SERVIÇO SOCIAL E SEMIÓTICA: UM ENCONTRO POSSÍVEL1 SILVA, Andressa Marian da2 ; RODRIGUES, Michele Aguette3 ; HOFFLING , Fabianne Bandero4 ;ALMEIDA, Samara Peres Dornelles5 ; SEGATTO, Fabrício Ramos6, AMARO, Sarita Teresinha Alves7 1 Trabalho de Pesquisa, CAPES, UFSM Acadêmica do Curso de Bacharelado em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil 3 Acadêmica do Curso de Bacharelado em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil 4 Acadêmica do Curso de Bacharelado em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil 5 Acadêmica do Curso de Bacharelado em Serviço Social do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil 6 Acadêmico do Curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil 7 Profª Dra. em Serviço Social. Docente do Curso de Bacharelado em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil E-mail: [email protected]; [email protected] 2 RESUMO A materialidade da vida social e, na sua especificidade, a questão social e o trabalho profissional, são essencialmente constituídos de simbolismo e representações imagéticas. Entretanto, essa correlação não é habitualmente pautada no debate do serviço social como profissão. Com o objetivo de correlacionar a representação social do serviço social com uma construção imagética, no contexto da formulação de uma identidade visual para o projeto Dicionário Critico de Serviço Social, desenvolveuse a aproximação entre o serviço social e a semiótica. O processo exigiu de cada bolsista, competências, olhares e desafios novos a descortinar, ao sairem do campo, a priori "seguro" do debate profissional para entrarem no mundo da semiótica e descobrirem que as imagens funcionam como linguagens e, guardam, assim como as palavras, sentidos e significados. Como método tem-se a cartografia e análise e seleção de imagens diversas e sua intertextualidade com o discurso do serviço social. Palavras-chave: Serviço social; Semiótica; Identidade visual; Projeto de pesquisa. 1. INTRODUÇÃO “Toda imagem é de certo modo uma narrativa” (Roland Barthes) Historicamente, sempre se associou o serviço social e os processos de trabalho profissionais à materialidade da vida social. Isso é fato e é correto. Aprendeu-se a “apreender” o social na concretude da vida, na realidade fenomenal, nos processos societários e nas relações. Tudo eminentemente factual. Contudo, a materialidade da vida social e, na sua especificidade, a questão social e o trabalho profissional, são essencialmente constituídos de simbolismo e representações imagéticas. Assim funcionam os processos de exclusão por discriminação racial, machismo, homofobia, e uma série de manifestos ditos “subjetivos”, mas que “objetivamente” retalham a cidadania de milhões de brasileiros. As estatísticas revelam que negros têm menos anos de estudos, que mulheres são as chefes de família da maioria dos lares empobrecidos, e que a homofobia, assim como o racismo, avança subrepticiamente em todos os meios sociais, por conta da manutenção da estereotipia generalizada na opinião pública. A exclusão, portanto, acessa recursos da subjetividade humana para se manter. A identidade atribuída, e em especial quando esta é estigmatizada, deflagra a discriminação e, na sua sequencia, a exclusão, por meio de processos complexos de rejeição, segregação e atrofia das relações sociais. Essa correlação, contudo, não é pautada no debate do serviço social como profissão, que tem a questão social como matéria-prima de seu trabalho. Quando participamos do "Projeto de Pesquisa Dicionário Crítico de Serviço Social" promovido em 2012 pela Universidade Federal de Santa Maria - em que a história da profissão e seus significados e significantes foram resgatados, tivemos a oportunidade de "vivenciar" a aproximação que existe entre o serviço social e a semiótica, por conta especialmente de acompanharmos - entre outras ações – o processo de definição da identidade visual do projeto, por meio do estudo, inventário e seleção de imagens visuais representativas do serviço social, em consonância com seus fundamentos e projeto éticopolítico. Assim, saímos do campo, a priori "seguro" no debate profissional - da teoria e da prática - para inaugurar uma experiência racional-crítica diferenciada e que dialoga com a base fundante e os processos identitários do serviço social, por meio de imagens-símbolo e de palavras-significantes. Entramos no mundo da semiótica. E descobrimos que as imagens funcionam como linguagens e guardam, assim como as palavras, sentidos e significados. O desafio, nada fácil de ser enfrentado, gerou algumas reflexões e aprendizados, os quais pretendemos partilhar no presente artigo. 