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Porto Alegre: breve histórico do final do Império ao primeiro decênio do
século 20.
Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite*
O século 20 chegou com expectativas e sonhos de renovação. A República havia
se instalado no Brasil, desde novembro 1889, trazendo consigo a promessa de
“novos ares”, representado no dístico positivista de nossa bandeira: “Ordem e
Progresso”. Modernidade, industrialização e ciência eram palavras da moda.
Vivíamos a esperança de novos tempos... Os logradouros de Porto Alegre, que
homenageavam figuras ligadas ao Império, foram renomeados com personagens,
fatos ou datas referentes à implantação do novo regime. O historiador Francisco
Riopardense de Macedo (1921-2007), em sua História de Porto Alegre (Ed. UFRGS/
1993), pág. 80, descreve, embora sem apresentar suas fontes, o que ocorreu na
noite do dia 15 de novembro:
“O povo saiu às ruas arrancando placas que evocavam o Império e
substituindo-as por novas representativas do novo regime e que a Junta Municipal
nada mais fez que homologar essa iniciativa, essa demonstração de apreço pelo novo
regime”.
A Proclamação da República, que se efetivou por meio de um golpe militar,
surpreendeu aos porto-alegrenses, principalmente aos jovens republicanos que
militavam nas páginas d’A Federação (1884-1937), Órgão Oficial do Partido
Republicano (PRR). A notícia de que a monarquia havia sido extinta, no Brasil, deuse por meio de um telegrama afixado no placar do jornal às 17 horas do dia 15 de
novembro de 1889:
Governo Provisório, Rio, 15 de novembro.
“O povo, o Exército e a Armada vão instalar um governo provisório que
consultará a Nação sobre a convocação de uma constituinte. Erguem-se aclamações gerais à
República. Viva a liberdade! Viva a República! Viva a Pátria Brasileira!” 1
Quando o alagoano Deodoro da Fonseca (1827-1892) proclamou República, em
1889, o movimento do comércio e da indústria, em Porto Alegre, já era
considerado significativo. Existiam 03 bancos, 37 armazéns atacadistas e 33 para
vendas no varejo; 10 casas de tecidos por atacado, 56 varejistas, além de 10 lojas
para venda de livros ou miudezas.
A transição do regime monárquico para o republicano gerou sérios conflitos em
nosso estado. Ao término da “Revolução Federalista” ou “Revolução da Degola”
1
Sérgio da Costa Franco. Porto Alegre Ano a Ano: uma cronologia histórica 1732/1950. Porto
Alegre:Letra & Vida, 2012, p. 119.
(1893-1895), o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) se tornou hegemônico
na, então, Assembleia dos Representantes, após ter alijado do poder seus
opositores liderados pelo tribuno Gaspar Silveira Martins (1835-1901). Esse
confronto, que dividiu o Estado, em pica-paus (castilhistas) e maragatos
(gasparistas), deixou o registro funesto de 10.000 mortes. Ao retomar o poder, em
janeiro de 1893, Julio Prates de Castilhos (1860-1903), líder do PRR, passou a
governar o Estado, sob a égide de uma Constituição de inspiração positivista
(1891), escrita por ele, que acirrou o ódio da oposição ao seu governo
centralizador e autoritário, desencadeando a Revolução Federalista (1893-1895).
Esta, ainda que de curta duração, resultou em um número expressivo de óbitos
quando comparada à Revolução Farroupilha (1835-1845), que durou um decênio,
resultando em 3.400 mortes.
Em Porto Alegre, durante essa guerra fratricida, não ocorreram combates,
embora pica-paus (lenço branco) e maragatos (lenço vermelho) demarcassem seus
territórios nos Cafés da cidade, demonstrando a incompatibilidade de
compartilharem o mesmo espaço. De acordo com o historiador Sérgio da Costa
Franco, os pica-paus tinham predileção pelo Café Java, localizado em frente à Praça
da Alfândega, e os maragatos frequentavam o Café América, defronte do Largo dos
Medeiros. A dicotomia política era representada pelo público frequentador desses
espaços de sociabilidade, nos quais se falavam das frivolidades do cotidiano às
questões de teor político e econômico. O confronto dessas facções se tornou
inevitável. No dia 31 de maio de 1893, a turma do Café Java invadiu o local do Café
América, resultando em nove feridos à bala e quatro com escoriações e contusões.
O jornal O Mercantil (1874-1897), entre outros periódicos, registrou o fato numa
matéria cujo título foi “Banditismo inqualificável”.
