notas do curso

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Sumário
1 Cálculo
1.1 Campos de vetores . . . . . . . . . . . . . . . .
1.1.1 Colchete de Lie . . . . . . . . . . . . . .
1.1.2 Fluxo local . . . . . . . . . . . . . . . .
1.1.3 Mudanças de coordenadas . . . . . . . .
1.2 Formas diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . .
1.2.1 Produto exterior . . . . . . . . . . . . .
1.2.2 Produto interior com campos de vetores
1.2.3 Diferencial exterior . . . . . . . . . . . .
1.2.4 Derivada de Lie . . . . . . . . . . . . . .
1.2.5 Fluxo local e derivada de Lie . . . . . .
1.3 Teorema de Frobenius . . . . . . . . . . . . . .
1.3.1 Anuladores . . . . . . . . . . . . . . . .
1.3.2 Distribuições integráveis . . . . . . . . .
1.3.3 Distribuições singulares . . . . . . . . .
1.4 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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2 Campos de vetores com singularidades não degeneradas
2.1 Topologia das singularidades lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.1.1 Intersecção com esferas e domı́nios de Poincaré/Siegel . . . . .
2.1.2 Perı́odos e conjugação topológica . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.1.3 Parametrização das folhas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.1.4 Estabilidade topológica de campos com parte linear hiperbólica
2.2 O ponto de vista formal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.2.1 Decomposição de Jordan-Chevalley . . . . . . . . . . . . . . . .
2.2.2 Ressonâncias e formas normais formais . . . . . . . . . . . . . .
2.2.3 Método de Newton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.3 O ponto de vista analı́tico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.3.1 Controle quantitativo do método de Newton . . . . . . . . . . .
2.3.2 Linearização de campos formalmente linearizáveis . . . . . . .
2.4 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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SUMÁRIO
Capı́tulo 1
Cálculo em Cn
1.1
Campos de vetores
Seja U ⊂ Cn um aberto. Um campo de vetores holomorfo em U é uma aplicação holomorfa que
a cada ponto x ∈ U associa um vetor em Cn . Em termos mais intrı́nsecos um campo de vetor
holomorfo em U é uma seção holomorfa do fibrado tangente de U . Denotaremos o conjunto dos
campos de vetores holomorfos em U por X(U ).
Concretamente, se x1 , . . . , xn são as coordenadas usuais de Cn então podemos escrever um
campo de vetores holomorfo v em U na forma
v=
n
X
ai (x1 , . . . , xn )
i=1
∂
,
∂xi
onde a1 , . . . , an : U → C são funções holomorfas.
Como sugere a notação, os campos de vetores atuam sobre as funções holomorfas em U através
da seguinte regra:
n
X
∂f
.
v(f ) =
ai
∂xi
i=1
Note que esta operação é C-linear e satisfaz a regra de Leibniz: se a, b ∈ C são constantes e f, g
funções holomorfas então
1. v(af + bg) = av(f ) + bv(g),
2. v(f · g) = f v(g) + gv(f ).
Aplicações de O(U ) em O(U ) que são C-lineares e que satisfazem a regra de Leibniz são
chamadas derivações de O(U ). Já vimos como associar uma derivação a um campo de vetores.
Reciprocamente dada uma derivação ξ : O(U ) → O(U ) temos que o campo correspondente é
dado por
n
X
∂
.
ξ(xi )
∂xi
i=1
1.1.1
Colchete de Lie
Dadas duas derivações v, w : O(U ) → O(U ) a composição das mesmas não satisfaz a regra de
Leibniz. De fato,
v(w(f · g)) = f v(w(g)) + 2v(f )w(g) + gv(w(f )) .
3
4
1. CÁLCULO
Entretanto, vale a igualdade
v(w(f · g)) − w(v(f · g)) = f (v(w(g)) − w(v(g))) + g(v(w(f )) − w(v(f ))) .
Logo dados dois campos de vetores v, w ∈ X(U ), podemos produzir um terceiro [v, w] = vw − wv
que é denominado o colchete de Lie de v e w.
1.1.2
Fluxo local
Teorema 1.1. Dado v ∈ X(U ), existe um aberto V ⊂ C × U contendo {0} × U e uma aplicação
holomorfa Φv = Φ : V → U satisfazendo as seguintes propriedades.
1. Para todo x ∈ U vale que Φ(0, x) = x.
2. Para todo x ∈ U a derivada de Φ com respeito a primeira coordenada avaliada em (0, x)
coincide com o valor do campo v em x, isto é
∂Φ
(0, x) = v(x) .
∂t
3. Se (s, x), (r + s, x) e (r, Φ(s, x)) pertencem a V então
Φ(r, Φ(s, x)) = Φ(r + s, x) .
Para t ∈ C fixado, denotaremos por ϕt a aplicação
ϕt : {t} × U ∩ V −→ U
x 7−→ Φ(t, x) .
1.1.3
Mudanças de coordenadas
Sejam U e V abertos de Cn e ψ : U → V uma aplicação biholomorfa. Dado um campo v ∈ X(U ),
definimos a imagem direta de v em V , ψ∗ v, através da seguinte fórmula
ψ∗ v(x) = Dψ(ψ −1 (x)) · v(ψ −1 (x)) .
Equivalentemente, podemos pensar ψ∗ v como a derivação de O(V ) definida assim
(ψ∗ v)(f ) = v(f ◦ ψ) ◦ ψ −1 .
1.2
Formas diferenciais
Uma 0-forma diferencial holomorfa em U nada mais é do que uma função holomorfa em U .
Uma 1-forma diferencial é uma aplicação O(U )-linear ω : X(U ) → O(U ). Se dx1 , . . . , dxn ∈
Hom(X(U ), O(U )) denotam as 1-formas definidas pela identidade
dxi ∂xj = δij ,
então toda 1-forma ω escreve-se assim
ω=
n
X
i=1
ω(∂xi )dxi .
1.2. FORMAS DIFERENCIAIS
5
Uma k-forma diferencial é uma aplicação O(U )-multi-linear alternada ω : X(U )k → O(U ).
Denotaremos o conjunto das k-formas diferenciais em U por Ωk (U ). Claramente Ωk (U ) é um
espaço vetorial, e o conjunto de todas as formas diferenciais em U ,
Ω• (U ) =
n
M
Ωk (U )
k=0
é um espaço vetorial graduado, onde as formas diferenciais de grau k são exatamente as k-formas.
1.2.1
Produto exterior
Além da estrutura de espaço vetorial, Ω• (U ) também possui uma estrutura de C-álgebra comutativa graduada, i.e., existe um produto ∧ que satisfaz
α ∧ β = (−1)grau(α) grau(β) β ∧ α .
