questionando verdades e sentidos

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QUESTIONANDO VERDADES E SENTIDOS
Luciana Pereira Rezende
Nosso trabalho fala da argumentação e como utilizamos recursos argumentativos
dentro da linguagem, e esta argumentação traz tanto efeitos positivos como negativos.
Segundo o autor Wander Emediato de Souza, toda ação comunicativa é finalizada, dirigida
a um fim. Temos então, a questão da influência ou persuasão em todo ato comunicativo.
Coloca porém, que nem toda informação visa intencionalmente influenciar o receptor.
Segundo o autor,
Várias são as teorias da argumentação. Em termos discursivos, um princípio
comum parece fundamental: argumentar é um ato que visa a provocar em
um auditório, por meio de um enunciado ou de um conjunto de enunciados,
uma relativa adesão a um outro enunciado (tese, conclusão ou inferência)
deduzido a partir do primeiro.
Esse princípio fundamental estabelece uma ligação direta entre a argumentação e a
retórica. A retórica surgiu como pratica metódica de uso da eloqüência. Surgiu da
emergência num contexto judiciário. Foi ensinada como a arte da oratória e da persuasão.
Seu estudo correspondia ao estudo do discurso e das técnicas utilizadas para persuadir,
manipular ou convencer um auditório. Segundo o autor, nada parece distinguir
substancialmente a retórica da argumentação. Aristóteles desenvolveu um grande trabalho
de decodificação da retórica. Ele buscou explorar, ao máximo, os meios e procedimentos
mais capazes para persuadir e elaborar um discurso. Ela perdeu sua definição sofística de
arte da eloqüência para se tornar um conjunto de técnicas “racionais”, visando a persuadir
um auditório, um público, um destinatário. Aristóteles define retórica como “a faculdade
de considerar, para cada questão, o que pode ser próprio para persuadir”.
Os autores Perelman e Olbrechts-Tyteca (1970) retomam a retórica clássica e
definem retórica como: “estudo das técnicas discursivas, permitindo provocar ou
intensificar a adesão dos espíritos às teses que lhe são apresentadas”. Também em
Perelman podemos observar a ligação direta entre a retórica e o discurso argumentativo.
Devemos pensar a argumentação enquanto um fenômeno de linguagem que tem sentido nas
interações humanas. E a retórica é essencialmente social. Realiza a língua como discurso.
Ela procura a adesão das partes envolvidas. E pensando nessas interações vários autores
abordam a relação entre retórica e argumentação.
A linguagem publicitária tem como finalidade principal convencer, persuadir um
consumidor final a comprar um produto, um serviço ou uma idéia. Ela visa a adesão dos
espíritos. E para tal, utiliza-se de recursos argumentativos e visuais, sempre buscando a
adesão dos espíritos. E o estudo da argumentação, da retórica é fundamental para que
possamos identificar os possíveis sentidos e significados presentes no discurso. Como
esses sentidos e significados estão funcionando? O que eles resgatam da nossa memória?
No desenvolvimento do trabalho, primeiramente faremos a descrição do código
verbal e do código visual do filme publicitário selecionado. Em seguida, desenvolveremos
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a análise dos recursos argumentativos utilizados. No final, temos a conclusão com um
resumo do que foi marcante na análise.
1 DESCRIÇÃO DO COMERCIAL
Filme Publicitário
Cliente: Companhia de Celular OI
Tempo de duração: 30 segundos
1.1 Descrição dos participantes do comercial
O comercial mostra um homem que no início tem quarenta anos. No decorrer do comercial,
o texto e as imagens levam a crer que é o mesmo homem em vários momentos da vida.
Dos 40 aos 70 anos.
No final do comercial aparece um menino com cinco anos aparentemente.
1.2 Descrição do código verbal
Lettering – Marcos Maia, cliente OI.
Voz do homem:
- Meu nome é Marcos Maia, eu sou engenheiro. Quando fiz 40 anos, resolvi
aprender a mergulhar e pensei comigo: se bobear, eu fico velho e não aprendo a
mergulhar. Quando eu fiz 50 anos, eu decidi velejar. Pensei comigo: se bobear eu
fico velho e não aprendo a velejar. Agora eu fiz 70. Quero aprender Kart surf.
Pensei comigo: se bobear, eu fico velho. No final uma risada (do Marcos Maia).
Locutora:
- OI, feito para jovens.
Menino com cinco anos aparentemente:
OOOI.
1.3 Descrição do código visual
Plano médio de um homem com aparentemente 40 anos, sentado segurando um
chapéu. Ao fundo uma paisagem. Seqüência de imagens rápidas: vários closes do homem
em diversas situações. Imagem de um homem com capacete aparentando 50 anos em
frente a uma obra. A imagem mostra um close da cabeça e o ombro, ao fundo, a estrutura
de ferro da obra acima da sua cabeça. Close do rosto com o capacete. Até essa cena o
lettering mostra: Marcos Maia, cliente OI. Plano médio dele com roupa de mergulho no
mar e close no rosto sorrindo. Plano médio, ele com roupa de mergulho brincando com as
mãos e cai na água de costas para o mar. Plano médio, ele com roupa e equipamento de
mergulho do lado de fora de um prédio, olhando para cima. Close nuns óculos de mergulho.