Após a abolição da Escravatura, que ocorreu na capital, em 1884, quatro anos
antes Lei Áurea (1888) e da Proclamação da República (1889), acelerou-se o
processo de crescimento do seu perímetro urbano, empurrando para a periferia os
segmentos mais pobres, principalmente, de etnia negra; daí se originando espaços
como a Colônia Africana (Atual Bairro Rio Branco) Areal da Baronesa e
Mont’Serrat que se constituíram em locais de resistência cultural negra,
principalmente, no aspecto musical (samba) e na religiosidade (culto aos Orixás).
Infelizmente, a abolição dos escravos trouxe a liberdade, porém não houve um
projeto de inclusão numa sociedade capitalista e competitiva, restando-lhe,
naquele momento, a pobreza, o subemprego, além do estigma da escravidão.
Na Cidade Baixa, na Lopo Gonçalves, morou, a partir de 1901, o Príncipe
Negro, Custódio Joaquim de Almeida (1831? -1935), figura ligada à nobreza
africana e babalorixá (sacerdote no culto africano), considerada exótica em sua
forma de viver. O príncipe criava cavalos árabes e falava inglês e francês,
despertando curiosidade e causando surpresa à sociedade da época, que estava
habituada a ver o negro com o esteriótipo de escravo e pobre. Nas festas, que se
realizavam em sua residência, serviam-se bebidas importadas acompanhadas de
finas iguarias, sendo frequentadas pela elite sociopolítica da cidade. Além da
tradição oral e registros de seu falecimento em jornais da época, o único
documento oficial, que comprova sua existência envolta em mistério, é seu
atestado de óbito, registrado na Santa Casa de Misericórdia, em maio de 1935,
quando faleceu com 104 anos de idade.
O crescimento demográfico de Porto Alegre acarretou o surgimento de arraiais
associados a outras etnias, como o dos Navegantes e São Manoel ambos de origem
germânica e o Menino Deus cuja origem é açoriana. Ainda na segunda metade do
século 19, surgiram os bairros Partenon, Glória e Teresópolis. Entre as atuais ruas
Independência e Cristovão Colombo, despontou o Bairro Floresta. Os bairros
Independência e Moinhos de Vento se originaram a partir da instalação dos
moinhos do mineiro Antônio Martins Barbosa. Com o aumento das atividades,
entre o Bom Fim, o Menino Deus e a Colina do Cemitério surgiu, de forma
definitiva, o Bairro da Azenha, cuja origem está ligada ao Chico da Azenha que se
estabeleceu no local a partir de 1751. Ao findar o século 19, por meio dos
caminhos do Mato Grosso (Bento Gonçalves), do Meio (Protásio Alves) e o Novo
(Voluntários da Pátria), a zona do centro da cidade se ligava às cercanias da cidade.
No campo da Comunicação, o porto-alegrense assistiu à inauguração, em 1886,
com 72 aparelhos, do Centro Telefônico que se localizava na esquina da Riachuelo
com a General Câmara, antiga Rua da Ladeira. O primeiro alô na cidade é creditado
à figura do general Deodoro da Fonseca que ocupava a presidência da Província.
Porto Alegre foi a sexta cidade no Brasil a implantar a novidade.
As melhorias na urbe iam avançando... No ano seguinte, em 1887, Porto Alegre
se tornou uma das pioneiras do Brasil a experimentar a luz elétrica, gerada por
uma usina térmica da Companhia Fiat Lux. No ano de 1888, a cidade era ligada por
linhas férreas a Santa Maria e Uruguaiana, representando um importante
progresso no campo dos transportes.
Na área da Educação, durante os primeiros anos do século 20, surgiram
tradicionais estabelecimentos de ensino, como: Sevigné (1900), Rosário (1904),
Bom Conselho (1905), Parobé (1906) e N. Senhora das Dores (1908). Já no campo
da educação superior, fundaram-se as primeiras Faculdades: Engenharia (1896),
Medicina (1898) e Direito (1900), dando início à vida acadêmica em Porto Alegre.
No cotidiano da cidade, o cinema (1896) o automóvel (1906) e o bonde elétrico
(1908) se constituíram em novidades que instigaram a curiosidade e o fascínio dos
porto-alegrenses, no final do século 19, e durante o primeiro decênio do século
20.
O viajante alemão Schwartz Bernard que visitou Porto Alegre, no início do
século XX, considerou a cidade bastante progressista, aproximando-se do modelo
europeu de urbanidade. Naquela época éramos uma população de 73.274 “almas”.
De acordo com a historiadora Sandra J. Pesavento (1946-2009), em seu livro Uma
outra cidade: O mundo dos excluídos no final do século XIX, o significativo
crescimento econômico e populacional ocorreu devido ao comércio do seu porto e
ao fluxo de imigrantes alemães e italianos, além de ex-escravos que, após a
abolição, se voltaram para a capital em busca de sobrevivência.
