centro de ensino superior do ceará faculdade cearense curso de

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE BACHAREL EM SERVIÇO SOCIAL
MAIARA LOPES DA SILVA
ENTRE A PAIXÃO E A PRECARIZAÇÃO: CONDIÇÕES DO TRABALHO
DOCENTE NO CONTEXTO DA MERCANTILIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR
FORTALEZA – CEARÁ
2012
2
MAIARA LOPES DA SILVA
ENTRE A PAIXÃO E A PRECARIZAÇÃO: CONDIÇÕES DO TRABALHO
DOCENTE NO CONTEXTO DA MERCANTILIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de Serviço Social do Centro de Ensino
Superior do Ceará Faculdade Cearense – FaC,
como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mônica Duarte Cavaignac
FORTALEZA – CEARÁ
2012
3
S586e Silva, Maiara Lopes da.
Entre a paixão e a precarização: condições do trabalho docente no
contexto da mercantilização do ensino superior / Maiara Lopes da
Silva. – 2012.
109 f.
Orientador: Profª. Dra. Mônica Duarte Cavaignac.
Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade
Cearense, Curso de Serviço Social, 2012.
1. Trabalho docente. 2. Educação superior - Brasil. 3. Professores Curso Serviço Social. I. Cavaignac, Mônica Duarte. II. Título.
CDU 378(81)
CDU
Bibliotecária Maria Albaniza de Oliveira CRB-3/867
CDU 379.8(813.1)
CDU 338.48-027.561
CDU 656(813.1)
CDU 658.155
CDU 347.922.6
4
MAIARA LOPES DA SILVA
ENTRE A PAIXÃO E A PRECARIZAÇÃO: CONDIÇÕES DO TRABALHO
DOCENTE NO CONTEXTO DA MERCANTILIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR
Monografia apresentada como pré-requisito para
obtenção do título de Bacharelado em Serviço
Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC,
tendo sido aprovada pela banca examinadora
composta pelos professores. Nota:_______
Data de aprovação:_______/______/_______
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________________
Professora Dr.ª Mônica Duarte Cavaignac
(orientadora)
________________________________________________________________________
Professora Dr.ª Cristiane Porfírio de Oliveira Rios
(1ª examinadora)
_________________________________________________________________________
Professora Ms.ª Sandra Costa Lima
(2ª examinadora)
___________________________________________________________________________
Professor Ms. Radamés de Mesquita Rogério
(3º examinador)
5
Dedicatória
Este trabalho é dedicado in memoriam aos meus
avós maternos – Chagas e Alderina; a minha mãe –
Cristina; ao meu pai(drasto) – Fernando; e a
sofrida classe trabalhadora deste País.
6
AGRADECIMENTOS
In memoriam, ao meu avô, Chagas Lopes, pelo afeto, pelos sábios ensinamentos e pela
admiração gratuita que a mim devotara.
A minha mãe, pelas inúmeras segundas chances, as quais entremeadas a um amor
incondicional.
Ao meu pai(drasto), pelo respeito, credibilidade e incalculável apoio financeiro.
A minha turma, a primeira turma de Serviço Social da Faculdade Cearense, turnos manhã e
noite, pelo acolhimento, risos e angústias compartilhados nestes quatro anos de
des/construção deste meu atual Ser às avessas.
Aos amigos, que permaneceram comigo nesta difícil empreitada, mas também às amizades
que se perderam no caminho, pois elas também tiveram sua importância.
A minha orientadora Mônica, por sua dedicação e fé em mim, por sua desmedida paciência e
encorajamento contínuo.
À coordenadora do curso Flaubênia, pela diária disponibilidade, pelas gentilezas, pelo bom
humor e pelos ensinamentos sobre a vida, a mim presenteados.
A minha banca examinadora – Cris Porfírio, Radamés Rogério e Sandra Lima – por suas
valiosas considerações a respeito deste trabalho.
A todos os meus professores, assistentes sociais, sociólogos, filósofos, psicólogos,
antropólogos, economistas, advogados, de português e de Libras, enfim, a todos os
intelectuais, pelas inestimáveis contribuições, elogios e críticas e pela honra de partilhar do
seu precioso tempo.
Aos docentes, sujeitos desta pesquisa, pela confiança em mim depositada, pela disposição em
tecer este trabalho, através de narrativas profundas e autênticas sobre suas condições de
trabalho e de vida.
A todos da Faculdade Cearense, pelo aconchego que cativam nos corações daqueles que por
lá um dia passam.
7
“De todas as coisas que eu tive,
das que mais me valeram, das que mais sinto falta,
são as coisas que não se pode tocar,
são as coisas que não estão ao alcance das mãos,
são as coisas que não fazem parte do mundo da
matéria.”
(Filme "O cheiro do ralo")
8
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo compreender as condições do trabalho docente numa
IES privada no contexto da mercantilização do ensino superior no Brasil, abordando as
transformações que ocorrem no mundo do trabalho – a partir do advento do neoliberalismo e
da ampliação do modelo de acumulação flexível – e suas implicações no trabalho docente,
bem como as implicações de tal contexto na formação profissional em Serviço Social. A
pesquisa é norteada pelo método dialético marxiano e fora iniciada traçando uma
contextualização histórica das transformações no cenário do capitalismo contemporâneo,
abordando as mudanças no mundo do trabalho que se refletem sobre o trabalho docente, de
modo a atribuir ênfase ao processo de precarização que os professores experimentam. O
estudo de caso realizara-se no interior da Faculdade Cearense (FaC), partindo-se de uma
análise bibliográfica até uma coleta de dados quanti-qualitativos por meio de questionários,
depoimentos e entrevistas semiestruturadas com atuais e ex-professores assistentes sociais e
com a gestão da IES. A partir de tais instrumentais foi possível traçar um perfil dos docentes,
assim como problematizar, sob o ponto de vista destes sujeitos, as reais condições do trabalho
docente, bem como as implicações do contexto mercantil na formação profissional em
Serviço Social.
Palavras-chave: Capitalismo. Trabalho docente. Mercantilização. Ensino superior. Formação
profissional. Serviço Social.
9
ABSTRACT
This study aims to understand the conditions of teaching in a private institution in the context
of the commodification of higher education in Brazil, addressing the changes that occur in the
workplace – from the advent of neoliberalism and the extension of the model of flexible
accumulation – and its implications in teaching as well as the implications of such context in
vocational training in Social Service. The research is guided by Marxian dialectical method
and started tracing out an historical overview of the changes in the landscape of contemporary
capitalism, addressing the changing world of work that reflect on the teaching work, so as to
give emphasis to the process of casualization that teachers experiencing. The case study had
taken place within the Faculty Cearense (FaC), starting with a literature review to a collection
of qualitative and quantitative data through questionnaires, interviews and semi-structured
interviews with current and former teachers and social workers management of Higher
Education Institution. From such instruments could draw a profile of teachers, as well as
discuss, from the point of view of the subject, the actual conditions of teachers' work, as well
as the implications of the context in mercantile training in Social Service.
Keywords: Capitalism. Teaching. Commodification. Higher education. Vocational training.
Social Service.
10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABESS – Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social
ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
ANDES-SN - Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BM – Banco Mundial
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEDEPSS – Caderno de Pesquisa do Serviço Social
CFESS – Conselho Nacional de Serviço Social
CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CRESS – Conselho Regional de Serviço Social
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
EaD – Ensino à Distancia
ENADE – Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
ENESSO – Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social
EUA – Estados Unidos da América
FaC – Faculdade Cearense
FAFOR – Faculdade de Fortaleza
FAMETRO – Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza
FATENE – Faculdade de Tecnologia do Nordeste
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FIES – Programa de Financiamento Estudantil
FMI – Fundo Monetário Internacional
FUNCAP – Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
IES – Instituição de Ensino Superior
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação
NDE – Núcleo Docente Estruturante
NPJ – Núcleo de Práticas Jurídicas
ONG – Organização Não Governamental
PDRE – Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
PNE – Política Nacional de Estágio
11
PIB – Produto Interno Bruto
PPP – Parceria Público Privada
PT – Partido dos Trabalhadores
PROUNI – Programa Universidade para Todos
REUNI – Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais
SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
TI – Tecnologia da Informação
UAB – Universidade Aberta do Brasil
UE – Unidade de Ensino
UECE – Universidade Estadual do Ceará
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................................p.13
Capítulo I
1. O CONTEXTO DA CRISE E RESTAURAÇÃO DO CAPITAL: MUDANÇAS NO
MUNDO DO TRABALHO E CONTRARREFORMA DO ESTADO..........................p. 16
1.1 O Brasil nos anos 1990: entre a transição democrática e o advento do
neoliberalismo.......................................................................................................................p. 19
1.1.1 A reorganização política do Estado brasileiro e a mercantilização do atendimento às
necessidades sociais..............................................................................................................p. 22
1.2 A acumulação flexível e a precarização do trabalho.......................................................p. 25
Capítulo II
2. O PROCESSO DE MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO
BRASIL: A “SATANIZAÇÃO” DO PÚBLICO E A “SANTIFICAÇÃO” DO
PRIVADO............................................................................................................................p. 32
2.1 A contrarreforma educacional no Brasil: entre o discurso da democratização do acesso e a
transformação do ensino superior em mercadoria................................................................p. 33
2.2 As implicações da mercantilização do ensino superior brasileiro na formação profissional
em Serviço Social..................................................................................................................p. 38
2.2.1 Desafios à implementação das diretrizes curriculares da ABEPSS.............................p. 42
2.2.2
Estágio
supervisionado
em
Serviço
Social:
tendências
e
dilemas
contemporâneos....................................................................................................................p. 45
Capítulo III
3.
CONDIÇÕES
DO
TRABALHO
CONTEMPORÂNEO: UM ESTUDO
DE
DOCENTE
CASO
NO
COM OS
CAPITALISMO
PROFESSORES
ASSISTENTES SOCIAIS DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL DA FACULDADE
CEARENSE (FaC)..............................................................................................................p. 54
3.1 O perfil dos professores assistentes sociais do curso de Serviço Social da Faculdade
Cearense (FaC)......................................................................................................................p. 56
3.2 Condições gerais de trabalho..........................................................................................p. 67
13
3.2.1 Contrato de professor horista e seus desdobramentos: ferramentas de extração da maisvalia.......................................................................................................................................p. 67
3.2.2 A sala de aula que remunera ou a pesquisa que aprimora? Eis a questão!..................p. 81
3.2.3 A saúde do trabalhador docente...................................................................................p. 84
3.2.4 As peculiaridades da relação aluno-professor na esfera privada.................................p. 87
3.3 O tempo livre dos docentes em debate............................................................................p. 88
3.4 A expansão do ensino superior privado e suas consequências para o trabalho docente e
para a formação profissional: concepção dos professores....................................................p. 90
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................p. 92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS
14
INTRODUÇÃO
Ao longo da história do capitalismo, sucederam-se inúmeras crises em seus
modelos de organização do trabalho, que culminaram na transfiguração das formas de
dominação da vida social. Na conjuntura da crise estrutural dos anos de 1970, instala-se no
mundo uma reestruturação produtiva que altera substancialmente a materialidade e a
subjetividade da classe trabalhadora, cujas condições de trabalho assentam-se numa
precarização internacionalmente generalizada, ou, em outras palavras, firmam-se sobre a
mundialização da superexploração do trabalho alheio.
Neste sentido, o trabalho do professor, indissociável da condição de trabalhador
assalariado, está sujeito às premissas da servidão inerente à sociedade burguesa, uma vez que
o seu dispêndio de energia vital é tratado no capitalismo como mercadoria qualquer a ser
vendida e, portanto, submetido a todo tipo de imposições e constrangimentos.
Desse modo, o presente trabalho tem por objetivo compreender as condições do
trabalho docente numa instituição de ensino superior (IES) privada – a Faculdade Cearense
(FaC) – no contexto da mercantilização do ensino superior no Brasil, bem como as
implicações de tal contexto na formação profissional em Serviço Social.
A relevância em abordar esta temática encontra-se, principalmente, no fato de
haver uma crescente proliferação de instituições particulares de ensino superior no Brasil,
desde meados da década de 2000, bem como no fato de nos últimos quatro anos estarem se
proliferando a oferta de cursos de Serviço Social na esfera privada na cidade de Fortaleza e
região metropolitana.
A aproximação da pesquisadora com tal tema ocorreu por meio da observação
como estudante do curso de Serviço Social da FaC. De maneira que, ser aluna da referida IES
foi favorável no que diz respeito ao acesso ao campo, bem como no acesso aos sujeitos da
pesquisa, proporcionando exequibilidade ao trabalho em tempo hábil (aproximadamente,
cinco meses de pesquisa de campo). A escolha por esta Unidade de Ensino deu-se em
necessidade de se fazer um recorte no amplo contexto do ensino superior privado no País,
sendo, portanto, a Faculdade Cearense palco desta investigação, que estabelece relação com
as tendências privatizantes da educação superior no Brasil, sob uma perspectiva de totalidade.
A respeito da Faculdade Cearense, esta fora fundada no ano de 2002, com sede
em Fortaleza, vindo a ofertar a graduação em Serviço Social no ano de 2009. A FaC, além de
ser a primeira Unidade de Ensino privada a ofertar tal graduação na cidade, após sessenta
anos de disponibilização exclusiva por parte da Universidade Estadual do Ceará (UECE), é
15
também a primeira IES privada do Estado do Ceará a obter o reconhecimento do curso antes
de ter formado a primeira turma. Ademais, a FaC é a maior em número de alunos, quando
comparada a outras Unidades de Ensino privadas em Fortaleza (e região metropolitana) que,
até a data da pesquisa, somam outras quatro: Faculdade de Tecnologia do Nordeste
(FATENE), Faculdade de Fortaleza (FAFOR), Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza
(FAMETRO) e a Faculdade Rátio.
No que diz respeito às ciências sociais, é um fato que a completa neutralidade não
passa de um mito. De maneira que, a pesquisadora possui o desejo de ingressar na docência e,
em vista disso, aguçou sua observação para as condições de trabalho desta categoria
profissional, sobremaneira, para os professores do curso de Serviço Social – graduação esta
que traz no seu bojo uma profunda contestação à ordem social vigente e que vem rapidamente
se multiplicando na esfera privada do País.
A presente pesquisa faz um estudo de caso com os professores assistentes sociais
do curso de Serviço Social da FaC, sendo também um estudo de cunho bibliográfico,
orientado pelo método histórico-dialético marxiano. Desse modo, as indagações deste
trabalho encontram respostas pautadas nas concepções teóricas de autores, como: Marilda
Iamamoto, Elaine Behring, Marieta Koike, Ricardo Antunes, José Paulo Netto, Giovanni
Alves, Larissa Dahmer, Roberto Leher, David Harvey, entre outros. Tais estudiosos
fundamentam
as
seguintes
categorias
de
análise:
trabalho,
acumulação
flexível,
neoliberalismo, trabalho docente, precarização do trabalho, ensino superior, mercantilização e
formação profissional em Serviço Social.
Em agosto deste ano foi realizado um levantamento do quadro de professores
assistentes sociais do curso de Serviço Social da Faculdade Cearense, indicando cerca de 20
(vinte) docentes, mas devido a sua alta rotatividade, não é possível precisar o real quantitativo
do quadro docente da IES. Neste sentido, entre os instrumentais utilizados neste trabalho
estão, a observação da pesquisadora, doze questionários aplicados, cinco entrevistas
semiestruturadas realizadas com três professores e com dois gestores e, por fim, dois
depoimentos de dois ex-professores da FaC obtidos privativamente através de redes sociais e
emails. Esta amostra justifica-se tanto devido ao pouco tempo disponível dos interlocutores
como devido ao fechamento amostral por saturação1.
1
De acordo com Fontanella et ali, (2008, p. 17), “Amostragem por saturação é uma ferramenta conceitual
frequentemente empregada nos relatórios de investigações qualitativas em diferentes áreas (...). É usada para
estabelecer ou fechar o tamanho final de uma amostra em estudo, interrompendo a captação de novos
componentes. O fechamento amostral por saturação teórica é operacionalmente definido como a suspensão de
inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a apresentar, na avaliação do pesquisador, uma
16
A partir deste estudo de caso, foram coletados dados qualitativos e quantitativos
que apontaram o perfil dos professores assistentes sociais, abordando variáveis como sua
idade, seu estado civil, sua titulação, suas atividades docentes (ensino, pesquisa, extensão),
suas condições de trabalho (relação salarial, remuneração, carga horária, saúde etc.), seu
tempo livre, entre outros aspectos.
As informações adquiridas foram articuladas ao referencial teórico, desdobrandose neste trabalho em três capítulos.
O primeiro capítulo – O contexto da crise e restauração do capital: mudanças no
mundo do trabalho e contrarreforma do Estado – trata das mudanças no mundo do trabalho
diante da ofensiva neoliberal e da ampliação do modelo de acumulação flexível no processo
de reestruturação produtiva global, além de abordar tais transformações no mundo do trabalho
expressas na atividade docente.
O segundo capítulo – O processo de mercantilização da educação superior no
Brasil: a “satanização” do público e a “santificação” do privado – busca compreender o
processo de mercantilização do ensino superior no Brasil que se situa no período de
contrarreforma do Estado e acarreta intensas mudanças nas condições de trabalho dos
professores, conforme atestam as vozes dos interlocutores desta pesquisa presentes já nesta
seção.
Por fim, o terceiro capítulo – Condições do trabalho docente no capitalismo
contemporâneo: um estudo de caso com os professores assistentes sociais do curso de
Serviço Social da Faculdade Cearense (FaC) – trata de um estudo de caso realizado junto aos
professores assistentes sociais do curso de Serviço Social da Faculdade Cearense (FaC), a fim
de traçar um perfil destes sujeitos e relacionar sua realidade de trabalho com as tendências
privatizantes do ensino superior brasileiro.
certa redundância ou repetição, não sendo considerado relevante persistir na coleta de dados. Noutras palavras,
as informações fornecidas pelos novos participantes da pesquisa pouco acrescentariam ao material já obtido, não
mais contribuindo significativamente para o aperfeiçoamento da reflexão teórica fundamentada nos dados que
estão sendo coletados.”.
17
Capítulo I
1. Contexto da crise e restauração do capital: mudanças no mundo do trabalho e
contrarreforma do Estado
Com a crise contemporânea do sistema capitalista, iniciada em meados dos anos
19702, uma série de mudanças socioeconômicas, políticas e culturais atingem o mundo do
trabalho, com forte impacto sobre a classe trabalhadora. Tais mudanças apontam para a
crescente substituição do modelo de produção taylorista/fordista pelo modelo de acumulação
flexível3.
O modelo taylorista/fordista caracteriza-se pela extrema subdivisão de tarefas que
torna o trabalhador altamente especializado, prescindindo, portanto, de uma mão-de-obra
qualificada. Trata-se de um modelo de produção em série, em larga escala, de caráter vertical
e de produtos padronizados, pautado numa gestão de formato rígido e hierárquico. O modelo
de acumulação flexível, por sua vez, é marcado pela flexibilidade produtiva, isto é, com
capacidade de fabricar produtos diferenciados, em curto espaço de tempo, com maior
qualidade dos produtos. Caracteriza-se ainda pela flexibilização das relações de trabalho, dos
mercados, do consumo, dentre outros elementos. (ANTUNES, 2007; PINTO, 2010).
A crise do taylorismo/fordismo está associada, entre outros aspectos, à
incapacidade de absorção da mão-de-obra existente, a qual encontrava-se mais politizada –
devido às suas conquistas sociais obtidas na década de 1960 –, e, portanto, mais cara à classe
patronal; ao súbito aumento do preço do petróleo e às constantes desvalorizações da moeda
americana, as quais foram fontes propulsoras dos crescentes investimentos internacionais em
capitais financeiros; ao aumento do capital especulativo em detrimento do capital produtivo;
dentre outros fatores. (ANTUNES, 2007; HARVEY, 2011).
Simultânea à crise do taylorismo/fordismo, entraram em colapso as políticas
keynesianas próprias do período denominado “anos gloriosos” do capital (1945–1975), no
qual vigorou o Estado de Bem-Estar Social nos países centrais. Nesta fase, o Estado
capitalista passa a exercer o papel de regulador da economia, intervindo junto à sociedade,
principalmente, por meio da provisão dos direitos sociais e serviços públicos. (BEHRING,
2008).
2
Faz-se mister assinalar que neste texto, é dado ênfase a crise estrutural do capital agravada desde os anos de
1970. Todavia, sob hipótese alguma, se desconsideram as crises precedentes registradas na história deste
sistema, como, por exemplo, a crise dos anos de 1930, entre outras.
3
O termo acumulação flexível é uma denominação de David Harvey (2011) para o novo modelo de acumulação
capitalista, em sua obra “Condição pós-moderna”.
18
Conforme assinala Potyara Pereira (1998), fatores como a depressão econômica
dos anos 1930 e a “ameaça comunista” aos países capitalistas, configuram a necessidade de
um consenso político entre a classe trabalhadora e a burguesia, o que propicia um fértil
terreno à instauração do sistema de bem-estar4. Tal sistema pauta-se na doutrina keynesiana –
cujos princípios pregam a intervenção estatal a fim de assegurar bons níveis de atividade
econômica, consumo e emprego – e no modelo beveridgiano de seguridade social, que
recomenda serviços sociais de natureza distributiva.
Também conhecido como Welfare State5, esse modelo de proteção social se
compromete em assegurar pleno emprego à população, assim como serviços sociais de cunho
universal, os quais circunscritos entre direitos e benefícios.
O declínio do Welfare State, a partir dos anos 1970, ocorre num contexto de
transformações macroeconômicas, que se revelam contrárias ao modelo de acumulação
fordista, bem como ao surgimento do ideário neoliberal. Tais transformações estão associadas
ao processo de reestruturação produtiva, que insere novas tecnologias, novas formas de gestão
da produção e ampla flexibilização, elementos que impossibilitam a continuação de tal
sistema de bem-estar – como demonstra o próprio desenvolvimento tecnológico, que
inviabiliza as condições do pleno emprego, uma vez que, substituindo grande parte da força
de trabalho humana, impulsiona o desemprego.
Com a crise do Welfare State, assiste-se ao advento do neoliberalismo que atribui
à intervenção estatal a responsabilidade pela crise que atinge o capital, destacando suas falhas,
num discurso de elevada manipulação ideológica6. Baseando-se no argumento da “culpa” do
Estado de bem-estar, a “nova direita” propugna a desregulamentação dos mercados, a retração
dos gastos públicos, a redução do Estado a dimensões mínimas na esfera social – limitando-se
4
Faz-se mister esclarecer que o Estado de Bem-Estar Social não fora um evento monolítico, unilateral, nem fruto
somente das estratégias da classe dominante, mas sim de um processo tenso e contraditório, oriundo das
reivindicações da classe trabalhadora na luta travada com a burguesia por melhores condições de vida. Vale
ressaltar que a classe dominante cedera às pressões dos trabalhadores, intentando, dentre outras coisas, o controle
das massas e um enfrentamento da crise pós–1929, conforme assinala Potyara Pereira (1998).
5
O Welfare State, vale dizer, é um projeto do capitalismo, alternativo ao modelo socialista, num período
histórico em que, após a “ameaça comunista”, o momento era do fim do socialismo real. A “crise da esquerda”,
entre outros fatores, contribui bastante para que tal Estado de bem-estar prolifere-se pelo mundo, especialmente
no continente europeu. Para aprofundar, ver Behring & Boschetti (2009).
6
Conforme assinala Elaine Behring (2008, p. 58), “o neoliberalismo descobre os ‘perigosos efeitos’ do Welfare
State. São eles: a desmotivação, a burocratização, a sobrecarga de demandas, o excesso de expectativas. O perigo
está especialmente no impulso aos movimentos sociais em torno de suas demandas.”. Isto é, os cânones
neoliberais percebem que a classe trabalhadora, encontrando-se mais fortalecida mediante suas conquistas
sociais, representa uma ameaça substancial à ordem vigente, o que solicita estratégias por parte da classe
dominante, inclusive de cunho ideológico e subjetivo.
19
à manutenção da ordem, segurança e administração de questões judiciárias – e a privatização
dos serviços públicos, no sentido de enfrentar a crise do capital.
As diretrizes neoliberais para os países capitalistas, sobretudo para os países
periféricos, são decididas num encontro denominado “Consenso de Washington”7, ocorrido na
capital dos Estados Unidos da América (EUA), no final do ano de 1989. Estiveram presentes
neste encontro, além de intelectuais e outros personagens, funcionários de alto escalão do
governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais, como o Fundo
Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), dispostos a estabelecer diretrizes de ajuste para a contrarreforma
socioeconômica e política, em âmbito mundial (BATISTA, 1994).
As recomendações das agências multilaterais do capital não representam novas
formulações oriundas do referido encontro, mas sim condicionalidades para a concessão
financeira externa, já propostas em momentos anteriores pelas agências internacionais e
concebidas como sinônimo de modernidade. Desse modo, o receituário neoliberal,
disseminado pelo Consenso de Washington, preconiza que a modernização dos países
periféricos, especialmente em se tratando dos países da América latina, dar-se-ia
primeiramente pelo desenvolvimento econômico, isto é, por meio da soberania absoluta do
mercado sobre todas as outras esferas, e depois, como prioridade última, pelo aprofundamento
da democracia.
Vale ressaltar que a condição para um país obter cooperação internacional é o
estabelecimento de um capitalismo liberal, sendo a consolidação da democracia insignificante
para os organismos internacionais (BATISTA, 1994), conforme demonstrado nas principais
recomendações do Consenso de Washington, isto é: liberalização comercial, focalização das
políticas sociais e privatização da coisa pública8. Um Estado mínimo para o enfrentamento da
questão social9, mas máximo para a reprodução do capital.
7
De acordo com Batista (1994, p. 05), o ‘Consenso de Washington’ é apenas uma “denominação informal” para
o evento ocorrido nos EUA, convocado pelo Institute for Internacional Economics, cujo título era: “Latin
American Adjustment: How Much Has Happened”, traduzido grosso modo como “Ajuste Latino Americano:
quanta coisa aconteceu”.
8
Segundo Batista (1994, p. 18), as principais áreas que são objeto de avaliação do Consenso de Washington
resumem-se em dez âmbitos: disciplina fiscal, priorização dos gastos públicos, reforma tributária, liberalização
financeira, regime cambial, liberalização comercial, investimento direto estrangeiro, privatização, desregulação e
propriedade intelectual.
9
A categoria “questão social” é definida por Iamamoto (2001) como o conjunto de expressões das desigualdades
da sociedade capitalista amadurecida, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o
trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação de seus frutos mantém-se privada,
monopolizada por uma parte da sociedade.
20
1.1 O Brasil nos anos 1990: entre a transição democrática e o advento do neoliberalismo
Retratar o capitalismo contemporâneo e o redirecionamento da intervenção do
Estado brasileiro nas últimas décadas, requer particularizar a formação sócio-histórica do
País. Desse modo, a adesão do Brasil ao modelo neoliberal ocorre durante o Governo Collor,
em meados dos anos 1990, todavia sua consolidação se dá no Governo de Fernando Henrique
Cardoso (FHC).
Neste sentido, a priori, considera-se necessário uma breve explanação de algumas
condições que antecederam os anos 1990 no Brasil, a exemplo do processo de transição
democrática do País, momento de grande efervescência dos movimentos sociais, que deram
origem, por exemplo, à Constituição Federal de 1988, a qual representa enorme expectativa à
população brasileira, principalmente no que diz respeito aos direitos sociais. Contudo, devido
à consolidação da onda neoliberal no Brasil, o processo de democratização no País sofre um
retrocesso, engendrando o que Behring (2008) aponta como contrarreforma do Estado
brasileiro.
O continente latino-americano adentra os anos 1980 imerso num grave processo
de endividamento e num período de profunda recessão, caracterizando esta década, do ponto
de vista econômico, como “a década perdida”. Os principais efeitos de tal período de crise
para a América Latina são: o empobrecimento generalizado do continente – especialmente no
Brasil, contraditoriamente seu país mais rico e mais endividado10 –, o desemprego, a
informalização da economia, a priorização das exportações em detrimento das necessidades
internas e a crise dos serviços sociais públicos. Segundo Behring (2008), tratam-se de
especificidades preexistentes à situação de crise, mas que tomam forma mais aguda no
contexto caótico dos anos 1980.
No Brasil, diversos fatores impulsionam a adoção do liberalismo como caminho
único para a modernização11: a herança da ditadura; o fracasso do “desenvolvimentismo”12; o
10
Segundo Elaine Behring (2008), a dívida no Brasil nos anos 1980 crescera, principalmente, mediante a
articulação entre a burguesia brasileira, o Estado e o capital internacional, fundantes do ‘milagre econômico’, o
qual sustentara-se tanto através da mão-de-obra barata migrante da área rural para o espaço urbano, absorvida
pelo setor da construção civil, como pela oferta de empréstimos a base de juros flutuantes.
11
Faz-se necessário esclarecer que o presente texto utiliza a expressão “modernização” como sinônimo de
consolidação da mundialização do capital mediante o projeto neoliberal. Todavia, isto não se dá em conotações
conservadoras de enaltecimento, mas sob uma perspectiva crítica de análise, ancorada num referencial teórico
marxista.
12
Ver História do Brasil, de Boris Fausto (2012).
21
circuito do endividamento; o crescimento da financeirização em detrimento do capital
produtivo da indústria; a dificuldade no processo de democratização; as pressões dos
organismos internacionais – como, por exemplo, o FMI – junto aos países devedores para se
