distribuição policlonal de linfócitos T CD8+ com percentuais médios de expressão que variaram, nos CTRL, de 0,9% (±0,2%) a 6,2% (±3,2%) para as cadeias Vβ 4 e 3; nos PDT, de 1,0% (±0,7%) a 5% (±10%) para as cadeias Vβ 11 e 22; e nos PPT, variaram de 0,6% (±0,6%) a 4,1% (±7%) para as cadeias Vβ 4 e 5.1, respectivamente. É importante destacar que, enquanto nos CTRL e nos PPT a cadeia Vβ 4 foi a que apresentou a menor frequência, pôde-se notar que os PDT apresentavam um maior percentual destes clones, embora não haja diferença estatisticamente significante. Vale ressaltar também, alguns PDT apresentaram uma alta frequência de linfócitos T CD8+ que expressam a cadeia Vβ 22, quando comparados aos outros dois grupos, assim como a cadeia Vβ 11 expressa por alguns PPT representou o maior percentual de expressão dentre o três repertórios Vβ avaliados. Ao comparar o percentual de linfócitos T CD8+ que expressam estas 24 cadeias Vβ, entre os três grupos estudados, tornou-se possível observar que houve uma alteração significativa da expressão das cadeias Vβ 2, Vβ 9, Vβ 13.2, Vβ 18 e Vβ 23 nos PDT ou nos PPT, em relação aos CTRL. (Figura 5.21). 83 Figura 5.21: Perfil do repertório de 24 cadeias Vβ (VBeta) em linfócitos T CD8+. Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios - Barra Branca) (n=16), PDT (pacientes durante o tratamento - Barra Cinza) (n=14), e PPT (pacientes póstratamento - Barra Preta) (n=11). (A) cadeias Vβ 1 – 7.1; (B) cadeias Vβ 7.2 – 13.6; (C) cadeias Vβ 14 – 23. Valor de p obtido pelo teste ANOVA não-paramétrico de Kruskal-Wallis e pósteste de Dunns. Cada barra representa a média± desvio para cada cadeia Vβ. * (p< 0,05), ** (p<0,01) e ***( p< 0,001). 84 5.9 COMPARAÇÃO DO REPERTÓRIO VBETA DE LINFÓCITOS T CD8+ ENTRE OS GRUPOS ESTUDADOS As contrações e expansões das cadeias Vβ de linfócitos T CD8+, isto é, as frequências de expressão nos PDT e nos PPT que foram significativamente inferiores ou superiores aos CTRL, foram particularmente analisadas, assim como as diferenças significantes entre os dois grupos de pacientes, (Figura 5.22) como descritas a seguir. Ao comparar os PDT aos CTRL, pôde-se observar uma alteração da expressão das cadeias Vβ2, Vβ13.2 e Vβ18. Os PDT apresentaram uma contração das cadeias Vβ 2 (2,1%±2,1%; mediana= 1,4%) e Vβ 13.2 (1,5%±1,6%; mediana=1,2%) em relação a expressão destas cadeias Vβ pelos linfócitos T CD8+ nos CTRL (Vβ 2 ׃5,3%±3,1%; mediana=5%; Vβ13.2 ׃3,3%±2%; mediana=3,6%). Nos PPT, a cadeia Vβ 2 (4%±4,3%; mediana=2,8%) apresentou uma maior frequência em relação aos PDT, porém estas frequências não alcançaram o percentual médio de expressão observado nos CTRL (Figura 5.22A). Já nos PPT, a cadeia Vβ 13.2 apresentou um percentual médio de expressão e mediana semelhante aos CTRL (3,8%±2,6%; mediana=3%) (Figura 5.22B). Inversamente, a cadeia Vβ 18 de linfócitos T CD8+ apresentou uma expansão (1,6%±1,6%; mediana=1,3%) nos PDT, ao compará-los aos CTRL (0,4%±0,4%; mediana=0,3%) (p<0,001). Em relação aos PPT, o percentual médio de expressão da cadeia Vβ 18 (1,2%±1,2%; mediana=0,9%) foi semelhantes aos PDT, porém não apresentou diferença estatística em relação aos CTRL (Figura 5.22C). Estes resultados sugerem que a contração destas cadeias Vβ ocorre preferencialmente nos linfócitos T CD8+ durante o tratamento, podendo ser restabelecidas após a cura clínica (Figura 5.22A, B e C). Ao realizar as mesmas comparações, de expressão de cadeia Vβ em linfócitos T CD8+, entre os CTRL e os PPT, estes últimos apresentaram uma expansão significativa dos linfócitos T CD8+ que expressam a cadeia Vβ 9 (2,5%±2,2%; mediana=2,2%) (Figura 5.22D) e Vβ 23 (3,7%±2,8%, mediana=3,2%), enquanto os CTRL apresentaram percentuais inferiores e estatisticamente significantes (Vβ 9: 0,7%±0,8%; mediana=0,4%; Vβ 23: 1,6%±1,6%; mediana=1%) (Figura 5.22E). Paralelamente, nos PDT, enquanto a frequência de expressão da cadeia Vβ 23 (1,6%±1,5%; mediana=1,4%) foi semelhante aos CTRL, a frequência da cadeia Vβ 9 nestes pacientes (2,2%±2,3; mediana=1,4%) apresentou percentual médio intermediário aos outros dois grupos estudados. 85 Figura 5.22: Percentual de expressão das cadeias Vβ 2 (A); Vβ 13.2 (B); Vβ 18 (C); Vβ 9 (D); Vβ 23 (E); em linfócitos (linf.) T CD8+. Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (n=16); PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (n=14); e PPT (pacientes póstratamento) (n=11). * (p<0,05); ** (p<0,01); e *** (p<0,001). Valor de p obtido pelo teste ANOVA não-paramétrico de Kruskal-Wallis e pósteste de Dunns. A mediana foi representada por barras horizontais. Cada ponto representa um indivíduo. 5.10 ALTERAÇÕES DO REPERTÓRIO VBETA DAS SUBPOPULAÇÕES DE * + LINFÓCITOS T CD8 DURANTE E APÓS O TRATAMENTO DA LEISHMANIOSE CUTÂNEA Devido às distintas funcionalidades das subpopulações de linfócitos T CD8+ e o papel que cada uma delas deve exercer na resposta imune à LC, foi de fundamental importância detalhar as características particulares de cada uma destas subpopulações, como a expressão preferencial de determinadas cadeias Vβ do TCR destas células. Para isto, o percentual de 86 expressão das 24 cadeias Vβ em linfócitos T CD8+, efetores, naïve, de memória efetora e de memória central, foi avaliado nos três grupos. O percentual destas cadeias Vβ foi determinado a partir do gate em cada uma das quatro subpopulações de linfócitos T CD8+, mostrado anteriormente pelos dot plots da Figura 4.6G (Item 4.7.2). 5.10.1 Alteração da frequência de Vβ 12, Vβ 21.3 e/ou Vβ 22, em linfócitos T CD8+ efetores As cadeias Vβ 12, Vβ 21.3 e Vβ 22 em linfócitos T CD8+ efetores apresentaram-se expandidas em pelo menos um dos grupos de pacientes. A expansão da cadeia Vβ 12, em linfócitos T CD8+ efetores foi observada nos PDT (3,6 %±2,4%; mediana=3,1%), quando comparados aos CTRL (1,3%±1,4%; mediana=1,3%) (p<0,01). O aumento da frequência destes clones pode indicar que os linfócitos T CD8+ efetores que expressam a cadeias Vβ 21 possam ser selecionados positivamente a proliferar durante a fase ativa da doença já que, nos PPT (1,9%±2,2%; mediana=1,5%), o percentual de expressão destes clones se assemelha aos CTRL (Figura 5.23A). Foi importante notar ainda que, enquanto alguns CTRL não apresentam expressão destes clones, todos os PDT expressaram a cadeia Vβ 12 em linfócitos T CD8+. Em relação à cadeia Vβ 22, os dois grupos de pacientes apresentaram um maior percentual médio de expressão (PDT ׃2,8%±3,2%; mediana=1,5%; PPT׃2,9%±4,4%; mediana=1%) (p<0,05), quando comparados aos CTRL (0,5%±0,6%; mediana=0,2%). No entanto, pode-se notar que alguns pacientes apresentam uma frequência destes clones semelhante aos CTRL, enquanto que outros 6 pacientes (cinco PDT e três PPT, sendo, que dois destes foram avaliados durante e após o tratamento) apresentaram percentuais elevados de expressão da cadeia Vβ 22 por linfócitos T CD8+ efetores. (Figura 5.23B). Já os linfócitos T CD8+ efetores que expressam a cadeia Vβ 21.3 foram mais frequentes nos PDT (3%±1,9%; mediana=3%) quando comparados aos CTRL (2,2%±3,7%; mediana=1,1%), embora não esta diferença não seja significante. Paralelamente, foi observada uma contração destes clones nos PPT (1,1%±0,9%; mediana=0,8%) em relação aos PDT. Além disso, nos PPT, a mediana do percentual de expressão da cadeia Vβ 21.3 nestas células efetoras foi inferior, inclusive, aos CTRL. Este resultado pode indicar uma tendência de expansão dos linfócitos T CD8+ efetores que expressam a cadeia Vβ 21.3 na fase ativa da doença seguida de uma contração, observada após o fim da terapia e resolução da infecção (Figura 5.23C). 