BRASIL: SÃO PAULO Itu Casa do Rosário Foto: Dalton Sala 2007 ROSÁRIO Essa casa de aspecto senhorial pertence à mesma família desde 1756, quando as terras foram adquiridas por Antônio Pacheco e Silva. Apesar de alguns anexos posteriores à sua construção, o projeto original está bastante preservado. Partindo de um grande pátio calçado e cercado por muro baixo, alguns degraus em pedra bruta dão acesso ao amplo alpendre sustentado por dois portentosos pilares de madeira. Dali se adentra a sala principal, que impressiona pela altura de seu pé direito e pela estrutura em madeira da cobertura em telha vã. Na década de 1950, a casa foi criteriosamente restaurada, sob a orientação do arquiteto Luís Saia, a pedido de seu proprietário, o engenheiro José Elias Matos Pacheco. Perto da sede fica o antigo engenho de açúcar, construção em taipa com telhado em duas águas, conforme os padrões das primeiras edificações quinhentistas do Planalto de Piratininga. This house with its manorial aspect has belonged to the same family since 1756, when the lands were acquired by Antônio Pacheco e Silva. Despite some additions added after its construction, the original design is well preserved. Leading up from a large paved patio extending in front of the house and hemmed in by a low wall, a few steps of raw stone provide access to the large recessed front porch supported by two stout wooden pillars. The front door leads from the porch into the large living room, which is striking for its height and for the wooden structure supporting the tiled roof, which for lack of a ceiling is entirely exposed. In the 1950s, the house was carefully restored under the orientation of architect Luís Saia, at the request of its owner, civil engineer José Elias Matos Pacheco. Near the house stands the old sugar mill, constructed of rammed earth with a dual-pitched roof, in accordance with the patterns of the first houses built in the 1500s on the Piratininga Plateau. Casa do Rosário: vista geral antes de seu restauro. Foto: Elias Matos Pacheco circa 1950 Acervo da Casa do Rosário Em 1944, a primeira relação de casas bandeiristas – doze casas – que Luís Saia 1 publicou não incluía a Casa do Rosário. Trinta e dois anos depois, em 1976, quando Júlio Katinsky 2 publicou sua tese de doutoramento, ela vai aparecer entre as vinte e quatro casas arroladas. 1.SAIA, Luís. NOTAS SOBRE A ARQUITETURA RURAL PAULISTA DO SEGUNDO SÉCULO. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: nº 8, p. 211-275. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1944. Republicado em Morada Paulista: p. 61-117. São Paulo, Editora Perspectiva, 1978, p. 62-63. 2.KATINSKY, Júlio Roberto. CASAS BANDEIRISTAS: NASCIMENTO E RECONHECIMENTO DA ARTE EM SÃO PAULO. São Paulo, Instituto de Geografia da Universidade de São Paulo, 1976. A primeira fase do reconhecimento das casas bandeiristas se iniciou com as visitas de Washington Luís, Victor Dubrugras e Aguiar de Andrade à Casa do Padre Inácio e à Casa de Santo Antônio, por volta de 1915-1916. Em um segundo momento foram as pesquisas e as viagens de Mário de Andrade, na década de trinta, que ampliaram o repertório e o conhecimento sobre essas casas que ainda não eram chamadas bandeiristas, mas que logo viriam a ser. Pois Mário estava assessorado de perto por Luís Saia, que desenvolveu não apenas o conhecimento de campo sobre essa arquitetura paulista, mas também formulou o primeiro conhecimento teórico sobre elas, propondo um tipo ideal de casa bandeirista, associada a uma função de ocupação e exploração de um determinado território. E, em seguida, num terceiro momento, entre as obras de Saia e de Katinsky, o estudo das casas bandeiristas vai receber o impulso de um ituano paradoxalmente calado, ensimesmado e altamente empreendedor, o engenheiro José Elias Matos Pacheco, que era também proprietário de uma casa bandeirista. Um homem com uma história a contar. Segundo o engenheiro José Elias Matos Pacheco, o Zé Elias 3, a Casa do Rosário, o engenho e as terras pertenciam à sua família desde o Século XVIII. 