O produto ∧ é o chamado produto exterior que é definido através da fórmula
α ∧ β(e1 , . . . , ep+q ) =
1 X
(σ)α(eσ(1) , . . . , eσ(p) ) · β(eσ(p+1) , . . . , eσ(p+q) ) ,
p!q!
σ∈Sp+q
onde Sp+q denota as permutações de {1, . . . , p + q} e (σ) denota o sinal da permutação σ.
Uma propriedade útil da álgebra Ω• (U ) é que ela é gerada, como C-álgebra, pelos elementos
de grau 0 e 1.
1.2.2
Produto interior com campos de vetores
Se v ∈ X(U ) é um campo de vetores então definimos o produto interior com v como a aplicação
C-linear graduada de grau −1
iv : Ω• (U ) −→ Ω•−1 (U )
que à uma k-forma ω associa a (k − 1)-forma iv ω definida através da seguinte regra:
(iv ω)(v1 , . . . , vk−1 ) = ω(v, v1 , . . . , vk−1 ) .
Se α é uma k-forma e β é uma l-forma então
iv (α ∧ β) = (iv α) ∧ β + (−1)k α ∧ (iv β) ,
como o leitor pode verificar. O produto interior é portanto uma anti-derivação de grau −1 da
C-álgebra graduada Ω• (U ).
1.2.3
Diferencial exterior
A diferencial exterior usual d : Ω• (U ) → Ω•+1 (U ) satisfaz as seguintes propriedades:
1. Se α ∈ Ωp (U ) e β ∈ Ωq (U ) então
d(α ∧ β) = dα ∧ β + (−1)p α ∧ dβ .
2. Se α ∈ Ω• (U ) então d(dα) = 0.
6
1. CÁLCULO
3. Se f ∈ Ω0 (U ), isto é, f é uma função então, e v ∈ X(U ) então
iv df = v(f ) .
Proposição 1.2 (Fórmula de Cartan). Se α é uma p-forma diferencial então
dα(v1 , . . . , vp+1 ) =
p+1
X
(−1)i−1 vi (α(v1 , . . . , vˆi , . . . , vp+1 ))
i=1
X
+
(−1)i+j α([vi , vj ], v1 , . . . , vˆi , . . . , vˆj , . . . , vp+1 ) .
i<j
1.2.4
Derivada de Lie
Se v ∈ X(U ) é um campo de vetores então definimos a derivada de Lie ao longo de v como a
aplicação C-linear
Lv : Ω• (U ) −→ Ω• (U )
ω 7−→ iv dω + div ω .
1.2.5
Fluxo local e derivada de Lie
Proposição 1.3. Sejam v, w ∈ X(U ) dois campos de vetores. Se Φ : V ⊂ C × U → U é o fluxo
local de v então
Dϕ−ε (ϕε (x)) · w(ϕε (x)) − w(x)
.
[v, w](x) = lim
ε→0
ε
Proposição 1.4. Se v ∈ X(U ) é um campo de vetores e α ∈ Ωp (U ) é uma p-forma diferencial
então
ϕ∗ α − α
Lv α = lim ε
,
ε→0
ε
onde ϕt é o fluxo local definido por v.
1.3
Teorema de Frobenius
Uma distribuição holomorfa não-singular de dimensão p de U é um O(U )-submódulo D de X(U )
tal que para todo x ∈ U o espaço vetorial D(x) ⊂ Tx U gerado pela avaliação dos elementos de
D em x possui dimensão p.
Dizemos que D é uma distribuição involutiva se para todos v, w ∈ D temos que [v, w] também
pertence a D.
Teorema 1.5 (Teorema de Frobenius). Se D é uma distribuição involutiva então para todo
ponto x ∈ U existe uma vizinhança V ⊂ U de x e um sistema de coordenadas (x1 , . . . , xn )
em V tal que D|V , a restrição de D à V , é o O(V )-módulo gerado por
∂
∂
,...,
.
∂x1
∂xp
1.3. TEOREMA DE FROBENIUS
7
Demonstração. Seja x ∈ U arbitrário e v1 , . . . , vp gerados de D em uma vizinhança de x.
Existem coordenadas (y1 , . . . , yn ) em torno de x onde v1 = ∂y∂ 1 . Se p = 1 o Teorema segue,
caso contrário suponha que o Teorema é válido para p − 1.
Para i = 2, . . . , p defina wi = vi − (vi (y1 ))v1 . Para i = 1, defina w1 = v1 .
Note que os campos w1 , . . . , wp também geram D em torno de p. Além disso wi (y1 ) = 0 para
todo i ≥ 2, ou seja, as hipersuperfı́cies {y1 = λ}, λ ∈ C suficientemente pequeno, são invariantes
pelos campos w2 , . . . , wp . Seja D0 a distribuição em H = {y1 = 0} ∩ U definida pelos campos
w2 , . . . , w n .
Por hipótese de indução existem coordenadas (z2 , . . . , zn ) em H onde a distribuição D0 é gerada
por
∂
∂
,...,
.
∂z2
∂zp
Fazendo z1 = y1 podemos ver z1 , z2 , . . . , zn como coordenadas em uma vizinhança de x em U .
Observe que
p
X
∂
(wi (zj )) = [w1 , wi ](zj ) =
akij wk (zj )
∂z1
k=1
para todo i ∈ {2, . . . , p} e todo j ≥ 2. As função wi (zj ) são portanto soluções de uma equação
diferencial linear homogênea. Se j > p, a função wi (zj ) anula-se em {y1 = 0} e portanto anula-se
identicamente. Logo, em uma vizinhança de x vale a igualdade
wi =
n
X
i=1
p
X
∂
∂
wi (zj )
=
.
wi (zj )
∂zj
∂zj
i=1
O Teorema segue.
1.3.1
Anuladores
Dado um O(U )-submódulo D ⊂ X(U ), o seu anulador é o O(U )-submódulo de Ω1 (U ) definido
por
Ann(D) = {ω ∈ Ω1 (U ) | iv ω = 0 , ∀v ∈ D(U )} .
Analogamente, se D é um O(U )-submódulo de Ω1 (U ), definimos o anulador de D como
Ann(D) = {v ∈ X(U ) | iv ω = 0 , ∀ω ∈ D(U )} .
Proposição 1.6. Se D é um O(U )-submódulo de Ω1 (U ) ou de X(U ) então
D ⊂ Ann(Ann(D)) .