87 Figura 5.23: Percentual de expressão da cadeia Vβ 12 (A); Vβ 21.3 (B); e Vβ 22 (C); em linfócitos (linf.) T CD8+CD45RA+CD27- (efetores). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (n=16), PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (n=14), e PPT (pacientes póstratamento) (n=11). * (p<0,05) e ** (p<0,01). Valor de p obtido pelo teste ANOVA não-paramétrico de Kruskal-Wallis e pósteste de Dunns. A mediana foi representada por barras horizontais. Cada ponto representa um indivíduo. 5.10.2 Alteração da frequência de Vβ2, Vβ 3, Vβ 5.3, Vβ 9, Vβ 13.2 e/ou Vβ 23, em linfócitos T CD8+ naïve Os linfócitos T CD8+ naïve dos dois grupos de pacientes apresentaram restrição das cadeias Vβ 2, Vβ 3, Vβ 5.3, Vβ 9, Vβ 13.2 e/ou Vβ 23. Os clones desta subpopulação de linfócitos T CD8+, que expressam a cadeia Vβ2, Vβ 13.2, Vβ 5.3 e Vβ23, apresentaram um perfil semelhante, quando a freqüência dos mesmos foi comparada entre os três grupos estudados. Foi observada uma contração destes clones nos PDT em relação, tanto aos CTRL, como aos PPT. A contração dos linfócitos T CD8+ totais que expressam as cadeias Vβ 2 (Figura 5.24A) e 13.2 (Figura 5.24B), nos PDT, também pôde ser observada na subpopulação de células naïve que expressam estas cadeias (Vβ 2; 2,7%±2,5%; mediana=1,5%; Vβ 13.2; 2%±2%; mediana=1,4%). Sendo assim, os CTRL apresentaram um percentual significativamente maior destes clones (Vβ 2; 5%±2,5%; mediana=6,1%; Vβ 13.2; 5,3%±3,8%; mediana=4,5%) em relação aos PDT (p<0,05). Da mesma forma, nos PPT, os clones que expressam a cadeia Vβ 2 (4,8%±4,6%; mediana=4,4%) apresentam um percentual médio aumentado em relação aos PDT, porém sem diferença 88 significante. Já os clones que expressam a cadeia Vβ 13.2, apresentaram uma expansão nos PPT (7,2%±5,2%; mediana=5%), quando comparados aos PDT (p<0,01). Os PDT também apresentaram contração das cadeias Vβ 5.3 (0,8%±1,1%; mediana=0,3%) (Figura 5.24C) e Vβ 23 (1,6%±1,7%; mediana=0,9%) (Figura 5.28D), porém quando comparados aos PPT (Vβ 5.3: 3,6%±3,3%; mediana=2,6%; Vβ 23: 7%±5,9%; mediana=5,2%) (p<0,05 e p<0,01). Nos CTRL, o percentual médio de expressão destes clones não apresentou diferença significante em relação aos dois grupos de pacientes (Vβ 5.3; 1,4%±1,2%; mediana=1,2%; Vβ 23: 3,2%±3,4%; mediana=1,9%), porém as medianas foram superiores aos PDT. Os linfócitos T CD8+ naïve dos PPT também apresentaram contração dos clones que expressam a cadeia Vβ 3 (3,9%±4%; mediana=2,6%), porém esta restrição foi observada em relação aos CTRL (7,4%±4,1%; mediana=7,4%) (Figura 5.24E), e não em relação aos PDT, como ocorre nos clones que expressam as cadeias Vβ 5.3 e Vβ 23. Estes PDT apresentaram mediana do percentual de linfócitos T CD8+ naïve que expressam a cadeia Vβ 3 (5,5%±5,2%; mediana=4,1%) intermediária aos outros dois grupos. Inversamente, uma expansão da cadeia Vβ 9 de linfócitos T CD8+ naïve, pôde ser observada nos PPT (5,5%±5,3%; mediana= 3,8%) ao compará-los aos CTRL (1,67%±2,41%; mediana=0,61%) (p<0,01) (Figura 5.24F). Apesar de a diferença significante ter sido observada somente entre estes dois grupos, os PDT (1,9%±1,9%; mediana=1,4%) apresentaram a mediana do percentual destes clones, semelhante aos CTRL. Nestes dois grupos, a maioria dos indivíduos não apresentou expressão de Vβ 9 em linfócitos T CD8+ naïve, enquanto todos os PPT apresentaram alguma expressão destes clones. 89 Figura 5.24: Percentual de expressão da cadeia Vβ 2 (A); Vβ 13.2 (B); Vβ 5.3 (C); Vβ 23 (D); Vβ 3 (E) e Vβ 9 (F); em linfócitos (linf.) T CD8+CD45RA+CD27+ (naïve). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (n=16); pacientes durante o tratamento (PDT) (n=14); e PPT (pacientes póstratamento) (n=11). * (p<0,05) e ** (p<0,01). Valor de p obtido pelo teste ANOVA não-paramétrico de Kruskal-Wallis e pósteste de Dunns. A mediana foi representada por barras horizontais. Cada ponto representa um indivíduo. 5.10.3 Alteração da frequência de Vβ 2, Vβ 5.2, Vβ 9, Vβ 18 e/ou Vβ 22, em linfócitos T CD8+ de memória efetora Ao analisar a frequência de expressão das 24 cadeias Vβ do TCR de linfócitos T CD8 + ME , nos três grupos estudados, pôde-se observar uma restrição das cadeias Vβ 2, Vβ 5,2, Vβ 9, Vβ 18 e Vβ 22. Dentre estas, somente a cadeia Vβ 2 sofreu contração, enquanto as demais foram expandidas nos PDT. Foi interessante observar que, independente destas 90 alterações, o percentual de expressão destes clones TME foram baixos, se comparados às subpopulações efetora e naïve. A contração da cadeia Vβ 2, observada nos linfócitos T CD8+ totais e nos linfócitos T CD8+ naïve de PDT, também foi identificada nos linfócitos T CD8+ME de PPT (1,2%±1,3%; 0,5%), ao comparar a frequência destes clones aos CTRL (3,4%±2,3%; mediana=3,2%). Entretanto, apesar da ausência de diferença estatística, os PDT também apresentaram um menor percentual de expressão desta cadeia (2,6%±3,1%; mediana=1,1%) em relação aos CTRL. É importante notar que, enquanto todos os CTRL apresentaram algum percentual de expressão da cadeia Vβ 2 em linfócitos T CD8+ de memória efetora, alguns PDT e PPT não expressaram estes clones (Figura 5.25A). A Figura 5.25 também representa a expansão das cadeias Vβ 5.2 (Figura 5.25B), Vβ 9 (Figura 5.25C), Vβ 18 (Figura 5.25D) e Vβ 22 (Figura 5.25E) em linfócitos T CD8+ME, em PDT, e as diferenças em relação aos CTRL foram estatisticamente significantes. Os CTRL apresentaram um percentual médio de expressão destes quatro clones, próximo a zero (Vβ 5.2 ׃0,2%±0,3%; mediana=0%; Vβ 9 ׃0,1%±0,2%; mediana=0,5%; Vβ 18׃ 0,1%±0,2%; mediana=0%; e Vβ 22׃ 0,6%±0,8%; mediana=0,1%). A diferença estatisticamente significante foi identificada pela maior frequência dos clones destes linfócitos TME, em PDT, que expressam as cadeias Vβ 5.2, Vβ 9, e Vβ 18 (Vβ 5.2 ׃1%±0,9%; mediana=0,7%; Vβ 9 ׃1%±1,5%; mediana=0,4%; Vβ 18 ׃0,5%±0,9%; mediana=0,2%), sendo a expansão da cadeia Vβ 22 (2,6%±1%; mediana= 2,6%) a de maior freqüência de expressão, dentre estas quatro cadeias expandidas. Nenhuma diferença significante foi observada em relação à frequência de expressão destes clones nos PPT, quando comparada à frequência nos PDT e nos CTRL. Os percentuais médios de expressão das cadeias Vβ 5.2, Vβ 9, Vβ 18, e Vβ 22 pelos PPT (Vβ 5.2׃ 0,8%±1,2%; mediana= 0%; Vβ 9 ׃0,6%±1,1%; mediana=0,3%; Vβ 18 ׃0,2%±0,3%; mediana=0%; e Vβ 22 ׃1,2%±2%; mediana= 0,2%) se mostraram intermediários quando comparados aos outros dois grupos, sendo inferiores aos PDT e superiores aos CTRL. Entretanto, foi importante observar que a freqüência de expressão da cadeia Vβ 22 em linfócitos T CD8+ME é semelhante entre os CTRL e os PPT, enquanto os PDT apresentaram altos percentuais de expressão destes clones. Vale notar que os PDT e os PPT que apresentaram os dois maiores percentuais de expressão da cadeia Vβ 9, também apresentaram os maiores percentuais de expressão das cadeias Vβ 18 e Vβ 22. 91 Figura 5.25: Percentual de expressão da cadeia Vβ 2 (A); Vβ 5.2 (B); Vβ 9 (C); Vβ 18 (D) e Vβ 22 (E); em linfócitos (linf.) T CD8+CD45RA-CD27- (memória efetora). