Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 Hobbes e o tema dos Direitos Humanos: a soberania moderna, um espelho do Leviatã. Uma leitura de Costas Douzinas. Luís Fernando Conti Rodrigues Faculdade de Direito CCHSA [email protected] Resumo: As obras de Thomas Hobbes, em especial, o Leviatã, nos possibilitaram compreender a concepção do filósofo inglês do estado de natureza humana e sua transição para o estado civil, e como se dá a organização do Estado e do funcionamento de sua estrutura, e sua concepção da soberania e sua relação com o cidadão. Da análise da obra de Costas Douzinas, O fim dos direitos humanos, podemos ressaltar sua leitura que identifica o nascimento do homem como indivíduo, sujeito de direitos subjetivos e deveres perante o Estado na filosofia hobbesiana, com todos seus problemas, podendo até os dias atuais ser encontrado resquícios das concepções hobbesianas, constituindo-se a filosofia-política em Direitos Humanos em um espelho do Leviatã. Palavras-chave: Direitos Humanos, positivação, soberania moderna e liberdade. Área do Conhecimento: Filosofia. 1. INTRODUÇÃO Iniciaremos nossa empresa pela análise da obra de Thomas Hobbes, buscando evidenciar as suas concepções em filosofia política, acerca do estado de natureza e seu indivíduo anterior à sociedade, sobre a instituição da soberania e suas conseqüências para os cidadãos, a positivação da lei e a centralidade no contrato, os direitos naturais e seus desdobramentos para as relações entre os cidadãos e o Estado. Faremos uma breve abordagem sobre o tema dos Direitos Humanos, buscando evidenciar seu conceito e o cenário atual, para que possamos fazer a ligação entre a filosofia política de Thomas Hobbes e a obra de Costas Douzinas. Da obra do filósofo grego, radicado na Inglaterra, Costas Douzinas, pretendemos analisar a leitura que Dr. Douglas Ferreira Barros Faculdade de Filosofia CCHSA Grupo de Pesquisa: Ética, política e religião: questões de fundamentação [email protected] faz de Hobbes e como estabelece uma ligação com a soberania moderna – e até mesmo a pós-moderna – tendo os Direitos Humanos como fundamento para a crítica da filosofia política e dos conceitos de liberdade e justiça. 2. HOBBES E A SOBERANIA MODERNA Hobbes, contrariando o entendimento de sua época, de que a sociedade refletia uma ordem natural, elabora sua teoria afirmando que o contrato era um ato voluntário dos homens, instituído por eles como uma realidade da ordem do jurídico. O poder é instituído através de um pacto, que não representa um consenso, nem uma imposição, mas um ato voluntário dos homens, não natural, mas artificial, criando o Estado. E neste sentido, o indivíduo hobbesiano é anterior à sociedade, sendo o seu criador e não uma conseqüência da sociedade. O Estado (ou, sociedade civil) hobbesiano é precedido por um estado de natureza. Na análise hobbesiana a natureza não era apenas um padrão de crítica transcendental da realidade empírica, ou seja, Hobbes não parte da mera observação das relações naturais para elaborar sua teoria. Ele buscava localizar os elementos comuns da humanidade, aquilo que poderia transpor a barreira das diferenças de características e idiossincrasias individuais, sociais ou nacionais: o permanente e universal na humanidade, que superasse os fatores históricos, locais ou contingentes, que teriam sido “adicionados” à natureza do homem. Todos os homens renunciam ao seu direito de liberdade total, transferido a um poder soberano, sendo obrigados a viver segundo seus juízos e leis, podendo este “usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum”. (HOBBES, 1651, Cap.17, § 13) Desta forma, somente no Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 Estado civil, que garante a reciprocidade entre os homens, se pode desfrutar a paz. Hobbes redefine os conceitos de direito, lei e justiça, que até então eram tomados um pelo outro sem muita distinção; neste contexto, define as origens e fins do Direito no Estado moderno, muito contribuindo para as ciências jurídicas. Ele inova substituindo o conceito de justiça pela ideia de direitos; desta forma, temos pela primeira vez o tema dos direitos individuais sendo abordado. Ele define claramente os direitos modernos do homem, ao esclarecer que o direito natural não é a aplicação da justiça para resolver um conflito, mas afirma que o direito natural deriva da natureza humana, estando inerente a ela, pela razão, que é fundamentada no desejo. O direito é identificado com liberdade da lei, e não mais como sinônimo da lei, também se distanciando das imposições