Além disso, se D possui posto constante então a inclusão acima é de fato uma igualdade.
Demonstração. Suponha D ⊂ Ω1 (U ). Se ω ∈ D(U ) e v ∈ Ann(D) então iv ω = 0. Portanto
ω ∈ Ann(Ann(D)).
Se D possui posto constante então para todo x ∈ U , existe aberto V ⊂ U contendo x tal
que D(V ) é gerado por ω1 , . . . , ωq ∈ D. Além disso podemos completar esta base com elementos ωq+1 , . . . , ωn ∈ Ω1 (V ) de modo que ω1 , . . . , ωn geram Ω1 (V ), restringindo V se necessário.
Podemos escolher v1 , . . . , vn ∈ X(V ) tais que
ivi ωj = δij .
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1. CÁLCULO
Para tanto não utilizamos mais do que álgebra linear, e podemos portanto supor que v1 , . . . , vn
são campos de vetores meromorfos em U .
Note que vq+1 , . . . , vn ∈ X(V ) pertencem à Ann(D(V )). Observe que a dimensão de
Ann(D(V ))(x) e a do espaço vetorial gerado por vq+1 (x), . . . , vn (x) coincidem e são iguais à
n − q. Após restringir V temos que Ann(D(V )) é igual ao O(V )-módulo gerado por vq+1 , . . . , vn .
O mesmo argumento mostra que ω1 , . . . , ωq geram Ann(Ann(D(V ))). Logo vale a igualdade ao
menos como O(V )-módulos.
Para concluir basta observar que multiplicando vq+1 , . . . , vn por funções que não se anulam
em x, podemos eliminar os pólos e assim obter elementos de X(U ).
1.3.2
Distribuições integráveis
Segue da Proposição 1.6 que as distribuições admitem a seguinte definição equivalente. Uma
distribuição D de codimensão q é um O(U )-submódulo de Ω1 (U ) tal que para todo ponto x ∈ U
o espaço vetorial D(x) possui dimensão q.
Uma distribuição D é integrável se para qualquer x ∈ U , e qualquer ω ∈ Dx a sua diferencial
exterior dω pertence ao ideal de Ω• (U )x gerado por Dx .
Proposição 1.7. Se D ⊂ X(U ) é uma distribuição involutiva então Ann(D) é integrável. Se
D ⊂ Ω1 (U ) é uma distribuição integrável então Ann(D) é involutiva.
Demonstração. Seja D ⊂ X(U ) uma distribuição involutiva. Sejam v1 , . . . , vn geradores de
X(U ) tais que v1 , . . . , vp geram Dx , e α1 , . . . , αn ∈ Ω1 (U )x elementos duais à v1 , . . . , vn , isto é
αi (vj ) = δij . Note que Ann(D)x é gerado por αp+1 , . . . , αn .
Se ω ∈ Ann(D) então para quaisquer v, w ∈ X(U ) temos que
iw iv dω = w(ω(v)) − v(ω(w)) − ω([v, w]) = 0 .
Ao escrevermos
dω =
X
(dω(vi , vj ))αi ∧ αj
i<j
vemos que dω é integrável.
1.3.3
Distribuições singulares
Uma distribuição singular de dimensão p é um O(U )-submódulo D ⊂ X(U ) tal que
Ann(Ann(D)) = D e dimC D(x) = p para x ∈ U genérico. Equivalentemente, uma distribuição
singular de codimensão q é um O(U )-submódulo D ⊂ X(U ) tal que Ann(Ann(D)) = D e
dimC D(x) = q para x ∈ U genérico.
1.4
Exercı́cios
Exercı́cio 1.1. Sejam v, w ∈ X(U ) campos de vetores. Mostre que os fluxos de v e w comutam,
isto é
Φv (t, Φw (s, x)) = Φw (t, Φv (s, x))
se e somente se [v, w] = 0.
1.4. EXERCÍCIOS
9
Exercı́cio 1.2. Se v, w ∈ X(Cn , 0) são dois germes de campos de vetores e ϕt = exp(tw) então
∞
X ti
t2
t3
(ϕt )∗ v = v + t[w, v] + [w, [w, v]] + [w, [w, [w, v]]] + . . . = v +
(adw )i (v) ,
2
3!
i!
i=1
onde adw (·) = [w, ·].
Exercı́cio 1.3. Existe um O(U )-submódulo D de X(U ) não involutivo tal que o seu anulador
Ann(D) é integrável ?
Exercı́cio 1.4. Seja D um O(U )-submódulo de X(U ) ou de Ω1 (U ). Mostre que
Ann(D) = Ann(Ann(Ann(D))).
Exercı́cio 1.5. Seja ω ∈ Ω1 (U ) uma 1-forma. Dizemos que uma hipersuperfı́cie H = {h = 0},
h ∈ O(U ) função holomorfa reduzida, é tangente a ω se para todo ponto liso x ∈ H vale que
Tx H ⊂ ker ω(x). Se H é uma hipersuperfı́cie tangente a ω então H ⊂ {x ∈ U | ω(x)∧dω(x) = 0}.
10
1. CÁLCULO
Capı́tulo 2
Campos de vetores com
singularidades não degeneradas
A teoria das folheações lisas é localmente trivial. Temos um único invariante local para estas folheações: a (co)dimensão. Quando passamos ao estudo das folheações singulares, nos deparamos
com situação que não poderia ser mais diferente. Comumentemente analisamos estes objetos
sob uma das três relações de equivalência apresentadas a seguir.
Conjugação topológica: dois germes de folheações em (Cn , 0) são topologicamente
conjugados se existe um germe de homeomorfismo que envia conjunto singular em conjunto singular, e folhas em folhas.
Conjugação formal: dois germes de folheações em (Cn , 0) são formalmente conjugados se existe um diffeomofismo formal que envia os O-submódulos de X(Cn , 0) correspondentes um no outro.
Conjugação analı́tica: dois germes de folheações em (Cn , 0) são analiticamente conjugados se existe um germe de diffeomofismo convergente que envia os O-submódulos de
X(Cn , 0) correspondentes um no outro.
Não importa sob qual relação de equivalência, surgem inúmeros invariantes para os germes de
folheações singulares.
2.1
Topologia das singularidades lineares
Seja v um campo linear em Cn , ou seja
v=
n
X
aij xi
i,j=1
∂
,
∂xj
onde os coeficientes aij ∈ C são números complexos. Trata-se do campo associado a equação
diferencial linear homogênea
ẋ = A · x
onde A é a matriz A = (aij ). Quando necessário, escreveremos campos desta forma como vA
para lembrar a dependência da matriz A. Note que podemos escrever explicitamente o fluxo de
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12
2. CAMPOS DE VETORES COM SINGULARIDADES NÃO DEGENERADAS
v:
Φ : C × Cn −→ Cn
(t, x) 7−→ exp(tA) · x .