Um conjunto de transformações passou a fazer parte da rotina dos portoalegrenses: o trem diminuiu as distâncias; os navios a vapor eram mais seguros e
rápidos; o telefone aproximou as pessoas, assim como o telégrafo. A eletricidade
trouxe rapidez nos transportes (bonde), iluminando as ruas e as moradias,
trazendo conforto e segurança. De acordo com o relato, em 1905, do viajante
Vittorio Buccelli:
“A iluminação é boa e digna de uma cidade europeia e é feita de todos os sistemas:
a gás, a lâmpadas elétricas e a acetileno”. 2
A “Ditadura Científica”, inspirada em Augusto Comte (1798-1857), foi adaptada,
em nosso estado, por Julio Prates de Castilhos, sendo exercida pelo seu sucessor
Borges de Medeiros, durante a Primeira República (1889-1930). De acordo com
essa filosofia, a sociedade se constituia num organismo vivo, cuja finalidade era
alcançar o bem da Humanidade. Sintetizada na frase “O amor por princípio e a
Ordem por base; o Progresso por fim”, a doutrina pregava a visão cientificista da
realidade, valorizando os fatos sem nenhuma conotação metafísica. Segundo o
Castilhismo, capitalistas e banqueiros administrariam a economia e os engenheiros
estabeleceriam a união entre a teoria e a prática. A ordem social se constituía na
base para atingir o progresso. Neste contexto, Porto Alegre se expandiu, cresceu,
alterando gradativamente sua paisagem açoriana.
Uma característica de Porto Alegre é a influência do positivismo, que se faz
presente, na sua arquitetura e estatuária. Durante esse período, surgiram
imponentes construções que foram modificando o visual citadino. Um exemplo,
bastante apropriado, é a antiga Prefeitura Municipal que foi construída sob
responsabilidade do engenheiro municipal João Cattani, sendo o projeto do
arquiteto veneziano Luiz Carrara Colfosco. Inaugurado, em 1901, o prédio
simboliza o poder e a consolidação do Partido Republicano e seu ideário
positivista. Ali, despachou, por mais de 20 anos, o primeiro Intendente (prefeito)
eleito, por voto direto, José Montaury de Aguiar Leitão. Nessa época, o voto não era
secreto e as mulheres eram excluídas do processo de eleição.
O Esporte
Na área dos esportes, à época se destacaram o ciclismo, o turfe e o remo. Nos
primeiros anos do século 20, o porto-alegrense assistiu, também, ao surgimento de
duas grandes potências do nosso futebol: o Grêmio (1903) e o Internacional
(1909), a eterna dupla Grenal. No dia 18 de julho de 1909, no campo da Baixada,
ocorreu o primeiro Grenal da história do futebol gaúcho. O resultado foi a vitória
do Grêmio com o placar de 10 x 0. O termo foi criado, em 1926, pelo jornalista e
gremista Ivo dos Santos Martins, enquanto rabiscava em uma mesa do Café
Colombo em Porto Alegre. Na cidade de Rio Grande, ao adentrar o século 20, em 19
de julho de 1900, fundou-se o primeiro clube de futebol do Rio Grande do Sul: o
Sport Clube Rio Grande, sob a liderança do alemão Johannes Christian Moritz
Minnermann.
2
Transformações Urbanas: Porto Alegre de Montaury a Loureiro. Catálogo / Museu de Porto Alegre
Joaquim Felizardo, p.25.
Espaços de Sociabilidades
O sarau se constituiu, por muito tempo, num hábito frequente do portoalegrense, quando a família se reunia para escutar estórias ou algum trecho de
leitura de algum sucesso literário. Neste período, os hábitos noturnos eram quase
que inexistentes, e locais de diversão eram tidos como suspeitos, exigindo
discrição dos frequentadores. Com a iluminação a gás (1874), a noite passou a ser
mais atrativa e mais segura. Nos saraus, com a presença de convidados,
declamavam-se sonetos ao som de boa música. Durante o encontro, chá, licor,
doces e biscoitos eram oferecidos aos presentes. A peça fundamental era o piano,
no qual se tocavam valsas, havaneiras, shotings, czardas, polcas e o velho minueto.
Os convidados dançavam e conversavam alegremente, durante essas reuniões que
ocorriam, geralmente, às quintas e aos sábados, segundo José De Francesco, no
livro Reminiscências de um artista, pág. 13. Durante longo tempo, esses saraus
fizeram parte do lazer do porto–alegrense.
Na virada do século 20, se o piano ocupava o lugar de honra na casa, nas ruas a
primazia era do violão. Nas alamedas da Praça da Harmonia, caminhavam os
seresteiros, dedilhando violões e, algumas vezes, causando alarido. As serenatas
acabaram por serem proibidas, por Barros Cassal (1858-1903), nos primeiros
tempos da República. Neste período a cidade contava com 316 tavernas, 38
botequins, cafés e restaurantes, 10 quiosques, conforme registra a Enciclopédia dos
municípios brasileiros na pág. 68.