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (n=16), PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (n=14), e PPT (pacientes póstratamento) (n=11). * (p<0,05), ** (p<0,01) e *** (p<0,001). Valor de p obtido pelo teste ANOVA não-paramétrico de Kruskal-Wallis e pósteste de Dunns. A mediana foi representada por barras horizontais. Cada ponto representa um indivíduo. 5.10.4 Alteração da frequência de Vβ 2, Vβ 9, Vβ 13.2, Vβ 18 e/ou Vβ 23, em linfócitos T CD8+ de memória central Quando os clones de linfócitos T CD8+MC foram avaliados, tornou-se possível observar que os dois grupos de pacientes apresentaram uma diferença significativa da frequência das cadeias Vβ 2, Vβ 9, Vβ 13.2, Vβ 18 e/ou Vβ 23 quando o percentual médio de expressão destes clones foi comparado aos CTRL. A maioria destas alterações foi observada 92 nos PPT, sugerindo que estes clones possam ser preferencialmente selecionados, positiva ou negativamente, após o controle da infecção. Assim como a população total de linfócitos T CD8+ e as subpopulacoes naïve e TME de PDT, pôde-se observar uma contração das células TMC que expressam a cadeia Vβ 2 nestes pacientes (3%±3,5%; mediana=0,9%), quando comparados aos CTRL (5,4%±3,3%; mediana=6%). Nos PPT, o percentual médio de expressão de Vβ 2 em linfócitos T CD8+ME (4,2%±4,7%; mediana=2,1%) foi intermediário aos outros dois grupos, superior em relação aos PDT e inferior em relação aos CTRL (Figura 5.26A). No entanto, foi importante notar que alguns pacientes apresentaram uma maior frequência de expressão de Vβ 2 em relação a outros pacientes do mesmo grupo, isto é, durante ou póstratamento. Os PPT também apresentaram expansão dos linfócitos T CD8+MC que expressam Vβ 13.2 (2,6%±1,5%; mediana=2,4%). No entanto, esta maior frequência foi observada em relação aos PDT (1,5%±2,1%; mediana=0,8%) (p<0,05), já que os CTRL apresentaram um percentual médio de expressão destes clones dev2%±1,5 % (mediana=1,6%) (Figura 5.26B). Nos PPT, os linfócitos T CD8+MC que expressam as cadeias Vβ 9, Vβ 18 e Vβ 23 apresentaram-se expandidos, quando comparados aos CTRL. Os PPT apresentaram expansão dos linfócitos T CD8+MC que expressam a cadeia Vβ 9 (2%±1,6%; mediana=1,8%) (p<0,05), quando comparados aos CTRL (Figura 5.26C), enquanto nos PDT (1,2%±1,6%; mediana=0,4%), a frequência destes clones foi semelhante aos CTRL (0,9%±1,5%; mediana=0,4%). Os dois grupos de pacientes apresentaram um maior percentual de linfócitos T CD8 + MC que expressam a cadeia Vβ 18 (PDT ׃1,5%±2,7%; mediana=0,6%; PPT ׃0,9%±1,1%; mediana=0,5%), quando comparados aos CTRL (0,3%±0,6%; mediana=0,1%) (Figura 5.26D), assim como foi observado na população total de linfócitos T CD8+. Os CTRL e os PDT apresentaram uma frequência semelhante de expressão da cadeia Vβ 23 em linfócitos T CD8+MC (CTRL ׃0,8%±1,1%; mediana=0,6%; PDT ׃1%±1,3%; mediana=0,2%), observada não somente entre as medianas, mas também, entre os indivíduos que apresentaram os maiores percentuais de expressão destes clones (Figura 5.26E). Comparados aos CTRL, os PPT, por sua vez, apresentaram uma expansão dos linfócitos T CD8+MC que expressam a cadeia Vβ 23 (2,8%±2,9%; mediana=1,5%) (p<0,05). 93 Figura 5.26: Percentual de expressão da cadeia Vβ 2 (A); Vβ 13.2 (B); Vβ 9 (C); Vβ 18 (D) e Vβ 23; em linfócitos (linf.) T CD8+CD45RA-CD27+ (memória central). Foram avaliados CTRL (controles - indivíduos sadios) (n=16); PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa) (n=14); e PPT (pacientes póstratamento) (n=11). * (p<0,05). Valor de p obtido pelo teste ANOVA não-paramétrico de Kruskal-Wallis e pósteste de Dunns. A mediana foi representada por barras horizontais. Cada ponto representa um indivíduo. Em conjunto, estes resultados mostraram que, tanto durante a fase ativa da LC como após a resolução das lesões, o repertório das subpopulações de linfócitos T CD8+ (naïve, efetora, TME e TMC), sofre uma modulação da frequência de clones Vβ específicos, podendo ou não ser identificada ao avaliar a população total de linfócitos T CD8+. Na Tabela 5.2 estão resumidas as contrações e expansões identificadas ao comparar a frequência de 24 cadeias Vβ, expressas por linfócitos T CD8+, entre os CTRL, os PDT e os PPT. 94 Tabela 5.2: Contrações (setas vermelhas) e expansões (setas azuis) de cadeias Vβ expressas por linfócitos T CD8+ e pelas subpopulações naïve; efetora; de memória efetora e de memória central. Linf. T CD8+ totais Linf. T CD8+ efetores Linf. T CD8+ naïve CTRL vs PDT PDT vs PPT CTRL vs PPT Vβ 2; Vβ 13.2 ------------ ------------ Vβ 18 Vβ 23 Vβ 9; Vβ 23 ------------ ------------ ------------ Vβ12 Vβ 21.3 Vβ 22 Vβ 21.3 Vβ 22 Vβ 2 Vβ 13.2 ------------ Vβ 3 -----------Linf. T CD8+ de memória efetora Linf. T CD8+ de memória central Vβ 5.3; Vβ 13.2; Vβ 23 Vβ 9 ------------ Vβ 2 Vβ 5.2; Vβ 9; Vβ 18; Vβ 22 ------------ ------------ ------------ ------------ ------------ Vβ 2 Vβ 13.2 Vβ 9; Vβ 18; Vβ 23 CTRL (controles – indivíduos sadios); PDT (pacientes durante o tratamento, com doença ativa); PPT (pacientes póstratamento). As linhas tracejadas indicam ausência de diferença significante da freqüência de expressão das 24 cadeias Vβ analisadas entre os dois grupos comparados. 95 6. DISCUSSÃO As leishmanioses são consideradas pela Organização Mundial de Saúde uma das doenças tropicais de maior importância para a saúde pública. A estratégia mais expressiva para o controle desta doença seria o desenvolvimento de uma vacina capaz de promover uma resposta imunológica que controle a replicação do parasito e previna o dano tecidual progressivo. Para atingir estas perspectivas de controle é necessário um maior detalhamento dos eventos imunológicos associados com a progressão e a cura da doença, assim como com a proteção à mesma. Os avanços no entendimento das leishmanioses, nas quais a relação parasitohospedeiro está associada às diretrizes da resposta imune e às manifestações clínicas da doença, têm sido obtidos através de estudos baseados tanto em modelos animais como a partir de amostras de pacientes. Ensaios experimentais, ex vivo e in vitro, têm sido utilizados para avaliar as características fenotípicas e funcionais das células envolvidas nestas respostas, principalmente macrófagos, células dendríticas, neutrófilos e linfócitos T, contribuindo para uma melhor compreensão dos mecanismos imunorreguladores associados à resolução ou à manutenção/progressão da infecção. Sabendo que, na leishmaniose cutânea (LC), a resposta imune é mediada principalmente por linfócitos T, a avaliação das características imunológicas tem sido baseada na determinação da frequência dos linfócitos T CD4+ e CD8+ e da produção de citocinas pelos mesmos (Da-Cruz et al, 1994; 2002; Coutinho et al, 1996; Bomfim et al, 2007). Estas abordagens têm sido realizadas, predominantemente, a partir de amostras de pacientes antes e após o tratamento, no entanto, pouco se sabe a respeito das características da resposta imune desencadeada pelos pacientes durante o tratamento (Mendonça et al, 1986; Toledo et al, 2001). Já foi demonstrado que durante a terapia antimonial os pacientes de LC apresentam uma resposta proliferativa de linfócitos (RPL), frente a antígenos de L. braziliensis (Ag-Lb), superior àquela observada nos pacientes antes do tratamento (Mendonça et al, 1986). Neste estudo, o alto índice de proliferação de linfócitos de pacientes em tratamento foi relacionado à destruição de parasitos, assim como os efeitos benéficos da terapia foram associados a uma indução de células T específicas aos Ag-Lb. Em 2001, Toledo e cols. sugeriram que a persistência de uma resposta proliferativa de linfócitos, após o início do tratamento convencional com Glucantime®, estava associada à presença in vivo do antígeno e que, no decorrer da evolução para a cura, este estímulo in vivo teria uma tendência a diminuir . 