de ponta-cabeça - Prêmio CNH Industrial de Jornalismo Econômico

Propaganda
A HISTÓRIA DA ECONOMIA BRASILEIRA
O
Brasil
de ponta-cabeça
DE 1970 A 1994, INFLAÇÃO, ESTAGNAÇÃO E ESTABILIDADE
4
A HISTÓRIA DA ECONOMIA BRASILEIRA
O
Brasil
de ponta-cabeça
DE 1970 A 1994, INFLAÇÃO, ESTAGNAÇÃO E ESTABILIDADE
PROJETO CULTURAL: TOTALCOM COMUNICAÇÃO
PRONAC 132955
BRASIL CONTEMPORÂNEO: ECONOMIA E CULTURA – MILAGRE ECONÔMICO E
RECESSÃO NOS ANOS 70/80: DÉCADAS DE CHUMBO, CONTESTAÇÃO E ROCK BRAZUCA
COORDENAÇÃO EXECUTIVA: FLAVIO ENNINGER I QUATTRO PROJETOS I 51 3209.7568
www.quattroprojetos.com.br I [email protected]
COORDENAÇÃO EDITORIAL: RICARDO BUENO – ALMA DA PALAVRA
TEXTOS: RICARDO BUENO
REVISÃO: FERNANDA PACHECO – ALMA DA PALAVRA
PROJETO GRÁFICO E DIREÇÃO DE ARTE: LUCIANE TRINDADE
FOTOS: AGÊNCIA O GLOBO, AGÊNCIA RBS, FOLHAPRESS, THINKSTOCKPHOTOS,
LUIS TADEU VILANI (2º LUGAR – CATEGORIA MÁQUINAS/4º PRÊMIO NEW HOLLAND DE FOTOJORNALISMO)
TRATAMENTO DE IMAGENS: KDPRESS
IMPRESSÃO: GRÁFICA E EDITORA PALLOTTI
REALIZAÇÃO
PATROCÍNIO
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP )
B928a
Bueno, Ricardo
O Brasil de ponta-cabeça: de 1970 a 1994, inflação, estagnação e
estabilidade / Ricardo Bueno. – 1. ed. – Porto Alegre : Totalcom,
2014.
128 p. : il. color. ; 20 x 30 cm. – (A história da economia
brasileira ; v.4)
Aspectos da economia brasileira do período de 1970 a 1994.
ISBN 978-85-67279-03-9
1. Economia brasileira. 2. Inflação – Brasil. 3. Estabilidade
econômica – Brasil. 4. Economia – Brasil. I. Título.
CDU 330.341.42(81)(091)
Bibliotecária Responsável: Denise Pazetto CRB-10/1216
A HISTÓRIA DA ECONOMIA BRASILEIRA
O
Brasil
de ponta-cabeça
DE 1970 A 1994, INFLAÇÃO, ESTAGNAÇÃO E ESTABILIDADE
RICARDO BUENO
1a EDIÇÃO
TOTALCOM COMUNICAÇÃO I QUATTRO PROJETOS
PORTO ALEGRE, RS, BRASIL
DEZEMBRO DE 2014
FOTO: JEAN FABIANO PIMENTEL – PRÊMIO NEW HOLLAND DE FOTOJORNALISMO
Economia brasileira:
uma história para
ser preservada e valorizada
A CNH Industrial, líder de bens de capital, desempenha
um importante papel no desenvolvimento nacional. Seja
contribuindo com seus produtos e serviços para agricultura,
construção, transporte e energia, com um portfólio sólido
e amplo, seja por meio do apoio a projetos como esse, que
colabora para o conhecimento, o resgate histórico e a disseminação da cultura brasileira.
8
Para a CNH Industrial, o investimento em sustentabilidade é uma
realidade. Por isso, além de inserir práticas e soluções sustentáveis em
suas fábricas e produtos, promove notáveis ações que englobam os
pilares social, ambiental e econômico para além dos portões das suas
unidades espalhadas por todo o País.
A empresa entende que seu papel não se limita ao desenvolvimento
físico, mas também à evolução social, estando seus negócios atrelados
a isso. O patrocínio da coleção “Um olhar sobre a história da economia
do Brasil”, desde 2010, pela Lei Rouanet de Incentivo à Cultura, à qual
esta obra pertence, é um exemplo dessa premissa. Este livro, quinto
volume da série, aborda os anos 1970, 80 e 90.