Os pontos singulares de v coincidem com ker A, o núcleo da matriz A. Se F denota o O(Cn )módulo gerado por v então Ann(Ann(F)) = F se e somente se o posto de A é estritamente
maior do que um.
No que segue analisaremos a topologia da folheação definida por v para matrizes A genéricas.
Mais precisamente, iremos nos restringir ao caso em que a matriz A possui as duas qualidades
abaixo.
Invertı́vel: em outras palavras det A 6= 0, ou seja A ∈ GL(n, C). Note que a matriz A é
invertı́vel se e só se o campo v possui uma única singularidade.
Hiperbólica: diremos que uma matriz A ∈ GL(n, C) se todos os seus autovalores são
distintos e quaisquer dois deles são linearmente independentes sobre R.
Se A é hiperbólica então, após uma mudança linear de variáveis, podemos supor que
A = Diag(λ1 , . . . , λn ). O faremos salvo menção contrária. Note que o fluxo de v torna-se
particularmente simples:
ϕt (x) = Φ(t, x) = (exp(tλ1 )x1 , . . . , exp(tλn )xn ) .
2.1.1
Intersecção com esferas e domı́nios de Poincaré/Siegel
Para começar a analisar a topologia da folheação F definida por v, vejamos como F restringe-se
às esferas reais centradas em zero com raio ε > 0:
Sε =
Sε2n−1
n
= {x ∈ C ;
n
X
xi · x̄i = ε2 } .
i=1
Tomemos o conjunto T ⊂ Cn − {0} de
entre
P F e a folheação real de codimensão um
Ptangências
n
definida pelas esferas. Se η = (1/2)d i=1 xi · x̄i = (xi dx̄i + x̄i dxi então podemos equacionar
T como
{v ∈ Cn − {0} | η(v) = η(iv) = 0} .
Mais explicitamente
n
o
X
X
T = x ∈ Cn − {0} |
(λi + λ̄i )xi · x̄i = i
(λi − λ̄i )xi · x̄i = 0
n
o
X
= x ∈ Cn − {0} |
λi xi · x̄i = 0 .
Proposição 2.1. O conjunto T é não vazio se e somente se o fecho convexo dos autovalores de
A contém a origem.
Demonstração. Note que T é invariante por homotetias reais e complexas. Logo T 6= ∅ se e só
se T ∩ S12n−1 6= ∅. Se x ∈ T ∩ S12n−1 então
X
λi |xi | = 0
2.1. TOPOLOGIA DAS SINGULARIDADES LINEARES
13
é uma combinação convexa de λ1 , . . . , λn . Reciprocamente, se
0=
n
X
ti ri com ri ≥ 0, ∀i e
i=1
n
X
ri = 1
i=1
temos que qualquer ponto x ∈ Cn satisfazendo |xi | = ri para todo i pertence a T .
Na prova supusemos, implicitamente, que A é uma matriz diagonal. De fato, esta hipótese
não é necessário como o leitor é convidado a verificar, Exercı́cio 2.1.
Definição 2.2. Uma matriz A ∈ GL(n, C) pertence ao domı́nio de Poincaré se o fecho
convexo dos autovalores de A não contém a origem. Caso contrário A pertence ao domı́nio
de Siegel.
Na definição acima não estamos supondo a matriz A diagonalizável e muito menos hiperbólica.
2.1.2
Perı́odos e conjugação topológica
Dois conjuntos S, T ⊂ C serão ditos GL(2, R)-equivalentes se existe aplicação R-linear ψ : C → C
tal que ψ(S) = ψ(T ).
Dada uma matriz A ∈ GL(n, C) com autovalores λ1 , . . . , λn definimos os perı́odos de A como
a conjunto de números complexos
2πi
2πi
σ(A) =
,...,
.
λ1
λn
Proposição 2.3. Sejam A, B ∈ GL(n, C) duas matrizes diagonalizáveis. Se σ(A) é GL(2, R)equivalente a σ(B) então a folheação em Cn induzida por vA é topologicamente equivalente a
folheação induzida por vB .
Demonstração. Seja ψ : C → C aplicação R-linear que envia σ(A) em σ(B). Como a conjugação
complexa coordenada a coordenada define equivalência topológica entre FA e FA , podemos supor
sem perda de generalidade que ψ preserva a orientação.
Para provar a proposição buscaremos um homeomorfismo da forma
h : Cn −→ Cn
(x1 , . . . , xn ) 7−→ (x1 |x1 |γ1 , . . . , xn |xn |γn )
com γ1 , . . . , γn ∈ C, que satisfazem
h ◦ exp(tA) = exp(s(t)B) ◦ B
para algum a aplicação R-linear s : C → C.
Da equação (1) deduzimos o sistema
tλj + γj <(tλj )
= s(t) , j = 1, . . . , n ,
µj
onde <(·) denota a parte real de ·. Se escrevemos s(t) = at + bt com a, b ∈ C temos que
1 + γj = aµj λ−1
j
e
γj = 2bµj λj
(2.1)
14
2. CAMPOS DE VETORES COM SINGULARIDADES NÃO DEGENERADAS
para todo j ∈ {1, . . . , n}. Destas equações deduzimos que
1
1
1
= a − b,
µj
λj
λj
para não importa qual j ∈ {1, . . . , n}.
Como estamos supondo que σ(A) e σ(B) são conjuntos GL(2, R)-equivalentes, existem a, b ∈ C
satisfazendo estas equações. Além disso, podemos supor que GL(2, R)-equivalência definida por
t 7→ at − bt preserva orientação. Logo |a| > |b|. Podemos então definir
γj = 2bµj λj .
Note que |a| > |b| implica que <γj > −1 para to j ∈ {1, . . . , n}. Consequentemente a aplicação
(x1 , . . . , xn ) 7−→ (x1 |x1 |γ1 , . . . , xn |xn |γn )
é um homeomorfismo. Da análise acima segue que este homeomorfismo conjuga FA e FB .
2.1.3
Parametrização das folhas
O nosso objetivo agora é descrever algo da topologia das folhas de uma folheação associada à
um campo linear hiperbólico vA , A ∈ GL(n, C). Como A é hiperbólica podemos supor A =
Diag(λ1 , . . . , λn ) com
0 ≤ arg(λ1 ) < arg(λ2 ) < . . . < arg(λn ) < 2π .