96 Uma importante característica da LC é que a maioria dos pacientes apresenta uma resposta satisfatória à terapia antimonial (Oliveira-Neto et al, 2000). Sendo assim, o tratamento estaria associado ao desenvolvimento de uma resposta imune eficaz o suficiente para controlar a infecção. Por este motivo, no presente estudo, os pacientes foram avaliados em dois diferentes momentos do tratamento: durante a terapia antimonial; e após o término da mesma, na tentativa de identificar características da reposta imune associada à doença ativa e ao processo de cura clínica. No décimo dia após o início da terapia, os pacientes ainda apresentavam lesões ulceradas e, portanto, a forma ativa da doença, a qual é caracterizada por uma intensa atividade linfocitária em resposta aos antígenos do parasito (Mendonça et al, 1986). Já os pacientes póstratados apresentavam lesões cicatrizadas, caracterizando um quadro clínico de cura recente, o qual parece ter sido uma consequência da terapia administrada e da resposta imune desencadeada nestes indivíduos. Apesar da indução preferencial de linfócitos T CD4+ durante a fase ativa da LC, alguns autores sugerem que os linfócitos T CD8+ estão envolvidos no processo de cura desta doença (Da-Cruz et al, 1994; Barral et al, 1995; Coutinho et al, 1996; Bertho et al, 2000). Além disso, utilizando modelo murino, Chan (1993) demonstrou que os linfócitos T CD8+ estariam associados à resistência de camundongos à infecção por Leishmania; e Müller e cols. (1994) demonstraram que estes linfócitos desempenham um importante papel na proteção contra a Leishmania em caso de reinfecção. Conceição-Silva e cols. (1998) reportaram que, após a resolução da infecção primária, os linfócitos T CD8+ citotóxicos restritos ao MHC-I e específicos aos antígenos de L. major, podem ser expandidos quando reestimulados in vitro com estes antígenos. Em um estudo baseado em amostras de indivíduos vacinados contra a leishmânia, foi demonstrada uma maior frequência de linfócitos T CD8+ reativos aos Ag-Lb quando comparados a um grupo de pacientes com lesão ativa de LC, antes do tratamento (Mendonça et al, 1995). Dados mais recentes sugerem que o aumento da frequência de linfócitos T CD8+ intralesionais reforça a hipótese de que estas células estariam envolvidas no processo de resolução das lesões (Da-Cruz et al, 2005). Ainda, em outros trabalhos, a participação dos linfócitos T CD8+ na resolução da infecção foi correlacionada à produção de IFN- γ por estas células (Pompeu et al, 2001; Da-Cruz et al, 2002; Nateghi Rostamani et al, 2010). Atualmente, apesar dos conhecimentos obtidos acerca do papel-chave dos linfócitos T + CD8 e T CD4+ na resposta imune da LC, apenas a distinção entre estas duas populações não é suficiente, já que sabemos que estas células são subdividas, segundo sua fase de diferenciação, em naïve, efetora e de memória (Peakman & Vergani, 2011; Abbas & 97 Litchman, 2007). Além disto, estas categorias celulares funcionalmente distintas podem estar sujeitas a morte por apoptose de forma diferenciada, em razão de um estímulo antigênico (Brunner et al, 1995; Grayson et al, 2004). Para a identificação destas células, a citometria de fluxo se mostrou uma ferramenta adequada para avaliar não só a variedade de características que definem estas subpopulações de linfócitos, como também a ocorrência de apoptose nestas células. Esta metodologia permitiu uma análise celular individual destas características mencionadas, simultaneamente, através de um protocolo multiparamétrico. O desenho experimental proposto envolveu duas abordagens: um ensaio ex vivo, com intuito de identificar características da resposta imune que estaria ocorrendo in vivo; e um ensaio in vitro no qual foi avaliada a influência da exposição aos Ag-Lb. A partir destes ensaios experimentais, os primeiros dados avaliados se referem à frequência de linfócitos T CD8+ e aos níveis destas células em apoptose, nos três diferentes grupos estudados. Considerando que nos indivíduos sadios (controles - CTRL) os níveis de linfócitos T CD8+ circulantes correspondem a padrões de normalidade, a diminuição do percentual médio destas células, nos pacientes com lesão ativa, em tratamento, foi associada ao processo infeccioso. A maior frequência de linfócitos T CD8+ em apoptose, observada nestes pacientes, sugere que este fenômeno de morte pode modular os níveis de linfócitos T CD8+ e comprometer os efeitos da função que estas células desempenham na resposta imune, contribuindo assim para a manutenção da infecção. Por outro lado, a semelhança do percentual destas células entre os indivíduos sadios e os pacientes póstratados indica que, após a cura clínica, haja uma tendência ao restabelecimento dos níveis de linfócitos T CD8+. A menor ocorrência de apoptose nestas células poderia contribuir para este restabelecimento e, consequentemente, para o controle da infecção. Estes resultados estão de acordo com Bertho e cols. (2000), os quais mostraram que, em lesões de pacientes com LC causada por L. braziliensis, a doença ativa estaria relacionada ao aumento de apoptose de linfócitos T CD8+, enquanto uma menor frequência destas células apoptóticas estaria relacionada a indivíduos que evoluíram para a cura espontânea. Neste contexto, estes autores sugeriram que a apoptose de linfócitos T CD8+ estaria associada à progressão da doença, exercendo um papel modulador da resposta imune na LC. Similarmente, Clarêncio (2005) sugeriu que pacientes de leishmaniose visceral, apresentavam um maior percentual de apoptose dos linfócitos T CD8+ circulantes, quando comparados a indivíduos sadios e a pacientes póstratados. Os resultados obtidos in vitro mostraram uma maior ocorrência de apoptose nos linfócitos T CD8+, de pacientes em tratamento, com a doença ativa, na presença de Ag-Lb, 98 sugerindo que, com a provável liberação de grande quantidade de antígenos nesta fase da doença, os mesmos poderiam ser responsáveis pela indução de apoptose nos linfócitos T CD8+. Este resultado não foi observado em relação aos pacientes póstratados, indicando que o controle da infecção estaria associado a uma redução do estímulo antigênico e a uma maior resistência dos linfócitos T CD8+ destes pacientes em sofrer apoptose. No presente estudo, a diferença entre a frequência de linfócitos T CD8+ reativos aos Ag-Lb de pacientes com doença ativa e de pacientes póstratados, corrobora os dados encontrados por Da-Cruz e cols. (1994, 2002), os quais sugeriram que o aumento dos níveis de linfócitos T CD8+ de pacientes póstratados estaria associado à resolução da infecção. No entanto, vale notar que, nestes trabalhos, os pacientes com doença ativa ainda não tinham iniciado o tratamento, indicando que, após o fim da terapia, a proporção de linfócitos T CD8+ respondedores para antígenos de Leishmania seria superior àquela observada antes e durante o tratamento. Adicionalmente, os dados obtidos em relação aos dois grupos de pacientes também foram comparados aos indivíduos