Ao longo de uma trajetória de 60 anos no Brasil, a CNH Industrial
viu o País mudar radicalmente e participou ativamente dos principais
acontecimentos dessas décadas. A companhia sempre acreditou no
potencial brasileiro, contribuiu para as transições e seguiu os processos.
Afinal, a força que vem do Brasil é estimulante.
Durante os anos 1970, 80 e 90, a empresa acompanhou o período
dos militares no poder, o fim da ditatura, a eleição e morte de Tancredo Neves, o impeachment de Fernando Collor, o governo de Itamar
Franco e a implantação do Plano Real, que promoveu crescimento e
maior estabilidade econômica da moeda local; a criação da estimada
Embrapa, o aumento de produção agrícola e a chegada de novas
tecnologias; a migração do campo para a cidade, a urbanização e a
necessidade de novas estradas e obras; entre outros fatos paralelos aos
movimentos culturais.
Esses anos foram marcados por muitas histórias de lutas, avanços,
recuos, problemas e conquistas, que foram essenciais para construir
a nova cara do País. Assim, divulgar esses episódios é uma nobre iniciativa que temos orgulho de apoiar.
Nesta publicação, que celebra a 22ª edição do Prêmio CNH
Industrial de Jornalismo Econômico, os fatos dessas três décadas são
revividos. Aproveite a oportunidade e boa leitura.
VILMAR FISTAROL
PRESIDENTE DA CNH INDUSTRIAL PARA A AMÉRICA LATINA
9
Da ditadura
à estabilidade
Atuar em setores vitais para o desenvolvimento
do Brasil, como agricultura, infraestrutura, transportes, logística, construção e geração de energia
faz da CNH Industrial uma empresa diferenciada,
pois dá a ela um olhar privilegiado da sociedade.
Por isso a companhia desenvolveu e se apoia em
pilares estratégicos, como o investimento contínuo
em ações sociais, culturais e educacionais.
Desse pilar nasceu a ideia de valorizar a história da economia
brasileira por meio do patrocínio de uma coleção de livros que mostra
a evolução da economia do País em detalhes: as moedas, os ciclos, os
planos, os contextos, as influências e diversos fatos que marcaram a
economia no passado, com reflexos diretos hoje e, também, no futuro.
A primeira publicação veio em 2010, abordando os ciclos do pau-brasil, da cana-de-açúcar e do ouro. Em 2011, foi lançado o livro
sobre o ciclo do café e, em 2012, o volume com o ciclo da borracha.
Em 2013, a obra abordou a industrialização e o nacionalismo dos
anos 1950/60 no embalo da Bossa Nova e do Tropicalismo.
O Brasil de ponta-cabeça – de 1970 a 1994, inflação, estagnação
e estabilidade é o quinto livro da coleção. A nova edição contempla o
milagre econômico, a recessão nos anos 1970/80 sob décadas de ditadura
militar, a contestação, as Diretas Já, o crescimento da dívida externa, a
hiperinflação e, por fim, a chegada dos anos 1990, com o arrocho e a
abertura no governo Collor e a estabilidade conquistada com o Plano Real.
Em meio à disco music, o rock e os punks, e como uma solução
alternativa às importações e paralela às grandes obras, como as usinas
10
FOTO: CNH INDUSTRIAL/DIVULGAÇÃO
de Angra dos Reis e de Itaipu, o agronegócio nacional se estruturava
e entrava em uma nova e promissora fase, especialmente a partir de
1973, com a criação da Embrapa. Sem dúvida, o Brasil começava o seu
caminho para se tornar uma das principais forças mundiais no plantio
e colheita de grãos, com potencial para se tornar o “celeiro do mundo”.
Foi no final do período abordado em O Brasil de ponta-cabeça
que nasceu o Prêmio CNH Industrial de Jornalismo Econômico que,
em 2014, completa 22 anos. Desde 1993, quando foi lançado como
Prêmio Fiatallis, o propósito é reconhecer matérias ou séries de reportagens de economia que contribuam para o desenvolvimento do País,
traduzindo fatos e prestando serviço aos leitores.
Toda a coleção dos ciclos da economia brasileira é patrocinada pela
CNH Industrial com o apoio da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura.
O objetivo da empresa é criar um acervo histórico, informativo
e único da economia do Brasil, reforçando a importância do investimento cultural em nosso País.
