OVOS DE OURO - Instituto Yiesia

Propaganda
SUSTENTABILIDADE
ENFRENTE
OS SEUS TEMORES
E
MATE
A GALINHA DOS
OVOS DE OURO
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REVISTA RI
Junho | Julho 2016
Em 2012 Michael Townsend, fundador e CEO da Earthshine
Solutions, publicou no jornal britânico The Guardian um
artigo muito interessante debatendo o “desalinhamento entre
os anseios da responsabilidade corporativa e as estratégias
de negócios”. Jo Confino, editor executivo do Huffington Post,
já havia levantado a mesma preocupação quando discutiu
as atividades especulativas de curto prazo - e altamente
lucrativas - das maiores instituições financeiras, vis-à-vis as
aspirações sustentáveis das empresas. Ambos identificaram
um descompasso entre desejo e realidade, e isto é um fato.
por ANA PAULA P. CANDELORO
A questão que se coloca, portanto, é (i) se as empresas têm boas
intenções, mas não sabem como materializá-las e convertê-las
em ações consistentes e confiáveis – o que significa que existe
uma falta de entendimento ou capacidade de agir no âmbito
do conceito de sustentabilidade – ou (ii) se as empresas simplesmente fingem que perseguem uma agenda sustentável apenas
para obter um ganho reputacional de curto prazo.
Caso a resposta seja a carência de entendimento do conceito
de sustentabilidade o problema se torna mais complexo significando que tanto o Governo quanto as agências de autorregulação estão falhando na sua competência para estabelecer
padrões comuns mínimos de compreensão e interpretação
do conceito. Por outro lado, caso a conclusão seja o comportamento inadequado das empresas isto significa ausência de
habilidade técnica ou profissional para materializar os conceitos ou mesmo incapacidade de integrar tais habilidades
na estratégia de negócios, como observado por Townsend.
A existência de uma agenda única e integrada, onde a sustentabilidade se insira de forma transversal, é vital para que a
empresa consiga demonstrar e de fato entregar o seu modelo
de negócios sustentáveis. Contudo, é bastante razoável concluirmos que essa composição esteja sendo deliberadamente
retardada, uma vez que a empresa lucra com atividades não
tão sustentáveis. Estas são as chamadas “dark forces”/forças
escuras que entram em ação, no dizer de Townsend.
Evidentemente pode ser difícil para os líderes decidir abandonar uma habitual e constante geração de receita para
abraçarem um novo paradigma. Uma mudança no comportamento só poderá ocorrer quando um conceito se torna um
valor o que por si exige o sentimento de pertencer a uma
causa e de buscar um propósito maior.
Jo Confino estudou e tentou entender esta falta de ação dos
líderes e descobriu que as empresas agem reativamente, aguardando o regulador encorajá-las a dar o próximo passo por meio
da promulgação de uma obrigação regulatória que oferecerá às
empresas a confiança adequada para promover qualquer tipo
de modificação transformacional. Se isto for de fato verdade,
por que então os líderes não se posicionam e tornam-se ativistas em exigir a tal mudança política ou regulatória por meio de
um lobbying saudável para que as empresas se sintam confortáveis em se engajar em uma mudança transformacional? Existem formas de se conduzir um lobbying sadio e Confino menciona que “seguindo os preceitos de um lobbying responsável
as empresas agem em prol da publicação de políticas públicas
sustentáveis e ainda aprimoram o conceito de competitividade
no curto e médio prazo”.
Pois bem, agora voltamos ao início deste círculo vicioso: ninguém quer matar a galinha dos ovos de ouro.