sadios, permitindo assim, considerar que a frequência de linfócitos T CD8+ reativos aos Ag-Lb diminui nos pacientes com doença ativa. Nestes pacientes a modulação negativa destes linfócitos parece contribuir para a permanência das lesões, reforçando a hipótese de que o aumento da frequência de linfócitos T CD8+ estaria associado à resolução da infecção. Sabendo que a resposta imune desencadeada após o reconhecimento antigênico envolve a participação de subpopulações celulares funcionalmente distintas, os linfócitos T CD8+ podem ser caracterizados como células naïve, efetoras ou de memória. Ainda não foi descrito na literatura uma avaliação conjunta da participação de clones específicos destas subpopulações de linfócitos T CD8+ na resposta imune da LC, o que se tornou objetivo do presente estudo. Este processo de diferenciação funcional envolve uma série de alterações fenotípicas, as quais têm sido exploradas por diversos autores para a identificação das diferentes subpopulações de linfócitos. Neste cenário, a combinação dos anticorpos monoclonais anti-CD45RA e anti-CD27 tem sido utilizada para identificar, em humanos, as subpopulações de linfócitos T CD8+ (Hamann et al, 1997; 1999; Sallusto et al, 1999; Baars et al, 2000; Monsurrò et al, 2002; Mackus et al, 2003; Nikolova et al, 2009; Libri et al, 2011). A heterogeneidade da distribuição dos linfócitos T CD8+ naïve (CD45RA+CD27-), efetores (CD45RA+CD27-), de memória central (TMC, CD45RA+CD27-) e de memória efetora (TME) (CD45RA-CD27-), nos três grupos estudados, parece ser influenciada pelo estado imunológico que caracteriza cada um deles. Foi importante notar que, nos indivíduos sadios, os linfócitos T CD8+ naïve representaram a maioria das células, enquanto nos pacientes em 99 tratamento a maior parte dos linfócitos T CD8+ foi composta por células efetoras. A predominância destas diferentes subpopulações parece estar associada à ausência e à presença de infecção, nestes indivíduos. A proporção invertida destas subpopulações nos dois grupos mencionados sugere que, como consequência da infecção, as células naïve dos pacientes possam estar sendo ativadas e diferenciadas em células efetoras, as quais por sua vez sofreriam expansão clonal, explicando assim o maior percentual das mesmas. Após o fim da terapia, a proporção entre linfócitos T CD8+ naïve e efetores parece ser novamente invertida, indicando uma tendência de restabelecimento da distribuição destas subpopulações, a qual pode ser uma conseqüência do controle da infecção. Já a proporção de linfócitos T CD8+ME e TMC parece ser mantida, independente dos diferentes estados imunológicos que os indivíduos avaliados se encontravam, embora um maior percentual de TMC tenha sido observado nos PPT. Paralelamente, os dois grupos de pacientes apresentaram uma maior ocorrência de apoptose nas quatro subpopulações de linfócitos T CD8+ em relação aos indivíduos sadios. Apesar disto, foi interessante notar que, a distribuição das subpopulações em apoptose foi semelhante entre os três grupos estudados sendo que os linfócitos T CD8+ naïve parecem ser mais suscetíveis a este processo de morte. Estes dados estão de acordo com Grayson e cols. (2004), os quais demonstraram que os linfócitos T CD8+ naïve são mais susceptíveis à apoptose do que as células de memória. Gupta e Gollapudi (2006) atribuíram tal suscetibilidade à capacidade replicativa e consequente manutenção do repertório de células naïve. Estes autores também sugeriram que as células TMC são mais suscetíveis a apoptose enquanto as células TME são mais resistentes. No entanto, no presente estudo, a baixa frequência de apoptose tanto nos linfócitos T CD8+ME como nos TMC, nos três grupos estudados, sugere que ambas as subpopulações tenham sido resistentes a este processo de morte. Segundo Boyman e cols. (2009) as diferentes subpopulações de linfócitos T são mantidas em números razoavelmente constantes através de mecanismos de homeostase que garantem a sobrevivência e a manutenção dos linfócitos T. Sendo assim, a infecção por L. braziliensis parece modular este mecanismos de homeostase, já que os pacientes de LC, avaliados no presente estudo, apresentaram uma alteração da proporção de subpopulações de linfócitos T CD8+ e diminuição do número total destas células. Adicionalmente, apesar da apoptose exercer um papel no controle da homeostase, este processo de morte parece estar envolvido na modulação não só da frequência de linfócitos T CD8+ de pacientes em tratamento e clinicamente curados, como também o efeito da atividade destas células na resposta imune que ocorre nestes dois grupos de pacientes. 100 Numa análise comparativa entre os três grupos estudados, o maior percentual de linfócitos T CD8+ efetores durante a fase ativa da doença foi associado à maior indução destas células durante o processo infeccioso, já que após a cura clínica, os pacientes póstratados, apresentam uma frequência reduzida destas subpopulação. No entanto, a persistência de um percentual de linfócitos T CD8+ efetores superior em relação à frequência destas células nos indivíduos sadios, mesmo após a cura clínica, sugere que apesar do controle da infecção, o sistema imune ainda não restabeleceu a homeostasia. Segundo alguns trabalhos descritos na literatura, a manutenção da resposta imune após a cura clínica também pode ser uma consequência da persistência dos parasitos, demonstrada através da presença dos mesmos em cicatrizes de pacientes curados (Schubach et al, 1998; Mendonça et al, 2004). Nossos resultados mostram que na presença de Ag-Lb, as células efetoras de ambos os grupos de pacientes foram capazes de responder a tal estimulação. Sendo assim, a maior frequência desta subpopulação de linfócitos T CD8+ nos pacientes em tratamento, em relação aos indivíduos sadios, seria uma conseqüência da presença in vivo de parasitos nestes pacientes. Considerando que atividade efetora dos linfócitos T CD8+ inclua a secreção de grânulos líticos e a produção de IFN-γ, e que ambas devem desempenhar um papel na resolução da infecção de pacientes de LC (Da-Cruz et al, 2005), esta maior frequência de células efetoras pode corresponder ao desenvolvimento da resposta imune eficaz que levou estes pacientes à cura. No entanto, nos pacientes em tratamento a ocorrência de apoptose de células efetoras quando estimuladas pelos Ag-Lb, sugere que um processo de morte induzida por ativação (activated induced cell death – AICD) possa estar associado ao estímulo antigênico (Brunner et al, 1995; Kabelitz et al, 1995), já que estes pacientes apresentam lesão ativa. Embora os pacientes póstratados apresentem um menor percentual de linfócitos T + CD8 efetores, a ocorrência de apoptose nestas células foi inferior quando comparada aos pacientes em tratamento. O comprometimento da viabilidade da subpopulação de células T CD8+ efetoras pode refletir uma modulação negativa do papel da sua atividade funcional, podendo contribuir para a persistência da lesão. Sendo assim, apesar de um menor percentual de linfócitos T CD8+ efetores nos pacientes póstratados, o maior percentual de células viáveis parece estar associado ao controle da infecção e cicatrização das lesões nestes indivíduos. A ausência de alteração do percentual de linfócitos T naïve, quando estimulados com Ag-Lb, pode indicar que, o percentual destas células nos dois grupos de