Resenha Semiótica Aplicada (SANTAELLA, Lucia. São Paulo: Thomson Learning, 2007, 185p.) Társila Moscoso BORGES1 No livro “Semiótica Aplicada” Lúcia Santaella fala do crescimento do número de linguagens e signos, considerando que esse fato não é apenas fruto da produção capitalista em larga escala nessa era de tecnologias, hipermídias e grande fluxo de imagens, mas que faz parte da evolução do ser humano. Em conseqüência disso surge a necessidade cada vez maior de ler e de saber lidar com esses signos e sugere que a semiótica de Peirce como uma fonte de grande valor para atender a essa necessidade. De acordo com a autora: “[...]. A própria realidade está exigindo de nós uma ciência que dê conta dessa realidade dos signos em evolução contínua. Minha sugestão é a de que, na semiótica de Peirce, especificamente no seu primeiro ramo, o da gramática especulativa, podemos encontrar uma fonte de inestimável valor para enfrentarmos essa exigência”. (p.XIV). Santaella é uma pesquisadora com doutorado em Teoria Literária na PUC-SP, sendo fundadora de um grupo de pesquisa em Semiótica e Games (CS Games) e professora titular nesta mesma universidade. Atua também como educadora na Escola de Economia de São Paulo da Fundação de Getúlio Vargas (EESP-FGV), diretora do Centro de Investigação de Mídias Digitais (CIMID da PUCSP), coordenadora do Centro de Estudos Peirceanos dentre outras funções e qualificações que constam em seu amplo currículo. Em seus estudos sobre semiótica, campo este em que demonstra bastante interesse, toma como base a teoria semiótica de Charles Sanders Peirce (1839-1914), um cientista de vasto conhecimento em várias áreas como a matemática, física, astronomia, história, lingüística dentre outros, e que realizou grandes estudos sobre semiótica, o qual Santaella considera como uma ciência de caráter geral e abstrato. 1 Aluna especial da disciplina Metodologia da pesquisa em comunicação e culturas midiáticas do programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPB. Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 Com esta obra Santaella procura de uma forma mais didática auxiliar na aprendizagem da semiótica de Peirce mostrando como ela pode ser aplicada em algumas situações de níveis de complexidade variados. Para isso ela inicia o livro, primeiro capítulo, com uma discussão resumida sobre a semiótica na obra de Peirce apenas para situar e facilitar a compreensão do livro, pois, para quem procura se aprofundar mais neste assunto, ela sugere outras obras que o tratam com maior riqueza de detalhes. Assim, fala um pouco dos três ramos da semiótica, a gramática especulativa, a lógica crítica e a metodêutica ou retórica especulativa, e de suas ramificações. Fala também da fenomenologia e dos três elementos formais e universais que se apresentam à mente e à percepção, de acordo com Peirce, que são a primeiridade, a secudidade e a terceiridade. Em seguida ela fala das propriedades formais que fazem algo funcionar como signo, sua qualidade, sua existência e seu caráter de lei, bem como os tipos de objeto (objeto imediato e objeto mecânico) e das relações que o signo pode ter com ele. Por último mostra os efeitos e níveis do interpretante ( interpretante imediato, dinâmico e final) que é o terceiro elemento da tríade da constituição do signo. No segundo capítulo, a autora tenta montar um percurso metodológico de aplicação desses conceitos para uma leitura semiótica, destacando a importância de inicialmente contemplar o fenômeno estando atento aos seus aspectos qualitativos, enquanto quali-signo. Em seguida deve-se observar a singularidade do signo e seus aspectos enquanto sin-signo, levando em consideração seus limites dentro do contexto onde se encontra. Por fim, Santaella sugere que deve-se generalizar o fenômeno, observando o que ele tem em comum com outros que façam parte de uma mesma classe, analisando os aspectos de lei, enquanto legi-signo. Após esse primeiro momento vem a análise da relação do signo com o assunto ao qual se refere, os objetos imediato e dinâmico, que também devem ser examinados sobre esses três olhares, enquanto qualisigno, sin-signo e legi-signo. Como o signo só completa sua ação quando há a relação com o interpretante, a última etapa do percurso é a análise dos níveis interpretativos (imediato, dinâmico e final). Ao concluir essa fase de conceituação da teoria dos signos, a pesquisadora segue para a aplicação destes, dividindo o restante do livro em três níveis: o primeiro é denominado elementar por não atingir níveis muito altos de complexidade, o segundo intermediário e o terceiro avançado. Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 Na primeira parte (nível elementar) Santaella faz uma análise do design de três embalagens de um mesmo produto (o produto de limpeza Poliflor) e, ao final, faz uma comparação no qual mostra que rótulo funcionou melhor de acordo com os signos que lhe foram aplicados para determinado tipo de consumidor. Nesta análise foram levados em consideração as cores, as linhas, a logomarca, os sinais convencionais, a sinestesia, as relações entre palavra e imagem, o poder apelativo e os demais itens que foram usados como ferramenta para atrair o cliente. No quarto capítulo Lucia Santaella avalia o potencial comunicativo de uma campanha publicitária de reposicionamento do produto Shampoo Seda no mercado, fazendo a análise da publicidade veiculada na televisão. Ela considera que os processos comunicativos incluem a face da significação ou representação, a da referência e a da interpretação de mensagens. Na da significação, há três aspéctos nos quais a análise da semiótica pode ser explorada: a primeira se refere às qualidades e sensoriedades encontradas em suas propriedades internas (cor, movimento, luz etc.), a segunda se refere à particularidade da mensagem no seu aqui e