adaptarem às novas configurações da economia internacional, entre outros acontecimentos.
Behring (2008) assinala que o “divisor de águas” na implementação do projeto
neoliberal no Brasil dá-se pela disputa presidencial direta em 1989, entre Luís Inácio Lula da
Silva e Fernando Collor de Mello, os quais apresentam propostas essencialmente díspares. A
disputa culmina com a vitória do segundo candidato13, no segundo turno do processo eleitoral.
De acordo com a autora supracitada, a crise, “no limite do suportável”, extravasa
do âmbito econômico para o político, uma vez que assiste-se à efervescência das mobilizações
sociais, sobremodo do movimento sindical do ABCD paulista. Contudo, o período também é
fortemente marcado por tendências conservadoras, o que demonstra a tensão entre as classes
na transição democrática da sociedade brasileira.
Nesse contexto, a partir da derrota presidencial do partido que afirmava
compromisso com os trabalhadores do País – o PT14 –, o Brasil passa a assumir o perfil
exigido pelos organismos internacionais na direção de reformas liberais, orientadas para o
mercado.
A partir dos anos 1990, o neoliberalismo instala-se como doutrina no Brasil,
implementada pelo Governo de Fernando Collor de Mello, que encontra no Consenso de
Washington os passos políticos necessários à implementação da agenda neoliberal no País.
Em uma das etapas deste receituário neoliberal estão as reformas estruturais, que incluem a
liberalização comercial e financeira, a desregulação dos mercados e a privatização da coisa
pública.
A breve história do governo Collor demonstra uma gestão guiada por atitudes
“heróicas”, arrogantes e, ao mesmo tempo, desastradas, avessa a negociações e pouco
articulada no que toca às relações de poder intimamente inscritas no espaço político
(BEHRING, 2008). Em sua ligeira, porém marcante, trajetória institui o Plano Brasil Novo –
ou o Plano Collor15, como torna-se mais conhecido –, tratando de confiscar 66% dos ativos
13
Segundo Behring (2008), além de a classe dominante se encontrar bastante fragmentada face aos diversos
acontecimentos econômicos e sociopolíticos do período da década de 1980, tal classe não possui outro candidato
que não Fernando Collor, que provinha das elites e se dizia insatisfeito, sob uma ótica burguesa, com a
Constituição Federal de 1988. Ademais, Collor concorre com um operário, o que não deixa à classe dominante
muitas opções.
14
Partido dos Trabalhadores (PT).
15
Sobre a trajetória do Governo Collor, ver História do Brasil, de Boris Fausto (2012).
22
financeiros disponíveis do País. Este plano é derrotado alguns meses depois, tendo em vista,
entre outros aspectos, a burguesia recusar perder qualquer fração de seu patrimônio.
Em contrapartida, a gestão adota o Plano Collor II, que representa uma de suas
intervenções governamentais mais consistentes, uma vez que atende às recomendações
internacionais
de
verdadeira
articulação
com
a
reestruturação
produtiva
e
o
redimensionamento do Estado, pautado em corte nos gastos públicos, privatizações, abertura
comercial, política monetarista, investimento tecnológico, desregulamentação das relações de
trabalho etc. Tais elementos compõem o receituário neoliberal, apontado por Behring (2008)
como sendo o início da contrarreforma do Estado brasileiro, mais tarde consolidada por FHC.
A inserção do Brasil na nova ordem mundial do capital ocorre em moldes
predatórios e regressivos no que se refere ao aprofundamento da democracia16. O País é
profundamente dilacerado com os desacertos do governo Collor, tais como: a fracassada
política antiinflacionária; a reforma administrativa, que desarticula o setor público; o
inconsequente plano de privatizações; o corte nos subsídios agrícolas, que ocasiona perdas
consideráveis ao setor agrícola do País entre os anos de 1990/91; sem falar na sua “política
industrial”, que praticamente sucateia o empresariado industrial brasileiro e agrava o quadro
de desemprego no País, dentre vários outros equívocos e escândalos. (BEHRING, 2008).
Com todos esses infortúnios, o governo Collor não demora em findar. Em 22 de
dezembro de 1992 ocorre o impeachment17 do presidente, o que não significa, entretanto, o
fim do projeto neoliberal no Brasil. À frente da presidência está Itamar Franco, assumindo a
presidência do País, em meio a um mal-estar generalizado e tenso. É o momento de tentar
uma articulação do poder conservador. Para tanto, é formulado um plano de estabilização com
uma nova moeda: o Real. Com essa nova moeda, surge a figura do então ministro da Fazenda,
Fernando Henrique Cardoso, líder de tal plano e candidato às próximas eleições.
O Plano Real, implementado a partir de 1994, segundo assinala Elaine Behring
(2008), representa a rearticulação das forças do capital no Brasil, uma vez que reúne uma
série de elementos discutidos pelas instâncias internacionais no Consenso de Washington.
16
No que diz respeito ao retrocesso democrático, vale anunciar que Collor veta a Lei Orgânica da Assistência
Social (LOAS), o que só reforça o caráter autocrático e despótico de seu governo contra o aprofundamento da
democracia no Brasil e contra a concepção de direito afirmada pela Constituição Federal de 1988.
17
O movimento que depôs Fernando Collor da presidência do Brasil possui extrema relevância, isso é inegável.
Contudo, fora uma mobilização distante das massas, conduzida por estudantes de classe média, os chamados
“caras pintadas”. Os movimentos sociais populares são tratados com profunda agressividade pelo presidente
Collor, o que contribui para uma ampla despolitização dos trabalhadores, que realmente não tiveram efetiva
participação no seu impeachment. (BEHRING, 2008).
23
Tais instâncias – FMI, BM, BID etc.–, viabilizam a moeda no interior do país, renegociando
dívidas e concedendo novos empréstimos. Somado a este “amparo”, as condições subjetivas –
de cansaço, humilhação e esperança – do povo brasileiro também contribuem
consideravelmente para a popularidade do Plano Real.
Aparentemente, a nova moeda é um sucesso, uma vez que consegue contornar a
inflação. Contudo, por traz do discurso da mídia, há uma crise não só econômica – déficit
fiscal, câmbio flutuante etc. –, mas principalmente um agravamento das condições de vida da
população, demonstrado pelo elevado desemprego, empobrecimento, violência, precarização
das condições de emprego e renda – expressos principalmente nos trabalhos temporários, no
aumento da informalidade, quando não, da criminalidade.
A adaptação brasileira ao capitalismo mundial mediante o Plano Real, acontece
sob determinações econômicas que emperram o crescimento interno do País, reduzindo a
autoridade monetária internacional e alterando o equilíbrio entre o setor industrial e o capital
financeiro, o que acarreta elevados custos, fazendo aparecer o discurso da “crise fiscal do
Estado”, colocando-se a necessidade de retração dos gastos públicos (ANTUNES, 2007).
A renúncia fiscal do Estado ocasiona a corrosão do orçamento público, com
restrição às políticas sociais, resultando em altos níveis de desemprego – especialmente no
setor industrial –, precarização das condições de trabalho, ataque à seguridade social, queda
da renda per capita, isto é, aumento da desigualdade social, acentuado em certas regiões do
País (norte, nordeste). Nesse contexto, milhares de pessoas ficam sem condições de suprir
suas necessidades básicas, como alimentação, moradia, saúde etc.
Como formas de enfrentamento à crise instaurada no Brasil – e no mundo –,
fazem-se necessárias as seguintes estratégias: o redimensionamento da intervenção do Estado
e a reorganização produtiva no País, discutidas com maior afinco no próximo tópico deste
trabalho.
1.1.1 A reorganização política do Estado brasileiro e a mercantilização do atendimento
às necessidades sociais
A crise contemporânea no Brasil vem sendo explicada como a “crise do Estado”,
o que demonstra uma compreensão, além de pobre e reducionista, unilateral e monocausal da
crise, que é estrutural ao sistema capitalista. Tal explicação visa justificar a implementação do
projeto neoliberal no País, mistificando sua essência visceralmente regressiva no que toca os
24
direitos da classe trabalhadora, configurando de fato uma contrarreforma do Estado brasileiro,
conforme Elaine Behring (2008).
O reordenamento mundial é uma resposta à crise do capital iniciada desde meados
dos anos 1970, sendo uma de suas estratégias o novo intervencionismo por parte do Estado,
no que corresponde às transformações ocorridas no mundo do trabalho, à abertura comercial e
financeira e à regulação da vida em sociedade.
O modo de produção capitalista caracteriza-se por ser um sistema contraditório,
que possui uma tendência natural ao decréscimo das taxas de lucro, conforme assinalado por
Marx (2011). Mas apesar de sua lógica (auto)destrutiva, muitas são as estratégias para que um
sistema em crise por natureza, suporte os “reparos”, de forma que os efeitos mais perversos
incorram sobre a classe explorada.
Neste sentido, como expressões de maior fôlego para o enfrentamento da crise
atual, têm-se o processo de reestruturação produtiva, com a implantação de novas técnicas de
gestão da produção e de gerenciamento da força de trabalho; a mundialização do capital,
compreendida por Behring (2008, p. 197) como “uma rearticulação do mercado mundial, com
redefinição da especialização dos países e forte presença do capital financeiro”; e a ofensiva
neoliberal, com fortes mecanismos econômicos e político-ideológicos de controle, os quais
objetivam a consolidação do projeto hegemônico a qualquer preço – e melhor ainda se ocorrer
sem resistência por parte da classe dominada.
Uma das principais concepções ideológicas apresentadas ao povo é de que a
inserção do Brasil na nova ordem internacional é, não somente o melhor caminho, mas o
único, por isso requer uma adaptação de todos. Trata-se, na verdade, de uma opção política e
“não um caminho natural diante dos imperativos econômicos. Uma escolha, bem ao estilo de
conduções das classes dominantes brasileiras ao longo da história.” (BEHRING, 2008, p.
198).
A refuncionalização do Estado brasileiro, como estratégia de superação da crise,
baliza-se pelo ajuste fiscal, mistificado pelo discurso da preocupação com “o social”. Tal
discurso, contudo, demonstra ser contraditório e vazio de sentido, quando, de um lado propõese a corrigir e reduzir custos e, por outro lado, deixa o País vulnerável, a mercê do mercado
especulativo internacional, aumentando sobremaneira a dívida interna e externa do Brasil.
Em outras palavras, o redimensionamento do Estado apresenta um discurso de
sacrifícios em nome da dívida pública, mas possui uma postura de compromisso com os
credores internacionais, em vez de primazia no atendimento às necessidades do povo
25
brasileiro. É o que Behring (2008) aponta como, se não uma esquizofrenia18, um cinismo
classista, um conservadorismo disfarçado e uma performance engenhosa nas declarações
dadas ao povo por meio da imprensa, bem como na elaboração de documentos que respaldam
a contrarreforma.
Ademais, o discurso do ajuste fiscal aponta para uma intensa contenção de gastos
em todas as áreas, mas é a esfera social que sofre um dos maiores impactos,
contraditoriamente ao que a contrarreforma diz preconizar como sendo a área que mais
“deveria ser priorizada a partir do ajuste e do enxugamento do Estado” (idem, p. 203). Com
efeito, ocorre uma verdadeira submissão das políticas sociais à lógica orçamentária, balizada
pelas leis de mercado.
Neste contexto de desresponsabilização do Estado para com a sociedade, o novo
arranjo social do Brasil estabelece uma estreita relação com o voluntariado19,
desprofissionalizando as intervenções de saberes técnicos especializados, tão necessários ao
enfrentamento da questão social. Assim, Elaine Behring (2008, p. 206) assinala:
parece que esteve em andamento uma forma engenhosa e inteligente de
privatização e desresponsabilização do Estado em setores determinados, em
nome dos quais (...) se fez a ‘reforma’: saúde, assistência social, pesquisa
científica, cultura, ensino superior, meio ambiente, dentre os principais.
Assim, demonstra-se que o ajuste em curso é falacioso quando propõe um Estado
mais eficiente na implementação das políticas públicas, principalmente se considerado o
descaso para com a seguridade social brasileira. Os desdobramentos desta atual conduta do
Estado para com a sociedade são, principalmente, o desemprego estrutural e o pauperismo20.
Outro traço marcante da contrarreforma no Brasil é o amplo processo de
privatização porque o País vem passando – sobretudo após o Governo FHC. A mídia alardeia
que o mercado como regulador social é extremamente benéfico à sociedade (de forma a
18
Em Behring (2008) há a definição de esquizofrenia: “afecção mental caracterizada pelo relaxamento das
formas usuais das formas de associação das ideias, baixa de afetividade, autismo e perda de contato vital com a
realidade.“ Porém, a autora faz a ressalva de que a esquizofrenia do governo brasileiro é aparente e intencional,
objetivando velar os reais objetivos da contrarreforma em curso. (Holanda apud BEHRING, 2008, p. 199).
19
Conforme afirma Elaine Behring (2008), o voluntariado é um aspecto que não está claramente exposto no
ajuste neoliberal no Brasil, mas que acaba por ser um desdobramento da retração das políticas sociais, cuja
execução, dá-se em grande parte, no chamado Terceiro Setor, por meio das Organizações Não Governamentais
(ONGs) e instituições filantrópicas.
20
De acordo com Iamamoto (2001), o pauperismo é um fenômeno próprio à sociabilidade burguesa e se constitui
pela desigual distribuição da riqueza socialmente produzida, isto é, um processo de construção da pobreza, a qual
não se manifesta apenas sob a exclusão do mercado de trabalho, mas também no fato de aprofundar a exploração
de uma classe sobre a outra.
26
satanizar o Estado e suas instituições), com o discurso de que a privatização atrai capitais
estrangeiros que contribuem para reduzir a dívida interna e externa do País, proporcionando
melhor qualidade na prestação dos serviços.
Um forte exemplo dessa ideologia do “público como sendo ruim” é a crise pela
qual passa a universidade pública brasileira, no que toca às condições de trabalho dos
educadores, às condições de ensino e pesquisa, os recursos e os investimentos. Tal crise
contribui para a proliferação desenfreada do número de faculdades privadas no País, imersas
no discurso da “democratização do ensino superior”.
Na realidade, a “facilidade” de acesso à inserção da população brasileira no ensino
superior é proveniente das determinações do FMI e do Banco Mundial para o Brasil, o qual
tem metas a cumprir e uma delas é “qualificar” sua mão-de-obra (barata), diplomando-a.
Nesse contexto, prioriza-se a quantidade em detrimento da qualidade da formação
profissional.
As condições do trabalho docente constituem outra importante dimensão em jogo
no que se refere à mercantilização do ensino superior, uma vez que os professores também
são expostos à lógica produtivista de mercado, atuando em condições e relações precárias de
trabalho.
Assim sendo, há que se reafirmar, em consonância com o início deste texto, que a
contrarreforma do Estado brasileiro, de cunho extremamente antidemocrático, é uma resposta
burguesa à crise do capital, acentuada nos últimos decênios. No Brasil, o enfrentamento desta
crise ocorre principalmente por meio da reorganização política do Estado e da reestruturação
do processo produtivo, ilustrados a seguir.
1.2. A acumulação flexível e a precarização do trabalho
As transformações socioeconômicas e políticas ocorridas na transição do século
XX ao século XXI desdobram um capitalismo que apresenta o predomínio de características
flexíveis de acumulação, em confronto direto com o padrão de acumulação fordista21.
Desse modo, desde meados dos anos 1970, a rentabilidade do capital tem se dado
sob uma acumulação flexível, a qual faz necessária uma reorganização do processo produtivo,
como também um novo projeto de dominação social de cunho ideológico em nível global, que
assegure cada vez mais lucros à classe dominante.
21
Harvey (2011).
27
Neste contexto, a mundialização do capital e sua ideologia configuram nas
relações sociais um culto ao subjetivismo e um exacerbamento do individualismo, transpondo
uma ideia de “pós-modernidade”, uma vez que a realidade se apresenta fragmentada,
superficial, eclética, frívola, a-memorial, de valores efêmeros e de relações desafetuosas e
frágeis, conforme destaca David Harvey (2011).
O conceito de pós-modernidade é tratado por este autor como sendo um discurso
ideológico que visa estabelecer um consenso social de que há uma nova ordem e que todos
devemos a ela nos adaptar. A ideia de pós-modernidade é para Harvey um produto do
capitalismo contemporâneo, parte do novo projeto de dominação que visa extrair cada vez
mais sobretrabalho do proletariado.
Neste sentido, tal projeto molda-se nos contornos do atual padrão de acumulação
do capital, o qual se caracteriza por uma ampla flexibilização: dos processos de trabalho, dos
mercados, dos produtos, da circulação e dos padrões de consumo. Isto acarreta intensas
mudanças na esfera política de todos os países, considerando-se, é claro, as particularidades
sócio-históricas de cada nação. O regime de acumulação flexível também se configura pela
renovação dos setores produtivos, pelo fortalecimento dos serviços financeiros e pela
inovação comercial, tecnológica e organizacional.
Na reorganização do mundo do trabalho, a classe patronal responsabiliza os
trabalhadores pelos efeitos da crise. O resultado é a imposição de relações de contrato
flexíveis, traduzidas em condições de trabalho precárias, expressas em extenuantes jornadas
de trabalho – prolongadas e intensas –, baixos salários, desproteção social etc.
Vale salientar que a reestruturação produtiva é estimulada, dentre outros fatores,
pela flexibilização das barreiras comerciais, uma vez que os mercados ficam mais voláteis,
competitivos e há uma depreciação nas taxas de lucro – algo já imanente ao sistema
capitalista, mas acentuado pela liberalização comercial.
De fato, a flexibilização intenciona minimizar os custos que os trabalhadores
representam à classe patronal, maximizando diametralmente seus lucros. Assim, o novo
cenário que se deflagra à classe trabalhadora lhe é bastante desfavorável, com postos de
trabalho cada vez mais escassos e precarizados – mesmo quando formais –, sob contratos de
trabalho temporários, terceirizados, parciais, subcontratados, enfim, trata-se de “uma força de
trabalho que entra facilmente e é demitida sem custos quando as coisas ficam ruins.”
(HARVEY, 2011, p. 144).
Um exemplo de precarização do trabalho, não obstante o vínculo formal, é o
contrato de trabalho do professor “horista”, o qual é remunerado apenas pelas horas
28
trabalhadas em sala de aula, desprezando-se o trabalho de planejamento, de avaliação,
pesquisa etc. É válido afirmar ser uma superextração de mais-valia, uma vez que envolve
bastante trabalho excedente não pago aos docentes. Por ser o professor um trabalhador
assalariado, contratado por um empresário, seu trabalho é definido por Marx como sendo,
apesar de imaterial, valorizador do capital, logo, produtivo. “Um mestre-escola que é
contratado com outros para valorizar, mediante seu trabalho, o dinheiro do empresário (...) da
instituição que trafica com o conhecimento (...) é trabalhador produtivo.” (MARX, 2004, p.
133).
Desse modo, Marx concebe que é produtivo o trabalho que gera mais-valia, ou
seja, que valoriza o capital, que se trata de trabalho socialmente determinado e que implica
estreita relação entre quem vende e entre quem compra a força de trabalho. Assim o autor
assinala que:
O que constitui o valor de uso específico [do trabalho produtivo] para o
capital não é seu caráter útil determinado, como tampouco as qualidades
úteis peculiares ao produto no qual se objetiva, mas seu caráter de elemento
criador de valor de troca (mais valia). O processo capitalista de produção não
é simplesmente produção de mercadorias. É processo que absorve trabalho
não pago, que transforma os meios de produção em meios de extorsão de
trabalho não pago. (idem, p. 132).
No modelo de acumulação flexível, emerge um novo relacionamento entre capital
e trabalho, demandando aos trabalhadores maior qualificação, cooperação-participativa e
polivalência, diferentemente do operariado fordista, o qual era mais embrutecido,
especializado e profissionalmente desqualificado. De acordo com Alves (2000), é solicitado
um novo perfil operário, disposto a pensar como a empresa, cooperativo à (e valorizador da)
lógica do capital.
O capitalismo contemporâneo encontra modos de se apropriar dos saberes dos
trabalhadores – através de recursos ideológicos, do incremento tecnológico, dentre outros –,
obscurecendo o histórico conflito entre proletariado e burguesia, polarizando a classe
operária, enfraquecendo sua organização sindical e seu poder de barganha.
Em meio à flexibilização que impregna a contemporaneidade, o modelo de
produção toyotista predomina como organização do trabalho. O toyotismo – ou modelo
japonês – traz consigo características como: intensificação do trabalho através do avanço
tecnológico (automação, informatização etc.); sistema “just in time” (melhor aproveitamento
do tempo de produção); produção personalizada, ao contrário da produção padronizada de
29
Ford; trabalho de equipe, diferente da especialização taylorista/fordista; multifuncionalidade
do trabalhador, que opera simultaneamente várias máquinas; sistema kanban (placas ou
senhas de comando para reposição de peças ou estoque); estrutura horizontalizada, que difere
da verticalização fordista; produção descentralizada (caracterizada pela “teoria em foco”, que
transfere a “terceiros” parte de sua produção) etc.22
Sobre essas novas técnicas de gestão da produção e gerenciamento da força de
trabalho, Ricardo Antunes (2007, p. 55) aponta:
Desse modo, flexibilização, terceirização, subcontratação, CCQ, controle de
qualidade total, kanban, just in time, kaizen, team work, eliminação do
desperdício, ‘gerência participativa’, sindicalismo de empresa, entre tantos
outros pontos, são levados para um espaço ampliado do processo produtivo.
O toyotismo é um importante fator na era da acumulação flexível e não predomina
por acaso, uma vez que este modelo de produção consegue elevar a produtividade, isto é, a
extração da mais-valia, mesmo quando o contingente de trabalhadores diminui a cada dia.
Através de técnicas que intensificam o trabalho, os sobreviventes da classe trabalhadora
dedicam ao máximo sua energia à produtividade.
Contudo, a emergência do toyotismo não exaure o taylorismo/fordismo. A
predominância do modelo flexível não exclui formas arcaicas de superexploração do trabalho,
mas reconfigura algumas técnicas fordistas, resultando em mecanismos extremamente
potentes de apropriação do mais-trabalho, de maneira nunca antes vista.
Vale salientar que o neoliberalismo propicia condições à adequação do toyotismo
num país, pois, na medida em que se estabelece a flexibilização das fronteiras comerciais das
nações, tal modelo de produção se prolifera nos países capitalistas, sobretudo no setor
automobilístico.
Os efeitos das transformações do mundo do trabalho em contornos neoliberais
conduzem a uma heterogeneidade e a uma segmentação do proletariado em condições
assimétricas. (ALVES, 2000; ANTUNES, 2007; PINTO, 2010).
De um lado, tem-se um grupo de trabalhadores atuando em boas condições
laborais, recebendo salários razoáveis, ao alcance da proteção social e pertencente a sindicatos
fortes e atuantes.
Em outro polo, está um grupo de trabalhadores, muito mais numeroso, constituído
por subcontratados, precarizados, algumas vezes informais, isto é, fora do alcance dos direitos
22
Harvey (2011); Antunes (2007) etc.
30
sociais, superexplorados e quando filiados a sindicatos, estes de atuação inexpressiva. Tal
grupo está configurando, nos termos de Giovanni Alves (2000), o “novo (e precário) mundo
do trabalho”.
As implicações nos direitos da classe trabalhadora resultam em uma crescente e
preocupante despolitização, afetando sobremaneira a identidade e a “solidariedade de
classe”23 dos trabalhadores, sem mencionar a crônica fragilização sindical, que desmantela em
primeira mão o poder de greve do proletariado – artimanha de maior expressividade no que
toca à negociação quando acirrado o conflito de classes.
Com efeito, a reestruturação produtiva só pode ser viabilizada mediante o total
aparato estatal, balizado por acordos internacionais, inclusive no que se refere ao
reordenamento da legislação trabalhista em moldes flexíveis, que acaba por precarizar as
relações e condições de trabalho, ao legitimar o trabalho temporário, terceirizado etc. Assim,
de acordo com Antunes (2007), o fetiche sobre o mercado de trabalho em relação à
desregulamentação dos direitos faz parecer, que, quanto mais livres são às relações de
trabalho de proteção social, mais benéficos são ao trabalhador, pois facilitam sua inserção no
mercado de trabalho.
Dada a inserção do Brasil na dinâmica do capitalismo internacional – o qual
continua sua incessante busca por superlucros, sobretudo em tempos de crise –, faz-se
necessário não só uma reorganização política do País, mas (de forma articulada) uma
reestruturação do processo produtivo circunscrito à formação sócio-histórica brasileira.
Deste modo, o Estado brasileiro intervém de um novo modo na regulação das
relações de trabalho, flexibilizando-as, reduzindo os custos dos encargos sociais, como forma
de enfrentamento da crise. Isto demonstra, como costuma ser de praxe, que a classe
trabalhadora é sempre a parte mais lesada da história.
Tal medida governamental é denominada, conforme Behring (2008), de “Custo
Brasil”, passando a ideia de que os custos com o trabalho representam obstáculos à
modernização e à competitividade do País, por isso é necessário fazer sacrifícios. Neste
sentido, mais vale questionar: um Brasil modernizado para quem? Já que para o trabalhador
brasileiro não há ganhos reais, restando-lhe – além da culpa pelos prejuízos do País –, apenas
achar que sua situação “poderia ser pior”. E ao invés do trabalhador lutar por melhores
23
Compreende-se nos dizeres de Giovanni Alves (2000, p. 248) que, o termo “solidariedade de classe” faz parte,
mas não se restringe ao conceito de “identidade de classe” (definido por Marx), conceito este que está
circunscrito ao fato de o trabalhador se reconhecer em outro e assim entender que ambos ocupam o mesmo lugar
na divisão de classes da sociedade capitalista. Mas, para além disto, “solidariedade de classe”, envolve um
sentimento de companheirismo do trabalhador, o qual é capaz de se solidarizar e se mobilizar junto a outros de
sua classe, mesmo que suas condições de trabalho não sejam semelhantes.
31
condições de trabalho, luta pelo direito ao trabalho, o que representa um retrocesso político no
movimento organizado da classe trabalhadora.
Neste esforço, é válido assinalar que a flexibilização decorrente da reestruturação
produtiva no Brasil é uma expressão da reação burguesa, de ethos eminentemente político,
intrínseca à busca pela acumulação de riquezas. “Daí a necessidade de destruir, desmantelar,
individualizar, limitando ao mínimo a socialização do trabalho e a construção de sujeitos
coletivos.” (BEHRING, 2008, p. 225).
Atreladas à flexibilização das relações de trabalho, são estrategicamente
retomadas pelo governo taxas “naturais” de desemprego e o discurso da qualificação
profissional. Ambos tratam de individualizar a situação de desemprego, que em vez de ser
concebida como uma condição estrutural do capitalismo – sistema no qual não há emprego
para todos –, o desemprego assume uma questão subjetiva, cuja “culpa” (para variar!) é do
trabalhador. Culpado por não possuir “boa vontade” e determinação, culpado de não se
qualificar, de não se aprimorar frente ao avanço tecnológico, enfim, culpado de ser um
trabalhador.
Mas, na verdade, os grandes contribuintes para o aumento dos níveis de
desemprego no Brasil são, principalmente, a apropriação da tecnologia pelo capital e a
abertura comercial, as quais também põem em risco, não só a nacionalidade das indústrias
brasileiras, como aprofundam a heteronomia de um país que ficou independente, mas não
autônomo.
Assim, no contexto de medidas drásticas contra a classe trabalhadora, o Estado
brasileiro passa a investir em programas de qualificação profissional, sobretudo no segundo
mandato do governo FHC, como forma de aparentemente estar compensando as medidas de
flexibilização (BEHRING, 2008).
Para tanto, tem-se a difusão de uma cultura antirradical, passiva, de livre
negociação e colaboração entre as classes. Tal estratégia implica diretamente na identidade de
classe do trabalhador, que estabelece certa parceria com o capital sob o fetiche de dividir os
ganhos, dando origem, por exemplo, a um “corporativismo”. Todavia, os ganhos não são
distribuídos entre os supostos parceiros, simplesmente porque isto não faz parte da lógica do
capital. Mesmo no que se refere à participação nos lucros – quando há –, esta é tanto desigual,
como restrita a alguns trabalhadores.
Desse modo, conforme assinala Behring (2008), o processo de reestruturação
produtiva no Brasil acontece a partir de movimentos internos nas empresas, mas legitimados
por um novo papel desempenhado pelo Estado, cujo intervencionismo é pautado na
32
flexibilização das relações trabalhistas. Neste contexto, o Estado atribui uma suposta relação
de igualdade entre as classes no que toca às negociações, desvalorizando assim a classe
trabalhadora, assegurando um verdadeiro retrocesso histórico de suas conquistas, sobretudo
porque, conforme afirma a autora, “Este é um momento em que o capital não precisa
negociar” (p. 225). Em tempos de crise, como o que vivemos, é a sobrevivência do
trabalhador que fica ameaçada, e não a do capitalista. Para este, o que está em jogo é o seu
poder.
Com efeito, a verdadeira parceria que se estabelece é entre o empresariado e o
Estado, o qual garante tanto a subordinação dos trabalhadores, como atribui-lhes a
responsabilidade pelos efeitos da crise.
Ao flexibilizar a legislação que regulamenta o trabalho, o governo brasileiro
difunde um discurso que tem como elemento central “descomplicar” as relações de trabalho.
Uma vez que a atual conjuntura é de desemprego em massa, a flexibilização aparece para
“facilitar” a negociação entre as partes. Mas, na realidade, a flexibilização dos direitos
precariza as condições de trabalho e, de fato, só tem alimentado a informalização e a
superexploração dos trabalhadores brasileiros.
Deste modo, Behring (2008, p. 226) aponta que o processo de reestruturação
produtiva no Brasil é fortemente marcado pelos seguintes aspectos:
(...) a redução dos postos de trabalho, o desemprego dos trabalhadores do
núcleo organizado da economia e a sua transformação em trabalhadores por
conta própria, trabalhadores sem carteira assinada, desempregados abertos,
desempregados ocultos por trabalho precário (...).
Em última análise, a reestruturação produtiva no Brasil dá-se, entre outros
aspectos, pela abertura do País aos ditames do capital estrangeiro, o qual percebe na mão-deobra barata do País uma promissora possibilidade de extração de mais-valor; também pelo
incremento tecnológico, que desemprega e eleva a produtividade em larga escala; pelo
descaso com que a classe trabalhadora é tratada, sendo cada vez mais explorada, vivendo em
condições cada vez mais precarizadas; e, pelas privatizações, assunto que será tratado com
maior profundidade no capítulo a seguir.
33
Capítulo II
2. O processo de mercantilização da educação superior no Brasil: a “satanização” do
público e a “santificação” do privado
Conforme visto no capítulo anterior, o Brasil passa por um momento de inserção
passiva na lógica do capitalismo mundializado, flexibilizando as relações de trabalho,
investindo na permanência do capital estrangeiro24 através da subordinação nacional,
aprofundando o processo de privatização no País. Ao mesmo tempo, o Estado se desobriga de
suas responsabilidades no âmbito dos direitos sociais.
Tais medidas são “justificadas em nome de uma inserção global competitiva, da
diminuição da dívida pública e da mobilização de recursos para a intervenção na área social.”