2. DESENVOLVIMENTO 2.1. MAS, AFINAL, O QUE É SEMIÓTICA? Encontramos em Roland Barthes, Umberto Eco, Lúcia Santaella, Winfried Nöth e Pierce, as principais referências sobre a Semiótica e seu lugar no terreno do conhecimento científico. Em todos esses autores, na densidade de suas obras e, em alguns casos, em obras que são derivadas de uma vida inteira dedicada ao estudo da semiótica, reconhece-se três elementos fundamentais que servem como bússola à compreensão da semiótica: 1. A semiótica é a ciência que estuda os signos e todas as (formas de) linguagens, bem como os fenômenos produtores de significado, sejam eles verbais ou não-verbais; 2. Na semiótica, se estuda a relação entre um objeto, marca, imagem ou linguagem (consagrado como signo) e seu interpretante (o sujeito que desempenha a “significação”) , tendo em vista criar, verificar e/ou analisar as representações, sentidos e significados aludidos a partir dessa relação e 3. Pode-se dizer que a semiótica convoca uma parte mental e outra sensorial, psíquica do sujeito, exigindo dele uma resposta que nem sempre é consciente, mas que funciona e condiciona a sua consciência e compreensão daquele universo simbólico, prenhe de sentidos e significados. Assim considerando, pode-se supor que a semiótica funcione como outras áreas de conhecimento cientifico, tradicionalmente fechada em seu campo próprio. Ledo engano. A semiótica não é uma ciência fechada, ao contrário dialoga com todas as áreas do conhecimento envolvidas com as linguagens ou sistemas de significação, tais como a lingüística (linguagem verbal), a matemática (linguagem dos números), a biologia (linguagem da vida), o direito (linguagem das leis),as artes (linguagem estética). E é nessa perspectiva que podemos aproximá-la do universo do serviço social e com ela tecer reflexões interessantes – mais que isso, inéditas – no debate do serviço social. 2.2. MAS O QUE, AFINAL, É UM SIGNO? Sem entrar em complexidades conceituais, pode-se dizer, segundo Santaella (2012, passim) que: o signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, uma outra coisa diferente dele. Que fique claro: o signo não é o objeto. Ele apenas está no lugar do objeto. Portanto, ele só pode representar esse objeto de um certo modo e numa certa capacidade. Por exemplo: a palavra casa, o desenho de uma casa, a fotografia de uma casa, o esboço de uma casa, um filme, deuma casa, a planta baixa de uma casa, a maquete de umacasa, ou mesmo o seu olhar para uma casa, são todos signos do objeto casa, são representações, ou seja, não são a própria casa, nem necessariamente correpondem à idéia geral que temos de casa, mas tem a capacidade de “representá-la”, em nível mental. Em uma frase apenas, pode-se dizer que “Um signo é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém” Peirce (2000, p. 46). Nessa medida, completa o autor: “para nós tudo é signo, qualquer coisa que se produz na consciência tem o caráter de signo” (op cit.) 2.3. AS IMAGENS FUNCIONAM COMO SIGNOS E CRIAM SIGNIFICADOS O mundo é repleto de linguagens verbais, escritas, sonoras ou visuais que se constituem em sistemas sociais e históricos de representação, por meio dos quais a comunicação e a difusão de mensagens se reproduzem. Cada tempo histórico tem os seus referenciais peculiares para pautar a emissão de mensagens e os processos de comunicação social. Santaella (2012, p.10) lembra que: De dois séculos para cá (pós-revolução industrial), as invenções de máquinas capazes de produzir, armazenar e difundir linguagens {a fotografia, o cinema, os meios de impressão gráfica, o rádio, a TV, as fitas magnéticas etc.) povoaram nosso cotidiano com mensagens e informações que nos espreitam e nos esperam. Para termos uma idéia das transmutações que estão se operando no mundo da linguagem, basta lembrar que, ao simples apertar de botões, imagens, sons,palavras (a novela das 8, um jogo de futebol, um debate político...) invadem nossa casa e a ela chegam mais ou menos do mesmo modo que chegam a água, o gás ou a luz Trata-se, na verdade de um bombardeio de mensagens, nem sempre esperadas, desejadas ou requeridas, que invadem