pacientes possa ser um reflexo do aumento da frequência de outra subpopulação de linfócitos T CD8+. No entanto, pode-se considerar também que a modulação negativa dessas células naïve dos pacientes em tratamento seja conseqüência da suscetibilidade das mesmas em sofrer apoptose 101 na presença de Ag-Lb, o que poderia comprometer o número de células diferenciadas em efetoras. Ao avaliar a frequência de células de memória, foi importante levar em consideração que apenas uma pequena proporção das células efetoras e/ou naïve se diferencia em células de memória (Appay et al, 2008). Sendo assim, o percentual de linfócitos T CD8+ME ligeiramente superior nos pacientes póstratados, pode indicar que alguns linfócitos T CD8+ tenham sido selecionados para se diferenciar em células de memória, específicas aos Ag-Lb, o que poderia ser confirmado através do estímulo in vitro, com tais antígenos. De acordo com Sallusto e cols. (2004), os linfócitos T CD8+ME são células produtoras de perforina e IFN-γ. Sabendo da importância destas moléculas na resolução da LC, a presença de linfócitos T CD8+ME, específicas aos Ag-Lb poderia contribuir para a resolução da infecção. No entanto, segundo Wherry e cols. (2003) as células TMC são mais eficientes em mediar uma resposta imune devido a uma maior capacidade proliferativa em relação às células TME. Entretanto, estes autores, descreveram ainda que, as células de memória efetora e central não representam, necessariamente, duas subpopulações, as quais fariam parte de uma contínua linha de diferenciação. Após o ensaio de estimulação antigênica, in vitro, avaliamos se os pacientes teriam desenvolvido células de memória específicas aos Ag-Lb, capazes de responder a estes. Foi realizada uma análise conjunta das células TMC e TME, com o intuito de melhor interpretar os resultados, já que ambas as subpopulações apresentaram semelhança nas suas baixas frequências. Durante o tratamento e, mais expressivamente, após a cura clínica os pacientes apresentaram linfócitos T CD8+ de memória específicos aos Ag-Lb, os quais se mostraram resistentes à apoptose independente da presença destes antígenos, embora um alto percentual deste processo de morte tenha sido observado nas células de memória de dois pacientes. No entanto, deve-se considerar que linfócitos T CD8+ de memória, principalmente nos pacientes em tratamento podem estar em processo inicial de diferenciação sugerindo que ao longo do tempo uma maior frequência destas células possa ser observada nos pacientes. No entanto, a suscetibilidade à reinfecção pode indicar que a memória imunológica desenvolvida por pacientes não represente uma resposta imune anti-Leishmania eficaz (Scott, 2005). Em conjunto estes dados mostram que na LC, a apoptose parece modular não só a frequência dos linfócitos T CD8+ como também o perfil de distribuição de suas subpopulações. A alteração da proporção dos linfócitos T CD8+ naïve e efetores, parece acompanhar o processo de resolução da infecção. No entanto a maior frequência de células efetoras durante a fase ativa da doença pode não corresponder a um maior efeito da atividade desta subpopulação, já que parte destas células efetoras pode estar funcionalmente 102 comprometida pelo processo de apoptose. Neste contexto, a diferença do perfil de distribuição e a indução de apoptose nas subpopulações de linfócitos T CD8+ que entre o décimo e octogésimo dia do início do tratamento da LC, parecem caracterizar o processo de resolução da infecção. Para investigar um possível envolvimento de clones específicos de linfócitos T CD8+ (naïve, efetores, TME e TMC) na resposta imune desencadeada durante a fase ativa da LC e após o controle da infecção, foi realizada uma caracterização do repertório Vβ destas células e uma análise da frequência de expressão de diferentes clones nos indivíduos sadios e nos dois grupos de pacientes estudados. Segundo alguns dados descritos na literatura, algumas cadeias Vβ já foram associadas à infecção por Leishmania. Uyemura e cols. (1993) verificaram a expansão de Vβ 6 em lesões de pacientes infectados por L. braziliensis, e Clarêncio e cols. (2006) sugeriram que os linfócitos T que expressam Vβ 12 desempenham um importante papel na LC. Ainda, Kariminia e cols. (2007) demonstraram que a exposição a L. guyanensis induz preferencialmente os linfócitos T CD8+ que expressam Vβ 14. Paralelamente, em pacientes com Doença de Chagas, parece haver uma expressão preferencial de Vβ 3.1 (Menezes et al, 2004) e Vβ 5 (Costa et al, 2000) que estaria envolvida na patologia desta doença. No presente estudo, a partir do repertório de linfócitos T CD8+, foi avaliada a frequência e a distribuição dos clones Vβ específicos nas subpopulações naïve, efetora, TME e TMC. A caracterização do repertório Vβ dos linfócitos T CD8+ do sangue periférico de indivíduos sadios; de pacientes com LC ativa, sob tratamento; e de pacientes póstratados, clinicamente curados; revelou uma distribuição policlonal que incluiu a expressão de 24 diferentes cadeias Vβ. A ausência de superexpressão ou deleção clonal Vβ-específica excluiu a possibilidade de uma atividade superantigênica associada à LC. Embora todas as cadeias avaliadas tenham sido expressas, foi observada uma heterogeneidade da frequência de expressão dos diferentes clones que compõem o repertório, já que algumas cadeias apresentaram uma tendência em serem mais freqüentes, nos três grupos estudados, como Vβ 3 e Vβ 8, enquanto outras foram menos frequentes, como o Vβ 16 e Vβ 18. Estes dados corroboram aqueles encontrados por Giacoia-Gripp e cols. (2005), os quais mostraram que os linfócitos T CD4+ e CD8+ de indivíduos sadios apresentavam um perfil não aleatório de utilização das cadeias Vβ, as quais apresentaram diferentes frequências. Ao considerar que o repertório dos indivíduos sadios serviria como parâmetro de comparação da frequência de expressão dos clones Vβ-específicos nos pacientes de LC, pôdese identificar uma modulação do repertório dos linfócitos T CD8+ tanto nos pacientes com 103 lesão ativa em tratamento como naqueles clinicamente curados, sugerindo que haja uma indução oligoclonal destes linfócitos. Estes dados corroboram àqueles descritos por Uyemura e cols. (1993), e Clarêncio e cols. (2006) em leishmaniose, e por Menezes e cols. (2004) em doença de Chagas. Sob estímulo antigênico, os linfócitos T envolvidos em uma resposta antígenoespecífica podem ser induzidos a proliferar, ou a sofrer uma supressão como conseqüência de uma estimulação excessiva ou ainda AICD (Abbas & Lichtman, 2007). Neste contexto, quando o repertório Vβ de linfócitos T CD8+ de indivíduos sadios foi comparado, aos pacientes em tratamento, com doença ativa ou aos pacientes clinicamente curados, as diferenças estatisticamente significantes foram identificadas como expansões e contrações, em caso de aumento ou diminuição do percentual das cadeias Vβ, respectivamente. Também foram identificadas diferenças estatisticamente significantes ao comparar a frequência de expressão das cadeias Vβ entre os dois grupos de pacientes, sugerindo que a diferença do estado clínico seja acompanhada de uma alteração imunológica no que se refere à distribuição e indução de determinados clones de linfócitos T CD8+. A cadeia Vβ 4 foi menos expressa tanto nos indivíduos sadios como nos pacientes póstratados, enquanto nos pacientes