Considere o subconjunto B ⊂ Cn definido como
B = {x ∈ Cn | sup |xi | ≤ i} .
Em outros palavras B é a bola de centro zero e raio um na métrica do supremo.
Vamos analisar a pré-imagem de B = B(x) pela parametrização de uma folha L(x), ϕt : C →
L(x) ⊂ Cn , ϕt (0) = x, definida pela fluxo de v. É conveniente escrever B como a intersecção
B=
n
\
Bj ,
i=1
onde Bj = {x ∈ Cn | |xj | ≤ 1}.
n
Lema 2.4. Seja βj (x) = ϕ−1
t (Bj ), a pré-imagem de Bj por ϕt : C → L(x) ⊂ C . Se xj = 0
bj = 2πi e
então βj = Cn . Se xj 6= 0 então βj é um semi-plano real com bordo paralelo a λ
λj
orientação definida por este vetor.
Demonstração.
Para x ∈ Cn vamos denotar por J(X) ⊂ {1, . . . , n} o conjunto dos ı́ndices das coordenadas
não nulas de x, isto é
j ∈ J(x) ⇐⇒ xj 6= 0 .
Proposição 2.5. Para x ∈ Cn a arbitrário, o conjunto β(x) = ϕ−1
t (B) é um polı́gono convexo
orientado. Além disso, valem as seguintes afirmações.
2.1. TOPOLOGIA DAS SINGULARIDADES LINEARES
15
1. O polı́gono β(x) é um semi-plano se e somente se a folha L(x) é um dos eixos coordenados
e portanto isomorfa à C∗ .
2. O polı́gono β(x) é limitado ( ou vazio ) se e somente se a folha L(x) é fechada, isomorfa
à C, e o fecho convexo de {λbj }j∈J(x) contém a origem.
3. O polı́gono β(x) é um polı́gono ilimitado com ao menos dois lados se e somente se a folha
L(x) é isomorfa à C, acumula-se em dois eixo coordenados, e o fecho convexo de {λbj }j∈J(x)
não contém a origem.
Demonstração.
Teorema 2.6. Se A = Diag(λ1 , . . . , λn ) ∈ GL(n, C) é uma matriz hiperbólica no domı́nio
de Siegel então o conjunto
o
n
X
X
ci λi = 0 e
ci = 0
β(A) = c ∈ Rn+ é um invariante da folheação FA por conjugações topológicas. Mais precisamente, se B =
Diag(λ1 , . . . , λn ) ∈ GL(n, C) é uma outra matriz então FA ∼top FB se e somente se β(A) =
β(B).
2.1.4
Estabilidade topológica de campos com parte linear hiperbólica
Até este ponto discutimos apenas resultados sobre os campos lineares hiperbólicos. Em analogia
com a teoria local dos campos diferenciáveis reais, onde temos o Teorema de HartmanGrobman, é natural indagar se a parte linear de um campo definindo uma folheação determina
a classe de conjugação topológica desta.
Teorema 2.7 (Hartman-Grobman). Seja v um germe de campo de classe C 1 em (Rn , 0)
com singularidade isolada. Se a parte linear v não possui autovalor com parte real nula
então a folheação real Fv é topologicamente conjugada a uma folheação definida por um
campo da forma
k
n
X
X
∂
∂
xi
−
xi
∂xi
∂xi
i=1
i=k+1
onde k é o número de autovalores de da parte linear de v com parte real positiva.
De fato, resultado análogo vale no contexto complexo mas por razões diferentes. Note que
a noção de hiperbolicidade no sentido usual do mundo diferenciável real 1 não é um análogo
exato do que temos no mundo complexo.
Primeiramente foi estabelecido o análogo complexo do Teorema de Hartman–Grobman para
singularidades hiperbólicas no domı́nio de Poincaré.
1
Uma matriz A ∈ GL(n, R) é hiperbólica (no sentido real) se não possui autovalores com parte real zero.
16
2. CAMPOS DE VETORES COM SINGULARIDADES NÃO DEGENERADAS
Teorema 2.8 (Guckenheimer [3]). Se A, B ∈ GL(n, C) são duas matrizes hiperbólicas no
domı́nio de Poincaré então as folheações associadas são topologicamente conjugadas. Mais
ainda, se v é um germe de campo de vetores em (Cn , 0) com parte linear hiperbólica e no
domı́nio de Poincaré então a folheação Fv é topologicamente conjugada a folheação definida
pela parte linear de v.
A prova original deste resultado é feita em dois passos. Primeiro, observa-se que Fv é transversal as esferas Sε2n−1 e a folheação Fv é um cone sobre a folheação restrita a uma destas. Esta
observação reduz ao problema de conjugar topologicamente as restrições a esferas de Fv e da
folheação definida pela parte linear de v. Segundo, verifica-se que as folheações restritas as
esferas são de tipo Morse-Smale, e portanto estruturalmente estáveis [5]: pequenas perturbações
não mudam a classe de conjugação topológica. Uma prova alternativa, com métodos similares
aos utilizados na prova do Teorema 2.6 é apresentada em [1].
O caso de singularidades hiperbólicas no domı́nio de Siegel foi primeiramente tratado em
dimensão três no artigo [1], onde conjecturou-se o caso geral. Esta conjectura foi posteriormente
estabelecida, através do Teorema a seguir.
Teorema 2.9 (Chaperon [2]). Se v é um germe de campo de vetores em (Cn , 0) com parte
linear hiperbólica então a folheação Fv é topologicamente conjugada a sua parte linear.
Trata-se claramente, ao menos a nı́vel de enunciado, um análogo do Teorema de HartmanGrobman. Mas um momento reflexão revela tratar-se de um resultado consideravelmente mais
profundo visto o fenômeno de rigidez das singularidades no domı́nio de Siegel evidenciado pelo
Teorema 2.6.
2.2
O ponto de vista formal
Para tratar tanto a conjugação formal quanto a conjugação analı́tica de campos com singularidades não-degeneradas seguiremos de perto [4].
2.2.1
Decomposição de Jordan-Chevalley
b = X(C
b n , 0) um campo de vetores formal. Suponha que v(0) = 0, isto é, v(m) ⊂ m
Seja v ∈ X
b 0 = mX.
b
b = O(C
b n , 0). Em outras palavras v ∈ X
onde m é o ideal maximal de O
Como v preserva m temos que v determina uma famı́lia de aplicações C-lineares indexada por
k∈N
b −→ J k O
b
J kv : J kO
f 7−→ v(f )
b denota o anel quociente
onde J k O
b
O
.
mk+1
mod mk+1 ,
Dizemos que J k v é o k-ésimo jato de v.