externas e sociais, ou seja, do julgamento do que é ou não justo. Desta forma, a lei não conduz ao direito, vez que ela impõe uma restrição à liberdade. Quanto à justiça, ele a define como a obrigação de manter as promessas feitas e a obediência à lei. Neste sentido, o direito natural mantém a paz social, desta sociedade amplamente baseada nos contratos privados, porque se o cidadão é justo, obedecendo à lei e cumprindo os seus contratos, terá garantia de seus direitos individuais diante da submissão ao Estado. Podemos verificar a centralidade da vontade e do contrato, o desejo que leva a criação do acordo entre os homens. Hobbes tira o indivíduo da ordem social e o coloca como a origem da lei, como o sujeito da modernidade, ao voltar o seu olhar não mais para a sociedade ou para a ordem natural das coisas, como os clássicos, mas para o indivíduo em um estado pré-social. O ser humano, dotado da razão, a utiliza para construir uma ciência política, construir as regras do Estado, não servindo a razão apenas para guiar a consciência do homem em matéria moral e política, como se acreditava, mas como fundamento para sua construção. Hobbes não pretendia uma tese que afirmasse a passagem do indivíduo do Estado de natureza para o civil, da esfera privada para a pública, mas sim da passagem da condição de relações de poder e força a uma de relações jurídicas de obrigações e direitos. Neste aspecto ele manifesta o desejo pela lei, que preserva os direitos naturais, tornando o indivíduo sujeito de direitos, o que posteriormente se identificou com os Direitos Humanos. Hobbes afirma que o objetivo do Estado é a paz, que em algumas vezes em seus textos usa o termo “segurança” como sinônimo. No trecho abaixo, ao tratar deste tema, podemos vislumbrar a modernidade deste Estado proposto pelo autor, que amplia o conceito de paz, reconhecendo os direitos individuais aos cidadãos, que deveriam ser prestados pelo Estado. “... o cargo de soberano consiste no objetivo para o qual lhe foi confiado o soberano poder, principalmente para obtenção da segurança do povo... Não entendemos aqui, por segurança, uma simples preservação, mas também todas as outras comodidades da vida, que todo homem, por um trabalho legítimo, sem perigo ou inconvenientes do Estado, adquire para si próprio.” (HOBBES, 1651, Cap. 30) O texto diz que a segurança não é uma “simples preservação”, mas também “todas as outras comodidades da vida”. O filósofo não explicita, mas parece reconhecer que a simples garantia da paz não é o suficiente para toda a vida humana, que para a satisfação depende de “outras comodidades”. Ainda assim não identificamos no Estado hobbesiano como aquele que deva promover estes benefícios aos cidadãos, mas se destaca a obrigação deste em proporcionar a paz, para que o cidadão possa, através de seus próprios esforços, pelo seu “trabalho legítimo”, conquistar para si próprio e sua família a comodidade que julgar necessária. Portanto, não estabelece um Estado “paternalista”, que fornece tudo o que for necessário aos cidadãos para sobreviver, mas, apenas garante a não interferência estatal, que não deverá trazer “inconvenientes” ao trabalho do cidadão, para que este possa livremente conquistar como puder os meios para sua comodidade e de sua família. Hobbes sintetiza neste contexto o fundamento da doutrina econômica que predominou no capitalismo, o liberalismo econômico – que ainda está em vigor, mas de maneira diferenciada, pelo atual intervencionismo estatal. Hobbes ao construir sua filosofia política e jurídica, o faz através de um processo de positivação das leis de natureza, que passa a fazer parte da lei civil, e também pretende uma legalização da política, para que possibilite uma previsão em matéria política. O positivismo é o companheiro inescapável da filosofia hobbesiana, tudo está previsto no contrato e na lei dele decorrente, e isto é muito paradoxal, porque torna o direito positivo o terreno do poder, sendo a lei quem deva regular a política, mas também é a lei que estabelece os direitos individuais, portanto, quem concede o poder e também quem deve refreálo dos abusos cometidos contra os cidadãos, se Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 tornando o lugar de sua instituição e de sua própria crítica. 