em tratamento a cadeia Vβ 11 foi a menos expressa pelos linfócitos T CD8+. Já a cadeia que apresentou a maior frequência de expressão nestes pacientes foi a Vβ 22 enquanto nos pacientes póstratados foi a cadeia Vβ 5.1, embora a frequência de nenhuma destas apresente diferença estatisticamente significante quando comparadas aos outros grupos de indivíduos avaliados. As contrações e expansões de diferentes cadeias Vβ de linfócitos T CD8+, identificadas nos pacientes em tratamento ou nos pacientes clinicamente curados, também foram identificadas em pelo menos uma das quatro subpopulações analisadas, embora o inverso não seja verdadeiro. Esta característica foi bastante evidente ao analisar a frequência das cadeias Vβ das células naïve. Os diferentes clones de linfócitos T CD8+ Vβ-específicos apresentaram uma frequência heterogênea entre os pacientes durante a após o tratamento da LC. Ainda neste contexto, foi interessante notar a ausência de uma contração ou expansão, da mesma cadeia Vβ, em ambos os grupos de pacientes, tanto na população total de linfócitos T CD8+, como nas subpopulações estudadas. Este dado sugere que ao longo do tratamento e do processo de resolução da infecção ocorra uma modulação da frequência dos clones que estão contraídos ou expandidos durante a doença ativa, de modo que, após a cura clínica os clones expandidos e contraídos expressam outras cadeias Vβ. Neste contexto, os linfócitos T CD8+ efetores que expressam cadeia Vβ 22 poderiam ser uma exceção, já que a diferença da média de frequência 104 entre os indivíduos sadios e os dois grupos de pacientes foi estatisticamente significante. No entanto, sendo importante notar que a maioria dos pacientes apresentou uma frequência de expressão de Vβ semelhante aos indivíduos sadios. Os dois momentos da infecção, avaliados neste estudo, parecem se caracterizar não só pela distribuição das subpopulações de linfócitos T CD8+ e da ocorrência de apoptose nas mesmas, mas também por uma modulação da expressão de determinadas cadeias Vβ. Em relação à população total de linfócitos T CD8+, foi verificada uma contração de Vβ 13.2 e de Vβ 2 em pacientes com a doença ativa, em tratamento. Clarêncio e cols., ao avaliar a população de linfócitos T CD8+ de pacientes de LC, cultivados na presença de antígenos de L. amazonensis, também verificaram uma diminuição da frequência de Vβ 2 em relação às células cultivadas sem estímulo antigênico. Estes autores atribuíram que tal diminuição poderia ser resultado da apoptose destes clones após esta estimulação antigênica. Os linfócitos T CD8+ MC e naïve dos pacientes em tratamento também apresentaram contração de Vβ 2, sendo que a frequência destes clones parece ser restabelecida após a cura clínica. Paralelamente, esta cadeia Vβ 2 também se apresentou contraída nas subpopulação TME dos pacientes clinicamente curados. Estes dados podem indicar que em pacientes de LC ocorra uma modulação negativa das diferentes subpopulações de linfócitos T CD8+ que expressam Vβ 2. Interessantemente, Menezes e cols. (2004) identificaram uma diminuição da frequência de linfócitos T CD8+ CD28- (ativados) que expressam Vβ 2 em pacientes com doença de Chagas. No presente estudo, ao avaliar a população total de linfócitos T CD8+, os pacientes sob tratamento apresentaram contração de Vβ 2, o que parece ser uma consequência dos baixos percentuais de Vβ 2 nas células naïve e TMC, que caracterizaram a contração destas células, o que também é válido para a cadeia Vβ 13.2. Os linfócitos T CD8+ que expressam a cadeia Vβ 9 parecem ser progressivamente induzidos no decorrer do tratamento e apresentam-se expandidos mesmo após a cura clínica. Já a cadeia Vβ 23 apresentou-se expandida somente nos pacientes clinicamente curados. Nos três grupos estudados, os linfócitos T CD8+ naïve apresentaram uma distribuição mais homogênea das 24 cadeias Vβ avaliadas, em relação às outras subpopulações. Isto se explica pelo fato destas células representarem o repertório Vβ original e precursor do repertório das células efetoras e de memória. As alterações significativas de frequência das cadeias Vβ de linfócitos T CD8+ naïve, ocorreram predominantemente nos pacientes clinicamente curados. Enquanto os clones que expressam Vβ 13.2 ou Vβ 23, em pelo menos parte dos pacientes avaliados, parecem ser 105 recuperados após o controle da infecção, os clones que expressam a cadeia Vβ 9 apresentaram-se expandidos nestes pacientes. Em relação aos linfócitos T CD8+ME, diversas cadeias Vβ não foram expressas por alguns indivíduos, principalmente pelos sadios. No entanto a expansão de Vβ 22, a qual nas células efetoras só ocorreu em alguns pacientes, nas células TME os pacientes em tratamento apresentaram uma frequência bastante expressiva em relação aos outros dois grupos. Ao caracterizar o repertório de linfócitos T CD8+MC pôde-se observar uma maior heterogeneidade da frequência de expressão dos diferentes clones de Vβ pelos indivíduos do mesmo grupo e, além disso, muitos destes não apresentaram expressão de algumas cadeias. Apesar disso, as células dos pacientes clinicamente curados que expressam Vβ 9 apresentaram uma maior frequência nesta subpopulação. Estes clones poderiam estar sendo diferenciados a partir de TME, ao longo do processo de resolução da infecção, de forma que estejam expandidos nos pacientes clinicamente curados. O baixo percentual de linfócitos T CD8+ efetores nos indivíduos sadios, parece implicar em um repertório Vβ heterogêneo entre os membros deste grupo e em uma baixa frequência de expressão das cadeias Vβ. Por conta disso, as células efetoras dos pacientes não apresentaram nenhum clone contraído. Apesar disso, nos pacientes clinicamente curados foi observada uma menor frequência dos linfócitos T CD8+ efetores que expressam a cadeia Vβ 21.3, quando comparados aos pacientes com doença ativa, em tratamento. Após a resolução da infecção e modulação negativa da frequência de linfócitos T + CD8 efetores, não foi observada expansão ou contração de nenhuma das cadeias Vβ analisadas. Nos linfócitos T CD8+ efetores dos pacientes em tratamento, a única expansão observada foi de Vβ 12. No entanto não foi possível associar uma participação dos linfócitos T CD8+ efetores que expressam Vβ 12 ao processo de resolução da infecção, já que após a cura clínica dos pacientes estes clones não se apresentaram expandidos. Apesar desta possível participação dos linfócitos T CD8+ Vβ 12 na resposta imune anti-Leishmania, estes clones não parecem ser selecionados para se diferenciar em células de memória. Clarêncio e cols. (2006), ao avaliarem o repertório Vβ de linfócitos T CD4+ e CD8+ de sangue periférico de pacientes de LC, após estimulação in vivo e in vitro com antígenos de L. amazonensis demonstraram uma expressão aumentada de Vβ 12. Além disso, estes autores também verificaram que a expressão de Vβ 12 era maior nos linfócitos T CD8+ de linfonodo em relação àqueles obtidos do sangue periférico de pacientes. Adicionalmente, as células que expressam Vβ 12 se mostraram produtoras de alta quantidade de IFN-γ. A reunião destes dados pode indicar que, dos linfócitos T CD8+ que são ativados e induzidos a se diferenciar 106 em células efetoras, aqueles que expressam a cadeia Vβ 12 seriam preferencialmente expandidos durante a fase ativa da LC, podendo exercer um papel importante para o controle