2.2. O PONTO DE VISTA FORMAL
17
b −→ J ` O
b denota a projeção natural então o diagrama
Se k > ` e πk,` : J k O
b
J kO
πk,`
b
J `O
Jkv
J `v
/
/
b
J kO
πk,`
b
J `O
b {πk,` }) forma um sistema inverso de anéis, e podemos recuperar
é comutativo. A coleção ({J k O},
b e a aplicação v : O
b→O
b como os limites inversos lim J k O,
b e lim J k v.
(ou mesmo definir) O
←−
←−
b é um espaço vetorial de dimensão finita, existe uma decomposição (decomposição
Como J k O
b satisfazendo as seguintes prode Jordan–Chevalley) J k v = Sk + Nk com Sk , Nk ∈ EndC (J k O)
priedades.
1. Sk é semi-simples, Nk é nilpotente;
2. Sk e Nk comutam; e
3. Sk e Nk são unicamente determinados pelas propriedades anteriores.
A unicidade da decomposição de Jordan–Chevalley implica que, para quaisquer k > `, os diagramas
b
J kO
πk,`
b
J `O
Sk
S`
/
/
b
J kO
b
J kO
πk,`
πk,`
b
J `O
b
J `O
Nk
N`
/
/
b
J kO
πk,`
b
J `O
comutam. Podemos portanto escrever v = vS + vN , onde vS = lim Sk e vN = lim Nk são
←−
←−
b que comutam. É importante observar que tanto vS quanto vN estão unicamente
elementos de X
determinados por v.
Definição 2.10. A parte semi-simples de v é igual a vS , e a parte nilpotente de v é
igual a vN . Diremos que v é semi-simples se vN = 0, e que v é nilpotente se vN = 0.
2.2.2
Ressonâncias e formas normais formais
b 0 é nilpotente se e somente se a sua parte linear é uma matriz nilpotente. Os
Um campo v ∈ X
campos semi-simples são consideravelmente mais simples.
b 0 é semi-simples então existe um difeomorfismo
Proposição 2.11. Se um campo v ∈ X
formal Ψ ∈ [
Diff(Cn , 0) tal que
n
X
∂
Ψ∗ v =
λ i xi
,
∂xi
i=1
com λ1 , . . . , λn ∈ C.
18
2. CAMPOS DE VETORES COM SINGULARIDADES NÃO DEGENERADAS
Pn
∂
Demonstração. A identidade Ψ∗ v =
i=1 λi xi ∂xi é equivalente ao sistema de n identidades
abaixo
λi xi = (Ψ∗ v)(xi ) = (Ψ−1 )∗ (v(Ψ∗ xi )) , i = 1, . . . , n .
Compondo à esquerda com Ψ∗ vemos que este é equivalente ao sistema
λi Ψ∗ xi = (v(Ψ∗ xi )) ,
i = 1, . . . , n .
b fica claro que queremos resolver as equações
Ao escrevermos Ψ = (ψ1 , . . . , ψn ) com ψi ∈ m ⊂ O,
1
b formem uma base
v(hi ) = λi hi de modo que as partes lineares J h1 , . . . , J 1 hn de h1 , . . . , hn ∈ O
2
1
de autovetores para o endomorfismo de m/m induzido por J v.
Como v é semi-simples temos que J 1 v é semi-simples, e portanto existem autovetores
1
b de J 1 v que formam uma base de m/m2 . Fixe k > 1 e suponha que já
h1 , . . . , h1n ∈ J 1 O
b para ` ≤ k tais que para todo i = 1, . . . , n e para todo
construı́mos elementos h`1 , . . . , h`n ∈ J ` O
0
` <`
0
π`,1 (v)(h`i ) = h1i , J ` (v)(h`i ) = λi h`i , e π`,`0 (h`i ) = h`i .
k+1 ∈ J k+1 O
b
Para mostrar a proposição por indução basta construir autovetores hk+1
1 , . . . , hn
k+1
1
1
1
b Note que ker πk+1,k =
de J
v que projetam-se por meio de πk+1,1 em h1 , . . . , hn ∈ J O.
k+1
k+2
k+1
k+1
k+1
b
m /m
⊂J
O é invariante por J
v. Como J
v é semi-simples, existe uma inclusão
b ,→ J k+1 (O)
b satisfazendo πk+1,k ◦ ι = id k b . Basta tomar hk+1 = ι(hk ) para concluir
ι : J k (O)
i
i
J (O)
a demonstração.
b 0 é um campo w ∈ X
b0
Definição 2.12. Uma forma normal formal para um campo v ∈ X
formalmente conjungado a v e com wS linear e diagonal.
b 0 um campo de vetores formal. Se os autovalores da parte linear de
Corolário 2.13. Seja v ∈ X
v são Z-linearmente independentes então v é semi-simples.
Demonstração. Seja v = vSP+ vN a decomposição de Jordan-Chevalley de v. Pela Proposição
∂
∂
2.11 podemos supor vS = ni=1 λi xi ∂x
. Note que o conjunto {xQ ∂x
}, onde i varia entre 1 e
i
i
n
n e Q = (q1 , . . . , qn ) ∈ N é um multi-ı́ndice como norma menor ou igual a k, é uma base do
espaço vetorial J k X0 . A ação de advS nesta base é diagonal,
∂
Q ∂
Q ∂
advS x
= vS , x
= (< λ, Q > −λi )xQ
.
∂xi
∂xi
∂xi
(2.2)
Se os autovalores da parte linear de v são Z-linearmente independentes então [vS , vN ] = 0 com
vN nilpotente implica que vN = 0.
A prova do Corolário 2.13 de fato mostra mais. Utilizamos a Z-independência linear apenas
b 0 satisfazendo
para garantir que a equação advS (w) = 0 não possui solução não-trivial w ∈ X
1
J w = 0. Somos então levados a definir o conceito de campo ressonante.
2.2. O PONTO DE VISTA FORMAL
19
Definição 2.14. Um ponto λ ∈ Cn é ressonante se existe Q ∈ Nn com |Q| ≥ 2 e i ∈
{1, . . . , n} tal que
λi =< λ, Q > .
b 0 é ressonante se a parte linear de v é conjugada a vDiag(λ)
Um campo semi-simples v ∈ X
b 0 é ressonante se a sua parte semi-simples é
com λ ∈ Cn ressonante. Um campo v ∈ X
ressonante.
Nesta terminologia, fica mais transparente o resultado estabelecido na prova do Corolário 2.13.