Os Cafés surgem na Europa nos fins do século 18, popularizando-se no século
seguinte. Nesta ambiência do primeiro mundo se trocam ideias e realizam-se
negócios variados. A presença dos Cafés, enquanto espaço de sociabilidades, no
velho continente, vai a encontro das novas exigências de uma sociedade moderna e
logo esta influência europeia se faria presente em nossa urbe.
De acordo com Achyles Porto alegre (1848-1926), em seu livro Flores entre ruínas
na pág. 19, o mais antigo Café da nossa cidade era o Fama fundado em 1870, que se
localizava na Rua Nova (atual Andrade Neves). Nosso cronista narra que o local era
frequentado por quem não prezava a própria fama. Com o passar do tempo,
surgiram inúmeros cafés, atraindo a clientela masculina mais endinheirada que
discutia negócios e preocupava-se com as questões políticas do estado. Surgiram,
assim, o Java, Roma, América e o Guarany. Nestes cafés, as mesas eram disputadas,
pelos frequentadores, como afamados pontos de encontros. Havia também os
cafés-concerto, nos quais se podia beber, fumar e assistir a números musicais e de
variedades, como Café Pátria, que, em 1895, exibiu com sucesso o grupo de
Eduardo Moccia, apresentando zarzuelas que são peças espanholas, parte falada e
outra cantada; uma espécie de ópera cômica. No mesmo estilo, despontou o café –
concerto O Sol Nasce Para Todos de Paulino Bernardi.
Local de encontro e lazer dos porto-alegrenses, o Chalé da Praça XV foi
construído no ano 1885, na Praça Conde d’Eu, atual Praça XV, visando à venda de
sorvetes e bebidas. Em 1911, foi demolido, sendo construído,, no mesmo local,
outro em estilo “Art-Nouveau”. Ser fotografado, pelos antigos lambe-lambes e
encontrar com os amigos, constituía-se numa prática do cotidiano desse local. De
acordo com o cronista Nilo Ruschel, em seu livro Rua da Praia, o Chalé da Praça XV
representa um local de sociabilidades que resistiu às demolições e mudanças da
paisagem citadina. Este, até os dias atuais, faz parte da tradição e do cenário
central da cidade.
A atual Praça Brigadeiro Sampaio (antiga Praça da Harmonia) representou no
passado um importante espaço de sociabilidades, no qual namorados, boêmios
poetas, escritores e jornalistas transitavam. O lugar, em seus primórdios, foi
também cemitério e local de enforcamentos. Já na condição de Praça, a partir de
1878, o espaço se tornou ponto de recreação com a instalação de um rinque de
patinação. Além de um chafariz, importado da Europa, havia um quiosque para
cervejadas. A Praça da Harmonia se chamou também Martins de Lima, vereador
responsável pelo primeiro plano de arborização da cidade, tendo esse local
recebido as primeiras mudas de árvores. Frequentaram a Praça da Harmonia
nomes famosos, como: Alceu Wamocy (1895-1923), Eduardo Guimaraens (18921928), Alcides Maya (1877-1944), Álvaro Moreira (1888-1964) Felipe de Oliveira
(1890-1933), Dionélio Machado (1895-1985), entre outros.
O final do século 19 trouxe novidades no campo das artes, no vestuário ou no
modo de desfrutar a existência, valorizando o lazer noturno. Festejando a chegada
do Ano Novo, o Porto Alegrense deslumbrou-se ao ver, na chaminé da Fiat Lux, o
letreiro Salve o século XX se iluminar com a eletricidade. Iniciáva-se, o esboço da
moderna noite cosmopolita, vivenciada pelo porto alegrense que adentrava o
século 20. Quando se acenderam as lâmpadas elétricas nas ruas, já havia os
hábitos noturnos que se expandiram na proporção que a cidade se iluminava,
tornando mais seguros os percursos. Assim, Porto Alegre conquistou de forma
definitiva o tempo noturno na belle époque dos gaúchos.
O público feminino, de acordo com Athos Damasceno Ferreira (1902-1975),
frequentava a Confeitaria da Alfândega, exibindo o figurino francês que
predominava à época. O chapéu, símbolo de elegância, era adornado com flores,
fitas ou frutos, sendo adquiridos no Magasin de Modas ou Au Bom Marché. A
grande meta do público feminino, por meio do uso do espartilho, era possuir uma
cintura de 42 centímetros, sendo um ideal de beleza uma pele branca e
transparente. Somente as proletárias usavam lenço na cabeça ou pequenos
chapéus.