3. SOBRE OS DIREITOS HUMANOS O que são os direitos humanos? Passados mais de 60 anos da gênese do reconhecimento mundial dos Direitos Humanos, através da Declaração Universal dos Direitos do Homem, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, um documento jurídico que estabelece a defesa dos direitos da humanidade, ao menos sob o prisma positivista – como uma carta de intenções –, após os eventos trágicos das Grandes Guerras Mundiais, ainda há espaço para esse questionamento; diante das mazelas sociais que a história do século passado registrou e em nossos dias continuam a registrar, ficando cada vez mais evidente, devido ao avanço da tecnologia, que transmite praticamente em tempo real tudo o que acontece no mundo, percebemos que, embora haja um discurso em defesa dos direitos do ser humano, na prática continuam acontecendo o desrespeito a esses direitos. A título informativo define Pagliuca “Direitos Humanos como sendo aqueles direitos inerentes a todo ser humano, a partir da natureza das coisas e que garantem uma identidade, livre arbítrio e possibilitam a todas as pessoas uma vida sem sofrimento imposto desmotivadamente ou de modo 1 Apesar da complexidade para se abusivo.” conceituar, como alguém já disse, os Direitos Humanos é de difícil conceituação, mas de fácil identificação quando aviltados. O que muito nos incomoda é que após a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, houve uma profusão de outros documentos neste mesmo sentido de defesa dos Direitos Humanos, e mesmo assim os noticiários constantemente expõem tragédias humanitárias, violações sistemáticas dos direitos humanos e crimes contra a humanidade, sobretudo contra as minorias – crianças, mulheres, idosos e doentes. Há uma grande incoerência entre o que os países propuseram realizar no que se refere à convivência humana e o que na prática têm demonstrado, e esses crimes cometidos contra a humanidade se tornam muito mais ignominiosos, pois, são cometidos já sob a égide das declarações e na era de uma humanidade “iluminada”. Isso demonstra que a experiência histórica, que levou à 1 PAGLIUCA, José Carlos Gobbis. O que são hoje os Direitos Humanos? Disponível em: www.Academia Brasileira de Direito. Acessado em 15/05/2012. elaboração da Declaração, não foi impactante o suficiente ou já está sendo esquecida, o que sinaliza para a repetição daqueles eventos danosos. Tais documentos visavam estabelecer um padrão comum de respeito aos Direitos Humanos e garantias fundamentais, estabelecendo parâmetros internacionais para o exercício do poder, desta forma, não podendo os países invocar a sua soberania e a não-intervenção nos assuntos internos, pois retira de antemão validade política e jurídica dos atos que desrespeitassem aos Direitos Humanos. Temos o resgate do Direito Natural, das ideias hobbesianas, pois o indivíduo passa a ser considerado sujeito de direito no âmbito internacional, tendo resguardado o seu direito à vida e o dever estatal de promover condição de segurança, para que o cidadão possa buscar uma vida digna. 4. A LEITURA DE COSTAS DOUZINAS Douzinas afirma que a modernidade foi a época em que o mundo foi “subjetivado”, e que, desta forma, o sistema jurídico passa a pressupor um sujeito jurídico, ele afirma que “não pode haver direitos humanos sem o ‘humano’ e nenhuma moralidade 2 sem um Eu responsável e agente da escolha” . Destaca que este sujeito, que é o motor e símbolo da modernidade, aparece primeiro nos discursos jurídicos e morais, sendo o sujeito jurídico dos direitos. O homem é o criador e é criação como sujeito jurídico pela lei, sendo seu destinatário e o responsável por ela. A fim de realizar suas tarefas, a lei dota o sujeito de prerrogativas e deveres, competências e obrigações, como o seu veículo de efetivação. A lei e o sujeito estão intimamente ligados, “e os direitos humanos representam o lugar paradigmático no qual a humanidade, o sujeito e o Direito se encontram”. (DOUZINAS, p.193) O autor protesta que a legislação e os legisladores sobre Direitos Humanos não estão interessados em discutir a teoria e a história desses direitos, o que os transformou num refúgio para a exege doutrinal e o positivismo, omitindo o papel do sujeito, da pessoa ou indivíduos cujos direitos e interesses a lei deveria proteger. Para o autor é evidente que evitam essa discussão sobre o sujeito para fugir de enfrentar as questões do subjetivismo, se limitando ao meramente legal, mas, “possuir um direito em termos abstratos não significa muito se os recursos 2 DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos.Trad. Luzia Araújo. São Leopoldo: Unisinos, 2009. p.193. Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 materiais, institucionais e emocionais para a sua concretização não estão disponíveis.” (Ibidem, p.240) Ao tratar desse sujeito jurídico em comparação com a pessoa real, Douzinas diz existir uma lacuna enorme, pois a pessoa é muito mais “densa”, pertencendo ao mundo dos fatos e contingências, emoções e paixões, desejos conscientes e impulsos inconscientes, ações voluntárias, razões desconhecidas e consequências imprevistas; enquanto o sujeito fictional é “ralo”, porque pertence à lei e sua personalidade é construída e regulada pelas regras jurídicas, que não podem alcançar a complexidade do sujeito real, se constituindo uma caricatura, que exagera certos aspectos e características, não contemplando outras. Há um excesso e, ao mesmo tempo, uma falta, que a lei confere ao sujeito, e este excesso é o de razão, o aproximando de uma máquina de calcular, sem se importar com as circuntâncias sociais que levam a pessoa ao cálculo. “Em termos existenciais, o sujeito dos direitos e acordos jurídicos e contratuais posiciona-se no centro do universo e pede à lei para garantir suas prerrogativas sem maiores preocupações quanto a considerações éticas e sem empatia pelo outro. Se a pessoa jurídica é um sujeito isolado e narcisista que percebe o mundo como um lugar hostil para ser ou usado ou contra o qual deve se voltar por meio de direitos e contratos, ela é também desincorporada, 3 sem gênero, uma pessoa estranhamente mutilada.” Neste universo jurídico os sujeitos são todos seres racionais com direitos, prerrogativas e deveres, devendo ser tratado com igualdade perante o outro. “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos...”, proclama o artigo 1º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Porém, esta igualdade é meramente formal, pois não considera a história, a motivação ou a necessidade específicas que o litigante apresenta perante a lei, para que seja feito o cálculo da regra e a aplicação da medida ao caso, se adequando à necessidade concreta da pessoa real. E este é o universo com as características hobbesianas: extremamente racional, contratual e com igualdade formal, em que o cidadão é uma caricatura da pessoa natural, sendo o criador do jurídico e também criado por ele, se revestindo de uma igualdade formal, com a liberdade de buscar sua realização pessoal dentro da sociedade civil. 3 Ibid., 246. A filosofia jurídica e a prática política se apropriaram da positivação dos Direitos Humanos e fazem dela o seu discurso, sendo adotada tanto pela Esquerda como pela Direita, pelo Norte e pelo Sul, de forma a vivermos em uma “cultura dos direitos humanos”, nas palavras de Douzinas. Esse discurso se mantém quanto ao seu aspecto formal, com ele os poderosos se mantém no poder e os documentos jurídicos por eles formulados são floreados e cheios de promessas – até mesmo porque os direitos humanos têm esse caráter prospectivo, mas deve ser sempre realizado em um presente fulgaz –, desta forma, perdendo os Direitos Humanos a sua força real, que tinha quando era apenas um grito de protesto e rebelião. Temos uma cultura de direitos, mas não temos a empatia pelo outro que sofre, temos os direitos humanos positivados, mas não temos mais a paixão pelos Direitos Humanos. O legalismo dos direitos acaba sendo afetado pelo voluntarismo do positivismo, se mostrando uma proteção muito frágil, diante do poder legislativo e administrativo do Estado. Neste sistema, alegar direitos não-legalizados é falar uma linguagem incompreensível, pois a lei não alcança a plenitude da pessoa real, sendo insensível ao seu sofrimento, e os operadores da lei acabam afetados por essa insensibilidade, porque não conseguem ir além deste universo legal. E esta teoria dos direitos humanos “deposita toda a confiança em governos, instituições internacionais, juízes e outros centros de poder público ou privado, ... frusta sua raison d’être, que era precisamente defender as pessoas dessas instituições e poderes”. (Douzinas, p.30) Não se trata de os seres humanos terem direitos, porque são os direitos que constroem o humano, que seleciona e determina quem será ou não será os destinatários de suas regras, como por muito tempo foi o padrão branco, masculino, adulto, rico, nacional e heterossexual. Nesta volatilidade jurídica não há garantias de que a pessoa natural irá coincidir com o humano jurídico descrito na lei. E sob a égide da lei e da mentalidade liberal, nossa sociedade sofre de falta de empatia social; já não somos sensíveis ao sofrimento do outro, pois, todos recebemos a igualdade da lei e as mesmas condições de buscar a comodidade na sociedade civil; portanto, é a lei que toma para si o dever de proteger o sujeito jurídico – e não a pessoa real, com todas suas necessidades e complexidades –, mas ela só alcança aquele sujeito “ralo”, superficial, se eximindo do insucesso do cidadão, que é responsável por seus atos racionais, tendo a liberdade como todos os outros que alcançaram sucesso. Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 Diante do exposto, Douzinas identifica semelhanças na sociedade, na soberania moderna (e até a pósmoderna), que reflete como em um espelho do Leviatã, de Thomas Hobbes, para quem o desejo do homem em organizar a sociedade conduz ao estabelecimento do Estado absolutista, “feito à imagem do indivíduo emancipado”: “O Soberano e os direitos humanos representam as causas e os objetos gêmeos do desejo legalizado. O Soberano, construído sobre o princípio do desejo individual ilimitado, mas assumindo a posição de lider do partido, da classe ou da nação, pode transformar o seu desejo em fúria assassina e na negação de todo direito. O século XX repetidamente testemunhou esse declínio do direito de grupo ou nacional para a afirmação dos direitos de morte. Do Holocausto aos Gulags e de Hiroshima aos campos assassinos do Vietnã e do Camboja, da Bósnia a Ruanda e Kosovo, os direitos do desejo absoluto foram confirmados diversas vezes. Quando o Soberano é concebido de acordo com as características do Eu desejante, ele tem a capacidade, empiricamente negada aos indivíduos, de frustar todo desejo humano e de render as pessoas aos horrores contra os quais supostamente 4 deveria protegê-las.” Douzinas afirma que os direitos humanos são criações e ao mesmo tempo criadores da modernidade, sendo esta a maior invenção política e jurídica da filosofia política e da jurisprudência modernas, provenientes da filosofia de Hobbes. “Seu caráter moderno pode ser encontrado em todas as suas características essenciais. Primeiramente, eles marcam uma profunda mudança no pensamento político de dever para direito, de civitas e communitas para civilização e humanidade. Em segundo lugar, invertem a prioridade tradicional entre indivíduo e sociedade.” (Ibid., p.37) Prossegue em sua análise dizendo que a modernidade emancipou a pessoa humana, transformando o cidadão em indivíduo e o situando no centro da organização e da atividade social e política. Este cidadão emancipado é liberado das obrigações tradicionais para poder agir como indivíduo, seguindo os seus desejos e empregando a sua vontade no mundo natural e social. E, na análise hobbesiana, esta liberdade ilimitada pode destruir a si mesma, devendo esta vontade liberta ser restringida pelas leis e suas sanções, que são os únicos limites que ela respeita. Neste sentido, a liberdade e a coerção nascem no mesmo momento, bem como, a lei e a violência. E diz que o grande feito de Hobbes: “O primeiro e provavelmente o melhor teórico do liberalismo e dos direitos naturais modernos, foi entender que, quando a natureza humana passa a ser soberana e liberta, ela precisa como seu contraponto de um poder público que tenha em todos os detalhes as características do livre-arbítrio indiviso e singular do indivíduo e torne literal seu poder ilimitado metafórico. A soberania da vontade inabalada irá encontrar seu complemento perfeito e imagem especular na soberania do Estado. O Leviatã é a imagem especular e o parceiro perfeito, perfeito demais, do homem emancipado.” (grifo 5 nosso) Hobbes inaugura um processo de positivação da natureza, e também de seu lado inverso que é a legalização – problemática – da política, o que é paradoxal, porque torna o direito positivo o terreno do poder, mas também o lugar de sua própria crítica. E os direitos individuais, hoje direitos humanos, são a origem ideacional deste direito positivado, sendo também usados como defesa do indivíduo contra o poder do Estado, que é a imagem de um indivíduo com direitos absolutos, igualmente criado pela lei. Conclui Douzinas afirmando que todos os elementos da modernidade política e jurídica estão presentes no Leviatã: “O índivíduo anterior à sociedade; os direitos naturais e posteriormente os direitos humanos baseados no reconhecimento do desejo da lei; o Soberano convencional, criado à imagem do indivíduo livre, cujo direito estabelece o direito individual; o positivismo jurídico e a centralidade da vontade e do contrato. Acima de tudo, encontramos em Hobbes o vínculo interno entre desejo, violência 6 e lei.” 5. CONCLUSÃO Na filosofia política de Hobbes, pudemos identificar um rompimento com a tradição filosófica, ao estabelecer um indivíduo anterior à sociedade, que a cria através da razão, não sendo considerado naturalmente talhado para a sociedade, mas esta sendo uma construção artificial. O contrato social que inaugura esta sociedade civil, resulta da vontade humana, do desejo de buscar a paz e segurança. Há, também, um resgate do Direito Natural, mas com uma abordagem inovadora, ao reconhecer o 5 4 Ibid., 378. 