da infecção através da produção de IFN-γ. Vale registrar ainda que Keesen (2010) verificou, em pacientes de LC, um aumento da frequência de linfócitos T CD4+ expressando Vβ 12, após serem estimulados com antígeno solúvel de L. braziliensis. Comparando estes dados com àqueles obtidos por Clarêncio e cols (2006) esta autora sugeriu a existência de antígenos dominantes comuns nas diferentes especies de Leishmania, que induziriam a expansão de linfócitos T. A partir destes resultados pôde-se verificar que os linfócitos T CD8+ que expressam a cadeia Vβ 2, Vβ 9, Vβ 13.2, ou Vβ 23 podem ser preferencialmente modulados, nas diferentes subpopulações, durante a resposta imune desencadeada nos pacientes de LC. Além disso, os linfócitos T CD8+ que expressam Vβ 12 parecem ser os clones efetores preferencialmente expandidos na fase ativa da LC, no entanto não se pode definir se estas células participam do processo de controle da infecção. Para isto, seria necessário avaliar a produção de citocinas, principalmente de IFN-γ, além de um ensaio de citotoxicidade para verificar a secreção de grânulos líticos por estes clones. A indução preferencial de clones Vβ-específicos e a alteração da frequência dos mesmos, parecem estar associadas à modulação da distribuição das subpopulações, as quais, por sua vez, podem ser comprometidas em número e funcionalidade pela ocorrência de apoptose. O caráter modulador que este processo de morte exerce na resposta imune de ambos os grupos de pacientes sugere que a ocorrência de apoptose, mais intensa na fase ativa da doença, esteja relacionada à manutenção da infecção. 107 7. CONCLUSÕES • A apoptose parece ser responsável pela menor frequência de linfócitos T CD8+, na fase ativa da leishmaniose cutânea, e está relacionada à presença de antígenos de Leishmania braziliensis; enquanto a tendência ao restabelecimento desta frequência, após o tratamento pode ser uma consequência da menor ocorrência da apoptose de linfócitos T CD8+, que estaria associada à resolução da lesão; • Apesar de um maior percentual de linfócitos T CD8+ efetores em pacientes durante o tratamento, a ocorrência de apoptose nestas células pode estar associada à presença de lesão ativa, e comprometer uma resposta imune eficaz; • A inversão da proporção de linfócitos T CD8+ naïve e efetores parece acompanhar o processo de resolução da lesão, e controle da infecção, ao longo do tratamento; • Os linfócitos T CD8+ que expressam as cadeias Vβ 9, Vβ 13.2 ou Vβ 23 podem ser preferencialmente selecionados a expandir durante a resposta imune que é desencadeada em pacientes de LC, podendo ainda ser os clones selecionados a se diferenciar em células de memória central; • A cadeia Vβ 2 expressa nas subpopulações de linfócitos T CD8+ naïve, de memória central e memória efetora, parece estar envolvida no reconhecimento antigênico na LC e sofrer contração em consequência de AICD; • Os linfócitos T CD8+ que expressam a cadeia Vβ 22 podem ser clones com potencial para serem selecionados a se diferenciar em células de memória efetora durante a fase ativa da LC; • Os linfócitos T CD8+ que expressam a cadeia Vβ 12 parecem estar envolvidos na resposta imune efetora desencadeada na fase ativa da LC; • A heterogeneidade entre o repertório Vβ das células efetoras, naïve, de memória central e de memória efetora, mostrou que a análise da população total de linfócitos T CD8+ pode ocultar uma expansão ou contração de determinados clones nas subpopulações funcionalmente distintas, ressaltando a importância de analisá-las separadamente. 108 8. 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Zimmermann M, Meyer N. Annexin V/7-AAD staining in keratinocytes. Methods Mol Biol. 2011;740:57-63. 128 ANEXO I TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Voluntário INSTITUIÇÃO: Instituto Oswaldo Cruz - FIOCRUZ, Lab. Imunoparasitologia, Pav. Leônidas Deane, sala 408A, Av. Brasil 4365, Manguinhos. Rio de Janeiro, RJ. TÍTULO DO PROJETO: Perfil do repertório da cadeia variável β do Receptor de Células T em Linfócitos T CD8+ efetores ou de memória apoptóticos em pacientes com Leishmaniose Tegumentar Americana: um estudo citofluorimétrico. PESQUISADORES RESPONSÁVEIS: Álvaro Luiz Bertho dos Santos, Doutor, Biomédico, Pesquisador Titular Raquel Ferraz, Biomédica, Mestranda PGBP Em caso de dúvida entre em contato pelo tel. 3865.8126 Projeto aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do IPEC, sob o nº 057/2009 e da FIOCRUZ sob. nº 502/2009. NOME DO VOLUNTÁRIO:____________________________________________________ Declaro que aceito participar como voluntário da investigação científica que está sendo realizada pelo Instituto Oswaldo Cruz - FIOCRUZ com o objetivo de se estudar os mecanismos que levam o organismo humano a se curar da leishmaniose. Fui informado de que este estudo não me beneficiará diretamente, mas poderá auxiliar os estudos para a obtenção de uma vacina contra a doença. Minha colaboração será submeter-me aos seguintes procedimentos a serem realizados por profissionais de saúde especializados: 1. Exame clínico; 2. Teste de Montenegro. Este consiste na aplicação de 0,1 ml de uma solução contendo parasitos mortos pelo mertiolate. A leitura é feita em 48 h. 3. Coleta de 40 mL de sangue através de punção na veia do braço. Esta poderá ser repetida após o tratamento da doença. Esclarecimento sobre os procedimentos e inconvenientes: O teste de Montenegro é utilizado rotineiramente para o diagnóstico da Leishmaniose e sua positividade indica a exposição ao parasito. No entanto, o teste não deve ser aplicado nos indivíduos alérgicos a mertiolate. A reação positiva se acompanha de vermelhidão e endurecimento restritos à área de aplicação do teste. Reações mais intensas como inflamação, ulceração na pele ou mesmo febre são bastante raras. O volume de sangue retirado não causa danos ou riscos ao organismo. Os possíveis desconfortos, se ocorrerem, são relacionados a problemas ocorridos durante a punção venosa local, como extravasamento de sangue que leva a dor e hematoma, mas que regridem em cerca de 3 a 5 dias. Não havendo assim necessidade de indenizações para qualquer um dos problemas citados. Os investigadores deverão, a qualquer momento, esclarecer minhas dúvidas sobre a doença, a utilização do material biológico retirado do meu organismo e os resultados obtidos com o estudo. Estes resultados poderão ser divulgados na forma de comunicação científica, mas não será permitida a minha identificação. Autorizo, ainda, eventual armazenamento da amostra biológica para utilização futura. Fui informado, também, que posso me retirar e meu consentimento em qualquer fase da pesquisa sem penalidade alguma e sem prejuízo ao meu cuidado. As amostras serão utilizadas somente neste projeto; se forem usadas em projeto futuro, o mesmo será submetido novamente ao CEP/Fiocruz e o material não será utilizado sem o devido consentimento e sem o sujeito da pesquisa ter conhecimento. Declaro estar ciente do teor deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, decidindo-me a participar da investigação proposta. Este documento ficará arquivado no Laboratório de Imunoparasitologia do Instituto Oswaldo Cruz, FIOCRUZ, ficando Eu de posse de uma cópia. Voluntário: __________________________________________________ Investigador: _________________________________________________ 129