O footing feminino era costumeiro, na Rua da Praia, após o chá das cinco. Ao
escurecer, assistia-se na mesma rua o trottoir de lindas mulheres, com a pecha de
“má reputação”, às quais a imprensa da época denominou de “horizontais”. Estas
eram as musas dos jovens que frequentavam as novas faculdades nos intervalos
noturnos. A boemia era um estilo assumido. A origem da palavra é imprecisa;
porém, no ano de 1830, em Paris, já aparece com o atual significado.
Nosso poeta Zeferino Brasil (1870-1942) foi um reconhecido boêmio da cidade,
como registra a dissertação de mestrado Espaços de sociabilidade e memória:
fragmentos da “vida pública” porto-alegrense entre os anos de 1890 e 1930, de Luiz
Antônio G. Maronese, defendida em 1992.
Na última década do século 19, a cidade já possuia bares, cafés e frequentadores
considerados boêmios. Segundo Souza Júnior (1896-1945), a influência do livro
“Cenas da vida boemia” de Henri Murger (1822-1861), no meio intelectual da
época, foi marcante, influenciando num certo alcoolismo romântico associado a um
“estilo de vida”.
Apesar das campanhas moralizantes e da presença da repressão policial, o lazer
noturno continuou a crescer. O porto–alegrense seguia se divertindo pelos
botequins, quiosques, e bailes populares. Para o cidadão de gosto mais apurado,
havia as soirées da Sociedade Esmeralda, da Germânia ou da Vittorio Emanuelle,
além dos banquetes no Grande Hotel e no Clube do Comércio.
O modelo burguês europeu do “bem viver” era reproduzido nos espaços de
lazer da cidade, como as sociedades, as confeitarias, os cafés, os hipódromos, as
sessões de cinematógrafo e o tradicional “footing” da Rua da Praia. Considerada a
mais antiga e tradicional rua da cidade, nela os “cidadãos de bem” passeavam,
exibindo o vestuário da moda. Quanto à sua importância o viajante Annibal
Amorim registrou entre 1907/1908:
“Em Porto Alegre cada rua tem dois nomes: um popular outro municipal. É uma
confusão diabólica para o recem vindo. A dos Andradas é a mais importante. É mesmo a via
publica da moda.“ 3
As transformações que mudaram o visual citadino e o comportamento dos
porto-alegrenses, sob a influência do positivismo, foram registradas pela lente de
um dos grandes nomes da arte de fotografar: o ítalo-brasileiro Virgílio Calegari
(1868-1937). Seu famoso atelier se localizava na Rua da Praia, entre a Caldas
Júnior, antiga Payssandu, e a General João Manoel, conhecida como a quadra dos
italianos. Frequentar seu estúdio era símbolo de status. Suas fotografias ilustraram
revistas importantes que circulavam à época, como a Máscara, Kodak e a Revista do
Globo.
O hábito de frequentar o Teatro São Pedro, fundado, em 1858, para assistir às
companhias líricas, era sinônimo de status e elegância. O professor e pesquisador,
Décio Andriotti, profundo conhecedor desta temática no Estado, registrou no seu
artigo A Música no Rio Grande do Sul / Uma síntese Crítica: “... da metade do século
19 até a metade do século 20, a ópera foi o gênero preferido do gaúcho”. Em seus
garimpos históricos, ele descobriu, em 1994, na Biblioteca Pública do Estado, a
partitura da Ópera Carmela, apresentada em 1902, da autoria do compositor
gaúcho Araújo Vianna (1871-1916).
Importante que se destaque, também, os espetáculos teatrais encenados por
grupos que vinham do exterior. Na virada do século, apresentou-se no Teatro São
Pedro a Empresa Dramática Portuguesa. Nela se encontrava a grande Lucília
Simões, atuando em Francillon de Alexandre Dumas filho (1824-1895), assim como
Christiano de Sousa no espetáculo Casa de Bonecas de Henrik Johan Ibsen (18281906). Ao mesmo tempo, A Tosca e a Dama das Camélias eram anunciadas, pela
Companhia de Zaira Pieri Tiozzo, no Polytheama, sendo que muitos atores eram
3
Catálogo. Op. cit, p.31.
oriundos de Buenos Aires, como registrou o Jornal do Comércio de 10 de janeiro,
06 de fevereiro e 13 de março de 1900 editado em Porto alegre.
Trazido pelo empresário Francisco de Paola e seu sócio Dawison, no dia 4 de
novembro de 1896, o Cinematógrafo teve sua primeira apresentação, na Rua da
Praia, nº 349, deixando aos que se encontravam, no local, perplexos diante daquela
novidade.