(BEHRING, 2008, p. 228). Mas, na verdade, tais ações são fundamentais ao processo
predatório de contrarreforma experimentado pelo Brasil, com o real intuito de enfrentar a
crise estrutural do capital, agravada na conjuntura dos anos de 1970 até os dias atuais.
Faz-se mister assinalar que, nesse momento, esta análise faz menção ao período
que compreende o governo FHC e os governos subsequentes, tendo em vista que a lógica da
mercantilização universal se consolida na história do País por volta dos anos de 1990. Logo, é
no decorrer deste decênio que, conforme Iamamoto (2009, p. 34), “a lógica capitalista se
expressa essencialmente pela afirmação do mercado como forma suprema de regulação das
relações sociais.”.
Assim, no contexto de desmonte dos direitos da classe trabalhadora – no Brasil e
no mundo –, a subsunção da educação à lei de acumulação do capital não só compromete a
qualidade da formação de nível superior, como adensa o sucateamento da universidade
pública, desvaloriza o trabalho docente – fragilizando mais ainda as já precarizadas condições
de trabalho dos professores –, extermina a pesquisa e a extensão, dimensões que existem em
razão da sociedade, que têm (ou tiveram) uma função pública (IAMAMOTO, 2010a).
24
De acordo com Gonçalves (apud BEHRING, 2008, p. 229), “a participação do capital estrangeiro na produção
brasileira passou de 10%, no inicio da década de 1990, para 15 a 18% na segunda metade da década, destacandose aí a sua orientação para serviços de utilidade pública – conforme (...) preconizava o PDRE. Na verdade, para
os dirigentes da era Cardoso, tal política fazia sentido e se justificava ao assegurar uma fonte de financiamento
externo, considerando a macroeconomia do Pano Real, além de impulsionar o processo de reestruturação
produtiva e modernização da economia.”.
34
2.1 A contrarreforma25 educacional no Brasil: entre o discurso da democratização do
acesso e a transformação do ensino superior em mercadoria
Com o advento do neoliberalismo no Brasil em meados dos anos 1990, durante o
governo FHC, prolifera-se o empresariamento do ensino superior no País. Ao sistema
educacional é imposta uma contrarreforma26 balizada pelas determinações do capital
internacional – sobretudo, pelo Banco Mundial. Os organismos multilaterais impõem ao
governo brasileiro, conforme assinala Leher (2004), uma condicionalidade a longo prazo, qual
seja, o fim do ensino superior gratuito – ideologia fomentada principalmente através do
discurso em que a gratuidade aparece como sendo o principal obstáculo à concretização da
justiça social no país.
Neste sentido, a contrarreforma acontece circunscrita ao discurso da
“democratização do acesso à educação de nível superior”, porém este “acesso” é bastante
contraditório, tendo em vista igualar democracia a poder de compra. Ademais, a educação,
nesta perspectiva, deixa de ser um direito, conforme normatizado pela Constituição Federal de
1988, para tornar-se mero objeto de consumo. Por isso, Leher (2004, p. 05) vem afirmar que é
preciso converter, no plano imaginário da sociedade, a educação da esfera do direito para a
esfera do mercado, daí a necessidade de se atribuir critérios empresariais à educação, tais
como: excelência, eficiência, gestão por objetivos, clientes e usuários, empreendedorismo,
produtividade, profissionalização por competências etc.
Em consonância com o supracitado autor, Iamamoto (2010a, pp. 435-436) reitera:
(...) as universidades privadas (...) regidas por critérios empresariais, são
tidas como a referência organizacional. São consideradas mais ágeis,
eficientes, financeiramente equilibradas; apresentam maior diferenciação
institucional e menor índice de conflitos e tensões políticas. Não é de se
25
Faz-se necessário ressaltar que, com base em Elaine Behring (2008), a reforma do Estado brasileiro configurase como uma contrarreforma, isto é, uma reforma às avessas, um verdadeiro retrocesso ao processo democrático
do País, tendo em vista que destitui a população da sua condição de cidadania, invertendo-a em mera
consumidora, fortalecendo a alienada sociabilidade burguesa. Neste sentido, a contrarreforma subverte a
educação – entre outros direitos – em um produto qualquer, sujeito aos desejos da clientela, numa intensa relação
de consumo. Por estes motivos, neste texto é
sempre utilizado o termo contrarreforma.
26
A contrarreforma da educação superior no Brasil tem suas diretrizes orientadas por vários documentos, dentre
eles a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996) – a qual, conforme observa o professor I,
“abriu todas as portas, a janela, a casa inteira para a iniciativa privada! Entregou de bandeja a educação superior
para a iniciativa privada no Brasil!” – e o Plano Nacional de Educação (2001). Para maiores informações, ver
documento disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001324/132452porb.pdf. Vale dizer que todos
os instrumentos normativos da contrarreforma educacional no país têm como objetivo central a restrição de
gastos estatais com este setor.
35
surpreender que a democracia interna, a luta pela autonomia do saber, o
debate crítico e a politização presentes no meio acadêmico sejam tidos como
indícios nefastos para uma dinâmica organizacional flexível, dotada de
agilidade e eficiência, enfim ‘moderna’. Assim preconiza-se a maior
diferenciação das instituições e o fomento da oferta privada (...).
Neste contexto, a educação superior é entregue ao setor privado, concebida como
negócio de alta rentabilidade27, sendo posta no patamar de mercadoria, tendo em vista que os
principais organismos transnacionais do capital (FMI, BM etc.) orientam ao governo
brasileiro – e demais países “em desenvolvimento” – que as universidades públicas não são
prioridades no que se refere às políticas sociais28: dá-se, então, o aprofundamento da crise da
universidade brasileira29.
Assim sendo, como a contrarreforma da educação é um desdobramento da
contrarreforma do Estado brasileiro30 – o qual tem como orientação neoliberal a focalização
das políticas sociais –, a política educacional também é atingida pela lógica que atribui ao
mercado o papel de protagonista, e aos direitos sociais um papel de coadjuvante na vida dos
trabalhadores deste país.
Neste sentido, as faces da mercantilização do ensino superior no Brasil se
manifestam também numa parceria entre o público e o privado (PPP), principalmente no
financiamento das Instituições de Ensino Superior (IES) privadas através, por exemplo, do
27
De acordo com Chaves (2010, p. 494), “um sinal de que a exploração mercantil da educação se tornou um
bom negócio pode ser constatado pelo faturamento apresentado pelas empresas que atuam nesse setor, que
tiveram um crescimento significativo, de mais de 25%, passando de R$ 44 bilhões, em 2002, para R$ 55 bilhões,
em 2008. Seus lucros passaram a ser comparáveis, proporcionalmente, a empresas de grande porte, como a Vale
do Rio Doce, a Gerdau e a PETROBRÁS.”.
28
As diretrizes neoliberais do capital internacional “reduzem as políticas sociais a ponto de, no limite, restringir
os direitos sociais à manutenção vegetativa da vida dos miseráveis (campanhas contra a fome) e, para assegurar a
governabilidade, sustentam medidas focalizadas capazes de aliviar a pobreza para assegurar o controle social,
atualmente uma das maiores preocupações do Banco Mundial, em virtude da devastação social, e do consequente
aumento na tensão social, provocado pelas políticas neoliberais.” (LEHER, 2004, p. 01).
29
Os dados são bastante enfáticos quanto à desproporcionalidade entre a expansão do universo educacional
público e privado: no ano de 2007, as IES públicas somavam 10,9% das instituições, enquanto que as privadas
chegavam a 89,1% (MEC/2008).
30
Conforme Behring (2008), os objetivos e diretrizes para a contrarreforma do Estado brasileiro estão definidos
no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRE/1995). Neste Plano são especificadas as
responsabilidades estatais, isto é, aquelas que serão da alçada do Estado e aquelas que serão transferidas a
iniciativa privada.
36
Programa Universidade para Todos (PROUNI)31, que, conforme Lima & Dahmer (2009, p.
51) “garante a isenção fiscal32 para o setor privado em troca de ‘vagas públicas’”.
A mercantilização também se expressa no Programa de Financiamento Estudantil
(FIES), o qual financia a graduação do estudante de forma integral ou parcial, estabelecendo
um prazo após a conclusão do curso para o estudante iniciar o pagamento da dívida, a juros
fixos. Segundo Mancebo (2004, p. 853):
(...) com relação a esse Programa, deve-se insistir no seu aspecto
privatizante, também, porque ele delega responsabilidades públicas para
entidades privadas e, mesmo que os alunos não paguem mensalidades,
contribui para o aumento da oferta privada nesse campo.
O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais (REUNI), de acordo com Koike (2009), é outro elemento nesta estratégia em que a
educação se insere na valorização do capital, pois este Programa possui como objetivo dobrar
as vagas e as matrículas na graduação num período de cinco anos, atingindo a meta de 90% de
aprovação dos alunos. A autora conclui que há uma possível “facilitação” no processo
avaliativo dos alunos, a fim de atingir as determinações do capital: mão-de-obra diplomada e
semi-qualificada.
Como ápice da mercantilização do ensino superior no Brasil, emerge a
modalidade de Ensino à Distância (EaD), formalizada a partir da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB/1996) e da instituição dos decretos nº 2494/1998 e nº 5662/2005, o
qual dá origem à Universidade Aberta do Brasil (UAB). Desse modo, espraia-se no País o
EaD, principalmente no âmbito da graduação e, sobretudo, nos segmentos mais pauperizados
da sociedade, tendo em vista ser uma modalidade de ensino eminentemente procurada por
pessoas de baixo poder aquisitivo – isto é, pertencentes à classe trabalhadora –, logo, não
possui valor elevado no mercado. Esta modalidade de ensino – que curiosamente possui
várias outras denominações, tais como: “ensino on-line”, “ensino virtual”, “ensino
31
De acordo com o Ministério da Educação, o PROUNI é um programa do governo federal, justificado como
forma de inclusão social às minorias compostas, principalmente, por autodeclarados indígenas, negros, pessoas
com deficiência etc., que assegura bolsas de estudo integrais ou parciais. O Programa fora instituído pela medida
provisória n.º 231/2004, a qual fora convertida na Lei n.º 11096/2005 e regulamentada pelo Decreto n.º
5493/2005.
32
Conforme Mancebo (2004, p. 863), ocorre, principalmente, a “isenção de quatro tributos: o Imposto de Renda
das Pessoas Jurídicas, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, a Contribuição Social para Financiamento
da Seguridade Social e a Contribuição para o Programa de Integração Social.”.
37
semipresencial” etc. – configura-se como uma verdadeira fábrica geradora de diplomas,
porque, em geral, é descompromissada com a qualidade da formação profissional33.
O EaD, nestes moldes, além do baixo custo, ainda oferece a sua clientela:
flexibilidade de horário; uma formação, em geral, mais aligeirada do que nos cursos
presenciais, portanto, o graduado rapidamente está “apto” ao mercado de trabalho; e uma
ideia de autonomia, uma vez que o aluno possui apenas um tutor em vez de um professor,
servindo apenas para facilitar sua autoaprendizagem.
Outro fator preocupante sobre o EaD é que, se nas faculdades presenciais, é um
fato que a pesquisa e a extensão já não ocorrem articuladas ao ensino e são relegadas a uma
condição secundária na formação profissional, sob a modalidade EaD, elas não ocorrem ou
não ocorrem a contento, para usar de otimismo. Isto inviabiliza uma formação profissional de
qualidade, uma vez que fragmenta e hierarquiza as dimensões do tripé “ensino, pesquisa,
extensão”, dando ênfase ao que Koike (2009) denomina de “aulismo”.
O aligeiramento da formação – seja na modalidade presencial ou à distância, mas
muito mais grave nesta última – é um dos elementos que expressam a precarização da
formação profissional, pois tanto é insuficiente a educação que recebe o aluno, como são
precárias as condições de trabalho dos professores (ou tutores), os quais são inseridos nesta
lógica mercantil de caráter antipedagógico, que sujeita o estudante a um verdadeiro
adestramento ao mercado de trabalho.
Neste sentido, uma formação estreitada inviabiliza, sobremodo, o amadurecer do
conhecimento, o qual demanda certo tempo para ser absorvido e processado no entendimento,
a fim de posteriormente ser posto em prática no exercício profissional, principalmente, em se
tratando do denso conhecimento que se adquire no Serviço Social, norteado pela complexa
teoria marxiana e seu método histórico-dialético34. Assim, reitera o professor II35, discorrendo
33
Para aprofundar, ver documento Abaixo a censura! Sobre a incompatibilidade entre graduação à distância e
Serviço Social.
34
O método histórico-dialético marxiano é apontado por José Paulo Netto (2009) como sendo o mais qualificado
para a pesquisa em Serviço Social. Assim, o referido autor assinala que, quando se pesquisa sob uma perspectiva
dialética, é preciso possuir uma visão global da dinâmica societal concreta. Para isto, é necessário conjugar o
conhecimento que se tem sobre o modo de produção capitalista com a sua particularização nesta sociedade – ou
seja, na formação social brasileira. De modo que, faz-se necessário compreender as principais mediações que
vinculam as expressões gerais assumidas pela questão social no Brasil contemporâneo às várias políticas sociais,
sejam elas públicas ou privadas. Netto (2009) aponta, ainda, que as determinações estão postas no nível da
universalidade, sendo que elas se mostram na imediaticidade do real como singularidades, mas o conhecimento
do concreto se opera envolvendo tanto a universalidade (tese), como a singularidade (síntese ou negação), até a
particularidade (antítese ou negação da negação).
35
Para assegurar o anonimato aos interlocutores desta pesquisa, estão sendo utilizados números para evocá-los.
38
sobre a relação entre o tempo de formação do estudante e o atual método avaliativo da
Faculdade Cearense36:
Então, eu olho hoje o aluno, eu acho que o aluno não tem tempo nem de
amadurecer o conteúdo que tá sendo dado. E isso requer tempo, isso requer
que eu vá lá pra aquele conteúdo, eu preciso ler primeiro o texto, aí eu não
entendi o que tá escrito, mas aí eu vou ter que ler de novo pra eu entender o
que tá escrito, pra eu entender o que é que a autora tá dizendo. Aí eu tenho
que ler de novo pra eu associar com a realidade que eu vivo, só a partir daí
eu vou amadurecendo isso pra eu ter a condição de refletir e criar sobre.
O discurso da “democratização do acesso ao ensino de nível superior” serve como
justificativa para que os processos seletivos das faculdades particulares, em geral, sejam
menos criteriosos quando comparados aos vestibulares das universidades públicas. Nessas
circunstâncias, é inserida no contexto educacional de nível superior uma população imersa em
vulnerabilidades herdadas do ensino fundamental e médio.
Sobre o processo seletivo da Faculdade Cearense, a gestão assinala:
Hoje nós temos a entrada de algumas pessoas – nós temos bons alunos e
tudo! –, mas, no início do processo, nós ficamos preocupados porque
algumas pessoas que não tinham a competência da escrita resolvida,
passaram. Muito poucas! Nós temos duas, particularmente no nosso curso,
que a gente não sabe o que fazer! Agora como que essas pessoas passaram, a
gente não sabe! (Gestor I).
O vestibular é rigoroso, consiste em não zerar nenhuma das matérias da
prova e nem a redação. Mas confesso que alguns alunos tem adentrado com
algumas deficiências, incapaz de se expressarem oralmente ou através da
escrita e isso é um problema! Existe o nivelamento, que dura em torno de
vinte dias, pra trabalhar quaisquer deficiências que esse aluno, porventura,
possa ter. (Gestor II)
A absorção destes estudantes, alguns com certo grau deficitário de aprendizagem,
conforme reconhece a gestão da FaC, reflete diretamente no trabalho do professor.
Dificuldades que vão desde interpretação de texto, linguagem escrita até o próprio
entendimento do conteúdo. Assim, emerge uma pressão em torno dos professores, os quais
são concebidos como verdadeiros redentores no processo de formação profissional.
36
O atual método avaliativo da Faculdade Cearense é composto por três etapas, e a cada uma das etapas,
correspondem seis avaliações denominadas de institucionais, isto é, necessariamente provas escritas, somadas a
seis outras avaliações parciais, cujo formato fica a critério do professor, se individuais ou em grupo, se escritas
ou não. Na grade curricular do Serviço Social, são ofertadas seis disciplinas por semestre, logo, o estudante que
faz as seis disciplinas, submete-se a um total de trinta e seis avaliações por semestre. Para o professor, são trinta
e seis avaliações semestrais a serem elaboradas em cada turma, cujo quantitativo varia em torno de cinquenta
estudantes.
39
Desse modo, os docentes acabam por serem responsabilizados pelo desempenho
dos educandos, cujas atividades acadêmicas terminam se voltando para estratégias de caráter
mais tutelar do que emancipatório, conforme assinala o professor III:
A gente tem aluno com deficiência de aprendizado e que por conta do
processo seletivo acaba sendo aprovado e a gente tem que trabalhar com esse
pessoal. Então, eu percebo, e a gente consegue identificar esses alunos que
têm dificuldade de entendimento, de leitura, de escrita, coisas assim, que não
é uma coisa da FaC, a FaC não formou no ensino médio, mas a gente acaba
tomando, acaba selecionando. E esse aluno, quando ele se coloca até mesmo
na dimensão do aluno-cliente, que, infelizmente têm esses alunos com essa
visão, ele quer que o professor, de repente, molde a sua avaliação pro nível
em que ele se encontra, pra poder tentar ser aprovado, que ele possa tentar
ser bem avaliado. Que a gente acredita, têm alunos que são neuróticos por
nota, eu até entendo que é importante ter boas notas, mas, às vezes, não
recebem bem uma avaliação que não corresponda aquilo que ele espera. Por
exemplo, eu tive uma aluna que tirou oito e ficou “Eu não posso tirar oito!”.
Eu disse “Como não? Oito é uma nota legal.”. E eu tenho alunos, a gente
fica vendo esses alunos, muito ruins, assim. Muito ruins no sentido de que
não estão maduros o suficiente pra tá realmente frequentando um curso de
ensino superior.
Neste contexto, pelo que aqui está sendo afirmado, pode-se concluir que a
contrarreforma universitária, feita em silêncio neste país37, mercadeja com o que é, na
verdade, um direito da sociedade. Assim, a “democratização do ensino superior” representa
uma derrota para os trabalhadores do Brasil, país que não chegou a experimentar uma
democracia efetiva e concreta, que retrocede, a cada dia, à condição de colônia, porque
subordinado às instâncias do capital internacional. Assim, Iamamoto (2009, p. 26) afirma que
este cenário em que vivemos, eminentemente avesso aos direitos, “descaracterizou a
cidadania ao associá-la ao consumo, ao mundo do dinheiro e à posse das mercadorias.”.
2.2 As implicações da mercantilização do ensino superior brasileiro na formação
profissional em Serviço Social
Se de uma forma genérica, o contexto mercantil da educação no Brasil representa
a fragmentação do saber e o esvaziamento do conhecimento para a classe trabalhadora, para a
formação profissional em Serviço Social, as consequências do empresariamento da educação
anunciam um significativo retrocesso da profissão, com o retorno de práticas conservadoras,
37
Iamamoto, 2010a, p. 448.
40
clientelistas e psicologizantes, tal como nas protoformas do Serviço Social (IAMAMOTO,
2010a).
É interessante demonstrar o ponto de vista dos sujeitos desta pesquisa acerca das
consequências da expansão de faculdades privadas que ofertam a graduação em Serviço
Social no País38:
Olha, eu acho que esse é um problema que vai trazer sérios desdobramentos!
Dentre eles, a saturação de profissionais no mercado e isso poderá acarretar
uma subproletarização dos profissionais! Que hoje, nós já temos uma
configuração salarial baixa, se nós pensarmos do ponto de vista dos
profissionais do Serviço Social, da educação – da educação, sobretudo!
Então, uma das primeiras coisas que eu penso que vai acontecer é uma
subproletarização! Uma saturação no mercado de profissionais. E a
outra questão é a fragilidade dessa formação. Porque nós sabemos que
existem faculdades particulares que realmente estão preocupadas com a
qualidade, até pra se manter no mercado e que têm uma concepção
pedagógica consistente. Mas que tem outras que não têm nenhum desses
elementos (Professor I, grifos nossos).
Na concepção da gestão da Faculdade Cearense:
A gente sabe de onde vem isso! Agora, a consequência, é claro, é uma
precarização desse ensino, uma qualidade que deixa a desejar, muitas
vezes! Nós temos uma pulverização de cursos e de nomes de faculdades que
você nem conhece! A educação é uma concessão do Estado, todo mundo que
consegue autorização, todos os empresários da educação hoje, seja em que
nível for, está debaixo da legislação do Ministério da Educação. Ele (o
empresário) é policiado, acompanhado, avaliado constantemente e, mesmo
assim, a gente vê a qualidade da educação que tem por aí! Então, é o seguinte,
a consequência disso realmente é uma formação muito descomprometida. Eu
acho que na graduação, o EaD, talvez, seja o maior modelo, o maior
responsável pela precarização, por conta do tipo de ensino e pelo mau
comprometimento da formação desses alunos! É muito sério! A formação do
Serviço Social é muito exigente! Você veja os limites que a gente tem aqui
no nosso curso que é presencial, como fica isso no EaD?! Então, compromete
muito! E mais ainda o modelo EaD, que é uma oferta que a gente até
desconhece, desmedida! É exagerada, exagerada! Então, essa oferta pródiga
de cursos, baixa a qualidade! Mas aí a gente se pergunta “Ah, a gente
aqui tá num curso particular?!”, mas a gente tá buscando qualidade! E eu
acho que não poderia ser de outra forma! (Gestor I, grifos nossos).
38
De acordo com Abreu e Lopes (2007, p. 12), “na área de Serviço Social, dos 217 cursos de graduação
presencial existentes no país, em 2006, 80% ou 173 deles pertenciam ao setor privado e 20% ou 44 daquele
total, ao setor público. Em 1994, existiam 72 cursos, dos quais 34% ou 25 destes eram públicos e 47 ou 66%
eram particulares. Comparados os dois censos realizados pelo MEC/INEP nos períodos indicados, o aumento
dos cursos pagos na área atingiu 268%.” (grifos nossos).
41
Assim, à privatização da educação mescla-se a precarização do ensino e das
condições de trabalho dos docentes e, no que concerne ao Serviço Social, põe em risco a
histórica luta da categoria por uma legitimidade sócio-ocupacional, por uma educação
pública, gratuita, laica, presencial e de qualidade para todos, entre outras pautas de luta da
profissão (CFESS, 2011).
Esse amálgama de precarização faz parte da tendência contemporânea de uma
forte ofensiva do Estado em subverter a função social39 que a educação de nível superior
possui, a qual vem sendo adestrada às demandas do mercado, numa perspectiva imediatista e
tecnicista, que reflete diretamente nas condições de trabalho dos professores.
Desse modo, a atual conjuntura do ensino superior no Brasil é de uma
desordenada expansão da educação mercantilizada e massificada, sobretudo pela ofensiva dos
cursos à distância, que, embora não seja objeto deste estudo, tal modalidade representa uma
das maiores expressões da mercantilização da educação e uma das maiores preocupações para
a formação em Serviço Social40. Surge, então, a necessidade de enfatizar neste texto que tal
modalidade de ensino em muito contribuiu para a rápida difusão de diplomados em Serviço
Social no País nos últimos anos41. Dessa maneira, conforme Iamamoto (2010a, p. 440):
A hipótese que se pode aventar é que o crescimento do contingente
profissional, ao tempo em que se eleva a lucratividade nos negócios
educacionais – um curso barato, voltado predominantemente ao público
feminino –, poderá desdobrar-se na criação de um exército assistencial de
reserva. Isto é, aquele crescimento poderá figurar como um recurso de
qualificação do voluntariado no reforço do chamamento à solidariedade
enquanto estratégia de obscurecimento das clivagens de classe e da
radicalização da exploração do trabalho que funda a prevalência do capital
39
Conforme a Política Nacional de Estágio da ABEPSS (2010, p. 37), “a função social da universidade (...) é
produzir e socializar conhecimentos necessários e úteis à sociedade (...).”.
40
Mediante tais elementos que colocam em xeque a formação em Serviço Social sob a modalidade de Ensino à
Distância, as entidades representativas de tal categoria – compostas pelo conjunto CFESS-CRESS (Conselho
Federal de Serviço Social–Conselhos Regionais de Serviço Social), a ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino
e Pesquisa em Serviço Social), a ENESSO (Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social), com o apoio
do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES–SN) – lançaram mão de uma
campanha a nível nacional entre os anos de 2009-2011contra a graduação à distância em Serviço Social –
Educação não é fast-food: diga não para a graduação à distância em Serviço Social. Tal movimento político
encontra-se, até o presente momento, censurado por medidas judiciais acionadas pelas instituições de EaD. Esta
campanha se justifica pelo fato de o Ensino à Distância não atender aos requisitos de uma formação profissional
de qualidade, pautada numa intervenção crítica, investigativa e ética.
41
De acordo com Iamamoto (2010a, p. 439), “O crescimento exponencial de vagas na área de Serviço Social tem
forte estímulo dos cursos de graduação à distância, autorizados pelo MEC, que começam a funcionar a partir de
2006. Enquanto os cursos presenciais oferecem 70% das vagas, o EAD, em apenas dois anos de funcionamento,
já é responsável por 30% do total das vagas ofertadas, concentradas em apenas 6 cursos no País (...).”.
42
que rende juros, o qual mascara sua relação com o mundo do trabalho.
(grifos do autor).
Neste sentido, é possível perceber que a transformação do ensino superior em
mercadoria implica consideravelmente na qualidade da formação profissional. Mas também,
tal conjuntura indica uma nova e precária configuração do processo de trabalho dos
professores, mediada por exigências produtivistas e antipedagógicas.
A realidade dos professores – principalmente horistas – que atuam no ensino
superior do País é, conforme Amaral (2007), adensada por uma sobrecarga de atividades
acadêmicas, um acúmulo de disciplinas por professor, agravada pelo reduzido quadro de
docentes. Os professores se deparam com turmas imensamente numerosas, chegando a ter
mais de cinquenta alunos por sala de aula, os quais demandam orientações de Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC), supervisão acadêmica de estágio, dentre diversas outras
orientações pedagógicas.
Sobre a dimensão pedagógica do Serviço Social, emerge na contramão desta
perspectiva para os cursos de Serviço Social no ano de 2007, o Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes (ENADE), componente do Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior (SINAES)42, integrante do processo de contrarreforma da educação
superior, tendo em vista representar mais uma forma de rankeamento entre as IES – públicas
e privadas –, aguçando a competitividade entre os pesquisadores/docentes e entre as
instituições, reiterando o papel de regulador da vida social que o mercado assume (DAHMER,
2010).
O discurso oficial do ENADE, conforme está descrito no portal do MEC/INEP
(2012), é avaliar o rendimento dos alunos dos cursos de graduação, ingressantes e concluintes,
em relação aos conteúdos programáticos dos cursos em que estão matriculados. Mas, na
verdade, conforme assinala Dahmer (2010, p. 153), o ENADE é um modo de legitimar a
expansão do setor educacional privado, justificado pela ação fiscalizadora do Estado, tendo
como pano de fundo o direito do consumidor, que caminha na contramão do cidadão que
usufrui dos serviços sociais públicos de cunho universal.
No ponto de vista da gestão da FaC, o ENADE significa:
Eu acredito que o ENADE é uma estratégia de avaliação que ainda tem
muito que melhorar, mas que veio a atender uma necessidade de avaliação
do ensino superior. O ENADE, a cada etapa, ele se moderniza, ele busca
42
O SINAES fora instituído pela Lei 10.861, de 14 de abril de 2004.
43
atender alguma demanda do próprio estudante, então, eu realmente acredito
que o ENADE vá melhorar cada vez mais. Eu acho que é uma coisa positiva.
O ENADE exige que haja investimento acadêmico, exige uma postura muito
crítica e um conhecimento muito amplo. Mas eu acredito também que esse
modelo ideal de avaliação não existe! É difícil chegar lá, dada a
complexidade! Avaliar a aprendizagem é um desafio! (Gestor I).
Um instrumento que afere a qualidade do ensino ofertado pela instituição. O
ENADE é bom não apenas para a instituição, mas para todos! Por parte
dos alunos, existe uma não aceitação, tem que haver uma conscientização.
(Gestor II, grifos nossos).
No que diz respeito ao trabalho docente, o ENADE, além de representar maior
sobrecarga acadêmica para os professores, torna ainda mais heterônomo o seu trabalho, uma
vez que este Exame e seu resultado satisfatório, inclusive para fins propagandísticos, tornamse finalidade no processo de trabalho docente, adensando, nos dizeres de Marx (2011), a
alienação do homem em relação ao produto do seu trabalho.
Desse modo, o ENADE ao mesmo tempo em que se apresenta como parte de um
sistema avaliativo que pressiona o capital por resultados, é também uma ferramenta de
estímulo à expansão do setor privado, que precariza o ensino porque adestra a formação
profissional aos seus resultados, os quais, se positivos, funcionam como uma espécie de
marketing para a IES, supervalorizando as relações de mercado e não a qualidade da
formação, como é intitulado43.
Isto posto, nesse processo de dissimulação do real, tecem-se elogios à
“democratização do acesso ao ensino superior”, de modo a afirmar que, em nome da justiça
social, a educação ocorra de forma eficiente, não importando se no âmbito público ou privado.
Neste contexto, a população perde de vista que está sendo destituída de seus direitos, sendo
reduzida a mera detentora do poder de compra.
2.2.1 Desafios à implementação das diretrizes curriculares da ABEPSS
Na era da mercantilização – em que a educação, entre outros direitos, é
“prostituída” como um bem de consumo qualquer – torna-se bastante desafiador consolidar e
43
Conforme Dahmer (2010, p. 157), há uma “novidade criada pelo governo Lula, de premiação dos melhores
alunos no ENADE, através de bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) para pós-graduação (Portaria normativa n. 9, de 26 de abril de 2010). Esta medida parece, a princípio,
muito simpática, mas reforça a lógica de competição individual e atrela o ENADE à concessão de bolsas.”
(grifos do autor).
44
materializar as diretrizes curriculares orientadas pela ABESS 44 – hoje, Associação Brasileira
de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) – aos cursos de Serviço Social no País.
Num contexto de acirramento da disputa entre os projetos societários –
predominando a hegemonia do ideário neoliberal –, a formação profissional e suas dimensões
de ensino e pesquisa encontram-se subalternas aos ditames do mercado. Percebe-se, assim,
uma tendência de flexibilização dos projetos pedagógicos dos cursos de Serviço Social, os
quais realizam-se majoritariamente em escolas privadas (MENDES & PRATES, 2007, pp.
176-177).
Neste sentido, assim como nas décadas de 1960 e de 1980 o momento fora
propício à efervescência dos movimentos sociais, este momento é, na mesma medida,
propício a um “contexto de desmonte e precarização generalizada”45, havendo, portanto, uma
forte necessidade de ratificar o posicionamento ético-político46 do Serviço Social e suas bases
teórico-metodológicas, cujo bojo se dá sob o protagonismo da teoria social crítica marxiana.
Desse
modo,
faz-se
imprescindível
problematizar
as
implicações
da