Trata-se de um resultado que remonta a tese de doutorado de Poincaré [6].
b 0 um campo de
Teorema 2.15 (Teorema da linearização formal de Poincaré). Seja v ∈ X
vetores formal. Se v é um campo não ressonante então v admite uma forma normal linear.
Mesmo para campos ressonantes a discussão acima nos ensina algo não trivial. Se dizemos
∂
que um campo da forma xQ ∂x
com λi =< λ, Q > é um monômio ressonante então temos o
i
seguinte resultado clássico que remonta a Dulac.
b 0 um campo de vetores formal então v é formalmente conjugado
Teorema 2.16. Se v ∈ X
a um campo com parte linear na forma normal de Jordan e cuja parte não linear é uma
soma (eventualmente infinita) envolvendo apenas monômios ressonantes.
Apesar de bastante satisfatórios sob o ponto de vista formal, os resultados anteriores não
fornecem explicitamente os difeomorfismos normalizadores. É importante ter um controle sobre
estes para poder analisar se germes de campos holomorfos são analiticamente conjugados a
formas normais. A idéia que vem imediatamente a mente é tentar controlar passo-a-passo, ou
melhor jato-a-jato, a construção do difeomorfismo normalizador.
Para fixar idéias, suponhamos que v é um campo semi-simples que escreve-se na forma v =
(k)
vS + r com r ∈ mk X0 , onde vS + vN é linear. Denotaremos a componente homogênea de
grau k + 1 de r por rk+1 . Para normalizar, isto é linearizar, v é natural buscar difeomorfismo
ϕk = id + φk , com φk composto por funções homogêneas de grau k, tal que
(ϕk )∗ v = vS
mod mk+1 X0 .
Ou seja, buscamos solução para a equação
(id + Dφk )(vS + r)(ϕ−1
k (x)) = vS
mod mk+1 X0 .
Esta é claramente equivalente a
(id + Dφk )(vS + rk+1 )(id − φk ) = vS
mod mk+1 X0 ,
que pode ser reescrita como
Dφk (vS ) − (vS )(φk ) + rk+1 = 0 .
20
2. CAMPOS DE VETORES COM SINGULARIDADES NÃO DEGENERADAS
Se interpretamos ϕk como um campo de vetor, temos ainda
advS (φk ) = rk+1 .
Invertendo advS , determinamos φk e, consequentemente ϕk . Assim, construı́mos ϕk tal que
(ϕk )∗ v = vS mod mk+1 X0 . O difeomorfismo formal que linearizara v é portanto
ϕ∞ = lim ϕk+i ◦ · · · ◦ ϕk+1 ◦ ϕk .
i→∞
2.2.3
Método de Newton
Pn
∂
i=1 λi ∂xi
b 0 um campo diagonal. Vimos na prova da Proposição 2.11 que os
∈ X
b0 → X
b 0 são da forma < λ, Q > −λi com Q ∈ Nn . Denotaremos por Eα o
autovalores de adS : X
auto-espaço relativo ao autovalor α. O conjunto de todos os autovalores de adS será denotado
por Spec(adS ).
Seja S =
b 0 uma forma normal. Para todo w ∈ X
b 0 , existem dois campos
Lema 2.17. Seja v = vSP+ vN ∈ X
únicos w0 ∈ E0 e w+ ∈ α6=0 Eα tais que
w = w0 + [v, w+ ] .
b 0 então w0 , w+ ∈ mk X
b 0.
Além disso, se w ∈ mk X
Demonstração. A unicidade é clara. Para provar a existência, truncamos w em ordem ` arb 0 . Como adv : J ` X
b 0 → J `X
b 0 é semi-simples podemos decompor
bitrária para obter J ` w ∈ J ` X
S
`
`
b
J X0 como soma direta ⊕Eα de auto-espaços para advS . Utilizando [vS , vN ] = 0 vemos que
vS (vN (Eα` )) = vN (vS (Eα` )) = αEα` .
Portanto vN (Eα` ) ⊂ Eα` . A nilpotência de vN implica que advS +vN : Eα` → Eα` é invertı́vel
` ]. Fazendo `
quando α 6= 0, e conseqüentemente podemos escrever J ` w = w0` + [vS + vN , w+
tender a infinito, obtemos w = w0 + [vS + vN , w+ ].
b 0 escreve-se na forma
Suponha que v ∈ X
(k)
v = vS + vN + r(k)
(k)
onde vS é diagonal, vN é um campo polinomial nilpotente com coeficientes de grau ≤ k cob 0 é um campo formal que anula-se em ordem k na origem. O
mutando com vS , e r(k) ∈ mk+1 X
(k)
b 0 satisfazendo
Lemma 2.17 nos diz que existem r0 , u(k) ∈ mk X
(k)
(k)
r(k) = r0 + [vS + vN , u(k) ]
(k)
com advS (r0 ) = 0 e u(k) ∈
(2.3)
P
α∈Spec(advS ) Eα .
Proposição 2.18. Se ϕk ∈ [
Diff(Cn , 0) é o difeomorfismo formal definido por ϕk = exp(u(k) )
então
(k)
(k)
b0 .
(ϕk )∗ v = vS + vN + r0
mod m2k X
2.3. O PONTO DE VISTA ANALÍTICO
21
Demonstração. Vimos no Exercı́cio 1.2 que exp(tu(k) )∗ v = v +
b 0 , temos que (ad (k) )i (v) ∈ mik X0 . Portanto
mk X
u
(k)
ti
i
i=1 i! (adu(k) ) (v) .
P∞
(k)
(ϕk )∗ v = (vS + vN + r(k) ) + [u(k) , vS + vN + r(k) ]
b0 .
mod m2k X
Utilizando a equação (2.3) temos que
(k)
(k)
(k)
(k)
(ϕk )∗ v = vS + vN + r0 + [vS + vN , u(k) ] + [u(k) , vS + vN ] + [u(k) , r(k) ]
(k)
(k)
= vS + vN + r0
Como u(k) ∈
b0
mod m2k X
b0 ,
mod m2k X
concluindo assim a demonstração.