nossa vida, nossos sentidos e nossas vontades, criando expectativas, necessidades e associações (quase-automáticas) que vão nos guiando, não raro como marionetes, no mundo. E quando se vê, estamos vivendo à sombra do sentido. Ou, como diria Jean Baudrillard (1991a, 1991b): os sujeitos tornaram-se reféns do mundo dos sentidos, submissos e submetidos ao domínio dos objetos-signos (e aos interesses a que estes servem), inculcados em nossa mente, por processos culturais sutis e complexos. Nessa direção Santaella (2012,p.14) esclarece: Considerando-se que todo fenômeno de cultura só funciona culturalmente porque é também um fenômeno de comunicação, e considerando-se que esses fenômenos só comunicam porque se estruturam como linguagem, pode-se concluir que todo e qualquer fato cultural, toda e qualquer atividade ou prática social constituem-se como práticas significantes, isto é, práticas de produção de linguagem e de sentido. Assim, o homem, em sua incessante busca de compreensão dos fenômenos, vive a permanente desafio de desvendar significações. Nesse sentido, Santaella (2012, passim) refere: O significado, portanto, é aquilo que se desloca e seesquiva incessantemente. O significado de um pensamento ou signo é um outro pensamento. Por exemplo: para esclarecer osignificado de qualquer palavra, temos que recorrer a umaoutra palavra que, em alguns traços, possa substituir a anterior.Basta folhear um dicionário para que se veja como isto, de fato, é assim (...) Eis aí, num mesmo nó, aquilo que funda a miséria e a grandeza de nossa condição como seres simbólicos. 3. METODOLOGIA Quando participamos do "Projeto de Pesquisa Dicionário Crítico de Serviço Social" – e nos envolvemos, entre outras ações, com o processo de definição da identidade visual do projeto, tivemos que realizar estudos, e a partir destes um inventário e seleção de imagens visuais representativas do serviço social, em consonância com seus fundamentos e projeto ético-político profissional. O desafio era olhar os elementos que referem o serviço social, usando uma outra “lente” a da semiótica, em que imagens-símbolo e palavras-significantes tem centralidade e importância na construção da identidade visual que queríamos compor. Nesse processo partimos em busca de símbolos, imagens, em especial na forma de representações gráficas que pudessem corresponder, como marca, a linguagem e identidade do projeto. Aliás, convèm situar, apoiadas por Santaella (2012, passim) Tarefa essa nada fácil, pois as coisas, quando nos aparecem, surgem numa miríade de formas, enoveladas numa multiplicação de sensações, além de que tendem a se enredar às malhas das interpretações que inevitavelmente fazemos das coisas. (...) e como dizia Peirce: “ desenredar a emaranhada meada daquilo que confere sentido, é a mais difícil de suas tarefas, exigindo poderes de pensamento muito peculiares, a habilidade de agarrar nuvens, vastas e intangíveis, organizá-las em disposição ordenada, recolocá-las em processo. O desafio nos instigava, juntamente com a coordenação do projeto, à busca exponencial por uma marca ou símbolo que correspondesse aos objetivos do projeto e que, ao mesmo tempo, representasse toda a bagagem histórica do Serviço Social, em que o social, o capitalismo e suas contradições, e os obstáculos, mas também a vida e a força de superação movida pelos sujeitos, são a tônica. O símbolo ou marca, como signo a ser eleito pela equipe do projeto deveria reunir essas qualidades, ao enunciá-las por processo de significação, tal como acontece com outros objetos materiais ou imateriais, verbais ou não-verbais, em processos lingüísticos. Portanto ela deveria funcionar como uma ferramenta de comunicação entre o projeto e todo aquele que nele se engajasse, especialmente, estudantes e profissionais de Serviço Social. Depois de muitas alternativas, e inventariar muitas imagens correntes no meio profissional, percebemos que seria necessário criar uma nova imagem – que seria alicerçada em significações socialmente pré-existentes – assim como se criou o projeto. Algo original, para representar o ineditismo de um projeto como é o “Dicionário Crítico de Serviço Social”, parecia ser o desafio mais promissor. Todas as possibilidades de imagens e objetos eram, em sua maioria, recorrentes e remetiam a cenários e representações gráficas já visitados pelo serviço social. Dentre essas imagens estava uma