mercantilização do ensino superior na formação profissional, a fim de que construam-se
estratégias de enfrentamento à precarização do ensino, do trabalho docente e da própria práxis
do Serviço Social na contemporaneidade.
No ano de 1996 são aprovadas pela ABESS – hoje, ABEPSS – as novas diretrizes
para o currículo que compõe a graduação em Serviço Social, cujo respaldo teórico encontra-se
no materialismo histórico-dialético de Marx, o qual compreende a contradição da realidade
burguesa, que repousa sobre a relação capital/trabalho. Mas tais diretrizes também primam
pela defesa do pluralismo como elemento próprio da vida acadêmica e profissional, conforme
assinala o Parecer CNE/CES 492/2001, que estabelece as diretrizes para o curso de Serviço
Social, dentre outras graduações.
Faz-se mister assinalar que, ao analisar as dificuldades na implementação das
diretrizes curriculares do Serviço Social, é preciso situar a conjuntura em que elas se
originaram e que se desenvolvem – década de 1990 até os dias atuais. Neste sentido, o
contexto brasileiro, a partir dos anos de 1990, circunscreve-se ao processo de mundialização
do capital, de reestruturação do mundo do trabalho, com uma ampla precarização e
44
45
46
Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social.
Mendes & Prates, 2007, pp. 176-177.
O projeto profissional do Serviço Social demarca sua opção ético-política numa perspectiva democrática e
emancipatória, reconhecendo-se, inclusive, como parte e expressão da classe trabalhadora, cujo
comprometimento de luta extrapola a sociabilidade burguesa. (IAMAMOTO, 2010a, 2010b; MENDES &
PRATES, 2007).
45
desregulamentação das relações de trabalho, de contrarreforma do Estado e consequente
retração das políticas sociais e mercantilização das necessidades humanas, do culto ao
individualismo, de criminalização dos movimentos sociais, de culpabilização do indivíduo, de
naturalização da pobreza material e espiritual da humanidade e do adoecimento dos
trabalhadores em razão da superexploração a que são submetidos (HARVEY, 2011;
MENDES & PRATES, 2007).
Estas múltiplas determinações acabam por confrontar a perspectiva críticodialética com a influência positivista, refletindo nas diretrizes, nos currículos e conteúdos que
informam o Serviço Social. O resultado é, conforme Mendes & Prates (2007), uma tendência
ao reducionismo dos aportes teórico-metodológicos e ético-políticos, além de uma propensão
ao esvaziamento dos projetos pedagógicos e grades curriculares das Unidades de Ensino que
ofertam tal graduação.
Nestas circunstâncias, faz-se necessário afirmar que o processo de formação
profissional em Serviço Social não pode ser conformado sob olhares focais, fenomênicos,
fragmentários e subjetivistas. A opção de uma perspectiva crítico-dialética, parafraseando
Mendes & Prates (2007), não se dá à toa, mas porque caminha articulada ao método
investigativo e decifrador que o/a assistente social deve ter para desvelar os pormenores
ocultos, através de sucessivas aproximações com as expressões da questão social. A realidade
não está para ser enquadrada; ao inverso disso:
As categorias dialéticas emanam da realidade e precisam a ela retornar
como elementos que nos auxiliam a apreendê-la e não como camisas-deforça, ou nada teriam de dialéticas. Sua historicização e sua articulação à
prática concreta são movimentos necessários (MENDES & PRATES, 2007,
p. 185, grifos nossos).
É neste contexto, portanto, que as diretrizes curriculares do Serviço Social
assumem centralidade no evolver da formação profissional, pois fundamentam o processo
ensino-aprendizagem do estudante e formam uma base sólida no momento da prática
profissional. Prática esta fundamentada pela teoria crítica e pela processualidade histórica –
dimensões que tendem a se esvair na flexibilização dos projetos pedagógicos, desqualificando
o espaço acadêmico em uma mera “universidade operacional”47.
Isto posto, ao mesmo tempo em que se aprofunda a crise da universidade
brasileira e prolifera-se no País o número de faculdades particulares, onde o Serviço Social
47
Mendes & Prates, 2007, p. 194.
46
surge cada vez mais frequente nestes espaços, Tavares (2007, pp. 113-115) aponta algumas
das principais fragilidades no que toca à consolidação e implementação das diretrizes
curriculares.
Eis algumas delas: falta de clareza teórica na significação da questão social, tanto
no que diz respeito a sua gênese, como em se tratando da relação que estabelece com o
trabalho do/a assistente social; insuficiência em apresentar, como unidade que é, a teoria
crítica e o pensamento marxista; fragilidade em pouco adotar as obras de Marx, o que
dificulta o entendimento dos discentes sobre as categorias fundantes na compreensão da
sociedade burguesa, tais como, acumulação do capital, mais-valia, trabalho explorado,
trabalho im/produtivo etc.; preferência em adotar aqueles que interpretam os clássicos,
podendo incorrer sobre o risco de enviesar o pensamento genuíno, implicando sérias
consequências para a formação profissional; risco ao retorno do ecletismo48, devido a ementas
esvaziadas que comportam filiações teóricas opostas entre si; tensionamento da relação
teoria/prática; secundarização da pesquisa, entre outras.
Estes são os atuais desafios que prevalecem quanto à implementação das
diretrizes curriculares da ABEPSS para os cursos de Serviço Social. Todavia, Tavares (2007)
também agrega respostas a estas dificuldades, como, por exemplo, a obrigatoriedade dos
discentes fazerem leitura das obras do próprio Marx, ao mesmo tempo, desvencilhando-se do
marxismo vulgar fundado no “ativismo”, o qual privilegia demasiadamente a prática,
assinalando uma posição coadjuvante às demais dimensões – teórico-metodológica e éticopolítica – formativas do Serviço Social; a obrigatoriedade de uma disciplina que trate
especificamente da produção capitalista e da questão social e o estabelecimento de disciplinas
que expliquem a relação do Serviço Social com o desenvolvimento capitalista, entre outras.
2.2.2 Estágio supervisionado em Serviço Social: tendências e dilemas contemporâneos
O estágio configura-se como sendo parte integrante (e obrigatória) da graduação
em Serviço Social, desempenhando um decisivo papel no que toca à formação profissional,
uma vez que representa o momento de unidade entre teoria e prática para o educando. Isto
48
De acordo com Feitosa & Oliveira (2011, p. 155), o pluralismo é “entendido como uma gama de teorias e
metodologias que se completam, devendo fugir ao ecletismo, que mistura conceitos e princípios antagônicos sem
fazer parte do mesmo corpo teórico.”. Neste sentido, faz-se mister salientar a defesa do Serviço Social
contemporâneo ao Pluralismo como princípio ético: “Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes
profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso com o constante aprimoramento
intelectual.” (CÓDIGO DE ÉTICA/93, 2011, p. 24).
47
significa que o estágio é “a evidência como processo dialético entre dimensões que não se
equalizam, mas são indissociáveis.” (Política Nacional de Estágio – PNE, 2010, p. 13).
Além disso, conforme assinala Buriolla (1995), o estágio proporciona o contato
do estudante com o locus e com o fazer profissional, construindo a identidade e despertando o
aluno para a práxis: uma prática reflexiva, teleológica e de cunho político. Neste sentido, a
PNE (2010, p. 11) da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
(ABEPSS), concebe que o estágio supervisionado em Serviço Social:
se constitui num instrumento fundamental na formação da análise crítica e da
capacidade interventiva, propositiva e investigativa do(a) estudante, que
precisa apreender os elementos concretos que constituem a realidade social
capitalista e suas contradições, de modo a intervir, posteriormente como
profissional, nas diferentes expressões da questão social, que vem se
agravando diante do movimento mais recente de colapso mundial da
economia, em sua fase financeira, e de desregulamentação do trabalho e dos
direitos sociais.
Na atual conjuntura brasileira, marcada pela contrarreforma do Estado – e
consequente contrarreforma universitária – faz-se premente a defesa do projeto profissional e
societário do Serviço Social, cujo horizonte de expansão dos direitos confronta-se diretamente
com a devastação social, natural e espiritual adensada pela austeridade do neoliberalismo.
Sobre este cenário adverso, Iamamoto (2001b, p. 19) reitera:
Vive-se um momento particular de inflexão do cenário mundial que afeta a
produção, distribuição e consumo de bens e serviços materiais, culturais,
públicos e privados, atingindo a vida de todos. O desenvolvimento das forças
produtivas sociais do trabalho – e dos avanços técnico-científicos em que se
apoia – é apropriado por países e grupos sociais que detém o monopólio da
economia, do poder político e militar. O reverso da acumulação e da
centralização de capitais tem sido o alijamento de segmentos sociais
majoritários do usufruto dos ganhos da civilização. E a ampliação da
dependência cada vez maior dos cidadãos à ciranda do mercado, que se
impõe aos sujeitos como uma força inexorável, invertendo e subvertendo
valores quanto à referência e à emancipação humana.
Neste contexto, incorrem sobre o Serviço Social inúmeros desafios, tanto no que
se refere à materialização do projeto ético-político49, como também em relação às
peculiaridades da formação e do exercício profissional.
49
Por Projeto Ético-Político do Serviço Social – denominação de José Paulo Netto (1999) – concebe-se ser um
projeto societário da categoria profissional do Serviço Social, que possui princípios éticos para com a sua
população usuária, posicionamento político de intransigente defesa dos direitos da classe trabalhadora, ancorado
na teoria social crítica marxiana e em disputa por uma sociedade emancipada. Além de estar normatizado pelo
48
Segundo Iamamoto (2001b), a questão social tornara a ser tratada como caso de
polícia pelo Estado, cuja intervenção se pauta na articulação entre a assistência focalizada e a
intensa repressão aos pobres. Assim, o trabalho do/a assistente social é profundamente
afetado, na sua autonomia – que já é relativa, haja vista a condição de trabalho assalariado –,
nos seus valores e princípios éticos e políticos, no seu processo de trabalho, enfim, nas suas
condições objetivas e subjetivas de labor.
Todavia, os desafios ao Serviço Social não se esgotam na atuação do/a assistente
social, mas adentram pela formação profissional e suas diretrizes curriculares, cuja orientação
pedagógica alcança, inclusive, as condições de realização do estágio supervisionado.
Dessa maneira, em se tratando de precarização da formação profissional, é urgente
retomar o EaD em Serviço Social, tendo em vista que são intensas as irregularidades
encontradas nesta modalidade de ensino, conforme aponta o conjunto CFESS-CRESS na
campanha Educação não é fast-food: diga não para a graduação à distância em Serviço
Social. Os principais descumprimentos das instituições de EaD que ofertam Serviço Social
possuem ampla relação com o estágio supervisionado curricular obrigatório50.
Eis alguns deles: o não credenciamento dos campos de estágio junto aos CRESS;
listagem de estágios com informações em discordância com os fatos fiscalizados; número
excessivo de estagiários por supervisor de campo e excesso de alunos por supervisor
acadêmico; supervisores de campo supervisionando em mais de uma instituição,
simultaneamente; informações imprecisas nos documentos exigidos pela Lei 8662/199351;
instituição sem registro legal e sem convênio formalizado com a universidade;
responsabilização da abertura de campo de estágio submetida somente ao estudante; pressão
sofrida pelos/as assistentes sociais para abertura de campo de estágio; supervisão de campo e
Código de ética do assistente social vigente (1993), pelas Diretrizes Curriculares da ABEPSS (1996), pela Lei
que regulamenta a profissão (nº 8662/1993) e pelas resoluções e legislações sociais (TEIXEIRA & BRAZ,
2009).
50
Conforme a Lei que dispõe sobre o estágio de estudantes (nº 11.788 de 25/09/2008): “o estágio poderá ser
obrigatório ou não obrigatório, conforme determinação das diretrizes curriculares da etapa, modalidade e área de
ensino e do projeto pedagógico do curso. Artigo 1º Estágio obrigatório é aquele definido como tal no projeto do
curso, cuja carga horária é requisito para aprovação e obtenção do diploma. Artigo 2º Estágio não obrigatório é
aquele desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga horária regular e obrigatória.”. Conforme a PNE
(2010, p. 29), o estágio supervisionado curricular em Serviço Social – obrigatório ou não – só pode ser realizado
pelo aluno que houver cumprido as disciplinas de Fundamentos históricos, teóricos e metodológicos do Serviço
Social I e II e Ética profissional. A carga horária mínima para o estágio supervisionado curricular obrigatório em
Serviço Social é de 15% da carga horária mínima do curso – 3000 horas, podendo ser distribuída entre dois e
quatro semestres, no decorrer dos últimos anos do curso. A carga horária das atividades de campo não deve
ultrapassar 30 horas semanais e o número mínimo de horas para supervisão acadêmica não pode ser inferior a 03
horas/aula semanais.
51
Lei de Regulamentação da Profissão.
49
acadêmica centradas na figura do mesmo profissional; ausência de supervisão acadêmica e/ou
de campo; supervisão de campo à distância; supervisão de campo sem vínculo de trabalho
com a instituição; estagiário não matriculado devidamente no semestre correspondente ao
estágio curricular; plano de estágio52 em Serviço Social na Unidade de Ensino elaborado por
profissionais de outras áreas e supervisor acadêmico de outras áreas; realização do estágio
com carga horária menor que a declarada nos projetos pedagógicos; criação de projetos de
extensão nas instituições para efetivar a realização do estágio, muitas vezes atribuindo o
mesmo papel de supervisão de campo e acadêmica a um mesmo profissional; mercantilização
da atividade de supervisão pelos próprios assistentes sociais; supervisores de campo e
acadêmicos em exercício irregular da profissão, com inscrição cancelada, que nunca tiveram
inscrição, inadimplentes, dentre outras diversas irregularidades53.
Contudo, é preciso dizer que a desqualificação do estágio não se limita ao EaD,
mas se estende ao ensino público e privado presenciais, de forma que surge a necessidade de
uma legislação que vise combater à precarização do ensino, do exercício profissional na
supervisão de campo e do trabalho docente. Assim, após a Lei do Estágio/2008, nasce, a partir
de uma demanda histórica, a Política Nacional de Estágio da ABPESS, em 2010, atrelada às
demais legislações complementares, tais como: a Resolução nº 533/2008, que regulamenta a
supervisão direta de estágio no Serviço Social; a Resolução nº 568/2010, que regulamenta o
procedimento de aplicação de multa prevista pelo parágrafo 4º do artigo 1º, pelo
descumprimento das normas estabelecidas na Resolução CESS nº 533/2008; além das
diretrizes curriculares da ABEPSS, já em vigor desde 1996.
O estágio supervisionado envolve, além do estagiário, os supervisores de campo e
acadêmico, a coordenação de estágio, a coordenação do curso, de modo a solicitar encontros
periódicos e sistemáticos desses atores, uma vez que o estágio é um processo de ensinoaprendizagem coletivo. A articulação de tais sujeitos corrobora para a construção do perfil
profissional requisitado, cujos atributos, conforme disposto nas diretrizes curriculares, são:
criticidade, propositividade, espírito investigativo e comprometimento com o projeto ético-
52
De acordo com a PNE (2010, p. 33), plano de estágio é “um documento a ser elaborado pelo(a) estudante, em
conjunto com os(as) seus(suas) supervisores(as) acadêmico(a) e de campo, e deve conter os objetivos e as
atividades a serem desenvolvidas pelo mesmo durante o semestre ou ano letivo. Precisa contemplar a articulação
das dimensões ético-político, teórico-metodológica e técnico-operativa. Esse instrumento servirá como norteador
do processo ensino-aprendizagem a ser construído com a participação dos três sujeitos envolvidos (supervisor(a)
acadêmico(a), supervisor(a) de campo e estagiário(a)).”.
53
Para um maior aprofundamento, ver o documento Abaixo a censura! Sobre a incompatibilidade entre
graduação à distancia e Serviço Social, do CFESS (2011).
50
político profissional. Logo, é válido afirmar que o estágio é também um processo políticopedagógico, haja vista que o profissional do Serviço Social, ainda que no período de
formação, exercita um posicionamento político (PNE, 2010).
Segundo Ramos (2007), as principais problemáticas a serem enfrentadas no
âmbito do estágio referem-se, primordialmente, à fiscalização dos CRESS aos estágios dos
estudantes provenientes do ensino à distância; ao quantitativo de estagiários por supervisor de
campo e acadêmico, que estabelece relação direta com a qualidade do processo pedagógico; à
necessidade de expansão dos fóruns de supervisores de estágio54; à necessidade de uma maior
articulação das Unidades de Ensino com os CRESS, entre outras.
Desse modo, é possível perceber que tanto a legislação do estágio em geral,
quanto às específicas do Serviço Social, visam proteger o educando, buscando romper tanto
com a prática do estágio realizado de qualquer maneira, sem estabelecer relação com a
formação acadêmica, como também com a concepção generalizada do estagiário como mãode-obra barata. Segundo Buriolla (1995, p. 17):
intenciona-se um estágio que permita ao aluno o preparo efetivo para o agir
profissional: a possibilidade de um campo de experiência, a vivência de uma
situação social concreta supervisionada por um profissional assistente social
competente, que lhe permitirá uma revisão constante desta vivência e o
questionamento de seus conhecimentos, habilidades, visões de mundo etc.,
podendo levá-lo a uma inserção crítica e criativa na área profissional e num
contexto sócio-histórico mais amplo.
Nesse contexto, a supervisão direta do estágio supervisionado no Serviço Social –
seja este obrigatório ou não – faz-se indispensável55, tendo em vista que, além de ser uma
54
Conforme a PNE (2010, pp. 36-37), “O fórum de supervisores deve ser entendido como um espaço de
resistência e de luta para a defesa e consolidação da qualificação do Estágio supervisionado como espaço
privilegiado da formação profissional, além de se constituir um espaço propício para fomentar as trocas de
experiências e discussões que perpassam o estágio e promover a interlocução entre os profissionais, estudantes e
docentes, tendo como finalidade: fortalecer o estágio como momento estratégico de formação dos assistentes
sociais; propiciar espaço político-pedagógico de formação dos supervisores; proporcionar a organização dos
profissionais para o enfrentamento das questões relativas à formação e o exercício profissional; fomentar a
discussão sobre o estágio em Serviço Social, tomando como referências formais: as diretrizes curriculares em
vigor, a lei de regulamentação da profissão nº 8662/93, o código de ética profissional, a legislação nacional
referente ao estágio, a resolução CFESS 533/2008, o parecer jurídico 012/98 do CFESS e a Política Nacional de
Estágio; contribuir para o aprimoramento do processo de formação profissional; tratar e encaminhar questões
que envolvam a dimensão ética do estágio, prevendo respostas coletivas às situações corriqueiras.”.
55
Conforme a PNE (2010), a supervisão direta de estágio supervisionado no Serviço Social observa o respeito ao
princípio da indissociabilidade entre estágio e supervisão acadêmica e de campo, de forma articulada e
sistemática, além de concomitante ao período escolar.
51
atribuição privativa da/o assistente social56, o Serviço Social é imerso em particularidades que
outros profissionais não possuem o aporte teórico-metodológico, ético-político e técnicooperativo para acompanhar os estagiários. Logo,
Não se trata apenas da construção operacional do fazer (organização técnica
do trabalho), mas, sobretudo, da dimensão intelectiva e ontológica do
trabalho, considerando aquilo que é específico ao trabalho do assistente
social em seu campo de intervenção (ABESS/CEDEPSS apud PNE, 2010,
p. 09, grifos nossos).
Posto isso, com o mercado assumindo a regulação das relações sociais, uma das
tendências que se alastra na contemporaneidade é que os estágios estão adquirindo a feição de
emprego, pois muitos alunos fazem do valor da bolsa uma fonte de renda, sobremodo os
alunos das IES privadas, que pagam por sua educação (OLIVEIRA, 2004). Desse modo,
muitas vezes, a realização do estágio remunerado – em vez da experiência que se adquire com
o cotidiano profissional – é que é levada em conta, inclusive como instrumento de
permanência no curso de nível superior, comumente privado, ou ainda, contando como meio
de sobrevivência do aluno-trabalhador, o que se configura como sendo uma distorção do
processo educativo que o estágio representa (PNE/2010).
Outros desafios surgem no que diz respeito ao estágio, a exemplo da precarização
da formação tanto nos espaços sócio-ocupacionais onde são realizados os estágios, como nas
Unidades de Ensino, pela insuficiência de recursos humanos, materiais e físicos, ou mesmo, a
massificação do processo de supervisão acadêmica pelo número excessivo de estudantes,
refletido claramente nas condições do trabalho docente57.
Vale exemplificar as dificuldades regionais/locais do País, como, por exemplo, o
fato de que na cidade de Fortaleza (e região metropolitana), até o ano de 2008 apenas a
Universidade Estadual do Ceará (UECE) ofertava o curso de Serviço Social. Atualmente,
56
Ver Lei que Regulamenta a Profissão nº 8662/1993; Resolução nº 533/2008, dentre outras legislações.
Conforme a PNE (2010) a supervisão acadêmica não deve ultrapassar o limite de 15 (quinze) estudantes por
turma, visto que o professor da disciplina de estágio atua junto à elaboração, correção e avaliação de inúmeros
instrumentais constituintes ao processo de estágio, como: diário de campo, relatórios processuais, projetos de
intervenção, além de realizar visitas aos campos, participar dos fóruns de estágio, cursos de capacitação de
supervisores, entre outras diversas atividades que complexificam ainda mais o trabalho do/a assistente social
docente. Também é válido assinalar que, conforme a Resolução nº 533/2008 do CFESS, o limite de estagiários
por supervisor de campo não deve ultrapassar o número de um estagiário por cada 10 (dez) horas de trabalho do
profissional, não só devido à carga horária do/a assistente social que faz a supervisão, mas, além disso, devido às
peculiaridades do respectivo campo e da complexidade das atividades.
57
52
somam-se a esta mais outras cinco instituições58 – além das instituições de EaD, cujo
quantitativo não é possível precisar –, estando três Unidades de Ensino (FaC, FATENE e
UECE) em período de estágio supervisionado obrigatório, ocasionado um “cenário
lamentável”59 de disputa por vagas de estágio. Algumas instituições chegam a compactuar,
conforme a PNE (2010, p. 34), com:
troca de material de consumo e outras formas de ‘clientelismo’, que são
acirradas de maneira perversa em algumas Unidades presenciais e com
maior ênfase nas unidades não presenciais, na busca por novos campos para
atender a demanda da abertura inconsequente de vagas nos cursos de
Serviço Social nestes últimos anos. (grifos nossos).
Sobre a atual conjuntura do estágio supervisionado em Serviço Social, o professor
III, aponta os principais desafios:
Campo de estágio, pronto! É uma coisa que tá posta pela expansão do ensino
superior (privado)! Hoje, a gente vive uma realidade em que há uma disputa
muito grande por campo de estágio! Eu até relaciono quando eu era
estudante, tinha campo de estágio, a maioria deles, remunerado.
Pouquíssimos faziam estágio voluntário! Por conta dessa demanda grande de
IES, o número de vagas tá diminuindo. Algumas instituições se utilizam de
artifícios que não são muito legais. Tem instituição que oferece benefícios,
não posso dizer dinheiro, mas tipo no (...), lá eles oferecem bolsas de estudo
pro profissional que acompanha o estagiário na faculdade, uma
contrapartida. Isso não é interessante porque interfere até no critério de
seleção, mas alguns profissionais acham que devem receber. Eu participei de
uma reunião lá (...), que os profissionais tavam colocando “Por que não
receber dinheiro pra receber estagiário?”, isso (eram os) supervisores de
campo.
A voz da gestão da FaC corrobora com os elementos trazidos pelo professor
supracitado, mas adiciona ao seu depoimento as particularidades do aluno da Faculdade
Cearense e o dilema em atender as orientações das instâncias representativas do Serviço
Social.
Preciso nem dizer da importância do estágio pra um curso como Serviço
Social! Mas um dos principais desafios hoje é campo de estágio em
Fortaleza, dado o número de escolas particulares que tem. A própria
UECE que tem despertado e agora tá enviando seus alunos também. Então,
50% de toda a oferta são direcionadas às públicas e o restante, o que
58
Faculdade de Tecnologia do Nordeste (FATENE), Faculdade de Fortaleza (FAFOR), Faculdade Metropolitana
da Grande Fortaleza (FAMETRO), Faculdade Rátio e a Faculdade Cearense (FaC).
59
Conforme a PNE (2010, p. 34).
53
sobra é pra ratear entre todas as particulares. Mas nós temos também
outros desafios. O desafio do aluno-trabalhador que não tem tempo
necessário e que esse próprio aluno precisa perceber que é uma exigência do
curso, da formação, que ele não conclui sem estágio! Ele não quer fazer
estágio nas horas regulamentadas que a instituição exige, porque ele trabalha
e, infelizmente, não dá pra ser assim! Eu coloco também como desafio
grande a gente atender as regulamentações do conjunto CFESS-CRESS.
A disciplina de estágio está mais do que “Só um componente curricular”. Ele
(o estágio) transcende, o estágio é um componente curricular em especial,
vamos dizer assim. E então, sabendo disso, o conjunto CFESS-CRESS se
utiliza disso como estratégia pra diminuir ou comprometer essa oferta de
escolas à distância de Serviço Social, pra dificultar a vida dos cursos de EaD
e de algumas particulares que não tem tanta qualidade. A finalidade disso, é
claro, é uma formação de qualidade, só que termina sendo um desafio à
gente cumprir algumas orientações.
É, portanto, possível perceber que a mercantilização do ensino superior traz
diversas incompatibilidades em relação à formação em Serviço Social, materializadas, não só,
mas especialmente, durante o período do estágio. Este momento solicita uma unidade entre
teoria e prática, uma intenção de concretude do projeto ético-político da categoria60, dentre
outras peculiaridades prejudicadas por turmas numerosas que sobrecarregam os docentes, por
campos superlotados, pela dicotomia entre o que se presencia no cotidiano profissional e o
que se aprende na sala de aula, entre outros fatores. Assim reitera o professor III:
Existe a dificuldade em seguir as determinações da ABEPSS, no tocante ao
número de alunos por turma. É diferente, de fato! O aproveitamento é outro!
Até o acompanhamento se dá de forma diferente, com mais qualidade.
Porque você dá conta daqueles quinze alunos, é diferente de você ter
quarenta! Agora temos trinta, mas começamos com cinquenta!
“Dividiu”, vinte pra um e trinta pra outra, mas não tá na normatização
da ABEPSS61. Traz dificuldades no meu trabalho, pro
acompanhamento, pro desenvolvimento da disciplina, pra esse contato
mais próximo. O contato mais próximo, ele se torna prejudicado! (grifos
nossos).
Neste sentido, os docentes ressaltam as peculiaridades da disciplina de estágio,
destacando dilemas, inclusive, subjetivos, seus e daqueles que estão em formação e que
necessitam de um olhar mais atento dos supervisores (de campo e acadêmico). Conforme o
professor III:
60
61
Almeida, 2009, p. 648.
Conforme apontando linhas atrás, a ABEPSS orienta um quantitativo máximo de 15 (quinze) alunos por turma
nas disciplinas de estágio supervisionado.
54
Pelo contato com a experiência de campo, causa muita expectativa,
ansiedade, algumas frustrações e muita preocupação de como tá sendo esse
momento. Porque há todo um, você (aluno) aguarda muito pelo estágio. E o
professor, ele tem uma responsabilidade de conduzir esse processo, de
acompanhar, na forma de desmistificar algumas coisas e fazer uma crítica
necessária pra que não haja, às vezes, um processo de desencantamento com
a profissão. Ou que a prática não pareça ter nada a ver com a teoria. Então,
de alguns alunos, você percebe esse compromisso. Você (professor) também
consegue mostrar esse compromisso e apesar das dificuldades de campo, os
alunos, eles trazem ali, nas aulas de estágio se cria um momento de troca, de
experiência. Esse lado de vivência é muito importante, se diferencia sim das
outras disciplinas!
Assim, é em virtude deste preocupante cenário, que o estágio supervisionado em
Serviço Social se torna matéria de pesquisa científica, a qual gravita em torno dos
componentes que informam o fazer profissional e seu significado intelectual, social e político.
Sob tal perspectiva, nos dizeres de Almeida (2009, p. 648), as reflexões teóricas são uma
condição sine qua non do exercício profissional. Logo,
As preocupações com o desenvolvimento das atividades de investigação, de
sistematização, de planejamento, avaliação e articulação com os movimentos
de trabalhadores e usuários das políticas sociais podem compor um terreno
rico de reflexões que, articuladas, potencializam a dimensão intelectual e
política da profissão, a partir de polos diferentes, mas que são responsáveis
pela construção do projeto profissional do Serviço Social. (idem).
Em última análise, o contexto em que se vive é marcado por profundas mudanças
na gestão e produção do trabalho, pela contrarreforma do Estado brasileiro, pela retração das
políticas públicas, pela despolitização da sociedade civil, cujos desdobramentos implicam
diretamente no trabalho da/o assistente social, bem como na formação profissional. Diante de
tais tendências e desafios contemporâneos, o estágio supervisionado de qualidade solicita que
a categoria empreenda amplos esforços coletivos para a efetivação desse momento, que visa
assegurar ao estudante a capacidade de intervir sobre a complexa realidade com a qual se
defronta no cotidiano profissional, cujo espaço é permeado por históricas contradições e
relações de poder.
55
Capítulo III
3. Condições do trabalho docente no capitalismo contemporâneo: um estudo de caso com
os professores assistentes sociais do curso de Serviço Social da Faculdade Cearense
(FaC)
A trajetória sócio-histórica do Serviço Social brasileiro demonstra o quanto de
mudanças significativas houve na profissão no lastro de oitenta anos decorridos, perpassando
desde a estreita relação com a Igreja Católica até a renovação crítica e intelectual, de bojo
marxista, que assinala a profissão atualmente. Desse modo, o Serviço Social, compreendido
como profissão inscrita na divisão sócio-técnica do trabalho assalariado, prima por uma
formação de nível superior62, de ethos metodológico, ético e técnico. Esta última dimensão,
historicamente, tem prevalecido na profissão, mas na agenda contemporânea, concebe-se o
trabalho do assistente social como uma práxis, dotada de instrumentalidade63, cuja
composição é formada pelas dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnicooperativa, sem hierarquização e inexoravelmente indissociáveis.
O Serviço Social brasileiro contemporâneo, de princípios democráticos e de
valores universais, possui um projeto que extrapola seus muros profissionais, configurando-se
também como um projeto societário, que defende um outro tipo de sociedade, mais justa, livre
e autônoma, diretamente contraposto à arquitetura neoliberal – ideologia da classe dominante,
hegemonicamente em curso na sociedade atual.
Neste sentido, o exercício e a formação profissionais ocorrem num cenário de
profunda hostilidade aos direitos e à emancipação da classe trabalhadora – classe esta que os
assistentes sociais não só se posicionam em favor, mas são dela parte e expressão. Logo, é
válido assinalar que, aqueles que exercem o Serviço Social na função do magistério e afins,
62
De acordo com Almeida (2009, p. 640), a formação de nível superior dos/as assistentes sociais fora
regulamentada pela Lei nº 1899, de 13 de junho de 1953.