Sob o ponto de vista de aspectos reputacionais é sempre ótiJunho | Julho 2016
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O modelo mental corrente
da maioria das empresas
é aquele em que as
preocupações são voltadas
para a própria organização,
motivadas por intenções
derivadas do “eu” empresarial
que não valorizam o coletivo,
o todo, o oikos, o eco.
mo demonstrar estar comprometido com práticas sustentáveis e também é relativamente simples culpar a ausência de
padrões comuns mínimos de entendimento dessas atividades ou ausência de regulação ou autorregulação. Da mesma
forma é também muito conveniente criticar a (in)eficiência
do Governo em monitorar o cumprimento de um arcabouço
regulatório em vigor ou talvez mais fácil ainda admitir que
muitos líderes não apresentam as competências e habilidades necessárias para integrar a sustentabilidade na agenda
empresarial ou não consigam amalgamar a expertise em
sustentabilidade com a perspicácia de negócios.
No entanto, a hesitação em tomar medidas mais assertivas,
abraçar um modelo de negócios sustentável e transformador
tem sua origem na falta de uma perspectiva abrangente, de
se pensar no todo. As empresas, em geral, não estão trabalhando para um bem comum maior e ainda estão voltadas
para um sistema egocêntrico, em oposição a um sistema ecocêntrico, como propagado por Otto Scharmer, Senior Lecturer
no MIT e co-fundador do Presencing Institute, e a sua Teoria U.
Esta tese revela-se ser um processo que induz a um aprendizado coletivo. É necessário vivenciar 3 etapas para que a mudança transformacional possa ocorrer: “sentir”, que se traduz em questionar o modelo mental vigente; “presenciar”,
que implica conectar-se com uma visão e um propósito; e
finalmente “realizar”, que culmina em materializar a jornada reflexiva, criando-se espaços para inovações e uma nova
maneira de se comportar e raciocinar.
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As empresas agem individualmente, na sua maioria, ainda
buscando resultados, com raras exceções, no curto prazo:
vantagens competitivas, incrementos reputacionais, especulação, retorno financeiro. O modelo mental corrente da
maioria das empresas é aquele em que as preocupações são
voltadas para a própria organização, motivadas por intenções derivadas do “eu” empresarial que não valorizam o coletivo, o todo, o oikos, o eco. A modificação que deveria ocorrer consiste em reconectar o pensamento econômico com o
bem estar do todo, passando portanto de um ego-sistema
para um eco-sistema.
É muito simples acusar as “dark forces” que existem dentro
de qualquer organização ou mesmo as ineficiência dos reguladores ou autorreguladores; contudo, eu particularmente
não vejo esta questão de engajamento – ou falta de - em uma
agenda sustentável como um problema governamental ou
inserido em uma agenda política, mas sim como uma decisão empresarial de não ser ativista e atuante baseada em
uma motivação egocêntrica.
Extremamente fácil é acomodar-se na visão reducionista egocêntrica e manter o status quo de comportamentos
que geram benefícios apenas individuais, mesmo que se
considerada toda a organização empresarial. Contudo, o
sistema econômico atual está doente e o capitalismo já dá
sinais de cansaço, o que significa que as empresas precisam perder a ilusão de que tudo vai bem e ligar-se a um
propósito maior voltado ao coletivo para que as futuras
gerações possam se favorecer das transformações que advenham desta nova visão.
Se as empresas entendessem que elas de fato têm uma obrigação perante o planeta e que elas devem trabalhar para
o bem das futuras gerações, unindo esforços com diversos
agentes, como Governo, sociedade civil e Academia, os líderes corporativos teriam coragem suficiente para enfrentar
os próprios temores e assumir o risco de matar a galinha dos
ovos de ouro; para o benefício do todo. RI
ANA PAULA P. CANDELORO.
é advogada, pós-graduada em Sustainable
Business e Mestre em Sustainability Leadership,
ambos pela Universidade de Cambridge,
Inglaterra. Co-autora do livro: “Compliance
360º - riscos, estratégias, conflitos e vaidades no
mundo corporativo, 2ª edição”. Coordenadora e
co-autora do “Governança Corporativa em foco inovações e tendências para a sustentabilidade das
organizações”. Professora do Insper, e membro do
Colegiado de Apoio ao Conselho do IBGC.
[email protected]
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