As primeiras imagens eram vistas panorâmicas, que retratavam as belezas
naturais e registros de eventos públicos, como procissões, acontecimentos
políticos de outros locais fora do nosso estado. Em 26 de fevereiro de 1901, o
Correio do Povo divulgou a inauguração do Cynematógrapho no Teatro São Pedro
com exibições diárias. Embora as críticas conservadoras, as exibições continuaram
até 1909. Somente a partir de maio de 1908, surgiram as primeiras salas
permanentes em exibições: o Recreio Ideal, Recreio Familiar, Rio Branco, Berlim e
Variedades.
No dia 27 de março de 1909, data oficial do Cinema gaúcho, era exibido o
primeiro filme de ficção no estado, cujo título é Ranchinho do Sertão. O pioneirismo
do Cinema, no Rio Grande do Sul, remete-nos aos nomes de Eduardo Hirtz,
Francisco Santos, Carlos Comelli, Laffayete Cunha, Emílio Guimarães, entre outros.
O nosso cronista Achyles Porto Alegre (1948-1926) se ressente em relação às
novas formas de divertimento do início do século 20, considerando os espaços
fechados para sociabilidades públicas, locais frequentados pela “arraia miúda”, a
exemplo do cinema. Em sua visão, este era um instigador de maus costumes.
Embora as críticas do nosso cronista e da Igreja, a partir do final da década de
1910, o cinema seguiu atraindo o público para as salas de exibição, tornando-se a
expressão genuína da modernidade, pois influenciou no comportamento social,
divulgando, também, novos produtos de beleza, bebidas e cigarros. Enfim, criou-se
uma cultura cinematográfica.
O Carnaval
Nos primórdios do nosso Carnaval, o entrudo de origem açoriana era uma
brincadeira, na qual os foliões lançavam entre si limões de cheiro, água das
seringas e até farinha. Diante do aumento populacional, o que era simples diversão
tornou-se causa de desavenças e ferimentos entre os foliões e os passantes. Ao lado
de um Carnaval vivenciado pela maioria da população e reprimido pela polícia, o
entrudo, existiam os blocos e corsos das grandes sociedades que representavam a
elite da cidade. A passagem do entrudo para o Carnaval, “bem comportado”,
ocorreu dentro de um modelo que reproduzia a festa europeia.
Os festejos de Momo, na virada do século, eram vivenciados, pelas camadas
médias e altas, nos cafés, teatros, confeitarias, clubes e associações. Ocorriam
jogos de confete, batalhas de flores, o lança-perfume e o corso de automóvel nas
ruas principais, a exemplo da Rua da Praia. As camadas mais pobres da população
eram excluídas dos festejos, embora houvesse a circulação de mascarados que
tocavam tambores e zabumbas de origem africana em diversos pontos da cidade.
Com o tempo, o Carnaval de rua, passou aglutinar tradições populares de
diferentes origens, europeia e africana, fundindo culturas e hábitos que se
misturavam nos dias de Momo, principalmente, na periferia, nos bairros ligados
aos segmentos negros, considerados “berço do samba”, a exemplo da Colônia
Africana, Areal da Baronesa, Ilhota e Cabo Rocha. Tamborins e outros instrumentos
de percussão compunham o cortejo, acompanhado de coreografias sensuais. Um novo
estilo de dança e composições musicais explicitavam representações de si e do próprio
mundo com o qual interagiam. O Carnaval de rua passou a ser associado, quase que de
maneira exclusiva, ao elemento popular e de etnia negra. Começaram a surgir uma
série de blocos e ranchos populares que, aos poucos, superaram em quantidade às
tradicionais sociedades carnavalescas, como Esmeralda, Venezianos, tradicionais
rivais, e Germânia, até substituí-las, por completo, ao final da década de 20.
Surgem, nesta fase, os blocos: Leões, Tigres, Fidalgos e Batutas, entre outros. A
importância do Carnaval para a cidade foi registrada, pelo viajante Frank Bennett,
em torno de 1900:
“O Carnaval é um dos maiores eventos realizados no ano e todo mundo
participa ativamente dos festejos, conquanto, cada classe social faça-o de maneira diferente
(...)” 4
Modernidade
O ideal de modernidade na capital gaúcha se refletiu, na gestão de José Montaury
(1858-1939), por meio da ampliação da rede elétrica, da rede hidráulica e das
linhas de bonde, aproximando a mesma aos modernos centros urbanos mundiais.
Em 1901, criou-se a Academia Rio-Grandense de Letras e ocorreu uma Exposição
Geral, no Campo da Redenção, exibindo modernas tecnologias e os produtos que
moviam a economia do nosso Estado. No ano de 1903, Porto Alegre ganha um
importante espaço de Memória: o Museu do Estado A partir de 1907, por decreto
de 19 de julho, passou a chamar Museu Julio de Castilhos o mais antigo Museu do
Rio Grande do Sul.