Dois closes dele mergulhando a cabeça na água. Plano geral de um veleiro. Close na
manivela do veleiro ao lado do quadril dele. Ele está girando a manivela. Plano médio, ele
de camiseta e óculos escuros controlando o veleiro. Close na vela. Dois planos gerais do
veleiro no mar com paisagens e ilhas ao fundo. Plano médio mostrando o rosto dele
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olhando para frente e ao fundo a projeção do veleiro numa parede de uma sala escura. A
sombra dele está sobre a projeção. Ele está sorrindo de costas para a projeção. Plano geral,
ele praticando algo parecido com esqui aquático. A água projeta-se na câmera. Plano
médio, ele segurando uma vela de kart surf. Close no rosto com o mar ao fundo. Plano
geral, ele esquiando na água, joga o corpo para trás, encosta no mar e é conduzido pela vela
do kart surf. Plano geral, ele dá um giro com o corpo, que continua sendo levado pela vela.
Plano médio, ele deitado segurando a vela. Close na vela. Plano médio, ele praticando kart
surf, com o corpo quase encostado no mar e em seguida ele sendo levantado pela vela.
Plano geral, ele praticando kart surf. Na seqüência, ele pula uma onda com a prancha.
Close no rosto sorrindo, ao fundo uma paisagem.
Na cena final, um menino, de aparentemente cinco anos, levanta a um avião e olha
para ele. Uma imagem é projetada sobre o menino, algo que parece um veleiro. Ao lado a
logomarca da empresa e o slogan logo abaixo: OI, simples assim.
2 PENSANDO NO TEXTO
Começaremos nossa análise levantando o funcionamento dos tempos verbais.
Segundo o autor H. Weinrich (2002), as marcas do tempo são altamente redundantes nos
enunciados da língua. Para ele, as situações comunicativas se repartem claramente em dois
grupos, em cada um dos grupos predomina um dos grupos temporais. Estabelece uma
distinção entre mundo comentado e mundo narrado. Ao mundo narrado, pertencem todos
os tipos de relato; tratando-se de eventos relativamente distantes. Perdem muito de sua
força permitindo aos locutores uma atitude mais “relaxada”. Ao mundo comentado
pertencem todas as situações comunicativas que não consistam, apenas, em relatos.
Apresentam como característica a atitude tensa, nelas o falante está em tensão constante e o
discurso o afeta diretamente. Ele está comprometido a reagir. (...)“Comentar é falar
comprometidamente” (2002).
No texto temos a seguinte seqüência de verbos: é, sou, fiz, resolvi, aprender,
mergulhar, pensei, bobear, fico, aprendo, mergulhar, fiz, decidi, velejar, pensei, bobear,
fico, aprendo, velejar, fiz, quero, aprender, pensei, bobear, fico, feito.
Como verbos do mundo comentado temos: sou , fico, aprendo e quero (todos
no presente do Indicativo). Como verbos do mundo narrado temos: fiz, resolvi, pensei e
decidi (Todos no pretérito perfeito simples do Indicativo). Temos aqui o que o autor chama
de metáfora temporal. Os chamados tempos zero do mundo comentado (presente do
Indicativo) e do mundo narrado (no pretérito perfeito simples do Indicativo). Com os
verbos do mundo narrado, o texto traz o relaxamento peculiar a esse mundo. Com os
verbos do mundo comentado, ele traz o compromisso desse mundo, dilatando a validez do
discurso. Usa a metáfora temporal para levar o público a relaxar e divagar sobre o possível
relato e em seguida busca a adesão dos espíritos. Importante salientar que, na língua
portuguesa temos um elevado índice de incidência do pretérito perfeito simples no mundo
comentado. Quando o perfeito simples co-ocorre com tempos do comentário dentro de um
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mesmo período, se trata de um tempo do mundo comentado. Então o presente será o tempo
zero e o pretérito perfeito representa a perspectiva retrospectiva em relação ao tempo zero,
no mundo comentado. Os sentidos presentes continuam os mesmos. O mundo narrado
busca a adesão dos espíritos, levando o público ao compromisso, afetando-o diretamente e
buscando uma resposta. E a perspectiva retrospectiva do pretérito perfeito traz o
relaxamento da mensagem, sem comprometer a busca da resposta.
Os verbos no infinitivo são considerados semitemos, indiferentes à distinção
entre mundo comentado e mundo narrado. Porém, fixam a perspectiva e ligam-se ao tempo
que lhes determina a situação comunicativa.
No caso acompanham a situação
comunicativa do mundo comentado.
A pressuposição utilizada no texto é muito interessante. Ela é o que podemos
perceber através das marcas lingüísticas.
No texto o engenheiro diz: “Quando fiz 40 anos, resolvi aprender a mergulhar
e pensei comigo: se bobear, eu fico velho e não aprendo a mergulhar. Quando eu fiz 50
anos, eu decidi velejar. Pensei comigo: se bobear, eu fico velho e não aprendo a velejar.