63
De acordo com Iolanda Guerra (2007, p. 12), a instrumentalidade do Serviço Social trata-se de “uma mediação
que permite a passagem das ações meramente instrumentais para o exercício profissional crítico e competente.
Como mediação (que é), a instrumentalidade permite também o movimento contrário: que as referências
teóricas, explicativas da lógica e da dinâmica da sociedade, possam ser remetidas à compreensão das
particularidades do exercício profissional e das singularidades do cotidiano. (...) a instrumentalidade sendo uma
particularidade e como tal, campo de mediação, é o espaço no qual a cultura profissional se movimenta. Da
cultura profissional os assistentes sociais recolhem e na instrumentalidade constroem os indicativos teóricopráticos de intervenção imediata, o chamado instrumental técnico ou as ditas metodologias de ação. Reconhecer
a instrumentalidade como mediação significa tomar o Serviço Social como totalidade constituída de múltiplas
dimensões: técnico-instrumental, teórico-intelectual, ético-política e formativa, e a instrumentalidade como uma
particularidade e como (...) campo de mediações que porta a capacidade tanto de articular estas dimensões
quanto de ser o conduto pelo qual as mesmas traduzem-se em respostas profissionais.”.
56
como, por exemplo, direção e supervisão acadêmica, estão também imersos nas adversidades
do capitalismo contemporâneo. Conforme explica Almeida (2009, p. 644), isto se deve:
Em primeiro lugar, em função de sua vinculação a um projeto profissional
que se encontra em construção e articulado aos processos de disputa pela
hegemonia cultural e política na sociedade, ou seja, aos processos de disputa
sobre as alternativas sociais dos modos de compreender e atuar sobre os
mesmos fenômenos com os quais os assistentes sociais se ocupam
profissional e politicamente. Como também em razão de sua particularidade
nos processos de elaboração de conhecimentos e de formação dos quadros
intelectuais que produzirão efeitos direta ou indiretamente sobre o
relacionamento da profissão com essa mesma realidade.
Assim sendo, o trabalho docente dos assistentes sociais encontra-se cada vez mais
subordinado à lógica do capital, que transforma direitos arduamente conquistados em valores
de troca quaisquer, como orienta a ofensiva neoliberal. Almeida (2009, p. 644) resume em
breves palavras, como tem se dado a atividade dos assistentes sociais que atuam na educação
superior:
A subsunção dos processos pedagógicos, das formas de organização do
trabalho docente, da produção científica e dos sistemas de avaliação à razão
privatista que predomina nas formulações que orientam o campo da ‘gestão
da educação superior’ integra um esforço mais amplo na área de educação
formulado pelos organismos multilaterais, em particular pelo Banco Mundial
(...). A ampliação dessa lógica se manifesta (...) na rápida expansão das
unidades formadoras particulares (...).
Desse modo, faz-se mister assinalar que há também uma forte tensão no que toca
à implantação das diretrizes curriculares da ABEPSS64, tendo em vista a lógica mercadológica
do capital solicitar projetos pedagógicos mais flexíveis.
Com o mercado regulando a vida em sociedade, as condições do trabalho docente
estão cada vez mais precarizadas, assim como demonstram as condições gerais de trabalho da
classe proletária. Evidente que a divisão social do trabalho estabelece particularidades às
profissões, inclusive no que diz respeito às precariedades. No que toca os professores, estes se
encontram cada vez mais subjugados às exigências produtivistas, que ferem sua autonomia
intelectual, sua capacidade criativa e teleológica. Frente à reestruturação produtiva que
ocasiona as inúmeras mudanças no mundo do trabalho, as atividades pedagógicas limitam-se
a um verdadeiro adestramento ao mercado de trabalho, geralmente alheias ao estímulo da
criticidade e da emancipação humana.
64
Para aprofundar, conferir diretrizes em http://www.cressrs.org.br/docs/Lei_de_Diretrizes_Curriculares.pdf.
57
Conforme se pode perceber, o trabalho acadêmico dos assistentes sociais está
intimamente atrelado à dinâmica do capitalismo maduro, de cariz flexível, o qual responde ao
período de crise, ocasionando mudanças em nível global, redefinindo o processo de trabalho e
os próprios trabalhadores, alterando as relações entre Estado e sociedade e ocultando o
histórico conflito entre as classes.
É neste contexto, de alcance nacional, que se encerra o trabalho dos professores
assistentes sociais da Faculdade Cearense (FaC), sujeitos desta pesquisa, os quais relatam suas
respectivas condições de trabalho na referida IES. Mas a priori, faz-se mister traçar um perfil
aproximado dos interlocutores sujeitos desta pesquisa.
3.1 O perfil dos professores assistentes sociais do curso de Serviço Social da Faculdade
Cearense (FaC)
A partir dos questionários aplicados com 12 (doze) professores, 99% do
quantitativo são compostos de mulheres e 1% de homens. Isto se explica devido à
historicidade do Serviço Social, profissão vinculada, em sua gênese, à caridade e ao cuidar,
características eminentemente femininas. Logo, é recente na trajetória da profissão, a
formação de homens assistentes sociais.
Divisão sexual dos professores da FaC
Homem
Mulher
0%
50%
100%
150%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
58
Quanto ao estado civil, 58,5 % destes sujeitos denominam-se casados e 41,5%,
solteiros.
Estado civil dos professores da FaC
Solteiros
Casados
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
A faixa etária que prevalece entre os pesquisados é a aquela entre 31 (trinta e um)
e 40 (quarenta) anos de idade, com um percentual de 50%. As outras idades variam entre 20
(vinte) e 30 (trinta) anos, que atinge 25%; entre 41 (quarenta e um) e 50 (cinquenta) anos, o
percentual é de 16,5%; e, entre 51 (cinquenta e um) e 60 (sessenta) anos, é 8,5%.
Faixa etária dos professores da FaC
51-60 anos
41-50 anos
20-30 anos
31-40 anos
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
59
O tempo de graduação que predomina é o de professores formados entre 6 (seis) a
10 (dez) anos, com 33,5% do total. O restante varia entre professores que se graduaram entre
1 (um) e 5 (cinco) anos atrás, atingindo 25%; entre 11 (onze) e 15 (quinze) anos atrás, somam
16,5%; entre 16 (dezesseis) e 20 (vinte) anos atrás, somam também 16,5%; e, há mais de 20
(vinte) anos, apenas 8,5%.
Tempo de graduação dos professores da FaC
Mais de 20 anos
16-20 anos
11-15 anos
1-5 anos
6-10 anos
0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
A titulação preponderante é a de mestre, com 58,5%. Em se tratando de
especialista, o percentual é de 25%; e, de doutor chega a 16,5%.
Titulação dos professores da FaC
Doutor
Especialista
Mestre
0,00% 20,00% 40,00% 60,00% 80,00%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
60
O tempo de atuação no magistério é sobressalente com 75% para aqueles
professores que possuem entre 1 (um) e 5 (cinco) anos de docência no ensino superior, o que
demonstra que a FaC aparenta ser flexível quanto a experiência de ensino destes
trabalhadores. Os professores que possuem entre 5 (cinco) e 10 (dez) anos de magistério,
somam 16,5%; e, aqueles que possuem entre 11 (onze) e 15 (quinze) anos atingem 8,5%.
Tempo de atuação no magistério dos professores da FaC
11-15 anos
5-10 anos
1-5 anos
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
Sobre a relação salarial, 100% dos sujeitos desta pesquisa, entre aqueles que
responderam o questionário e/ou foram entrevistados, são professores horistas.
Relação salarial dos professores da FaC
Contrato Horista
0%
20% 40% 60% 80% 100% 120%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
61
A jornada semanal de trabalho em sala de aula que sobressalta entre estes sujeitos
é aquela entre 11 (onze) e 20 (vinte) horas/semanais, com 58,5%. Os professores que atuam
até 10 (dez) horas semanais de trabalho contabilizam 25%; e, os que atuam mais de 20 (vinte)
horas/semanais somam cerca de 8,5%.
Jornada semanal de trabalho em sala de aula dos professores da FaC
Mais de 20 horas/semanais
11-20 horas/semanais
Até 10 horas/semanais
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
Quando questionados sobre o número de atribuições relacionadas ao ensino,
83,5% relataram que possuem entre 6 (seis) e 10 (dez) atividades para realizar durante o
semestre, por cada disciplina. Aqueles que apontam até 5 (cinco) tarefas, somam 8,5%; e,
aqueles que apontam mais de 10 (dez) tarefas somam também 8,5%.
Atribuições relacionadas ao ensino dos professores da FaC
Até 5 atribuições/disciplina
Mais de 10 atribuições/disciplina
6-10 atribuições/disciplina
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
62
O perfil quantitativo das turmas de Serviço Social da FaC é apontado pelos
professores como: 28,5% têm entre 51 (cinquenta e um) e 60 (sessenta) alunos por turma;
23,5% têm entre 41 (quarenta e um) e 50 (cinquenta) alunos por turma; 19,5% têm entre 21
(vinte e um) e 30 (trinta) alunos por turma; outros 19,5% têm entre 31 (trinta e um) e 40
(quarenta) alunos por turma; 9% têm turmas com mais de 60 (sessenta) alunos por turma; e
nenhum dos sujeitos leciona em turmas com até 20 (vinte alunos).
Turmas de Serviço Social da FaC
Até 20 alunos/turma
Mais de 60 alunos/turma
31-40 alunos/turma
21-30 alunos/turma
41-50 alunos/turma
51-60 alunos/turma
0,00%
5,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% 30,00%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
Quanto à orientação de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), 41,5% destes
professores estão realizando esta atividade65, o restante não está.
Orientação de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)
Não estão orientando
Orientando
0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00% 70,00%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
65
De acordo com os sujeitos desta pesquisa, a FaC paga ao professor cerca de 200,00 R$ ao final de cada
Trabalho de Conclusão de Curso, orientado.
63
A remuneração por hora/aula que prevalece varia entre 20 (vinte) e 30 (trinta)
reais, atingindo um percentual de 99% dos professores. Apenas 1% é remunerado com um
valor maior.
Remuneração por hora/aula dos professores da FaC
Mais de 30,00
20-30,00
0%
20%
40%
60%
80%
100%
120%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
Dessa forma, a maior média salarial varia com 67% para aqueles que recebem
entre 1000 (mil) e 2000 (dois mil) reais mensais; aqueles que recebem menos de 1000 (mil)
reais somam 16,5%; e, os que recebem mais de 2000 (dois mil) reais, somam igualmente
outros 16,5%.
Média salarial dos professores da FaC
Mais de 2000,00 R$
1000-2000,00 R$
Menos de 1000,00 R$
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
64
Quanto ao turno, nenhum professor ensina somente pela manhã: 83,5% ensinam
ao mesmo tempo nos dois turnos em que a IES funciona, manhã e noite; e, 16,5% lecionam
apenas no turno da noite.
Turno em que os professores da FaC trabalham
Manhã
Noite
Manhã/Noite
0,00% 10,00%20,00%30,00%40,00%50,00%60,00%70,00%80,00%90,00%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
Entre os sujeitos entrevistados, 99% dos sujeitos ensinam somente no curso de
Serviço Social, enquanto o restante ensina em mais de 1 (um) curso de graduação na
faculdade.
Curso de graduação em que os professores da FaC lecionam
Serviço Social e outros cursos
Serviço Social
0%
20%
40%
60%
80%
100%
120%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
65
33,5% dos docentes ministram cerca de 3 (três) disciplinas; 25% ministram 4
(quatro) disciplinas; outros 25% ministram 2 (duas) disciplinas; 8,5% ministram mais de 5
(cinco) disciplinas; e outros 8,5% ministram apenas 1 (uma) disciplina. Isto aponta, portanto,
uma má distribuição de disciplinas, isto é, alguns poucos professores bastante
sobrecarregados.
Disciplinas ministradas por semestre pelos professores da FaC
1 disciplina/semestre
Mais de 5 disciplinas/semestre
2 disciplinas/semestre
4 disciplinas/semestre
3 disciplinas/semestre
0%
5%
10% 15% 20% 25% 30% 35% 40%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
50% dos professores têm 3 (três) turmas por semestre; 16,5% têm mais de 5
(cinco) turmas; 8,5% ensinam em apenas 1 (uma) turma; outros 8,5% ensinam em 2 (duas)
turmas; outros 8,5% ensinam em 4 (quatro) turmas; e mais outros 8,5% ensinam em 5 (cinco)
turmas.
Turma/semestre em que os professores da FaC são lotados
Mais de 5 turmas/semestre
5 turmas/semestre
4 turmas/semestre
3 turmas/semestre
2 turmas/semestre
1 turma/semestre
0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
66
99% dos docentes trabalham como professor somente na FaC e apenas 1%
trabalha na FaC e em outras IES.
IES em que os professores da FaC lecionam
FaC e outras IES
FaC
0%
20%
40%
60%
80% 100% 120%
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de ago-dez/2012
Deste quantitativo geral, 25% dos professores atuam ou atuaram no ensino de
graduação público, sendo, por eles apontadas, as diferenças que mais se destacam entre o
ensino superior público e o ensino superior privado: a obrigatoriedade do ponto eletrônico; a
cobrança exacerbada em relação aos prazos; a elevada burocracia; a diminuição da
autonomia; o sistema avaliativo, que no caso da FaC difere, inclusive, das IES privadas do
Estado do Ceará; a ausência da pesquisa; a alta vigilância sobre os professores; o lançamento
de notas no sistema eletrônico da faculdade; a realização do curso de nivelamento durante o
período de férias, o perfil do aluno e sua concepção sobre a educação de nível superior.
Como quesito último, nem todos os pesquisados apontam problemas de saúde
relativos à docência. Porém, os principais problemas apontados por alguns dos sujeitos foram:
estresse, cansaço, rouquidão e alergia respiratória.
Desse modo, num parâmetro aproximado, tendo em vista quem nem todo o
colegiado do curso de Serviço Social da FaC participara desta pesquisa, conclui-se que o
perfil predominante dos professores assistentes sociais do curso de Serviço Social da
Faculdade Cearense é composto de professoras mulheres, mestras, horistas, casadas, que têm
entre 31 (trinta e um) e 40 (quarenta) anos de idade, assistentes sociais entre 6 (seis) e 10
(dez) anos, com, no máximo, 5 (cinco) anos de magistério. Trabalham como docentes apenas
na FaC, simultaneamente nos dois turnos, e somente no curso de Serviço Social, dedicando
entre 10 (dez) e 20 (vinte) horas/semanais da sua vida à sala de aula, possuindo entre 6 (seis) e
10 (dez) atividades acadêmicas relacionadas ao ensino, recebendo por isto entre 20 (vinte) e
30 (trinta) reais a hora/aula, com uma faixa salarial de não menos de 1000 (mil) reais, mas não
superior a 2000 (dois) mil reais. A maioria tem 3 (três) turmas, com um quantitativo que varia
67
entre 51 (cinquenta e um) e 60 (sessenta) alunos, ministrando em média 3 (três) disciplinas
por semestre. Menos da metade desses professores estão orientando TCC. Um quarto do
quantitativo atua ou já atuou no ensino superior público, ressaltando cerca de 11 (onze)
disparidades entre tais esferas. E, por fim, a maioria se sente estressada, cansada, rouca e
eventualmente em processo alérgico-respiratório.
Diante deste contexto de precarização do trabalho docente, a partir das entrevistas
e dos depoimentos, uma outra vertente surge, demonstrando o quão contraditória é a
sociedade burguesa, pois mesmo atuando sob tais circunstâncias, os professores têm muita
paixão por seu trabalho, por seus alunos e até mesmo pela instituição que lhes confere os
constrangimentos do estatuto assalariado. Assim assinala o professor I:
Por exemplo, essas condições de trabalho, o fato de eu me sentir bem na
faculdade, de eu vir pra cá e ficar feliz no meu local de trabalho, que eu vou
encontrar outras pessoas, outros colegas, isso reflete positivamente, porque
eu vou pra sala de aula bem. Eu encontro os alunos que eu também gosto
muito! Eu sou meio mãezona, vivo grávida do coração, então eu amo
muito os meus alunos! É sempre uma festa encontrar todo mundo!
Agora essa parte de ser professor horista, tá péssima! Acaba interferindo
sim, porque essa forma de contrato vai esgotando o tempo, vai esgotando as
energias do professor! Então, é um trabalho que se você tivesse uma forma
de contrato que lhe possibilitasse mais tempo de elaboração das aulas, mais
tempo fora da sala de aula remunerado, você teria uma maior qualidade no
ensino, inclusive! Da mesma forma que, se as turmas fossem menores, o
processo de ensino-aprendizagem avançaria com mais qualidade também.
(grifos nossos).
Os professores sempre falam bastante entusiasmados sobre o quão cordial e
colaborativo é o seu ambiente de trabalho, e aí encontram-se incluídos aqueles que pertencem
a outros cursos, não somente os professores do Serviço Social. Contraditoriamente 66, a sala de
aula é sempre referenciada como um espaço estrangeiro a superexploração do seu trabalho.
Assim ratifica o professor II:
Agora tem uma coisa muito boa que é a sala de aula! A sala de aula, eu
digo “Eu chego cansada e saio renovada da sala de aula!”. Porque
quando você tá numa turma, que a turma contribui, que a turma vai fazendo
junto e que você vai sentindo mesmo, que as pessoas estão interessadas, que
tá gerando sentido, é maravilhoso! É assim, quando você consegue
suspender todas essas outras dimensões e consegue encontrar um
sentido e dizer “Olha, pode ser por aqui!”. (...) Então a sala de aula, ela
66
É contraditório que o professor se afirme justamente no espaço onde o empresário retira a mais-valia. Percebese, portanto, que a docência é um trabalho alienado como qualquer outro na sociedade capitalista, conforme
aponta Marx (2011). Mas, para a maioria dos professores, não há estranhamento neste trabalho, possivelmente
devido a sua relativa autonomia num espaço privativo que é a sala de aula.
68
me renova! É impressionante! Em outros campos, eu chego cansada e
saio mais cansada ainda! Mas na sala de aula, eu chego cansada e
consigo! Eu chego em casa dez e meia (da noite), eu fico elétrica! Doida pra
dormir e não consigo, pensando nas coisas que aconteceram na sala de aula!
(grifos nossos).
É com base nestas vozes que se justifica não só a centralidade deste capítulo, mas
a essência desta pesquisa, a qual trata, em síntese, das condições objetivas e subjetivas do
assistente social que atua no magistério. Logo, aqui será demonstrado que tais professores
atuam entre a paixão e a precarização, entre o empenho e a energia vital que dedicam a este
ofício e suas reais possibilidades de labor.
3.2 Condições gerais de trabalho
Conforme fora demonstrado do início deste trabalho até agora, é um fato que a
precarização do trabalho docente é uma tendência nacional, quiçá mundial, e não só no ensino
privado, mas também no ensino superior público. Contudo, a principal disparidade entre estas
esferas é a forma de contrato horista, imposta ao professor, o qual, grosso modo, só é
remunerado pelas horas trabalhadas em sala de aula. Desta forma de contrato, decorrem
diversas outras fragilidades na vida dos trabalhadores que atuam na docência, os quais
sentem-se compelidos a lecionarem em mais turmas, a fim de garantir sua sobrevivência,
porém acabam por serem prejudicados em sua saúde, destituídos de seu tempo livre e
distanciados de suas famílias.
3.2.1 Contrato de professor horista e seus desdobramentos: ferramentas de extração da
mais-valia
No que diz respeito à “atribuição do valor” do trabalho dos professores, grande
parte de seu trabalho resulta em não ser-lhes remunerado, pois o grande dispêndio de energia
vital acaba por se dar fora da sala de aula, isto é, no âmbito domiciliar, durante a elaboração e
a correção de inúmeras provas e trabalhos, entre outras tarefas. Conforme o professor I, a
condição do contrato horista é:
Péssima! Eu acho essa condição péssima! Porque nós trabalhamos, o
trabalho do professor é um trabalho muito prazeroso, mas, por outro lado,
muito cansativo! Porque nós não trabalhamos só em sala de aula. A maior
parte do nosso trabalho é fora da sala de aula, porque a sala de aula já é
69
uma consequência de outras atividades que nós tivemos que realizar
antes, como: o planejamento de aula, o estudo do conteúdo que vai ser
apresentado, a elaboração de instrumentos avaliativos, depois a avaliação, ou
seja, a avaliação das provas. De modo que, quando o professor tá em casa,
ele está constantemente trabalhando para ir pra sala de aula! E, se nós
temos uma forma de contrato que só remunera a sala de aula, significa que a
maior parte ou a parte mais considerável do nosso trabalho não se é
remunerado. Não se é pago! E se aqui nós estamos numa clara relação de
compra e venda de força de trabalho, significa que um número muito
elevado de horas/aula deixou de ser pago. (grifos nossos).
Além disso, a remuneração do professor horista é algo muito abaixo do que
solicitam as condições reais de existência na sociedade burguesa contemporânea, pois
conforme apontado anteriormente, a média salarial destes trabalhadores não tende a
ultrapassar 2000 (dois mil) reais. Em se tratando do perfil do professor assistente social da
FaC que estudou, no mínimo, cinco anos de Serviço Social, somado a mais dois anos de
mestrado, mesmo que os valores estejam na média do mercado, ainda assim, o salário é
considerado, de uma forma geral:
Uma miséria! Uma miséria! Contudo, está na média do mercado das
instituições privadas? Está na média! Mas nós sabemos, estar na média
significa que nem é a melhor, nem é a pior! Em termos de realidade, essa
hora/aula é muito baixa! Pra um nível de, a titulação em geral, de mestres e
doutores! Levando-se em conta o que a gente estuda e o esforço que é
dedicado! (Professor I, grifos nossos).
O valor da hora/aula na FaC, como em outras faculdades, é baixo. Dessa
forma, a maioria dos professores se desdobram em várias disciplinas,
assumem uma carga horária pesada para ter um salário satisfatório – ou
tentar ter. (Ex-professor I).
A hora/aula da FaC, como na maioria das faculdades particulares, é bem
inferior ao que é digno, em termos de conhecimento que o professor deve
ter, tanto fora como dentro da sala de aula. (Ex-professor II).
A gestão da FaC reconhece que o modelo ideal de contrato não é o horista, mas
para a realidade de uma faculdade privada, não aponta outro desfecho.
Você sabe, eu não tenho elementos pra lhe responder sobre isso. Porque,
assim, se ele (o professor) não fosse horista, ele estaria como “parcial” ou
“integral”, ele já seria contratado por vinte ou quarenta horas. E essa é uma
realidade que para uma faculdade particular jovem como a FaC, seria
impraticável pra sustentar enquanto investimento. É isso que eu acho,
pensando num curso de uma faculdade particular. (Gestor I).
70
Nem todos os professores da casa são horistas, mas nem todos eles têm
condição de dedicação exclusiva à FaC, devido a outros compromissos
profissionais e pessoais. Ser horista não é o ideal, mas eu não conheço
nenhuma faculdade privada que “tem condições” de possuir outra
forma de contratação. (Gestor II, grifos nossos).
A relação de contrato horista causa uma grande sensação de insegurança nestes
trabalhadores, em relação ao mercado de trabalho, em relação a sua renda, visto que ela flutua
de acordo com o número de turmas em que o professor leciona, em relação, inclusive, as suas
relações sociais, as quais o capital contemporâneo trata de coisificar e superficializar,
culminando num verdadeiro ambiente de risco67.
Neste sentido, a jornada de trabalho dos professores da FaC é por eles considerada
estafante, sobretudo porque não se limita a sala de aula e porque nesta, o professor atua com
uma grande quantidade de alunos, além das muitas turmas que tem que dar conta para garantir
o seu sustento. Assim ratificam os docentes:
Extenuante! Por conta dessa forma de contrato que exige que o professor
esteja mais tempo em sala de aula pra poder ter um salário que pague suas
contas! Porque é professor horista! E esse conjunto de atividades extra-sala
de aula que não são remuneradas e que o professor tem que cumprir, como
orientações diversas, (...) a maior demanda que nós recebemos são as
orientações das mais diversas ordens dos estudantes. (Professor I, grifos
nossos).
Todos os dias, como também noites e madrugadas, estou envolvida com as
atividades da docência. Com certeza, a carga horária não é aquela em que
estou na instituição, contabilizada pelo registro de ponto. Esta, a do registro,
é somente aquela que a instituição atribui o valor do meu trabalho, que é
pensado pela lógica da hora e cobrado pela lógica da competência
intelectual. Há alguma confusão nesta equação?! Se me perguntassem
“Quantas horas você destina ao exercício de seu trabalho como docente?”,
eu diria “No mínimo, seis horas diárias, inclusive aos finais de semana.”.
Exemplo concreto: terças e quintas-feiras começo às 07:30 e vou até 22
horas, parando somente para as refeições. Quase doze horas diárias de
trabalho! Mas a instituição só vê, digo “registra”, seis horas/aula! (Professor
II).
Geralmente, é uma carga horária extensa, haja vista que a remuneração se
limita ao período em sala de aula. Essa situação compromete a pesquisa,
elemento tão necessário na academia. É importante citar também que os
professores são cobrados para ter uma carga horária mínima. Por exemplo,
se eu pudesse hoje estar ministrando somente uma disciplina na FaC, eu
estaria ainda na empresa, mas não é “compensatório” manter esse tipo de
professor. (Ex-Professor I).
67
Ver Sennett (2010).
71
A jornada de trabalho é extensa, devido a enorme quantidade de provas que
devem ser elaboradas e corrigidas, prejudicando todo o desenvolvimento das
aulas. (Ex-professor II).
Em contrapartida, a gestão da FaC aponta uma jornada de trabalho “razoável” do
seu corpo docente, cuja dinâmica acata as determinações legais da Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT). Contudo, parece se esquecer de que a jornada de trabalho docente não se
limita ao perímetro da faculdade, isto é, quanto mais alunos e turmas tiver esse professor,
mais trabalho terá fora da IES.
Nós seguimos, aqui na faculdade, muito a CLT, tanto que se ela deixasse
mais livre, o professor ainda gostaria de mais aula. Eu diria que no núcleo de
Serviço Social, a gente não tem professores superlotados, não! Em termos de
carga horária, não! (Gestor I).
É respeitada a legislação do descanso de, no mínimo, onze horas de intervalo
entre uma aula e outra, além do descanso semanal remunerado. (Gestor II).
É preciso não perder de vista que o Estado, através dos seus dispositivos legais,
regulamenta e, portanto, legitima – podendo, por vezes, até naturalizar – as formas de
exploração burguesa. Logo, quando a gestão da IES afirma atender as normatizações
trabalhistas, isto não significa suspender a expropriação do trabalho, mas significa sim que o
sofrimento físico e mental dos trabalhadores está sendo diminuído, inclusive, para que os
professores desempenhem seu trabalho a contento do próprio capital.
Quanto ao contingente de professores na FaC, os sujeitos desta pesquisa
apontaram a necessidade da IES contratar professores substitutos, quando da ausência dos
professores permanentes – seja por motivo de doença, de capacitação profissional, de
demissão ou outros. Assim, o quadro de professores, ao menos do curso de Serviço Social, é
considerado pelos interlocutores deste trabalho como sendo, apesar de grande, insuficiente
para atender as demandas do curso, de modo a intensificar o trabalho daqueles professores
que compõem o elenco docente da FaC.
Eu penso que a faculdade deveria se preocupar em contratar professores
substitutos, porque quando falta um professor, realmente significa um
acarretamento de trabalho para os outros – os demais, que tem que dar conta
da sua carga horária e substituir os colegas. E nem sempre é fácil! Por mais
que no curso de Serviço Social, por exemplo, nós tenhamos um grupo
grande de professores. (Professor I).
72
Com a contratação de menos trabalhadores, o empresariado corta custos legais e
ainda mantém seus operários tão ocupados que dificulta sua mobilização política em prol de
melhores condições de trabalho. Assim, é fato que esta é uma tendência da reestruturação
produtiva que visa cada vez mais produção com cada vez menos trabalhadores. De forma que,
é possível demonstrar que o trabalho docente também é atingido pelas mudanças no mundo
do trabalho, na atualidade.
Ademais, a intensificação do trabalho parece ocorrer sob a seguinte fórmula: cada
vez menos trabalhadores com cada vez mais atividades para desempenhar. Desse modo,
conforme apontado pelos sujeitos nos questionários, dentre as inúmeras atribuições citadas, as
principais são: planejar e ministrar aulas; participar de reuniões e comissões; orientar
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), Projetos de Pesquisa e Intervenção; elaborar e
corrigir provas e trabalhos; elaborar plano de aula e de ensino; atualizar bibliografia da/s
ementa/s; lançar planos de aula, de ensino e notas no sistema eletrônico da faculdade;
pesquisar e ler os conteúdos ministrados em sala de aula; realizar visitas institucionais;
fiscalizar prova de segunda chamada e vestibular; preencher diários acadêmicos; fazer
orientações diversas aos estudantes, dentre outras atividades.
Este excessivo número de atividades, adicionado ao fato de turmas extremamente
numerosas – com cerca de 51 (cinquenta e um) a 60 (sessenta alunos) –, fragiliza tanto as
condições de trabalho dos professores, que fazem um esforço sobre-humano para dar conta de
todas as atividades, assim como interfere diretamente no processo de ensino-aprendizagem
dos estudantes, os quais portadores de muitas vulnerabilidades herdadas do período da
educação básica. De forma que, mesmo que o professor constate que determinado/s aluno/s
não está/ao conseguindo obter um aproveitamento satisfatório, não possui condições objetivas
de dedicação maior a esta demanda. Conforme aponta o professor II:
A justificativa vem toda pela lógica da manutenção do gasto, do custo. É a
lógica custo/benefício. Essa tem sido mesmo a lógica, porque precisa manter
a instituição funcionando. E vai esbarrando nisso aí! Então, essa história das
superlotações das turmas é algo, eu não assumiria, de forma nenhuma, uma
disciplina de Fundamentos de TCC nesse contexto! Eu dou uma disciplina
chamada (...) que é no (...) semestre e é difícil demais! Mas essa disciplina
ela não requer ali que o aluno esteja construindo um produto, uma
elaboração teórica para conclusão do curso dele. No Fundamentos de TCC,
esse aluno tem que produzir! E ele só produz se eu olhar pra ele! Se eu não
olhar pra ele, se eu não compreender do que é que ele tá falando, ele não
produz! E aí, o professor, vai dá conta de entender de quarenta, cinquenta,
sessenta objetos? Não dá! Num vai não!
73
Ou ainda conforme o professor III:
Quando eu percebo algum aluno assim, eu dou mais atenção, eu digo “Olha,
você tá entendendo por aqui?”. Agora, num dá é pra tutelar! Porque você
teria que fazer um acompanhamento que eu não sei até que ponto a
faculdade nos dá condição pra isso, pra acompanhar mais de perto!
Mas a gestão da FaC não considera numerosas as turmas do curso de Serviço
Social e ressalta sempre que tudo na IES é feito conforme a legislação que o Ministério da
Educação (MEC) normatiza.
Eu acho excessivo sessenta (alunos). O MEC autoriza sessenta, mas
realmente eu acho excessivo! Porque, assim, o MEC autoriza sessenta, a
faculdade põe sessenta, mas a gente chega ao quinto semestre com uma
evasão de uns 10% a 20%. Principalmente os primeiros semestres têm uma
evasão bem maior, porque as pessoas não se identificam com o curso, estão
sem trabalho, aparece trabalho, e por aí vai. Então, eles (os empresários)
contam com isso. Mas eu acredito que quarenta alunos é um número bem
ideal pra gente ter, mesmo contando com a evasão. Eu não vejo problema
nenhum, num oitavo semestre, em botar quarenta alunos, não vejo mesmo.
Mesmo com monografia, não vejo. Até porque a gente tem a metodologia de
alternar dias de atendimento, de acompanhamento desse aluno. Quer dizer,
você não atende os quarenta num dia só. (Gestor I).
É o estabelecido pelo MEC. Com raríssimas exceções, temos turmas
numerosas, que são mais comuns nos primeiros semestres, em torno de
sessenta alunos. O que para uma série inicial, não vejo nenhum problema.