A modernização da cidade, associada à questão do saneamento, fez com que a
Intendência Municipal comprasse, em 1904, a Companhia Hidráulica Guaibense,
dando início à construção da casa de bombas na Rua Sete de abril, esquina com a
Voluntários da Pátria, para bombear água aos reservatórios localizados em
terrenos nos Moinhos de Vento. Criada naquele mesmo ano, a Companhia Força e
Luz Porto-Alegrense passou a gerar energia elétrica, implantando novas linhas e
4
Idem. Op. Cit, p.33.
cuidando do transporte dos bondes elétricos, satisfazendo os anseios da população
local por progresso. Em relação ao saneamento, em 1905, o viajante Vittorio Bacelli
registrou:
“O serviço de limpeza urbana de Porto Alegre pode ser apontado como modelo a
muitas cidades europeias (...)”5
O processo de modernização da cidade tinha como cerne a industrialização e o
progresso tecnológico, ocorrendo nesse período a fundação de escolas técnicas,
como o do Instituto Técnico profissional Parobé em 1906, cuja criação fez parte do
movimento positivista de inserção do proletariado à sociedade moderna. A
política de alfabetização no período borgista acompanhou o desenvolvimento dos
meios de comunicação e transporte, bem como da infraestrutura, confirmado na
gestão do prefeito José Montaury.
O jornalista e escritor Achyles Porto Alegre narra as transformações do dia a dia
da urbe de maneira quase poética, como registra este trecho de uma das suas
crônicas:
“Ao invés da iluminação azeite de peixe – a luz elétrica, ao invés da
maxambomba, que não matava ninguém – o elétrico e o auto, que como epidemia, estão
sempre fazendo vítimas – eis o que o progresso nos trouxe. É doloroso – mas é bonito. Não
temos mais frades de pau à porta de casa, nem, de pedra às esquinas. Temos postes
telefônicos e de luz elétrica, que nos trazem a casa, de longe, num relâmpago, a palavra e a
luz”6
A ideia de modernidade, no início do século 20, de acordo com o ideário
positivista da elite gaúcha, era refletida pelo incentivo dado à implantação de
indústrias. Nesse contexto surgiram, em Porto Alegre, nossas primeiras empresas:
a Neugebauer (1891), Gerdau (1901) e a Wallig (1904). Em 1909, começaram os
aterros para construção do nosso Cais do Porto, ruas e avenidas. Nesse período,
alguns bairros já tinham iluminação elétrica e paulatinamente se desativaram os
combustores a gás no centro da cidade. Em relação ao nosso progresso industrial,
o viajante Wilhelm Lacmann, em 1903, deixou-nos a seguinte descrição:
“Porto alegre possui, proporcionalmente, um próspero parque industrial. Áreas
tais como: construção de navios, pregos de arame, móveis, artefatos de vidro sabão, fazendas
e chapéus. A indústria porto-alegrense é protegida por elevados impostos para importação, o
que proporciona a continuidade de sua prosperidade.” 7
Diante do progresso industrial, o operariado gaúcho se organizava
politicamente, enquanto classe, buscando melhores condições de vida. O
anarquismo e o socialismo, por meio da pregação ideológica, disputavam, entre si,
a liderança na luta para construir uma sociedade mais justa e igualitária.
Divulgador das ideias marxistas entre os operários locais, Francisco Xavier da
Costa (1871-1934), primeiro negro vereador na capital, liderou com Carlos Cavaco
(1878-1961), a primeira Greve Geral, de outubro de 1906, em Porto Alegre.
5
Catálogo. Op. cit, p.26.
Achyles Porto Alegre. Através do Passado. Porto Alegre : Globo, 1920, pp 45-6.
7
Idem. Op.cit, p. 21
6
Contando com mais de 5000 operários, a Greve reivindicava a jornada de oito
horas de trabalho e melhores condições de trabalho. De acordo com o pesquisador
e jornalista João Batista Marçal, Francisco Xavier da Costa fundou o Partido
Socialista Rio-grandense, em 1897. Em 1º de maio de 1905, ele lançou o periódico
socialista A Democracia (1905-1908). Durante a Greve, conhecida como a “Greve
dos 21 dias”, fundou-se a FORGS (Federação Operária do Rio Grande do Sul).