A Proposição nos fornece um algoritmo, reminiscente ao método de Newton, para encontrar
b 0 . Se temos uma normalização
raı́zes de polinômios, que normaliza formalmente um campo v ∈ X
em ordem k, isto é
(k)
(k)
b0
v = vS + vN + r(k)
com vN , r(k) ∈ mk X
então a Proposição 2.2.3 nos diz que
(2k)
(ϕk )∗ v = vs + vN
(2k)
(k)
+ r(2k)
(k)
b0
com vN , r(k) ∈ m2k X
(k)
onde vN = vN + r0 . Como u(k) ∈ mk X0 , segue que ϕk é tangente a identidade em ordem
`
k, ou seja ϕk ∈ [
Diff k (Cn , 0). Logo se procedemos indutivamente para definir ϕ2` k = exp(u(2 )
então o limite ϕ∞ = lim`→∞ ϕ2` k ◦ · · · ◦ ϕ2k ◦ ϕk existe e satisfaz
(ϕ∞ )∗ v = vS + vN
com vN nilpotente e comutando com vS .
2.3
2.3.1
O ponto de vista analı́tico
Controle quantitativo do método de Newton
Para estudar a convergência do método de Newton precisamos estabelecer um versão quantitativa
do Lemma 2.17. Comecemos introduzindo algumas notações.
O polidisco fechado com P
centro zero e raio ρ > 0 será denotado por ∆ρ , i.e., ∆ρ = {x ∈
n
C | max |xi | ≤ ρ}. Se f = Q∈Nn cQ xQ é uma função holomorfa definida em uma vizinhança
P
P
∂
de ∆ρ então faremos kf kρ =
|cQ |ρ|Q| . Similarmente, se v = ni vi ∂x
é um campo definido
i
=
em uma vizinhança de ∆ρ então kvkρ max kvi kρ .
Para λ ∈ Cn fixado, e k ≥ 0 definimos
1/m
1/m
$k =
min
|Q|≤2k+1 ,i=1,...,n ,<λ,Q>6=0
{| < λ, Q > −λi |} ,
σk =
$k
2
mm
e
τk =
$k
1
mm
onde m = 2k .
Reescalando λ, podemos supor que $k ≤ 1 para todo k ≥ 0. Consequentemente σk < τk < 1.
22
2. CAMPOS DE VETORES COM SINGULARIDADES NÃO DEGENERADAS
k
Lema 2.19. Sejam ρ ∈ [1/2, 1], v = vS ∈ X0 um campo linear diagonal e r ∈ m2 X0 . Se r0 ∈ E0
P
k
e u ∈ α6=0 Eα são os campos polinomiais de grau menor ou igual a 2k+1 em m2 X0 unicamente
determinados pela equação
k
r = r0 + [v, u] mod m2 +1 X0
então valem as seguintes afirmações.
1. Se r = τ` ρ então kukr < 1/2k .
2. Se ρ1 = σk · ρ e ϕ = exp u então ϕ(∆r ) ⊃ ∆ρ1 .
3. Se r1 = ϕ∗ (vS + r) − vS então kr1 kρ1 < 1.
2.3.2
Linearização de campos formalmente linearizáveis
Teorema 2.20. Seja v ∈ X0 um campo holomorfo formalmente linearizável. Se a parte
linear de v é igual a vDiag(λ) e a série
∞
X
log $1
k
k=0
2k
é convergente então v é analiticamente linearizável.
2.4
Exercı́cios
Exercı́cio 2.1. Sejam A ∈ GL(n, C) uma matriz invertı́vel, não necessariamente diagonalizável,
e FA a folheação associada ao campo vA . Mostre as seguintes afirmações.
1. Se A pertence ao domı́nio de Poincaré então o conjunto T ⊂ Cn − {0} de tangências entre
FA e as esferas Sε2n−1 é vazio. Além disso toda folha de FA acumula-se na origem.
2. Se A pertence ao domı́nio de Siegel então o conjunto das folhas de FA que acumulam-se
na origem formam um fechado F de Cn − {0} com interior vazio. Além disso toda folha
que não está contida em F possui apenas um ponto de tangência com as esferas Sε2n−1 .
Exercı́cio 2.2. Se α, β ∈ Spec(adS ) mas α + β ∈
/ Spec(adS ) então [Eα , Eβ ] = 0. Por outro lado,
se α, β, α + β ∈ Spec(adS ) então [Eα , Eβ ] = Eα+β .
b 0 (C2 ) um campo em forma normal. Suponha vS =
Exercı́cio 2.3. Seja v = vS + vN ∈ X
∂
∂
x ∂x
+ λy ∂y
com λ ∈ C∗ . Mostre que
1. se λ ∈ C \ (Q− ∪ N ∪ 1/N) então vN = 0;
∂
2. se λ ∈ N então vN = µxλ ∂y
com µ ∈ C;
3. se λ ∈ Q− e λ = −p/q com p, q ∈ N primos entre si, então
vN = α(xp y q )
com α, β ∈ x · C[[x]].
∂
∂
+ β(xp y q )
∂x
∂y
2.4. EXERCÍCIOS
23
b 0 (Cn ) um campo de vetores com parte linear no domı́nio de Poincaré.
Exercı́cio 2.4. Seja v ∈ X
Mostre que v é formalmente conjugado a um campo polinomial.
b 0 (Cn ) um campo de vetores com parte linear não nula. Mostre que
Exercı́cio 2.5. Seja v ∈ X
b
b ⊂ O tal que f divide v(f ). Em outras palavras, v admite uma hipersuperfı́cie
existe f ∈ m
formal invariante.
Exercı́cio 2.6. Prove o Lema 2.19 e o Teorema 2.20 seguindo o roteiro apresentado em [4].
24
2. CAMPOS DE VETORES COM SINGULARIDADES NÃO DEGENERADAS
Referências Bibliográficas
[1] Camacho, César; Kuiper, Nicolaas H.; Palis, Jacob, The topology of holomorphic
flows with singularity. Inst. Hautes Études Sci. Publ. Math. No. 48 (1978), 5-38.
[2] Chaperon, Marc, C k -conjugacy of holomorphic flows near a singularity. Inst. Hautes
Études Sci. Publ. Math. No. 64 (1986), 143-183.
[3] Guckenheimer, John, Hartman’s theorem for complex flows in the Poincaré domain.
Compositio Math. 24 (1972), 75-82.
[4] Martinet, Jean, Normalisation des champs de vecteurs holomorphes (d’après
A.-D. Brjuno). Bourbaki Seminar, Vol. 1980/81, pp. 55-70, Lecture Notes in Math., 901,
Springer, Berlin-New York, 1981.
[5] Palis, J.; Smale, S., Structural stability theorems. 1970 Global Analysis (Proc. Sympos.
Pure Math., Vol. XIV, Berkeley, Calif., 1968) pp. 223-231 Amer. Math. Soc., Providence,
R.I.
[6] Poincaré, Henri, Sur les propriétés des fonctions définies par les équations aux différences
partielles. Gauthier-Villars. Paris 1879.
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