Mas também, uma turma de sexto semestre com em torno de cinquenta
alunos, não vejo problemas. Quando parte para a questão do estágio, aí a
turma é dividida, conforme a legislação que a coordenação é muito atenta!
Em Harvard, por exemplo, as aulas acontecem com cerca de cento e vinte
alunos, em anfiteatros e é uma das melhores escolas universitárias do
mundo. Ou seja, não há interferência na qualidade. A metodologia aplicada
em sala de aula é que pode interferir. (Gestor II).
A gestão da FaC afirma conceber uma turma de sexto semestre do curso de
Serviço Social com um quantitativo de cinquenta alunos como algo aceitável. Os professores
discordam completamente desta concepção, uma vez que, em qualquer que seja o semestre,
um total de cinquenta alunos em uma sala de aula acarreta mais trabalho e distanciamento
entre professor e aluno. Ademais, no que toca à dinâmica de um sexto semestre do referido
curso, as disciplinas são bastante densas, tratando de assuntos como, por exemplo: o Serviço
Social na saúde, as legislações referentes a essa área, sua relação com a seguridade social; a
questão da instrumentalidade e sua relevância para o Serviço Social; a elaboração do projeto
de intervenção no campo de estágio; entre outras complexas questões. Neste sentido,
74
conforme a gestão aponta em sua fala, qual seria a metodologia mais adequada a uma sala de
aula com esta dinâmica?
Nestas circunstâncias, diante de todas as adversidades próprias da atividade
docente no contexto privado, fica debilitado o compromisso técnico e ético da categoria
dos/as assistentes sociais, normatizado, inclusive, em seu Código de Ética/1993, qual seja, a
sua capacitação continuada. Tal compromisso é de uma dimensão técnica porque remete aos
serviços de qualidade prestados à população-usuária. E é ético porque diz respeito à dimensão
socioeducativa do trabalho dos assistentes sociais, os quais informam e mobilizam a classe
trabalhadora quanto aos seus direitos, numa perspectiva libertária. Assim, este compromisso
não se encerra no trabalho assalariado feito com qualidade, mas está para além da reprodução
da lógica burguesa, tendo em vista ser um posicionamento político em favor dos
trabalhadores.
A Faculdade Cearense possui algumas peculiaridades mencionadas pelos sujeitos
desta pesquisa com bastante ênfase, tais como: a burocracia e o sistema avaliativo. Os
professores elencam estes dois aspectos como sendo os fatores mais inconvenientes ao seu
trabalho.
Embora a complexidade da sociedade burguesa contemporânea exija uma
organização de cunho mais rigoroso, esta, às vezes, confunde-se com uma burocracia
excessiva, que foge à finalidade de sistematizar os processos da vida cotidiana. Além disso,
acaba por hierarquizar tais processos. No caso da FaC, os professores consideram que a
mesma burocracia que organiza, também hierarquiza, dificultando mais do que facilitando o
trabalho, principalmente porque tal hierarquia centraliza as decisões na gestão, a qual se
comporta como a própria personificação do capital, devido ao seu autoritarismo amplamente
mencionado pelo corpo docente.
Conforme aponta o professor II:
Há uma lógica de se pensar, pelo menos aqui nessa instituição, que eu
considero autoritária, que é assim “Como a gestão está pensando” e se
alguém se posiciona contra, já é visto como um inimigo e não como
alguém que tá colocando algo que precisa ser pensado. Você vê uma certa
imobilidade dos docentes e essa imobilidade, eu não acho que é porque as
pessoas são ruins, mas que as pessoas não têm condições concretas pra dar
conta da sua sobrevivência! Então fica todo mundo meio que com medo de
se posicionar! Vejo pela fala dos colegas, é mesmo a condição da
sobrevivência! “Eu preciso reproduzir a minha vida! Eu preciso deste
salário! Então, não vou falar!”. É uma encruzilhada! Aí você vê as pessoas
nos corredores fazendo essa discussão da insatisfação em algumas situações,
mas que elas não encontram unidade pra se colocar. Dentro de uma
75
perspectiva mesmo autoritária! Nós vivenciamos aqui a saída de vários
professores muito bons! Gente, o que a FaC já perdeu de professor bom!
Então, você vai vendo que essas pessoas vão traçando seus caminhos e elas
vão saindo. Porque a lógica tem sido mesmo a da hierarquia, do
autoritarismo! (grifos nossos).
Conforme o gestor I:
Eu não diria uma gestão fechada, mas é hierarquizada e é centralizada.
Algumas coisas, a gente tem autonomia pra resolver, outras já nem tanto.
Vamos dizer que, o nosso diretor, ele segura muito os processos, ele
centraliza algumas decisões.
Mas, de acordo com o gestor II, no geral, a gestão da FaC é,
Bastante “aberta”. É um bom relacionamento que se tem com os professores.
Estou os três turnos na faculdade, disponível para quem quiser falar comigo.
Assim como os outros quatro gestores, são muito “abertos” também.
A burocracia em excesso da FaC é, inclusive, apontada como sendo um dos
principais motivos que levam os professores a sair da IES ou mesmo não chegarem nem nela
trabalharem. A fala do professor III indica tal consideração:
O que pesa contra a FaC não é nem o valor da hora/aula, é essa carga de
trabalho, essa burocracia! Tem alguns colegas que dizem “Não, eu prefiro
trabalhar numa outra faculdade que não vai me demandar tanto trabalho, que
eu vou ganhar tanto quanto ou até mais, por poder dar mais aula em mais
turma, sem esse excesso de burocracia e de trabalho!”. Entre nós colegas que
damos aula, isso é colocado e no caso da FaC, é bem evidente! A FaC tem
essa famazinha chata.
Conforme o gestor I:
Eu acredito que nós temos uma burocracia mais intensa, mais trabalho.
Como professor, é exigido mais burocracia. Esse professor é submetido a
lançamento de notas, documentação ao fim de cada semestre, ele tem uma
documentação que tem que entregar a coordenação, todos os mapas de
frequência, etc. Eu acho que se a gente tivesse um investimento maior em
T.I. (Tecnologia da Informação), a gente teria menos burocracia. Mas tudo o
que tem (de burocracia) é necessário. E a gente já diminuiu muita
burocracia, muita coisa mesmo, pelo menos no Serviço Social.
A burocracia extrema da FaC não só contribui para agravar as condições de
precarização do trabalho do professor, como acaba por fragilizar o ensino dos estudantes, que
76
só têm perdido com a retirada massiva de profissionais competentes, titulados, e que saem em
busca, não apenas de melhor remuneração ou estabilidade, mas também procuram menos
complicação e menos trabalho desnecessário como, de fato, a burocracia excessiva tem
demonstrado ser.
Mas em relação a considerável rotatividade constatada na FaC, a gestão da IES
discorda que as razões para tal circunstância sejam indícios de precarização do trabalho
docente, conforme demonstram as vozes dos gestores:
É um problema! É um problema pra gente! Têm picos, dependendo do que
acontece no Estado (Ceará). Mas essa rotatividade se dá por quê? Porque o
professor, principalmente o doutor, ele busca trabalhar em escolas públicas,
como professores adjuntos. E quando surge concurso, mesmo em outra
unidade da federação, longe e tudo, eles vão e eles passam. E aí a gente
perde os professores. A gente não perde porque a situação da faculdade é
precária! A gente não perde porque eles não gostam dos alunos ou da
coordenação ou porque eles não gostam da situação de ser professor de uma
particular! É a minha avaliação: a gente perde porque a gente perde pra
uma coisa melhor, que é uma faculdade pública, professor adjunto com
dedicação exclusiva e tudo! Então, essa rotatividade da instituição não
tem outra razão que nesse momento eu lembre, sempre é uma questão
de trabalho, buscar melhores condições para o professor doutor. O
professor mestre, ele sai muito porque ele passou num doutorado. É sempre
nessa dimensão, nessa perspectiva de uma ascensão, pra sua qualidade
pra sua formação, professor querer melhorar sua titulação. (Gestor I,
grifos nossos).
Não vejo rotatividade, discordo! Naturalmente, final de semestre, o
professor que passou num concurso público, pede pra sair da instituição. A
FaC não costuma demitir, salvo raras exceções. (Gestor II, grifos nossos).
Ademais, é necessário acrescentar que, em suma, a gestão da Faculdade Cearense
descreve as condições do trabalho docente como sendo as melhores possíveis, conforme
testemunham suas falas:
Nós temos uma boa condição de trabalho. Em relação às próprias relações de
trabalho, são boas! (Gestor I).
A condição de trabalho é a melhor possível! Tecnologia, há data show em
todas as salas de aula, tablets e ipods que estão para chegar. Estrutura física,
razoavelmente boa. Segurança, temos segurança armada 24 horas, câmeras
de vigilância, vai ser implantado o sistema de catracas. Agora, a segurança
pública é que é falha! Estacionamento, é um complexo na cidade inteira de
Fortaleza, não é um problema apenas da FaC. Mas com o Campus III,
acredito que irá melhorar pra nós. Biblioteca, a bibliografia atualizada é uma
exigência indispensável! E seu espaço é satisfatório. Ambiente de trabalho é
77
o melhor possível, harmônico. Autonomia do professor é completa dentro de
sala de aula. Fora dela, o que ele tem é prazo a cumprir, como sinônimo de
organização da instituição. (Gestor II, grifos nossos).
Na concepção dos professores – que são aqueles que vivenciam de forma mais
intensa a precarização do trabalho – o sistema avaliativo da faculdade também possui altos
índices de insatisfação, sendo considerado pelos docentes um verdadeiro equívoco
pedagógico, tendo em vista atravancar o processo de ensino-aprendizagem porque
essencialmente centrado nos resultados e metas. Para sublinhar esta afirmação, as vozes dos
professores fazem-se primordiais:
Eu acho que esse método, ele é muito problemático! Desde que entrei aqui
na faculdade que me causava muita estranheza essa forma de avaliação. Foi
a primeira vez que eu me deparei com uma instituição que avalia tanto!
Então, observando as argumentações que justificam essa forma de sistema
avaliativo, elas se dão no sentido de que quanto mais se exige, é como se
essa forma avaliativa fosse no sentido de demonstrar que a instituição, ela é
rigorosa! Ela tem qualidade porque ela exige e ela exige através de tantas
avaliações. Então, a meu ver, pedagogicamente, isso não faz sentido. Pelo
contrário! Porque atropela os conteúdos, o professor não consegue trabalhar
de forma detalhadamente os conteúdos, porque já tem que se preocupar com
a nota e gera aquela consequência que os alunos, eles não estão preocupados
com o aprendizado, mas estão preocupados com a nota! É uma avaliação
absurda! Um excesso de avaliação! Então, a meu ver, do ponto de vista
pedagógico, avaliar tem outro sentido! A avaliação é uma consequência e é
um termômetro que vai medir, fazer uma menção aproximada da
aprendizagem. Então, se há essa coisa excessiva de avaliar, avaliar, avaliar,
acaba que a gente não consegue nem trabalhar os conteúdos adequadamente,
de uma forma mais pausada, dentro das condições pros alunos entenderem
aquele conteúdo, processar aquele conteúdo de forma adequada. E isso ainda
acarreta uma coisa muito pior, que é fazer com que o aluno se volte só pra
nota e não pro aprendizado. Então, muitas vezes você tá lá no meio da aula,
empolgada, dando aula, aí o aluno pega e diz assim: “Professora, isso aí vai
cair na prova?” (Professor I, grifos nossos).
O método avaliativo dos alunos se constitui de muitas etapas, levando os
professores e alunos a direcionarem as suas ações, muitas vezes, para a
avaliação e não para o conhecimento. (Ex-professor I).
O que estressa é essa cobrança, essa falta de liberdade pra trabalhar de
acordo com o que você avalia que seja mais interessante. Por exemplo, eu
poderia repensar uma avaliação e não fazer prova durante o semestre. A FaC
não permite! O sistema avaliativo intensifica o volume de trabalho que
demanda das turmas. Porque eu poderia fazer uma avaliação em dois
trabalhos, fazer uma avaliação escrita, uma resenha. Como a gente tá
atualmente na última etapa, esse mês é bem curtinho. Logo, logo, já é a
avaliação. Então, a gente acaba, por exemplo, eu vou terminar um assunto
agora e vou já trabalhar as turmas pra pensar a avaliação. Então, a gente joga
78
conteúdo demais, sofre muito mais em função de uma avaliação, do que de
um aprendizado. E avaliação é um componente de aprendizado. Você
consegue aferir, medir o conhecimento do aluno, mas ela não dá conta de
tudo! É importante, mas da forma como é colocada, é você estimar demais
essa coisa da avaliação! E deixa de pensar outros processos que, talvez,
tenham a mesma importância! E isso tem intensificado muito estresse
também em nós, enquanto profissionais. (Professor III).
O método avaliativo da FaC traz grande problema para o desenvolvimento
dos conteúdos e passam alunos que não tem a mínima condição de se
graduar! (Ex-professor II).
Em relação ao método avaliativo, os gestores diferem em seus pontos de vista,
conforme assinalam os depoimentos a seguir:
A gente aprova o método. A avaliação mensura a qualidade do ensino. O
documento elaborado pelo curso de Serviço Social não possuía nenhuma
fundamentação teórica. A proposta que o documento traz, parece querer
afrouxar a qualidade. A gestão está aberta, disposta a colaborar, inclusive, eu
como doutorando em avaliação, me ofereci para ajudar com a formulação de
um novo documento e rever o sistema avaliativo68. No processo formativo é
necessário avaliar o aluno constantemente. (Gestor II).
Já o outro gestor, levando em consideração o perfil do aluno da FaC, considera o
sistema avaliativo:
Exagerado! Exagerado! Nós temos trabalhado pra alterar isso, mas temos
trabalhado muito pouco. A direção pede um novo modelo, uma proposta e
essa proposta ainda não foi dada. Desde que o mundo é mundo que se
reclama disso, que todo mundo reclama, mas a proposta formal não foi feita
ainda. Ontem mesmo conversamos com ele sobre isso e ele tá aguardando
68
O sistema avaliativo da Faculdade Cearense é alvo de uma reivindicação de todos os estudantes da IES. Desse
modo, o corpo discente do Serviço Social, liderando tal movimento, elaborou um documento no último semestre
do ano de 2011 que demonstra a incompatibilidade entre o método avaliativo e todas as formações profissionais
ofertadas na instituição. O referido documento é fruto de uma pesquisa – de cunho bibliográfico e de dados
estatísticos – realizada pelo movimento estudantil, que contou com a participação efetiva de 1605 (mil seiscentos
e cinco) alunos dos mais diversos cursos da faculdade, apresentando os seguintes resultados: sobre o atual
sistema avaliativo da FaC (três etapas) permitir ao aluno estudar e aprofundar o conteúdo das disciplinas, 1243
(mil duzentos e quarenta e três) responderam que não; sobre o processo avaliativo permitir ao acadêmico
pesquisar, estudar temas, ler livros relacionados a sua formação (além do conteúdo ministrado em sala), levando
em conta o perfil dos estudantes, que, na sua grande maioria, são trabalhadores, o resultado foi que 1313 (mil
trezentos e treze) responderam que não permite; sobre o sistema avaliativo verificar o nível de aprendizagem do
aluno, relacionado ao domínio das teorias e técnicas ensinadas, levando em conta a sua formação para o
competitivo mercado de trabalho, o resultado foi que 1275 (mil duzentos e setenta e cinco) estudantes
responderam que não verifica; e, por fim, como os discentes veem tal sistema avaliativo, entre os quesitos bom,
ruim, satisfatório, nulo e regular, este último prevaleceu com 722 (setecentos e vinte e dois) votos. Estes são os
resultados de um estudo que compôs o referido documento e que foi concebido pela gestão da FaC como de
frágil embasamento teórico, ainda que os estudantes tenham demonstrado que no seu cotidiano, o método
avaliativo composto por três etapas mais acarreta transtornos que benefícios à formação profissional.
79
“Cadê a proposta?”. Cada faculdade tem uma particularidade, eu acho
que nós temos uma particularidade, aí diz “Ah, todo mundo é
trabalhador!”, mas o nosso aluno, ele é um aluno pobre, ele tem que
trabalhar! Então, tudo o que a gente vai fazer, a gente tem que pensar nesse
perfil desse aluno. A despeito de ele não ter tempo, ele tá imbuído a
melhorar e estudar. E já tem outros colegas que já nem trabalham tanto e
ficam em busca de coisa mais fácil, entre algumas concessões. Mas nós
temos a grande maioria dos nossos alunos nesse perfil (de trabalhadores).
Então, o nosso modelo de avaliação tem que considerar isso! Mas não
considerar de uma forma que vá fragilizar a avaliação! Nós precisamos de
cabeças pensantes, de cabeças que detenham esse conhecimento. Avaliação é
complexo demais! Nós temos pouco tempo para uma compreensão,
desenvolver a compreensão dos conteúdos, em função dos próprios
conteúdos – tudo o que se vê é em função da avaliação! Então, é isso, é o
foco que precisa mudar! Se a gente conseguisse mudar isso sem mexer na
avaliação, mas é uma coisa que eu diria, é quase impossível! Nós temos que
ver, se é excessivo pra esse aluno, é excessivo pro professor, com
correção, lançamento. Aí você vai considerando turmas mais complexas
nas suas relações, que brigam entre si e o professor tem que lidar com isso.
Com certeza, nosso sistema avaliativo, todo esse processo, é exaustivo! A
ideia da direção, da gestão e de alguns professores que pensam assim (contra
a mudança do sistema avaliativo) é que o aluno só estuda se for cobrado
dele. Se não for cobrado, ele não vai estudar, não vai ter uma boa formação,
porque ele não vai estudar realmente. E por outro lado, ele estuda, mas é
para a prova, então ele esquece tudo no dia seguinte. Então, realmente
tem os prós e os contras. Teríamos que conversar com pessoas especialistas
no assunto. Talvez nos falte condição de tempo, de conhecimento mesmo, de
domínio do assunto pra montar uma proposta e eu acho que isso tem que ser
coletivo mesmo, tem que ser coletivo! Tem que ser construído! Porque você
sentando aqui e montando, elaborando muito individualmente, isso não vai
estar atendendo a necessidade de todos os cursos! (Gestor I, grifos nossos).
As manifestações dos professores – e de uma parte da gestão – denunciam
claramente a tamanha problemática que é o peculiar método avaliativo da Faculdade
Cearense. Tal formato de avaliação, entre outros fatores, submete a autonomia intelectual dos
docentes e sua capacidade criativa a práticas meramente adestradoras ao mercado, alheio a
uma concepção pedagógica que ofereça, de fato, qualidade ao ensino e criticidade.
Neste sentido, através das colocações supramencionadas, pode-se perceber, em
suma, que o sistema avaliativo da referida IES, intensifica o trabalho do professor, que por
sua própria natureza já é desgastante; pressiona professores e alunos por prazos e metas; eleva
a rígida burocracia da IES; possui um caráter antipedagógico; adensa o utilitarismo dos
estudantes em detrimento do conhecimento e do prazer pelo novo aprendizado; aligeira e
fragmenta os conteúdos; deprecia a autonomia do professor; enfim, empobrece o espaço
acadêmico e seu pôr teleológico69.
69
Lukács apud Antunes (2007).
80
O professor da faculdade privada comprova à classe patronal o tempo que
permanece na instituição através do registro no ponto biométrico. Esta tecnologia é, nos
dizeres de Sennett (2010), o novo senhor do tempo, aquele que determina a maior parte da
vida do homem moderno. Os interlocutores desta pesquisa atribuem uma só expressão para
definir seu sentimento em relação a esta máquina: “vigília”. É o controle e a vigilância direta
sobre a vida do trabalhador. O professor III assim sintetiza:
É outro fator que nos estressa, é uma forma de controlar a vida do professor!
É aquela questão de vigilância constante! Fere nossa liberdade! Porque eu
posso numa turma, de acordo com os alunos, terminar mais cedo e me retirar
mais cedo, isso sem prejudicar o andamento dos conteúdos das aulas. Nas
turmas da noite, é questão de segurança mesmo, mas eu digo “Olha, num é
porque eu liberei vocês, que eu também posso ir, porque eu tenho uma coisa
do ponto!”. E esse ponto acaba estressando também porque, às vezes, no
final da aula os alunos vêm tirar inúmeras dúvidas. Então, 09h:15m, eu
esqueço porque eu tô conversando com os alunos, tô trabalhando, mas acabo
perdendo. E a própria questão de bater o ponto, ela não garante que mesmo a
pessoa estando em sala, que as atividades vão começar. Eu num sei se é
coisa de repensar os horários de começar e terminar a aula. Que isso pode até
mudar a carga horária, sei lá, ter mais dia de aula, como já aconteceu na
faculdade em que eu trabalhava. Eu num gosto de sair dez horas (da noite),
mas a gente sai por esse sistema de controle de vigilância. Eu me sinto na
perspectiva de Foucault, que você tá sendo observado, o tempo todo tem
alguém te vigiando! Às vezes, passa uma falta de confiança no professor.
Porque se o professor num vem, se ele falta, se ele se atrasa por excesso é
uma coisa que os próprios alunos, quando comprometidos, eles chegam a
denunciar também, alguma negligência. Então, essa coisa de vigilância, de
controle, eu não acho muito legal, tudo tá se reportando ao ponto eletrônico e
se houve algum esquecimento, ou por algum motivo você não bateu, você
tem que mandar um email, é um fator que chega a ser chato. Chateia porque
tem sempre aquele olho te olhando, te pastorando.
O professor II aponta fatores em relação ao ponto eletrônico que interferem na sua
subjetividade:
O ponto eletrônico? Ah, eu me sinto dominada pelo ponto! Não conto as
vezes que já saí de casa sem tomar café da manhã porque tinha que bater o
ponto. E que vou tomar minha primeira refeição nove horas da manhã, no
lanche aqui na cantina. “Ah, mas é só acordar mais cedo! Acorda mais cedo
que dá!”. Sim, se eu acordar mais cedo, com referência em que horas eu fui
dormir preparando aula?! Me sinto assim, pressionada demais, com essa
história, ponto vai, ponto vem, na hora de entrar, na hora de sair! A hora de
bater no início, a hora de bater na saída. Eu não tenho tanta dificuldade de
bater o ponto, mas me sinto constrangida quando passo da tolerância. E olha
que não é nem por passar do horário, porque muitas vezes eu já cheguei aqui
cinco horas da tarde pra tá elaborando atividades, quando eu vejo, vou pra
sala de aula, esqueci o ponto. Aí justifica pelo email, mas assim, me sinto
constrangida de fazer isso.
81
A gestão contrapõe-se às considerações tecidas pelos professores, evidenciando
(novamente) a legislação e certa flexibilidade quanto ao registro compulsório do ponto
eletrônico:
Pensando como gestão, é muito necessário! Mas nós temos uma forma de
flexibilizar, por exemplo, o professor liga se não puder vir, a gente pede que
mande um email, mande uma atividade, a gente vai em sala, passa essa
atividade. Isso é pra que o professor não tenha prejuízo nenhum, nem do
dinheiro dele, da remuneração. Também se for um problema de saúde, se
tiver condição de colocar o atestado, muito bom. Se não, manda o email.
(Gestor I).
O ponto é importante, inclusive, no que toca à legislação. E também, o
professor pode requerer a qualquer momento a comprovação do dia e hora
em que esteve na faculdade, especialmente, em caso de dúvidas ou erros da
instituição que podem ocorrer. Mas há bastante flexibilidade quanto ao
“esquecimento” desse registro. É também importante pra organização da
faculdade. O professor é um funcionário como outro da administração.
(Gestor II).
Todos os apontamentos feitos pelos professores e aqui relatados elencam os
principais mecanismos de extração de mais-valor, diariamente expropriado dos trabalhadores
docentes pelo capital. É importante que se tenha claro que todas estas ferramentas compõem
um processo único e articulado que objetiva essencialmente extrair superlucros e minar toda a
disposição física e mental da classe trabalhadora para a luta contra a banalização dos seus
direitos e da sua vida.
A despeito da paixão pela docência, é preciso ressaltar a admiração e o respeito
que os professores têm uns pelos outros na FaC, tanto em relação à competência profissional,
como em relação às características pessoais de cada um. As falas destes sujeitos vêm sempre
acompanhadas de muitos sorrisos quando interpelados sobre o ambiente de trabalho e as
relações tecidas na IES, conforme apontam os professores II, I, III, respectivamente:
Eu gosto muito daqui! É realmente com o grupo de professores que eu
convivo, que a gente vê mesmo a vontade! A vontade de contribuir e mais
ainda, a preocupação mais com a formação, para além da preocupação com a
instituição. É um grupo de professores que tá preocupado com a formação
profissional. Que tem uma história, que veio da Universidade Estadual,
preocupado mesmo, de participação política, que se preocupa com a
formação e que vem realmente preocupado com a formação do Serviço
Social. (Professor II).
82
Olha, aqui tem uma coisa muito legal que eu acho, que não tem em outros
lugares, o grupo de professores é um grupo muito legal! Nós estabelecemos
uma relação muito amistosa entre nós! De colaboração mesmo, de
solidariedade, é um grupo muito bacana! Eu gosto muito de fazer parte desse
grupo! A gente se sente bem! Existe uma coisa aqui na Faculdade Cearense
que você chega e se sente bem no seu local de trabalho! A sala dos
professores é um lugar de festa! Que se chega, que se encontra, que fala, que
brinca! E que conversa, que discute as coisas das disciplinas, então, é uma
relação muito, muito bacana! Não noto clima de competitividade, não noto
isso. E outra coisa que nós não temos aqui, que nas instituições públicas é
muito presente, é a questão do ranço entre as filiações teóricas, isso não é
muito aceso aqui. (Professor I).
Eu gosto do clima de trabalho! É um clima de colaboração muito grande!
Então, é bem agradável! Até mesmo nos momentos de tensão. Até mesmo os
professores de outros cursos, eles são bem simpáticos! E não vejo
competitividade entre professores, não vejo isso. Na FaC, é muito bom!
(Professor III).
Numa conjuntura tão adversa à classe trabalhadora, onde o capitalismo
contemporâneo se utiliza de tantos mecanismos cruéis para fragilizar a subjetividade dos
trabalhadores e corroer-lhes o caráter70, é realmente muito curioso que existam relações
afetivas tão estreitas como se revelam as relações entre os professores da FaC. Desse modo,
esta pesquisa intenciona demonstrar que as configurações do trabalho docente na FaC são
uma tendência brasileira – ou mesmo mundial –, no entanto, algumas particularidades se
anunciam, como, por exemplo, essa amistosa relação entre os professores da referida IES.
3.2.2 A sala de aula que remunera ou a pesquisa que aprimora? Eis a questão!
A relação do Serviço Social com a dimensão da pesquisa é, antes de tudo, um
processo histórico, relativamente recente71, vinculado à universidade, que se refere ao
amadurecimento intelectual da profissão, numa perspectiva que evidencia a capacidade de
produção de conhecimento científico. Neste contexto, assinala Bourguignon (2007, p. 49), “a
pesquisa é constitutiva e constituinte da prática profissional do Serviço Social, sendo
determinada pela sua natureza interventiva e pela inserção histórica na divisão sociotécnica do
trabalho.”.
70
71
Paráfrase à Sennett (2010).
A pesquisa é concebida como componente medular do Serviço Social por volta da década de 1990, fato
constatado, inclusive, quando a ABESS torna-se ABEPSS.
83
Isto posto, é possível compreender quão relevante é a dimensão da pesquisa para o
Serviço Social, tendo em vista fomentar a atitude investigativa que o/a assistente social deve
desenvolver junto a sua práxis profissional. Contudo, a realidade atual mostra-se bastante
severa com os trabalhadores, em especial com aqueles que se dedicam às atividades de
pesquisa e docência, pois um dos maiores dilemas destes pesquisadores está entre escolher o
aprimoramento intelectual/profissional através da pesquisa ou dedicar mais tempo à sala de
aula que garante a sua sobrevivência.
Em se tratando da realidade dos docentes da FaC, estes devem procurar outras
searas da pesquisa, pois a IES não oferece este espaço de elaboração do conhecimento,
mesmo que a própria natureza da profissão do Serviço Social prime por esta particularidade.
Complementando esta afirmação, o professor II assinala, “A pesquisa está para o Serviço
Social como o laboratório está para a farmácia!”. Isto é, um não existe sem o outro.
A gestão da FaC aponta o que considera como pesquisa e extensão na faculdade e
o que há de projetos:
Eu acho que a gente tem muito o que fazer, a FaC tá, assim, engatinhando na
pesquisa! Uma questão que deve ser colocada, o próprio MEC não exige das
faculdades essa atenção, esse tripé. Não exige porque acha que isso é um
fazer, um exercício da universidade. Mas quando a gente tem uma avaliação
de curso ou reconhecimento, o que a gente apresenta de pesquisa e de
extensão, a gente ganha ponto. Então, ele não exige quando dá uma
autorização, mas é favorável demais a um curso que tenha investimento
nessa área. Mas a gente tá caminhando, tá construindo. Nós temos a
autorização da direção, com a assinatura do diretor, do nosso grupo de
estudo e pesquisa, que não começamos ainda, a seleção foi aberta, tivemos
poucos inscritos, o edital também demorou a sair, isso foi em abril do ano
passado. Por que tão lento assim? Eu acredito que seja um excesso de
trabalho nosso! Então, assim, a gente tem um investimento, mas eu acho que
a gente tá coerente com a idade da FaC. Pro Serviço Social, talvez que a
faculdade investisse mais, eu acredito que o nosso curso ainda seria melhor!
A extensão, a cada ano tem melhorado, mas essa questão da faculdade
vinculada à comunidade, a gente tem muito que construir. Temos um projeto
do Serviço Social, a gente elegeu uma comunidade próxima, com áreas de
risco, pra gente fazer uma parceria e fizemos um estudo que seria o bairro do
Rodolfo Teófilo, que eles têm uma estrutura de representação muito boa, têm
uma associação de moradores muito efetiva e têm áreas de risco muito
sérias. Têm uma criminalidade alta! Então, seria muito bom, mas não
tivemos condição de implementar isso. Mas a gente ainda está nessa
construção. (Gestor I).
Temos a revista eletrônica da faculdade; um grupo de pesquisa para o
Serviço Social que já foi autorizado; laboratório de outros cursos, como
contabilidade etc. Mas por ser faculdade, a FaC não é obrigada a ofertar
“ensino, pesquisa e extensão”. Como extensão, tem o Núcleo de Práticas
84
Jurídicas (NPJ). Há um projeto ainda em gestação de um laboratório
multidisciplinar de estágio. (Gestor II).
É válido salientar que, a pesquisa é intrínseca a outros processos, como, por
exemplo, à capacitação continuada dos assistentes sociais – compromisso ético normatizado
pelo Código de Ética vigente da categoria –, estando também relacionada ao tripé que
estrutura uma formação de qualidade, qual seja, “ensino, pesquisa e extensão”.
Ademais, a ideologia do capitalismo contemporâneo tem se dividido entre o poder
coercitivo e o consentimento do proletariado, logo os pesquisadores são também alvos desse
empreendimento velado de submissão do trabalho ao capital, de requisição de um espírito
colaborativo dos trabalhadores, de quantidade em detrimento de qualidade, de altos níveis de
produção, entre outros. Nesse contexto, emergem exigências produtivistas que vinculam a
pesquisa à lógica de rentabilidade do capital, numa verdadeira manipulação da subjetividade
do pesquisador – sujeito que só se sente útil quando muito produtivo, mesmo que, em geral, a
qualidade das produções que elabora, seja algo discutível. Sobre esta situação que é expressa
pelas agências de pesquisa72, o professor III assinala:
O que existe é que os órgãos científicos de pesquisa, eles têm colocado a
produção pela produção! Então, a qualidade se perde quando se prioriza a
quantidade! Então, tem que produzir, tem que produzir, tem que apresentar,
tem que apresentar! Então, a gente acaba apresentando trabalho por cima de
trabalho de forma repetida, pra pontuar, tanto nos processos de avaliação
quanto no Lattes! É importante, mas tem sido uma coisa meio neurótica
pelos institutos de pesquisa! Que você tem que produzir sempre, é a prática
de se autoplagiar! De você reeditar o que você já escreveu pra mostrar que
você tá produzindo, que tá publicando, que tá apresentando. E, de repente,
você só tá se repetindo e num tem se aprofundado na qualidade. Pessoas que
