HISTÓRIA MEDIEVAL Aula III Objetivo: Os povos Bárbaros (parte 1) A) Os bárbaros germânicos. O termo bárbaro surge na antiguidade, através da obra de Heródoto, que creditava aos egípcios a utilização do termo para designar os estrangeiros. O mais provável, segundo os especialistas, é que Heródoto tenha atribuído aos egípcios o sentido que os gregos davam ao vocábulo. Apropriadores da cultura helênica, os romanos, mantiveram essa significação e consideravam bárbaros todos os estrangeiros. Fossem esses originados de culturas mais sofisticadas, como o os persas, ou habitantes de regiões menos desenvolvidas. O sentido negativo da expressão bárbaros, como contraste de civilização, surge com o renascimento, complementando a visão negativa que o início da modernidade tinha da sociedade que a antecedeu. Deste modo, a idade das trevas teria se iniciado com as invasões dos bárbaros, destruidores da civilização romana. A expressão “germânico” tem sua origem, provavelmente, na maneira como os celtas (grupo que inicialmente se opôs a expansão romana fora da Península Itálica) chamavam os povos que habitavam a parte oriental do seu território. Quanto à origem étnica, o mais provável é que tenham se originado de uma mescla de povos nórdicos e imigração indo-europeia ocorrida na idade do Bronze, recebendo influências posteriores dos povos que circundavam o seu território. Os bárbaros germânicos configuravam uma multiplicidade de povos e línguas que até hoje dificultam a vida dos especialistas que buscam uma taxonomia dos povos que habitavam a região. A maior parte do que se conhece sobre a organização dos bárbaros germânicos tem como referência a obra Germânia de Tácito, no inicio da fase imperial de Roma. Os germanos não formavam uma cultura urbana. A organização social desses povos se baseava na família, a sippe, organização clânica, que definia todas as possibilidades dos membros da sociedade. Era a partir do clã que as alianças, os casamentos, as vinganças e o ressarcimento das perdas se realizavam. Somente os inimigos derrotados, escravizados, ou semilivres, existiam fora das famílias. Devedores insolventes também poderiam ser conduzidos à escravidão. A guerra era o principal elemento dessas sociedades. Era através da guerra que se buscava a aquisição de recursos e escravos. A organização dos exércitos e da divisão do botim está diretamente ligada a organização política, que favoreceria a centralização em tempos de combates, na figura de grandes chefes militares, e seus comitatus (séquitos), e reis. Em tempos de paz as assembleias dos homens livres ganhavam importância na tomada de decisões. A importância da guerra fez com que houvesse nessa região um grande desenvolvimento da metalurgia. Os germanos eram mestres na fabricação de armas. Além da metalurgia a agricultura e a criação de animais eram atividades importantes, para a manutenção dessa sociedade. Muitas vezes as guerras eram feitas para a aquisição de novas terras e de mão de obra. O trabalho era realizado pelos escravos e semilivres, e pelas mulheres em tempos de conflito. Somente homens livres podiam possuir terras, que mesmo assim, eram trabalhadas coletivamente pelo clã. Não possuíam técnicas de recuperação do solo. Quando o terreno se esgotava, buscavam a ocupação de novos territórios, muitas vezes através das guerras. Essa característica das sociedades germânicas pode ser uma explicação para a aproximação destes povos com os limites do Império Romano. No artesanato, fora da metalurgia, somente a ourivesaria mereceu algum destaque, em função da importância dos bens de prestígio nessas sociedades. Na religião não existia uma estrutura independente. A condução das cerimônias religiosas ficava a cargo do chefe do clã, auxiliado pelas mulheres e, em alguns casos, por homens com função sacerdotal, pertencentes ao clã. Eram realizadas em locais abertos, e em ocasiões propícias, relativas às atividades guerreira e agrícola. Envolviam sacrifícios de animais e humanos, em honra aos deuses que representavam as forças da natureza, baseados na religião dos povos nórdicos. Acreditavam na vida após a morte, sendo somente os guerreiros habitariam entre os deuses. A arte germânica estava centrada nas canções e poemas sobre heróis e batalhas épicas. Um bom exemplo e a historia de Beowulf. A escrita rúnica possuía uma função religiosa e mágica. Um conhecimento mantido pelas mulheres e sacerdotes, que tinha como função favorecer os guerreiros no combate. B) O encontro com o mundo romano. O primeiro contato direto dos romanos com povos germanos ocorreu no período imediatamente anterior a formação do Império, paralelo aos últimos momentos da campanha de Cesar na Gália. Aproveitando-se do enfraquecimento dos celtas, em 58 a.C. Ariovisto, dos Suevos, tentou conquistar na região. Com o auxílio dos romanos os celtas conseguiram derrotar a invasão sueva. No século que se seguiu, principalmente, sob