3. Todos os dados que se seguem foram retirados de uma entrevista realizada com Engenheiro José Elias Matos Pacheco, na Chácara do Rosário, no dia 25 de Setembro de 2005. Uma dupla circunstância o levou a ir residir no Rosário por volta de 1950: seu casamento e uma escolha profissional. Como engenheiro, por volta de 1950, decidiu tocar uma olaria, indústria na qual Itu se destacava pela qualidade de suas terras; A casa conhecida como Chácara do Rosário estava abandonada, era utilizada como depósito e como tulha. E o início da limpeza e da remoção de entulhos coincidiu com o IV Centenário, quando “bateu a mania da restauração, tinha gente arrancando piso de mármore para fazer chá de terra”. E assim, percebendo que a propriedade tinha valor, decidiu investir na reconstrução, que durou cerca de um ano; para o trabalho, resolveu buscar a orientação do IPHAN. O trabalho foi orientado diretamente por Luís Saia, com a colaboração do mestre Lincoln Faria, especialista em madeira e em pigmentos. Para tocar as obras, Luís Saia se instalou em Itu. E nesse tempo, apareceu por lá também o Júlio Katinsky, muito interessado em engenhos e trapiches movidos por animais ou por água. Katinsky veio ver o Rosário e as obras; estava também interessado em localizar outras casas bandeiristas. Conhecedor da região, Zé Elias funcionou como perdigueiro, e indicou ao Saia e ao Katinsky várias casas, a maioria delas já modificadas, como a sede da Fazenda Monte Belo, instalada desde o Século XVIII em uma vista sobre o Tietê. O Zé Elias localizou também as casas das fazendas do Vassoural, Pau d’ Alho, Floresta, São José, a Fazenda do Vismão, a Conceição (na estrada para Porto Feliz) e a Casa Japão (hoje Fazenda Capoava). Em 1963, com o casamento, veio também a resolução de morar no Rosário; pessoalmente, lhe agradavam o retiro, o silêncio e a relativa solidão da casa situada no caminho velho entre Itu e Salto, e “as lembranças de cada pedaço de uma casa que significa muito para mim”. E depois falou das casas da Ponte, do Paraíso, do Vassoural, do Piraí, do Píraí, do Pirapitingui, da Concórdia, do Pinto (hoje Monte Belo), da Serra, da Portela... E chorou as casas que caíram: Querubim, Calu, Cotia, Santo Amaro, São Roque: o homem sabia de tudo. Tudo isso me foi contado pelo Zé Elias, que fumou muitos cigarros e bebeu muita cerveja durante a conversa. Casa do Rosário, antes de seu restauro. Foto: José Elias Matos Pacheco Acervo da Casa do Rosário circa 1950 Casa do Rosário, depois de seu restauro. Foto: Dalton Sala 2005 Situada sobre uma colina que domina o Córrego do Taboão, a Casa do Rosário está à margem esquerda do Tietê, a cerca de quatro quilômetros de Salto. Deve-se dizer que Itu está ao fim dos caminhos que, bordejando as margens do Anhembi, levam da Parnaíba ao Salto de Itu, cachoeiras que marcam o início e o fim do trecho mais difícil do rio, praticamente impossível de navegar a não ser em curtíssimas distâncias e em trechos especiais. Miguel Dutra Salto de Itu no Tietê Aquarela sobre papel 16, 7 x 20,8 cm 1845 Almeida Jr. 1886 Salto de Itu Óleo sobre tela 135 x 199 cm Acervo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo Um aspecto interessante e diferenciado da Casa do Rosário está no fato de que ela ainda possui um edifício anexo, cujo núcleo original – uma construção de duas águas e um grande vão sobre uma extensa viga mestra que sustenta o telhado – tem todas as características formais daquilo que foi a estrutura das primeiras construções realizadas em São Vicente. Da forma ideal deste primeiro edifício – forma retangular, quatro paredes portantes, duas delas com empenas triangulares nos lados menores do retângulo, em onde se apoiam as vigas do telhado de duas águas – seria possível deduzir a evolução da arquitetura colonial vicentina, incluindo as construções administrativas e militares. Logo acima, a Casa do Rosário, com duas águas e um alpendre na fachada, e um sistema de sustentação do telhado similar, parece concordar com essa sugestão. Engenho da Casa do Rosário: vista superior Foto: Dalton Sala 2005 Engenho da Casa do Rosário: vista inferior Foto: Tiago Sala 2007 Casa do Rosário: vista lateral direita Foto: Dalton Sala 2007