tenham um currículo Lattes considerado de excelência, muitas vezes,
recorrem a essa prática do produtivismo, do autoplágio, de ficar o tempo
todo falando a mesma coisa! Muda o título, mas tá falando do mesmo
trabalho, só tá republicando e não publicando um novo conhecimento!
Dessa forma, é notória a relevância da pesquisa na docência, especialmente no
âmbito do Serviço Social, seja na academia ou no cotidiano profissional de execução e
formulação das políticas sociais. Contudo, a astúcia do capital é tamanha que este se apropria
até dos mecanismos que visam enfrentá-lo, pois sendo a pesquisa pautada pela constante
indagação, pela busca em ultrapassar o aparente, ela acaba por instrumentalizar quem dela faz
uso, contribuindo para o enfrentamento do jugo do capital.
72
As principais agências de pesquisa do Brasil são, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), a Fundação
Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), entre outras.
85
3.2.3 A saúde do trabalhador docente
O modo de produção capitalista veio a consolidar-se mediante o desenvolvimento
da industrialização durante o século XIX, período no qual as condições de trabalho e de vida
se configuram como as mais nefastas possíveis. Tais condições laborais envolvem jornadas de
trabalho muito longas e intensas, salários ínfimos, emprego de crianças, fábricas insalubres e
maquinário periculoso, o que ocasiona muitos acidentes e mortalidade dos trabalhadores.
Desta conjuntura de mal-estar da classe operária, resulta-lhes uma subalimentação, moradias
miseráveis e aglomeradas, ocasionando epidemias e enfermidades sociais. Isto solicita a
intervenção do Estado, numa perspectiva higienista/sanitarista, não só de restauração da
moral, mas também de controle dos trabalhadores, os quais começam a extrapolar para o
cenário político as suas condições de trabalho (e de vida), reivindicando direitos, ameaçando o
poder da classe dominante73.
Destas circunstâncias, desdobram-se intervenções sobre a saúde da população que
conferem maior protagonismo à medicina, dando origem à medicina do trabalho que volta
sua atenção para, dentre outros segmentos, a saúde dos trabalhadores, tanto no que se refere
aos seus corpos como em relação as suas mentes.
Neste contexto, surgem a prática e os estudos sobre a saúde do trabalhador, de
intenções muito mais voltadas à reprodução do capital, do que propriamente do bem-estar dos
trabalhadores, pois parafraseando Laurell & Noriega (1989), é preciso compreender a
dimensão da saúde do trabalhador como uma expressão concreta da exploração destes
sujeitos, engendrada sob a relação capital e trabalho. É, portanto, atribuir centralidade ao
trabalho nas relações sociais, sobretudo na contemporaneidade, onde as configurações desta
época anunciam a falácia do fim do trabalho. Ao inverso do que difunde a atual ideologia
burguesa, o trabalho não morreu, apenas metamorfoseou-se e sobre seu corrente formato,
Mendes & Wünsch (2011, p. 465) assinalam:
A configuração do trabalho no sistema capitalista tem apresentado, em seus
vários ciclos, sistemas gerenciais com evolução crescente da produção, da
qualificação profissional, do ritmo de trabalho e da fragmentação do
processo produtivo. O contexto é de precarização, flexibilização, trabalho
parcial, polivalência de funções, redução dos postos de trabalho,
aceleramento no ritmo da produção e das ações somado ao desemprego
estrutural, à implementação de novas tecnologias, com salários em
declínio e/ou instáveis. Ressaltam-se ainda outras questões relacionadas
à precarização dos contratos de trabalho, tanto aquelas denominadas de
73
Para aprofundar, ver Dejours (2011), Marx (2011) etc.
86
precariedade objetiva (contrato por prazo determinado, trabalho
temporário), quanto as de precariedade subjetiva, tão ou mais
prejudicial à saúde quanto a anterior, como a instabilidade dos contextos
técnicos e organizacionais (...). Constitui momento predominante da atual
produção do capital a busca do envolvimento do trabalhador enquanto
disposição intelectual-afetiva com a lógica da valorização do capital,
portanto para além do ‘fazer’ e do ‘saber’. (grifos nossos).
Pois bem, são nestas circunstâncias que retratam o capitalismo contemporâneo que
transcorre o trabalho docente e seus impactos sobre a saúde dos professores, de modo que,
conforme Borsoi & Pereira (2011, p. 123), “os desdobramentos desse novo quadro na vida
dos docentes têm sido, entre outras coisas, a sobrecarga física e psíquica, que se expressa em
modos diversos de sofrimento e adoecimento, principalmente os de ordem psicoemocional.”
(grifos nossos).
Os sujeitos desta pesquisa apontam como principais sofrimentos relacionados à
docência, o estresse, o cansaço, problemas de voz e problemas respiratórios. Todos
decorrentes de jornadas de trabalho extensas, – extra-sala, inclusive –, intensas, com muitas
atividades para planejar e provas e trabalhos para corrigir, lendo, estudando, escrevendo e
digitando quase o dia todo – mesmo quando estão em casa –, esforçando-se para atingir metas
e prazos da instituição de ensino e para estarem atualizados com as discussões mais recentes.
A fala do professor III traduz muito bem o seu cotidiano docente:
É muito acúmulo de trabalho! No sentido de muita demanda, de produção
de coisas, corrigir e elaborar prova, corrigir trabalho, dar aula. Turmas
maiores têm que forçar mais a voz, falar mais alto, chega quase a gritar, você
termina a aula se acabando! É isso da vida, do cotidiano de professor, que
tira parte dos momentos que você tá de folga, que você deveria descansar,
mas tipo “Vou corrigir prova!”. Você sempre tá trabalhando, quem dá
aula, sempre tá trabalhando! Eu já passei finais de semana elaborando
prova ou corrigindo alguma coisa no meu dia de folga. Hoje mesmo eu vou
corrigir algumas coisas, eu vou, quando sair daqui, trabalhar. Então, eu tenho
que pensar nisso no dia que em tese “Eu não tô trabalhando”. Eu não tô
trabalhando na instituição, mas tô trabalhando pra instituição fora da
instituição! (grifos nossos).
A própria gestão da FaC reconhece alguns dos fatores que são prejudiciais à saúde
dos professores de maneira geral:
Uma turma extensa que você precisa falar mais, usar muito a voz! A pressão
de ter prazo, que é uma coisa que aqui, eles (os professores) reclamam
muito! Prazo pra lançar plano de ensino no sistema, o prazo de entrega de
nota que são setenta e duas horas, isso é sofrimento pro professor porque ele,
às vezes, tem aluno demais! Ter muitas turmas. (Gestor I).
87
Assumir muitas turmas em muitas instituições para manter seu padrão de
vida, acarreta problemas de voz, estresse. Mas um bom ambiente de trabalho
favorece. (Gestor II).
Face à lógica produtivista e utilitarista do capital, os professores se sentem
destituídos do direito de adoecer, expropriados da sua condição de serem seres humanos e não
máquinas. Assim informa o professor II;
Já me senti constrangida em várias questões! Já tive necessidade de tirar
algumas licenças pra tratamento de saúde grave, não foi coisa besta, pouca,
não! Se você for fazer uma procura de falta minha, eu não tenho falta. Eu só
tenho licença por tratar de questões sérias que aconteceram comigo. E já me
senti pressionada! De receber ligação (...) e aí, me senti realmente,
constrangida com relação a isso e outras coisas mais! (...) A FaC não tem um
programa de professor pra substituir o professor que fica doente. Pra quem
fica, é pior! E quando o professor volta, ele teria que recompensar conteúdo.
Então, é como se esses professores não pudessem adoecer, não pudessem
entrar de licença! (...) Isso é banalizar o trabalho do professor! Por que
como é que eu venho dar aula dentro de uma turma, estando doente?! Isso é
banalizar o trabalho do professor! Banalizar o trabalho do professor
que vai substituir e desrespeitar o que tá precisando ser substituído! É
como, assim, ”Eu não sou ser humano! Eu sou uma máquina! Por isso eu
tenho que viver aqui integralmente, sem acontecer nada na minha vida!”. (...)
A lógica tem sido mesmo a lógica da preocupação com a manutenção de
uma instituição onde o professor não parece ser sujeito, onde o
professor é só mais um instrumento pra se alcançar o objetivo – o lucro!
Parece que nós não somos o sujeito principal da construção do conhecimento
no papel da educação superior! (...) É preciso que fique claro, eu sou
professora porque quero, porque gosto, porque é o meu campo de
realização profissional! (grifos nossos).
Assim, a saúde do trabalhador docente não se refere apenas ao seu cansaço físico
devido ao acúmulo de trabalho ou ao fato de trabalhar em pé ou com o uso excessivo da voz.
Tudo isso parece ser “superável” devido à paixão que estes sujeitos têm pela profissão à qual
escolheram dedicar a vida.
Neste sentido, as condições de saúde parecem estabelecer relação estreita com a
subjetividade do professor, de como ele se sente no seu processo de trabalho, se sente que
possui autonomia ou não, se sente que é valorizado profissionalmente ou não, se sente que é
respeitado como ser humano passível de falhas, adoecimento e imprevistos ou não.
88
O sofrimento psíquico74 relacionado à docência decorre, por vezes, do fato destes
sujeitos não escolherem a forma ou os meios de como fazer o seu trabalho, a sua práxis.
Assim, nos dizeres de Marx (2011), é a alienação em relação ao seu próprio trabalho.
3.2.4 As peculiaridades da relação aluno-professor na esfera privada
Em qualquer nível da educação, o relacionamento entre alunos e professores, em
geral, dá-se de forma contraditória, visto que muitos sentimentos permeiam esta relação.
Assim, é válido assinalar que os docentes não possuem somente paixão pelos seus alunos,
mas estes também contribuem consideravelmente para o estresse do professor, especialmente
quando ambos encontram-se inseridos numa relação de mercado como configura-se a
educação privada.
Os interlocutores desta pesquisa enfatizam que uma das principais dificuldades da
docência numa IES privada é a forma de entendimento que o aluno tem da educação superior,
muitas vezes compreendida como um produto qualquer, sujeito às vontades da clientela.
Surge neste contexto: o desrespeito ao professor, a concepção equivocada da formação
profissional como adestramento ao mercado de trabalho, enfim, para alguns alunos com este
tipo de compreensão, o verbo “eu quero”, impera! Assim ratificam as vozes dos professores e
da gestão a respeito do posicionamento do aluno-cliente:
O aluno que é cliente, que significa “Tô pagando!” – o aluno “Lady-Kaite”!
Então, ele quer, às vezes, que a gente trate de moldar a dinâmica da
aula, senão “Ah, não quero esse professor, vamos fazer um abaixoassinado!”, “Vou na coordenação, porque a gente não aceita esse tipo de
avaliação!”. Então, é como se fosse uma escola mesmo! É coisa, às vezes,
de levar ao pai, levar um amigo pra conversar com o coordenador. Então, há
essa diferença de perfil e de maturidade por parte de alguns, eu não digo de
todos. A gente tem alunos muito bons, muito bons, que dão conta do recado.
Mas também tem uma parcela que deixa a desejar e é uma preocupação que
nas reuniões de colegiado, a gente sempre coloca. (Professor III, grifos
nossos).
Essa relação com o aluno, relação que você tem de alguns alunos-clientes,
exige muito desse professor! E é exigido desse aluno pro professor que ele
faça algumas concessões, isso pro professor é o fim da picada! Falta de
respeito mesmo do aluno com o professor, nós temos alguns casos. (Gestor
I).
74
Ver Dejours (2011).
89
Os alunos, em sua maioria, querem os “aulismos” e não se preocupam com a
qualidade do ensino! O problema maior são os alunos que entendem que
pagam por um serviço e entendem que os professores têm obrigação de
atender as suas exigências! Não compreendem que a educação não é
mercado! O perfil (do aluno da FaC), de uma forma geral, ainda é muito
fraco. Claro, existem bons alunos em universidades públicas e privadas, mas
o problema não é só de conhecimento de conteúdo, é de conhecimento
crítico da realidade, de uma compreensão maior do que significa o
ensino, pesquisa e extensão dentro de uma universidade, o seu papel, o
que podem cobrar, quais são seus direitos. A maior parte dos alunos de
ensino privado não se preocupa com isso! Se preocupam com os
“aulismos” e resumos antes da prova! (Ex-professor II, grifos nossos).
Uma das determinações presentes nas relações de mercado é que o cliente sinta-se
o mais satisfeito possível com o seu produto, e estando a educação superior colocada no
patamar de mercadoria, uma curiosidade que aqui nasce e levanta reflexão, é se há uma
pressão, ainda que indireta, sobre os professores das IES privadas para aprovarem seus
alunos. Os interlocutores que aqui comparecem afirmaram sentirem-se autônomos no que toca
à sala de aula e sua dinâmica, mas não especificaram exatamente este quesito da reprovação,
que pode, por vezes, representar-lhes um verdadeiro dilema, tendo em vista a insegurança
quanto aos seus empregos – e este sim, é um aspecto que predomina em suas falas.
Neste sentido, é possível perceber os muitos antagonismos que resvalam sobre o
trabalho docente, sejam estes entre professor e instituição, sejam entre professor e aluno. No
que toca à saúde (física e psíquica) do professor, estas contradições também contribuem para
o seu sofrimento.
3.3 O tempo livre dos docentes em debate
A presente pesquisa tem revelado uma realidade bastante contraditória do trabalho
docente, cuja centralidade reside no fato de que os professores, mesmo atuando em condições
que deixam bastante a desejar, mostram-se deveras apaixonados por sua profissão, fazendo
dela uma das grandes realizações de suas vidas. Não é objetivo destes escritos tecer um
recorte de gênero, mas faz-se mister salientar que, conforme o perfil demonstrado linhas atrás,
a maioria dos sujeitos deste trabalho são mulheres, as quais possuem particularidades sociais
que diferenciam o seu empenho, bem como as suas renúncias, da dedicação empreendida
pelos homens.
E cabe afirmar que não há aqui uma intenção de hierarquizar a dedicação
profissional dos sexos, mas, como diriam Borsoi & Pereira (2011, p. 123) “apesar de os
90
encargos docentes serem semelhantes para homens e mulheres, são estas que sentem com
maior intensidade a sobrecarga da jornada de trabalho, bem como as consequências das
condições laborais em suas vidas.”.
Os âmbitos profissional e doméstico compõem um diferente cotidiano
experimentado pelos homens e mulheres, pois estas, historicamente, fazem referência ao
cuidar, ao lar, à maternidade, isto é, ocupam uma posição social de certa inferioridade em
relação aos homens, cuja naturalização é ratificada por questões, inclusive, de ordem
religiosa. Na contemporaneidade, com a inserção da mulher no mercado de trabalho, os
papéis sociais a ela atribuídos desde os primórdios, não se esgotaram, ao contrário: carreira
profissional e vida doméstica somaram-se.
Como está sendo demonstrado no decorrer desta pesquisa, o trabalho acadêmico
não se limita aos muros universitários, mas extrapola quase sempre para o âmbito privado da
vida dos docentes. De forma que, em geral, é possível afirmar que as professoras que acabam
por levar seu trabalho para casa, dividem-se entre as atividades docentes – sendo a “atividade
acadêmica, caracterizada por intenso esforço cognitivo e concentração intelectual, não
podendo, portanto, ser realizada mecanicamente”75 – e as tarefas domésticas, engendrando a
chamada dupla jornada de trabalho.
Neste sentido, indaga-se: qual é a possibilidade real de tempo livre para as
mulheres docentes? É válido afirmar que, para as mulheres que buscam conciliar a vida
profissional e familiar, o resultado é uma sobrecarga de afazeres, que quando não alcançados,
desdobram-se num grande sentimento de frustração, adensado pela expectativa e cobrança da
sociedade burguesa, cuja orientação se dá por um profundo machismo, que responsabiliza a
mulher por quase todas as mazelas sociais76.
Mas, de uma forma geral, os docentes, homens e mulheres, relatam pouco tempo
disponível para se deleitar sobre o ócio, pois suas vidas giram em torno das “mil e uma”
atividades acadêmicas, próprias da docência, da pesquisa e, por vezes, de outros espaços
sócio-ocupacionais, muito comumente exercidos por assistentes sociais, concomitantemente
ao magistério.
75
76
Borsoi & Pereira, 2011, p. 131.
No que toca à responsabilização da mulher pelas mazelas sociais, este texto se refere à concepção
conservadora e heteronormativa de “desagregação familiar”; às violências cometidas contra a mulher; a
drogadição massiva da juventude; entre outras expressões da questão social, que não são nada menos que
desdobramentos do capitalismo contemporâneo, mas que são difundidas pela ideologia burguesa como
resultantes da inserção da mulher no mercado de trabalho ou mesmo da ampliação dos direitos femininos. Para
aprofundar, ver Simone de Beauvoir (1970); Antunes (2007), os quais mesmo não sendo leituras
complementares entre si, vale salientar, são bastante enriquecedores no que toca à questão do gênero feminino.
91
3.4 A expansão do ensino superior privado e suas consequências para o trabalho docente
e para a formação profissional: concepção dos professores
No ponto de vista dos professores, a ampliação da educação superior no âmbito
privado, embora seja-lhes também sinônimo de abertura de campo de trabalho, acaba por
trazer sérios comprometimentos as suas condições laborais no sentido do agravamento da
precarização das relações de trabalho, da intensificação e sobrecarga de trabalho, da
polivalência, do rebaixamento dos salários, da inexpressividade política dos docentes, da
insegurança e instabilidade, enfim, do aprofundamento da submissão do trabalho ao capital.
Neste sentido, decorrentes das condições do trabalho docente, desdobram-se
implicações à formação profissional em Serviço Social, sobremodo, no que toca a
materialização do projeto ético-político da categoria, conforme assinala o professor II:
Olha só, primeiro quando a gente vai falar da mercantilização, a primeira
preocupação que a gente tem é: qual é o entendimento do projeto
profissional do Serviço Social? Então, assim, “Como esses professores estão
compreendendo o que é essa profissão e qual é o projeto profissional que
essa profissão defende?”. Então, abrir cursos de Serviço Social, como
acontece com as instituições à distância, como acontece com algumas
privadas, onde eu não sei realmente o que é essa formação, eu não sei
realmente o que é que esse povo vai fazer. Então, eu vou abrindo. Eu vou
abrindo. E a demanda, ela tem uma raiz, tá ligada a como as políticas sociais
hoje tão sendo tratadas na sociedade brasileira. Então, eu acho que, eu não
posso dizer pra você que fragiliza ou que não fragiliza, que fortalece ou que
não fortalece, porque eu precisaria de mais elementos das instituições, do
que elas estão realmente promovendo. Então, nós precisamos hoje, daí a
relevância da sua pesquisa, nós precisamos hoje saber qual é o projeto
pedagógico que está dando a direção da formação profissional. Se esse
projeto pedagógico que tá lá, realmente está dando a direção social da
profissão ou se não.
A respeito do projeto profissional do Serviço Social, faz-se necessário apresentar
o que a gestão da Faculdade Cearense concebe sobre tal projeto:
Eu vou me privar de responder porque a esse nível, micro, específico, eu não
sinto que tenho competência pra responder. Mas na FaC, o projeto do curso
está dentro das diretrizes, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Serviço
Social. O NDE (Núcleo Docente Estruturante) do curso atualiza e inova o
projeto do curso na instituição, como agora, onde se fará um ajuste na
matriz. A FaC concede total autonomia pra esses profissionais modificarem
o projeto pedagógico. Agora, falar das competências e habilidades, eu não
tenho condições de falar disso. Eu vou me furtar. Eu não tenho condições
técnicas de responder. (Gestor II).
92
O professor III reitera sobre as consequências da expansão do ensino superior
privado:
Para os professores, é interessante porque é um campo que se abre. A gente
vive num momento de um “boom” de faculdades privadas, então existe
muita oferta, até então. É tanto que é convite por cima de convite, “Olha,
vem fazer seleção aqui!”, “Vem dar aula aqui.”, “Vem conhecer a
faculdade.”. Então, isso é bastante positivo pra aqueles que adotaram a
carreira docente, porque há campo, há campo de trabalho. Então, a gente tem
a notícia que a Ateneu deve tá abrindo, a Maurício de Nassau deve tá
abrindo, eu sei de duas, mas a qualquer momento abre mais curso. Até então
a gente vive esse “boom”! Por um lado, é muito bom. Nos últimos governos
– Lula e Dilma – há um crescimento, há uma expansão do ensino superior,
mas em contrapartida há uma diminuição na qualidade desse ensino. Então,
você vê muita gente se formando, muito assistente social sendo jogado no
mercado de trabalho, pra um cenário que eu não percebo esse aumento de
número de vagas de profissionais trabalhando. E isso puxa o salário pra
baixo! Esse aumento do exército de reserva dos trabalhadores, tanto vai se
refletir nos salários, quanto na qualidade dessas pessoas que tão se
formando! Porque a gente vive nesse sistema de mercado que uma coisa que
chama esse aluno que quer se qualificar pro mercado, pra trabalhar, é a
rapidez do processo! A gente tem boas faculdades, tanto públicas quanto
privadas, mas nem todas conseguem garantir essa qualidade do ensino dos
seus alunos. Isso macula a imagem da profissão, porque já vem de uma
imagem de uma profissão subalternizada, vista como profissional
incompetente, além daquela ideia de que “Qualquer um pode fazer o que o
Serviço Social faz.”. Então, esse crescimento, essa expansão, ela não tem
garantido, ela não consegue crescer também no que seria uma qualidade na
formação desses alunos! É bom pra gente, pro mercado de trabalho, pelo
menos até então. Mas pensando na qualidade da formação dessas pessoas,
infelizmente a gente vê que não tem acompanhado esse crescimento de
oferta do ensino.
Conclui-se, portanto, que, diante do cenário que aqui fora exposto, é possível
perceber que a relação existente entre trabalho e educação imbrica-se às diversas formas de
precarização. A expansão do ensino superior privado configura-se como ampliação do campo
de trabalho docente, porém em condições de subcontratação, de acúmulo de trabalho e de
subserviência da concepção pedagógica à perspectiva mundializada do capital.
93
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tempo presente é marcado por inúmeras transformações de ordem
socioeconômica, político-cultural e até mesmo no âmbito da subjetividade humana. Tal
cenário, historicamente situado dos anos de 1970 até os dias atuais, transfigurou-se devido a
uma série de razões que convergiram para a crise de um padrão de acumulação do capital –
denominado fordismo – e para o predomínio de outro – denominado “acumulação flexível”,
cuja maior característica é o seu confronto direto com a rigidez fordista.
Assim, a conjuntura mundial é assinalada por mudanças tecnológicas
(informática, automação, robótica etc.), pela busca de novas linhas de produtos e nichos de
mercado, pela dispersão geográfica em busca de locais que permitam maior controle e
intensificação do trabalho, por medidas de aceleração do tempo de giro do capital e por fusões
– estágio do capitalismo monopolista – em busca de superlucros.
Diante desse reajustamento sociopolítico que intenciona a restauração do capital
num contexto de crise, de oscilações e de incertezas, o modelo de acumulação flexível
demanda novos setores de produção, fornecimento intenso de serviços financeiros, inovação
comercial, tecnológica e organizacional, aumento do “setor de serviços”, compressão do
espaço e do tempo, etc. Para a classe trabalhadora, as consequências são as mais sombrias,
sendo esta, portanto, mais pressionada, mais fortemente controlada frente ao alto nível de
desemprego, sofrendo a destruição/reconstrução de suas habilidades, diminuição dos seus
salários reais, retrocesso do seu poder sindical e sujeita a formas de trabalho cada vez mais
precárias (flexitempo, subcontratação, terceirização etc.).
Estas mudanças no mundo do trabalho incorrem tanto sobre as condições
objetivas como subjetivas dos trabalhadores, tendo em vista que a flexibilidade exerce sobre
eles forte fetiche, apresentado-se como algo benéfico, porque parece conferir-lhes maior
autonomia e maleabilidade, sobretudo no que se refere ao tempo.
Com a acumulação flexível, novas formas de organização do trabalho entram em
cena, a exemplo do modelo toyotista (ou modelo japonês), caracterizado, em síntese, por
agregar tecnologias poupadoras de mão-de-obra, com métodos de intensificação do trabalho
(Kanban, Kaizen, “Just in time” etc.), flexibilização da produção e personalização dos
produtos aos desejos da clientela. Logo, faz-se necessária uma aceleração do tempo de giro do
capital, com técnicas de obsolescência programada, ao mesmo tempo em que proliferam-se
gostos e modas fugazes e a indução de novas necessidades sociais.
94
O capitalismo contemporâneo é, portanto, o lugar da instabilidade, do fugidio, do
efêmero, da recusa aos valores sólidos, do espetáculo, da celebração do novo e da
“mercadificação” das necessidades mais primitivas dos seres humanos. Vive-se num ambiente
competitivo, de individualismo exacerbado e de naturalização das desigualdades sociais.
Pois bem, neste caótico contexto de mudanças em nível planetário – ocorridas
numa conjuntura em que um padrão de acumulação entra em declínio cedendo lugar à
expansão de outro – as principais formas de reação burguesa para o enfrentamento da crise
são as mudanças no mundo do trabalho, bem como a mundialização do ideário neoliberal.
No Brasil, o neoliberalismo aporta no início dos anos 1990, durante o breve
governo Collor, contudo consolida-se no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) sob
o discurso de uma “reforma” do Estado. Todavia, como esta se dera de forma enviesada, isto
é, às avessas de um processo democrático que efetiva direitos, o que realmente ocorre é uma
contrarreforma do Estado brasileiro, irrompendo sobre uma nação que mal saíra de um
período ditatorial e que nem chegou a experimentar um Estado de Bem-Estar Social. Na
adaptação passiva do Brasil à lógica mundial do capital, o país fora logo tomado pela onda
neoliberal, ideologia orientada pelos organismos transnacionais do capital – como o Fundo
Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM), entre outros –, sendo largamente
aderida pela conservadora elite brasileira.
O receituário neoliberal pauta-se, não apenas, mas principalmente, na
liberalização comercial e financeira, na focalização das políticas sociais e na ampla
privatização da coisa pública. Ou seja, o neoliberalismo caminha aliado à paulatina e
mistificada transformação dos direitos em mercadorias. Assim, sob o discurso da
“democratização do acesso”, o capital vem transformando, dentre outros direitos, a educação,
sobretudo a de nível superior, em um reles valor de troca, flexível aos desejos do cliente que
compra e do empresariado que contrata.
Neste sentido, no contexto da proliferação do ensino superior privado no Brasil, o
trabalho docente é profundamente atingido por essa nova face do capitalismo contemporâneo,
encontrando-se também em forte tensão a excelência da formação profissional, sobremodo em
se tratando da formação em Serviço Social, a qual requer uma densa análise crítica da
realidade para uma intervenção de qualidade. Neste sentido, esta pesquisa teve como objetivo
compreender as condições do trabalho docente numa IES privada no contexto da
mercantilização do ensino superior brasileiro, bem como as implicações de tal contexto na
formação profissional em Serviço Social.
95
Uma tarefa bastante complexa – vale dizer –, especialmente por se tratar de um
assunto recente na realidade do município de Fortaleza, cidade esta que transcorrera mais da
metade de um século com o curso de Serviço Social sendo ofertado apenas pela Universidade
Estadual do Ceará (UECE). Desse modo, é sabido que os professores desta unidade de ensino
também são atingidos pela precarização fruto das mudanças contemporâneas no mundo do
trabalho, logo, não se pode “santificar” o âmbito público e “satanizar” o âmbito privado.
Contudo, a precarização do trabalho docente na universidade se dá de forma sui generis
devido ao contexto peculiar da esfera pública brasileira.
Assim sendo, nestes escritos, fora enfático o enaltecimento à democracia como
sinônimo de efetivação de direitos, uma vez que no sistema capitalista, democracia é o que há
de mais avançado como regime de regulação da vida social. Mas é preciso indicar que a
democracia de cunho burguês, e em moldes neoliberais, é limitada e não é bandeira única,
muito menos final, do projeto profissional do Serviço Social, sendo isto, inclusive, mais uma
contradição em que se encerra esta profissão.
Conforme vem sendo afirmado desde o início deste trabalho, os resultados desta
pesquisa demonstram ser as condições de trabalho na Faculdade Cearense uma tendência no
que toca o trabalho docente no País, caracterizadas pela forma de subcontrato horista, pelo
rebaixamento dos salários reais, pelas jornadas de trabalho intensas e extenuantes, pela
fragilização da saúde dos professores, pelo enaltecimento do “aulismo” em detrimento da
pesquisa e da extensão. Mas é possível perceber – em meio a esta precarização do trabalho
que se espraia até às condições de vida – que estes trabalhadores são verdadeiramente
apaixonados pelo seu trabalho, possuem um afeto por todas as pessoas que trabalham na IES e
buscam driblar as adversidades do cotidiano a fim de conferir qualidade à formação
profissional.
Em geral, o que leva os professores a optarem por trabalhar na FaC é justamente a
confiança intelectual e profissional que eles depositam no conjunto do corpo docente, no
comprometimento da coordenação do curso, na estrutura de qualidade do projeto pedagógico
que caminha na perspectiva da concretude de um curso de Serviço Social consoante às
diretrizes curriculares da ABEPSS.
Do ponto de vista dos professores, a FaC ainda tem muito a melhorar no que toca
à necessidade da sistematização de uma política de fixação da carreira docente, elevando os
salários de acordo com a titulação e o tempo de permanência na instituição, de forma
automática e não sujeita à análise da gestão; à redução do número de alunos por turma; à
modificação do método avaliativo; a um vestibular mais seletivo; a uma estrutura física mais
96
ampla que acompanhe o crescimento da instituição; à sistematização do incentivo à pesquisa e
à capacitação continuada; à desburocratização excessiva; à descentralização dos processos
decisórios focados na gestão, entre outros aspectos.
A gestão da faculdade também reconhece alguns dos aspectos acima citados como
necessidade de melhorias, apontando, inclusive, que a presente pesquisa favorecera um
processo de reavaliação da sua parte. Este é, portanto, o perfil do alunado e dos professores de
Serviço Social: inquietos, questionadores, críticos, que propõem mudanças e avanços. A
gestão também reconhece que embora sua relação com o colegiado de Serviço Social nem
sempre seja harmônica, e, por vezes, tensa e contraditória, traz-lhe muito aprendizado e
engrandecimento.
Neste sentido, indaga-se: uma vez que este trabalho se propôs e aponta em que
condições está realizando-se o trabalho docente numa IES privada, quais as estratégias a
serem desenvolvidas para o enfrentamento da precarização? É possível organização política
dentro de uma IES privada?
Neste sentido, é preciso que a classe trabalhadora se articule para pressionar o
capital por melhores condições de vida. Do contrário, a banalização do trabalho e da vida
humana só tende a aumentar.
Em última análise, sob uma compreensão dialética da realidade, é preciso
assinalar que a ideologia burguesa prepondera, mas não é a única. A realidade é um campo de
tensões, na qual é preciso articulação política e solidariedade de classe para coagir o capital
por melhores condições de trabalho e de vida, e no palco desta história, os sujeitos
protagonistas são os trabalhadores, que conforme afirma Marx (2011), possuem a missão
histórica de superar tal sistema.
97
ANEXOS
98
Questionário aplicado com os professores assistentes sociais do curso de Serviço Social
da FaC