Agora eu fiz 70. Quero aprender Kart surf. Pensei comigo: se bobear, eu fico velho”.
No Brasil, de acordo com o Estatuto do Idoso, toda pessoa acima de 60 anos é
idosa. Para um público adolescente, menos que 60 anos é velho. Quando o cliente da OI
afirma que fez 70 e se bobear ele fica velho, está pressuposto que ele é jovem. O texto
coloca que o produto é feito para jovens. E ele é um cliente da empresa cujo produto é feito
para jovens. Eles trabalham a significação do que é ser jovem. Trabalham dentro da
formação discursiva de que ser jovem é um estado de espírito. Trazem a máxima
pressuposta. E a máxima dentro da nossa cultura tem valor de verdade. A força dela é
muito grande dentro da nossa memória discursiva. Segundo Stalnaker (1973), as
pressuposições seriam algo como as crenças em que o falante se esteia, tendo como pano de
fundo um conjunto de crenças ou convicções partilhadas entre os interlocutores e
reconhecidas por eles como tais. Esse enfoque explica fatos particulares sobre as
pressuposições em termos de máximas gerais da comunicação racional. Segundo o autor
(2002),“Pressupor não é uma atitude mental como crer, mas antes uma disposição
lingüística – disposição de comportar-se no uso da linguagem como se se tivesse certas
crenças ou se fizesse certas suposições”.
Segundo Ducrot (2002), o fenômeno da pressuposição faz aparecer, no
interior da língua, todo um dispositivo de convenções e de leis, que deve ser compreendido
como “um quadro institucional a regular o debate dos indivíduos. Para ele, pressupor um
conteúdo é colocar a sua aceitação como condição ulterior do diálogo”.
A escolha lexical é um recurso muito utilizado no campo da publicidade.
Palavras como jovem e velho, utilizadas aqui como uma figura de linguagem. A antítese
funcionando dentro do universo de significação da mensagem. Trazendo a força da
máxima: “Juventude é um estado de espírito”. O alerta de o verbo bobear. A força dos
verbos decidir, resolver e aprender. Tão importantes no cotidiano de todos nós. Com os
seus efeitos e sentidos presentes no nosso cotidiano.
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3 E PARA FINALIZAR
A presença da argumentação presente na língua é incontestável. E no meio
publicitário ela se faz presente todo o tempo. A publicidade brasileira é muito rica de
significações e pressupostos.
Ela sempre busca resgatar a memória, o interdiscurso
presente no nosso cotidiano, mas esquecido na correria do dia a dia.
O filme analisado traz a força de uma máxima, questionando verdades e
sentidos. Traz a antítese provando as suas verdades, firmadas em nossas crenças. O
gostoso do parar, refletir e (re)descobrir. O alerta de o verbo bobear, colocando o
pressuposto: e você, vai bobear? O mundo narrado buscando a adesão dos espíritos,
levando o público ao compromisso, afetando-o diretamente e buscando uma resposta. E a
perspectiva retrospectiva do pretérito perfeito trazendo o relaxamento da mensagem, sem
comprometer a busca da resposta. Temos aqui alguns efeitos, que tal refletir: para você,
são positivos ou negativos?
Cabe a nós, agradecer a Aristóteles, a Perelman, Olbrechts-Tyteca, Ingedore e
outros autores e estudiosos que tanto contribuíram para o estudo da retórica e da
argumentação. Essa “faculdade de considerar, para cada questão, o que pode ser próprio
para persuadir”. Agradecer também aos brasileiros: publicitários, escritores, poetas,
jornalistas, roteiristas, entre outros, que utilizam desses recursos com tanta maestria.
REFERÊNCIAS
BASTOS, N.B. Língua Portuguesa: teoria e método. São Paulo: IP-PUC-SP/EDUC, 2000.
FIORIN, José L., SAVIOLI, Francisco P. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo:
Ática, 2003.
ORLANDI, Eni. Análise de Discurso – Princípios e Procedimentos. 3ª edição, Campinas,
SP: Pontes, 2001c.
KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e Linguagem. 7ª edição. São Paulo: Cortez,
2002.
MARI, H. et alii. Análise do discurso: fundamentos e práticas. Belo Horizonte: Núcleo de
Análise do Discurso – FALE/UFMG, 2001.
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Luciana Pereira Rezende é Graduada em Publicidade e Propaganda
pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Pós-Graduação
em Comunicação e Marketing pela Fundação Cásper Líbero e
Mestre em Linguagem e Sociedade pela UNIVÁS. Possui dezoito
anos de vivência profissional nas áreas de assessoria de
comunicação e pesquisa de mercado, atuando junto a órgão público
e empresas voltadas aos ramos de prestação de serviços e produção
gráfica. Ministra as disciplinas de Introdução ao Texto Publicitário,
Redação Publicitária I e II, Estética e Cultura de Massa no curso de
Publicidade e Propaganda da UNIVÁS e a disciplina de Introdução
ao Marketing nos cursos de Sistemas de Informação e Nutrição.
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