6 Ibid., p.37. Ibid., p.92. Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 indivíduo como sujeito de direitos naturais, as garantias individuais, que são garantidos pelo Estado, devido a sua renúncia a resistência e transferência de poder ao soberano. Este soberano é convencional, sendo criado à imagem do indivíduo livre, que tem direito a tudo. Devido a centralidade da vontade pelo contrato, no reconhecimento do desejo pela lei, o positivismo é o companheiro inescapável do sistema hobbesiano. Os Direitos Humanos são criação e ao mesmo tempo criadores da modernidade, conforme identifica Douzinas, pois, servem de fundamento ideacional para os sistemas jurídico e político modernos, traduzindo as garantias individuais do cidadão perante o Estado, devendo refrear os abusos do poder contra os indivíduos. Mas, esta positivação é problemática, porque faz da lei a criadora do poder e, ao mesmo tempo, quem deva refreá-lo, dando direitos e garantias ao indivíduo. Além do mais, este sujeito jurídico, criado pela lei, é muito superficial, porque a lei não consegue contemplar todas as circunstâncias possíveis e necessárias da pessoa real. E um grande problema desta positivação, é que faz com que a sociedade perca a empatia social, em que as pessoas não se importam com o sofrimento do outro, porque há uma igualdade formal, e cada sujeito é livre para buscar a sua comodidade. O soberano é criado à imagem do indivíduo livre, com as mesmas características, podendo transformar seus poderes irrestritos, se voltando contra alguns indivíduos, porque é quem estabelece, pela lei, quem será o sujeito jurídico, destinatário dos direitos. O século XX testemunhou diversas vezes, em diversos lugares, o Estado render as pessoas aos horrorres contra os quais deveria protegê-las. Douzinas identifica este Estado como refletido em um espelho do Leviatã. Poderão alguns afirmar não ser cabível, em nível de filosofia política e do direito, esta crítica institucional dos direitos humanos, e esta análise empírica de sua utilização como discurso e prática poderosos no Direito Nacional e Internacional, resultando em sua constituição como instrumento de poder e dominação. Porém, esta análise empirista se torna indissociável do estudo dos direitos humanos, porque eles sempre foram a busca da experiência política da liberdade, exprimindo a luta para libertar os indivíduos da repressão externa e permitir a sua auto-realização. A luta pela dignidade humana deve representar a busca da liberdade contra as infâmias, degradações e humilhações inflingidas às pessoas por poderes instituídos, instituições e leis. (Ibid., p.32) Em nossos dias a discussão acerca dos direitos humanos, o seu pensamento e a ação oficial, têm ficado a cargo de “colunistas triunfalista, diplomatas entediados e abastados juristas internacionais em Nova York e Genebra, gente cuja experiência com as violações dos direitos humanos está confinada a que lhe seja servido vinho de uma péssima safra...” (Ibid., p.25) E nestas pomposas reuniões, regadas a champagne e caviar, os direitos humanos foram transformados de um discurso de rebeldia e divergência em um discurso de legitimidade do Estado. Faz-se necessária uma reflexão sobre os direitos humanos, sobre a sua positivação e o papel que tem desempenhado na sociedade; precisamos nos sensibilizar com o outro que sofre, pois, quando uma pessoa é exposta a situações degradantes, é toda a humanidade que está sendo afrontada. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, pela dádiva da vida; também a Pontifícia Universidade Católica de Campinas, por esta oportunidade; ao Prof. Dr. Douglas F. Barros que pacientemente me orientou nesta pesquisa, e; a minha esposa, Renata C. Conti Rodrigues, que sempre me apoiou nesta empresa. REFERÊNCIAS DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. Trad. Luzia Araújo – São Leopoldo: Unisinos, 2009. HOBBES, Thomas. Do Cidadão. Trad. Fransmar Costa Lima. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2004. 288p. _____________. Leviatã. Trad. Alex Marins. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2007. 519p. LIMONGI, Maria Isabel. O homem excêntrico – Paixões e Virtudes em Thomas Hobbes. São Paulo: Ed. Loyola. 2009, 310p. PAGLIUCA, José Carlos Gobbis. O que são hoje os Direitos Humanos? Site da Academia Brasileira de Direito, acessado em 15/05/2012.