Qual a sua idade?

Qual o seu estado civil?

Em que ano você concluiu a graduação em Serviço Social?

Qual a sua titulação atual? Há quanto tempo tem esse título?

Há quanto tempo está no magistério?

Há quanto tempo trabalha na FaC?

Qual a sua relação salarial com a FaC (horista etc.)?

Qual a sua jornada semanal de trabalho na FaC?

Quais são as suas atribuições e atividades como professor na FaC?

Você está sendo orientador (ou co-orientador) de TCC? Se sim, de quantos alunos?

De acordo com a sua titulação e atribuições, qual a sua remuneração por hora/aula
atual?

Qual o seu salário atual na FaC?

Em qual/is turno/s você leciona?

Em quantos cursos você ensina na FaC? Quais são eles?

Quais são as disciplinas que você leciona na FaC atualmente?

Em quantas turmas você ensina?

Quantos alunos têm em cada turma que você leciona?

Você possui algum problema de saúde que, em sua opinião, estabeleça relação com a
docência? Se sente-se à vontade em falar, cite-o/s.

Você é professor somente da FaC? Se não, de quais outras IES?

Você atua ou já atuou no ensino superior público? Se sim, em qual/is universidade/s?

Há quanto tempo atua/atuou no ensino público? Quantas turmas possui/ia?

Quais as principais exigências/tarefas que a FaC, como IES privada, atribui ao
professor, que você não tem na universidade pública?
99
Roteiro de entrevista com os professores assistentes sociais do curso de Serviço Social da
FaC

O que você acha sobre a sua relação salarial/forma de contratação com a FaC?

O que você acha do valor da sua hora/aula atual?

Qual a sua opinião sobre a sua jornada de trabalho na FaC?

Você é solicitado a fazer hora extra? Com que frequência? Como se dá o pagamento
dessas horas extras? Comente.

Você considera que o quantitativo do quadro de professores da FaC consegue atender
às demandas? Comente.

Quais fatores você considera que intensificam o trabalho do professor na faculdade
privada? Comente.

Qual a sua opinião sobre o registro obrigatório no ponto eletrônico?

Você considera que o número de alunos em sala de aula interfere no processo de
ensino-aprendizagem? Por quê? Que número de alunos seria adequado? Comente.

Em sua opinião, quais as consequências do crescimento do número de faculdades
privadas para os professores e para a formação profissional?

Você tem tempo para a sua capacitação continuada? Comente. A FaC incentiva isto?
Se sim, através de que formas? Se não, por quê? Como você acha que a IES poderia
incentivar?

Você atua na pesquisa e na extensão? Se sim, diga em quais projetos está atualmente.
Se não, comente.

Nos últimos anos, quantas produções científicas você conseguiu elaborar? Você
considera que foi/foram uma/s produção/ões quanti-qualitativamente satisfatória/s? Por quê?

O estágio supervisionado em Serviço Social tem sido um grande desafio à formação
profissional. Você ensina/ensinou na disciplina de estágio? Se sim, quantas turmas têm/tinha?
Destaque os principais desafios.

Quantos alunos há/havia na/s turma/s? O que você pensa desse número de alunos?
Comente.

Comente sobre suas condições de trabalho na FaC de forma geral (ambiente de
trabalho, segurança, estrutura física, acesso às tecnologias etc.).

Você considera que suas condições de trabalho refletem na formação profissional em
Serviço Social? Comente.
100

Em sua opinião, que fatores são prejudiciais à saúde do professor?

Você faz algum tipo de atividade física? Se não, por quê?

O que você pensa sobre as exigências das agências de pesquisa (CNPQ, CAPES etc.)
em relação à produção científica dos docentes e pesquisadores?

Os alunos vêm contestando o atual sistema de avaliação da FaC. O que você pensa
sobre o atual método avaliativo da IES? Comente.

O que você faz no seu tempo livre?

Já houve na FaC alguma/s mobilização/ões por parte dos professores reivindicando
melhores condições de trabalho que você tenha participado? Se sim, qual/is foi/foram? Qual o
resultado? Se já houve e não participou, por quê?

O que você acha que poderia melhorar na FaC?

Se você atua em outra/s IES, como concilia as aulas nas instituições?

Se atuou/atua no ensino superior público, você percebe diferenças entre as condições
de trabalho no ensino superior privado e no ensino superior público? Comente.

O perfil do aluno da IES privada difere do perfil do aluno da universidade pública?
Comente. Em que aspectos coincidem?
101
Roteiro para o depoimento dos ex-professores da FaC
1.
Comente sobre o valor da hora/aula (referente a sua titulação) atualmente pago na
FaC.
2.
Comente sobre a jornada de trabalho dos professores na FaC.
3.
Comente sobre o número de alunos em sala de aula no curso de Serviço Social na FaC.
4.
Comente sobre a pesquisa e a extensão na FaC.
5.
Comente sobre a autonomia do professor na FaC.
6.
Comente sobre a burocracia na FaC.
7.
Comente sobre o atual método avaliativo na FaC.
8.
Comente sobre a gestão e os processos decisórios na FaC.
9.
Comente sobre o incentivo da FaC à capacitação continuada dos professores.
10.
Comente sobre o Plano de Cargos, Carreiras e Salários na FaC.
11.
Comente, de uma forma geral, sobre as condições de trabalho na FaC, levando em
conta, principalmente, tais aspectos: ambiente de trabalho, segurança, estrutura física
(Biblioteca, sala de aula etc.), acesso às tecnologias etc. Você considera que tais condições de
trabalho refletem na formação profissional em Serviço Social? Comente.
12.
Comente sobre a intensa rotatividade dos professores de Serviço Social na FaC. A que
você atribui isto?
13.
Comente sobre o perfil dos estudantes de Serviço Social na FaC.
14.
Como você concebe o curso de Serviço Social na FaC.
15.
Comente sobre os principais motivos que lhe levaram a lecionar na Faculdade
Cearense.
16.
Comente sobre os principais motivos que lhe levaram a sair da Faculdade Cearense.
17.
O que você acha que poderia melhorar na FaC.
102
Roteiro de entrevista com o gestor I da FaC

O que a gestão pensa sobre a relação salarial de contrato horista da FaC?

O que a gestão pensa dos valores da hora/aula atualmente pagos na FaC?

Qual a opinião da gestão sobre a jornada de trabalho docente na FaC?

A gestão considera que o quantitativo do quadro de professores da FaC atende às
demandas do curso de Serviço Social? Comente.

O que a gestão pensa sobre a obrigatoriedade do registro no ponto eletrônico?

O que a gestão pensa sobre o número de alunos em sala de aula no curso de Serviço
Social da FaC? Que número de alunos a gestão pensa que seria adequado? Comente.

Na opinião da gestão, quais as consequências do crescimento do número de faculdades
privadas para os professores e para a formação profissional em Serviço Social?

Na opinião da gestão, a FaC incentiva a capacitação continuada dos professores? Se
sim, através de que formas? Se não, por quê? Como a gestão acha que a IES poderia
incentivar?

Como a gestão concebe a pesquisa e a extensão na FaC?

O estágio supervisionado em Serviço Social tem sido um grande desafio à formação
profissional na atualidade. Como a gestão concebe a disciplina de estágio na FaC? Destaque
os principais desafios.

Quantos alunos em média há nas turmas de estágio supervisionado? Como a gestão
concebe esse quantitativo de alunos? Comente.

Comente sobre as condições de trabalho na FaC (ambiente de trabalho, segurança,
estrutura física, acesso às tecnologias etc.).

A gestão considera que as condições de trabalho dos professores refletem na formação
profissional em Serviço Social? Comente.

Na opinião da gestão, que fatores são prejudiciais à saúde do professor?

Os alunos vêm contestando o atual sistema de avaliação da FaC. O que a gestão pensa
sobre o atual método avaliativo da IES? Comente.

O que a gestão acha que poderia melhorar na FaC?

Como a gestão concebe um curso de Serviço Social numa IES privada? Comente.

Qual é a compreensão da gestão acerca do projeto profissional do Serviço Social e do
seu direcionamento numa IES privada? Comente.

A gestão sente que possui autonomia para trabalhar? Comente.
103

O que a gestão pensa sobre a burocracia na FaC? Comente.

Qual a compreensão da gestão a respeito da relevância desta pesquisa? Comente.
104
Roteiro de entrevista com o gestor II da FaC

Comente sobre o que é ser um professor horista.

Como a gestão da FaC concebe esta condição de professor horista?

O professor horista da FaC recebe alguma remuneração além dos valores referentes à
sala de aula?

O que a gestão da FaC pensa sobre os valores da hora/aula atualmente pagos aos
professores da IES?

Qual a opinião da gestão sobre a atual jornada de trabalho dos professores da FaC?

O que a gestão pensa sobre a obrigatoriedade do professor fazer registro no ponto
eletrônico?

A FaC incentiva a capacitação continuada dos professores? Se sim, através de que
formas? Se não, por quê? Como a gestão acha que a IES poderia incentivar?

Como a gestão concebe a pesquisa e a extensão na FaC? Comente.

Comente como a gestão concebe as condições de trabalho dos professores na FaC
(autonomia, ambiente de trabalho, segurança, estrutura física dos Campus, acesso às
tecnologias etc.).

Na concepção da gestão, que fatores são prejudiciais à saúde dos professores?

Os alunos vêm contestando o atual sistema avaliativo da FaC. O que a gestão pensa
sobre o atual método de avaliação da IES? Comente.

O que a gestão pensa sobre a burocracia na FaC? Comente.

Existe Plano de Cargos, Carreiras e Salários na FaC? Comente a respeito da
efetividade deste Plano na IES.

O que a gestão pensa do ENADE? Comente.

Como a gestão concebe o aluno que ultrapassa o vestibular da FaC? Comente.

Como a gestão concebe o formato da gestão na FaC? Comente.

O que a gestão considera que poderia melhorar na FaC?

A gestão considera que o quantitativo do quadro de professores de Serviço Social da
FaC atende às demandas do curso? Comente.

A gestão considera que o quantitativo do quadro da coordenação do Serviço Social
atende às demandas do curso? Sente necessidade de uma coordenação adjunta? Comente.

O que a gestão pensa sobre a intensa rotatividade de professores do curso Serviço
Social na FaC? Comente.
105

O que a gestão pensa sobre o número de alunos em sala de aula no curso de Serviço
Social na FaC? Comente.

O que a gestão pensa sobre o número de turmas no curso de Serviço Social na FaC?
Comente.

Por que as turmas noturnas 052 e 054 do curso de Serviço Social foram unificadas
tornando-se uma só no 6º (sexto) semestre?

Qual é a compreensão da gestão acerca do projeto profissional do Serviço Social?
Como este projeto se direciona numa IES privada?

Como a gestão vê os alunos e professores do curso de Serviço Social da FaC?
Comente.

Qual a compreensão da gestão a respeito desta pesquisa? Comente.
106
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