que particularmente conquistou as atenções da equipe, por sua singularidade: a imagem da flor conhecida como “dente-de-leão”. Quanto mais se conhecia detalhes sobre as características dessa flor, mais nossa equipe se encantava e reconhecia nela várias características da profissão e do projeto (Autor desconhecido, 2012) A flor Dente-de-leão possui o significado de liberdade, otimismo, esperança e luz espiritual. Em determinada fase, quando a flor é soprada ela se desfaz com facilidade. As sementes são levadas pelo vento, se espalham e, no período certo, florescem novamente.Devido a essa característica é também conhecida pelo nome "esperança". A frase "abre as janelas e deixa a esperança entrar na tua casa trazida pelo vento da tarde" é uma referência ao Dente-de-leão. Há outras correlações entre essa flor e o serviço social. Acerca do serviço social, lembramos uma passagem de texto de Faleiros): “Habituado a crises, o serviço social além de ter aprendido a superá-las aprendeu a recriar-se no interior das crises” (Faleiros, 1999,p.182). Sobre a flor dente de leão, por sua vez, diz Shiele (apud Ikeda, 2012): Pisoteado, sempre pisoteado, ainda assim floresce o alegre dente-de-leão. A chave da sua força está em sua longa e forte raiz, que se aprofunda na terra. O dente-de-leão tem uma raiz perpendicular de mais de um metro de comprimento. As propriedades dessa planta também se identificam com os processos de luta e superação vividos pela maioria da população a que se volta o serviço social. Trata- de pessoas dotadas do mesmo espírito do Dente-de-leão, metaforicamente falando faz-se referência às pessoas que lutam por melhores condições de vida, superando as adversidades, exclusões, espoliações e amarras diversas que os cercam, mas que não desistem, erguem-se ante as mesmas, resistentes, combativos e fortes. A figura 1 apresenta uma imagem da planta Dente de leão. Figura 1:Imagem da dente de leão. Fonte: Autor desconhecido 2. Imagem da dente de leão. Disponível em: http://flores.culturamix.com/fotos/dente-de-leao Acesso em: 21.05.2011 4. CONCLUSÕES O Serviço Social trabalha com realidades e não com imagens. Essa frase, após o presente artigo, não parece estar plenamente correta. Afinal, como vimos na apresentação, as imagens conotam e constroem realidades. Em sua correção poderíamos dizer: o serviço social trabalha com realidades e imagens. Representações sociais e construções simbólicas, que comunicam valores e sentidos, políticos e/ou antropossociais, de grupos, classes sociais, culturas, lugares de saber e de poder são veiculados por meio de imagens-signo. Quando fora submetida ao olhar profissional do publicitário, a serviço da identidade visual do projeto, a flor dente de leão já não era ela mesma, deixou de “simplesmente ser” para tornar-se significante, na forma de assinatura visual do projeto “Dicionário Crítico de Serviço Social”. A figura 2 apresenta a imagem final da logomarca do projeto. Figura 2 – Logomarca do Projeto Dicionário Crítico © O tratamento dado a ela pelo designer, cuidou de “comunicar”, por associação essencialmente simbólica, como suas raízes e a robustez de seu caule simbolizam a bagagem histórica do Serviço Social e como suas “plumas ao vento”, insistentemente fecundas, representam o nascimento do novo, de novas idéias, à semelhança do que o projeto se propõe. A semiótica serviu ao serviço social, assim como tem feito junto a inúmeras outras áreas de conhecimento, ao longo de sua história. 5. REFERÊNCIAS AUTOR DESCONHECIDO. Significado da flor dente-de- leão. http://www.significados.com.br/flor-dente-de-leao/. Acesso 18.06.2012a Disponível em: AUTOR DESCONHECIDO 2. Imagem da dente de leão. http://flores.culturamix.com/fotos/dente-de-leaoAcesso em 21.05.2011. Disponível em: BARTHES, R. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Edições 70, 1991a. ______________. Da sedução. São Paulo: Papirus, 1991b FALEIROS, V. Desafios do Serviço Social na era da globalização. Serviço Social e Sociedade nº 61. 1999, 152-186. IKEDA, D. Dente de leão. Disponível em: http://iliquido.blogg.de/eintrag.php?id=300. Acesso 15.08.2012. PEIRCE, C. S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 3.ed., 2000, trad. José T.Coelho Neto. SANTAELLA, L. O que é semiótica. Coleção Primeiros passos – versão digital.2012. Disponível em: 12.08.2012. http://pt.scribd.com/doc/58519595/O-que-e-Semiotica. Acesso em