Transcorria o ano de 1908, quando chegou a Porto Alegre o arquiteto alemão
Theo Wiederspahn (1878-1952) num momento que a economia crescia e nosso
Estado era considerado o terceiro mais importante do Brasil. Com o apoio das
classes dominantes, Theo Wiederspahn (1878-1952) foi o responsável por
inúmeras construções que modificaram a urbe. De 1908 a 1930, o mesmo realizou
554 projetos documentados, entre os quais o prédio, hoje, ocupado pelo Museu de
Arte Ado Malagoli (MARGS), e o prédio onde se encontra instalada, desde 1983, a
Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ). No ano de 1909, chegou a Porto Alegre,
vindo da França, o arquiteto, Maurice Gras, que assinou o contrato para a
construção do Palácio Piratini.
No dia 12 de outubro de 1909, o correu um marco de modernidade, em Porto
Alegre. O fato aconteceu no antigo Prado do Menino Deus, quando o primeiro avião
em Porto Alegre fez um pouso e, depois, uma decolagem8. No tradicional bairro
Menino Deus havia teatro e hipódromo. Considerado um comportamento elegante,
o porto-alegrense tinha o hábito de passear aos domingos, utilizando como
transporte o bonde elétrico. Lá chegando, no Menino Deus, bebia um refresco,
cumprimentava os conhecidos e retornava ao centro.
Em maio de 1910, um fato atraiu os porto-alegreses. Ao olharem para o céu,
observaram o cometa Halley na sua trajetória, trazendo medo às mentes mais
incautas e ingênuas quanto a um possível “fim do mundo”. No “Ano do Cometa”
(1910), quem governava o Rio Grande do Sul era o médico e político, Carlos
Barbosa Gonçalves (1851-1933), que foi responsável por importantes obras, como,
por exemplo, o Palácio Piratini, Instituto de Belas Artes e o monumento positivista,
que exalta o líder republicano Julio de Castilhos.
Ao encerrar o primeiro decênio do século 20, foi criada a Escola de Agronomia
e Veterinária, e o Censo Municipal indicava que Porto Alegre tinha 120.227
habitantes, contando com 2.294 casas de comércio, 154 fábricas e 149 oficinas.
Imprensa
O cotidiano da nossa cidade, desde o surgimento do primeiro jornal "O Diário de
Porto Alegre" em 1º de junho de 1827, está impresso nas páginas de diversos
periódicos que o sucederam, fazendo parte da história da nossa Imprensa local. No
livro “Tendências do Jornalismo”, do professor Francisco Rüdiger, encontra-se a
8
Moacyr Flores. Porto Alegre no século 20. In: RS Século XX em retrospectiva. Hilda A. Hübner Flores
(Org.) Porto Alegre: CIPEL, 2001, p.33.
informação de que, no início do século XX, havia 142 periódicos circulando no
estado. Durante o período, circulavam na capital jornais bastante representativos,
como: o Jornal do Comércio (1865-1911), A Federação (1884-1937), A Reforma
(1869-1912), Deutsche Zeitung (1861-1917) Correio do Povo (1895), A Gazetinha
(1897-1900) Corymbo (1883- 1943), O Independente (1900-1923), Petit Journal
(1898-1903), Stella d’ Itália (1902-1925), O Exemplo (1892-1930) e Gazeta do
Comércio (1901 -1906), entre outros jornais.
Segundo o historiador Sérgio da Costa Franco, no seu livro ”Gente e Espaços em
Porto Alegre”, quando finalizou o século 19, o Jornal do Comércio disputava, com
seu rival o Correio do Povo, o título de ser o periódico de maior tiragem e circulação
no Rio Grande do Sul. O mais antigo jornal a circular, na capital, é o Correio do Povo,
fundado pelo sergipano Caldas Júnior (1868-1913), em 1º/10/1895. No interior do
Estado, a primazia é da Gazeta do Alegrete, fundada por Luiz de Freitas Valle,
circulando desde 1º/10/1882.
Atualmente, há um consenso no campo da historiografia de que os registros
jornalísticos de época são imprescindíveis a quem quiser dissecar a cidade em seus
diferentes aspectos, pela diversidade de temas que os jornais abordam. O valor
histórico da Imprensa, como fonte de pesquisa, foi defendido pelo sociólogo
Gilberto Freyre (1900-1987) que introduziu, em seus estudos, a pesquisa em
periódicos, visando a levantar dados acerca do contexto social e histórico da
sociedade brasileira. O pioneirismo, dessa forma científica de trabalho, remete-nos
à sua figura que registrou:
(...) ”mais do que nos livros de história, nos romances, a história do Brasil do séc.
XIX está nos jornais”.9
Nossa cidade, fundada, em 26 março de 1772, segue se reinventando e
adaptando-se às exigências do século 21. Acolhedora e amada, por sua gente,
Porto Alegre enfrenta muitos desafios, que, com certeza, serão superados com
união e muito trabalho, como comprova a sua história.
Pesquisador e Coordenador do Setor de Imprensa do Museu da Comunicação Hipólito José da
Costa*
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