agora e, por último, o terceiro que se refere ao que a mensagem tem de geral, de convencional, cultural. Na face da referência, as análises semióticas trazem aquilo que as mensagens indicam, a que se referem ou se aplicam. Também são três aspectos: o primeiro é o poder sugestivo tanto sensorial quanto metafórico das mensagens, o segundo é o poder de denotar, indicar o que está fora da mensagem e em terceiro a capacidade das mensagens de representar idéias abstratas e convencionais que são compartilhadas culturalmente. Na face da interpretação a análise nos torna capaz de perceber os efeitos causados pelas mensagens nos receptores, de três tipos: efeitos emocionais, efeitos reativos e mentais. A partir dessas considerações ela analisa a campanha e apresenta um breve exame da embalagem do produto que é aprofundada no próximo capítulo. No quinto capítulo Santaella faz uma análise comparativa de rótulo e embalagem de dois tipos de shapoo (Seda e OX) sob três pontos de vista: o qualitativo-icônico, o singular-indicativo e o convencional-simbólico, mostrando o diferencial da utilização dos signos em um produto destinado a um público mais popular e outro a um mais sofisticado. O nível intermediário é iniciado com o capítulo seis, no qual a autora faz uma análise semiótica de uma obra do pintor Henri Matisse, um dos pintores franceses mais Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 importantes do século XX e líder do movimento fauvista. A obra analisada pertence a série Interiores Vermelhos e o nome é Interior Vermelho,natureza-morta sobre mesa azul (ambos os títulos estão traduzidos). A pesquisadora apresenta que na análise de uma pintura, deve-se viver primeiramente três experiências: a primeira é a contemplativa, de observação atenta e sensível das cores, linhas, superfícies etc., o segundo é a análise da situação a qual a obra se encontra, a sua singularidade, todos os traços que lhe são particulares, e por fim a generalização do particular em função da classe a que ele pertence. Mostra também que a pintura é um signo por representar algo, sendo capaz de produzir efeitos interpretativos em mentes reais ou potenciais. No capítulo sete, Santaella utiliza como objeto de estudo a hiper exposição ao qual a princesa Diana foi submetida durante vários anos pela mídia, fazendo a distinção de um caso como este, de uma integrante da família real que é um símbolo (legi-signo simbólico) de uma nação e não precisava da mídia para ser famosa, e de outros popstars que são frutos da mídia e precisam dela para que sua fama e/ou carreira tenham força. No capítulo oito, Santaella faz uma análise de uma amostra de trinta e cinco vídeos educativos destinados à educação ambiental (amostra de trinta e cinco vídeodocumentários) trazendo novamente a natureza triádica dos signos como base para essa avaliação semiótica com sua abordagem em três faces: a da relação do signo com aquilo que ele representa, a dos caracteres internos e da maneira com que ele significa e a da relação do signo com seu interpretante. Na terceira e última parte, nível intermediário, fazem parte os dois últimos capítulos. No capítulo nove ela faz um estudo semiótico das instituições, entendendo instituição como um complexo de integração de papéis que têm significância estratégica em um sistema social, com leis, organização e seriedade, e afirmando que elas “são predominantemente fenômenos de terceiridade” por terem “caráter de leis que governam fatos no futuro.” (p.144). No último capítulo, o dez, a autora faz uma análise do pecado da raiva, utilizando como suporte de análise a personagem Medéia, que faz parte de uma tragédia do mito clássico. Inicialmente ela fala da raiva enquanto uma emoção e traz definições de raiva e de emoção com a contribuição de alguns autores como Lakoff, Kövecses e Savan. Em seguida se utiliza novamente da divisão triádica peirceana para facilitar o entendimento da raiva enquanto pecado capital. Mais a frente analisa e explica o Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 fundamento (legi-signos, sin-signos e quali-signos), os objetos (dinâmico e imediato), os interpretantes (imediato, dinâmico e final) e a distinção de ícone, índice e símbolo dessa emoção que é o pecado da raiva. Por fim, traz o enredo da peça e analisa especificamente o comportamento da personagem Medéia sob o ponto de vista semiótico. Apesar da complexidade do assunto, Santaella cumpre o objetivo a que se propõe com essa obra: mostrar de maneira didática como a teoria peirceana dos signos pode ser aplicada em diversas situações, de níveis de complexidade distintos. A leitura é fácil e prazerosa, trazendo aos iniciantes deste assunto certo incentivo para procurar obter maior conhecimento. O livro facilita o entendimento sobre semiótica, tomando como base as teorias de Peirce. Para isso, ela retoma diversas vezes as explicações teóricas dos dois capítulos iniciais, retomando principalmente a natureza triádica dos signos. Posso dizer que chega a ser redundante em alguns momentos, mas não tiro a importância dessa forma repetitiva, pois é uma maneira eficiente de facilitar o entendimento bem como fixar um assunto tão minucioso. As análises foram realizadas com êxito, sendo detalhadamente explicadas, contextualizadas e exemplificadas de acordo com cada situação. Porém, não posso deixar de alertar que, para os estudiosos que pretendem se dedicar a semiótica, não podem se basear exclusivamente neste livro, pois a autora trata de forma sucinta o estudo sobre a semiótica de Peirce por já ter abordado o assunto mais detalhadamente em outras obras que ela mesma indica durante o texto. Por fim, senti falta das considerações finais no qual ela deveria dar uma breve pincelada no resultado de suas análises e amarrar de forma conclusiva a idéia central de seu livro. Ano VI, n. 09 – Setembro/2010