o reinado de Augusto (27 a.C. a 14) e Tibério (14 a 37), Roma tentou estabelecer um posição na Germânia, alternando contatos diplomáticos com ações militares de conquista. Os germanos não aceitaram passivamente as práticas romanas, que insistiam em tratar a região como parte do seu império, tentando inclusive cobrar impostos. Ao longo desse século, em vários momentos surgiram lideranças que tentaram unificar os povos da região para o enfrentamento com Roma, sem muito sucesso, além de pequenos levantes. A dificuldade de impor o seu domínio, e a pouca atratividade da região, levou os romanos a abandonar as pretensões de conquista, no século I, passando a adotar o Limes Germanicus, uma série de muralhas e pequenas fortificações que estabelecia o limite entre o território germânico e as áreas do Império Romano. O Limes serviu de base para o início da romanização dos povos germânicos, através de quatro processos: o estreitamento das relações entre Roma e alguns importantes chefes guerreiros, a utilização gradual de guerreiros germanos nas legiões imperiais, a valorização da região do Limes no comercio entre as duas regiões e os tratados de ajuda militar entre Roma e líderes germânicos. De todos esses o que mais contribui para a romanização foi a valorização do comércio na região do Limes. Nesta área surgiu uma região que funcionava como meiotermo entre as sociedades romana e germânica. Roma permitia a fixação de pequenos arrendatários de terras que estabeleciam pequenas posses, movimentando o comércio e fazendo surgir pequenos vilarejos. A produção supria a necessidade das guarnições, que assim não precisam mais dos caros produtos vindo de Roma, bem como possibilitava o recrutamento de soldados, diminuindo o custo do Império na manutenção da fronteira. Com o tempo a região se valorizou e passou a atrair a atenção de outros grupos germânicos, oriundo de regiões mais distantes. No século dois os conflitos retornaram, culminando com a guerra de Marco Aurélio (161 a 180) contra os marcomanos. A diferença em relação aos conflitos do século I, é que estas guerras já possuíam o caráter defensivo, pois os marcomanos haviam conseguido penetrar o Limes, chegando às margens do Danúbio. A intensificação dos conflitos se deu no século III, onde, paralelo à crise interna romana, ocorreram mudanças significativas no mundo germânico. A consolidação da presença romana no Limes, gerava descontentamento nas regiões externas a ele. Os romanos impunham a cobrança de impostos e a limitação de cultivo e transportes nas áreas próximas ao limes. Isso provocava desabastecimento nas regiões mais distantes, pois passou a haver uma grande concentração populacional no Limes. Em função disso ocorreu uma mudança na organização politica das tribos germânicas, passando a ocorrer a associação de grupos das áreas mais remotas, antes rivais, e que começam a atuar de forma organizada e centralizada contra os romanos. Dentre estes se destacavam os saxões, os alamanos, os francos, os hérulos, lombardos, os vândalos e os godos. Estes povos começam, então, um processo de migração em direção ao sul, em busca de recursos. Aproveitando-se da anarquia romana, estes povos fizeram incursões nas fronteiras ocidental (França, Hispania e Bretanha) e oriental (península Balcânica e Hungria). Algumas cidades desapareceram, outras se modificaram. Somente no final do século III, com Diocleciano ( 285 a 305) e Constantino (306 a 337), o Império conseguiu frear as invasões e recuperar parte do território perdido. A chave para isso foi o fortalecimento do exército, com o aumento da participação dos bárbaros, na cavalaria, e comando das tropas sendo entregue a oficiais de carreira. O século IV representa um período de estabilidade onde Roma estreitou as suas relações com os invasores derrotados, principalmente entre os godos. Dois processos foram muito importantes. Primeiro, a popularização do arianismo entre os bárbaros. O dogma ariano era mais simples do que o da Trindade, e, ao mesmo tempo, que aproximava culturalmente os germanos dos romanos, mantinha certa distancia em relação aos mesmos. Combatido em Roma, o arianismo se manteve por muito tempo entre os germanos. O segundo processo foi a grande abertura da oficialidade do exercito aos bárbaros, francos, no período de Constantino, e godos, no final do século, sob Teodósio (379 a 395), quando representavam a maioria da oficialidade. Ainda nesta questão, houve o estabelecimento do foedus. Este representava um contrato entre Roma e povos bárbaros que podiam se estabelecer dentro do território do Império, mantendo a sua integridade cultural e autonomia, desde que cedessem ao Império certo número de soldados. Estas áreas formariam uma faixa de isolamento entre o Império e os povos bárbaros hostis. Os godos estavam dentre os povos que firmaram este tipo de acordo. Essa política se mostraria desastrosa na crise do século seguinte.