VALENTINO RIZZIOLI
11
apresentação
ricardo bueno
1994
o ano que
não terminou
O intervalo de 20 anos e quatro meses entre
março de 1974 e julho de 1994 foi dos mais efervescentes na história recente do Brasil. O país,
por mais de uma ocasião, viu-se de ponta-cabeça,
tantas foram as reviravoltas institucionais, políticas,
econômicas, esportivas e também culturais pelas
quais transitou. Do governo Geisel, marcado pela
abertura “lenta, gradual e segura” que se consolidaria apenas em 1979, com a Lei da Anistia e o
retorno dos exilados, já no governo Figueiredo, até
o Plano Real, que conseguiu recolocar a economia
nos trilhos, finalmente oferecendo alguma perspectiva de futuro ao país, os brasileiros deslizaram em
uma montanha-russa de circunstâncias e emoções.
12
DOS PRIMEIROS
PASSOS DA
ABERTURA, NO
GOVERNO GEISEL,
ATÉ A CHEGADA
DO PLANO REAL,
VIVEMOS UM
SEM-NÚMERO DE
REVIRAVOLTAS
13
apresentação
ricardo bueno
O fim do período batizado “milagre econômico”, sepultado de
vez com o segundo choque do petróleo, em 1979, deu origem àquela
que ficaria conhecida como “a década perdida” – ao menos na economia. Uma sucessão de fracassados planos heterodoxos só fez crescer
o monstro inflacionário, cujos nefastos impactos na vida cotidiana
arrefeceram apenas por breves momentos, para em seguida retomar
sua fúria corroedora de salários e da autoestima nacional.
Da mesma forma, a retomada da democracia teve lá seus solavancos. Primeiro, foram as Diretas Já, que levaram milhões às ruas,
mas não passaram no Congresso, em 1984. O consolo, com a eleição
indireta de Tancredo Neves, durou pouco: acometido de uma doença
fulminante, o mineiro nem chegou a assumir. Com o vice José Sarney
no comando, vieram o Plano Cruzado, os fiscais do Sarney, depois Plano Bresser, mais tarde Plano Verão. Nada resolvia o drama dos preços
que teimavam em subir – e dos salários que insistiam em perder poder
de compra. A Constituição de 1988, se trouxe avanços no quesito
cidadania, signficaria ainda mais dificuldades para as contas públicas.
Ao menos os anos 1980 retribuíram com a mais empolgante década
da contemporaneidade musical tupiniquim, com o surgimento de um
sem-número de bandas e artistas que fizeram do pop-rock uma paixão
nacional, inclusive com alguns de seus expoentes firmes até hoje nos
corações e mentes de velhos e novos fãs. Eram tempos, a propósito,
em que recém engatinhávamos na tecnologia: ter computador em casa
era um privilégio e a telefonia celular ainda não havia dado as caras.
Mas a diversão era garantida, ao som dos LPs (só depois vieram os
CDs) da Legião Urbana, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso, Titãs,
Barão Vermelho, Blitz, Lobão, Kid Abelha – melhor parar por aqui,
pois a lista de talentos musicais é capaz de ocupar toda essa introdução.
E eis que em 1989 veio a eleição direta depois dos anos cinza da
ditadura civil-militar. O caçador de marajás nascido nas Alagoas venceu o metalúrgico nordestino radicado em São Paulo, e um dia depois
de assumir os rumos do país, Collor e sua superministra, Zélia Cardoso
(também de sobrenome Mello, mas não sua parenta), confiscaram
não apenas contas-correntes, overnight e poupança, mas também
a dignidade e a esperança de dias melhores. Nunca se vira tamanha
desfaçatez no trato com o cidadão. Durou pouco a trajetória do amigo
de PC Farias, que renunciou, abatido pela abertura do processo de
impeachment (enquanto PC seria misteriosamente assassinado).
E de novo um vice assumiria a cadeira mais importante do Palácio do Planalto, mas desta feita para desferir um tiro certeiro na
inflação (que era o que Collor havia prometido fazer): com o Plano
Real concebido pela equipe montada por seu ministro da Fazenda
14
DÉCADA PERDIDA NA
ECONOMIA, OS ANOS 1980
COMPENSARAM COM
UMA INESQUECÍVEL SAFRA
DE TALENTOS DO
POP-ROCK BRASILEIRO
15
apresentação
ricardo bueno
e futuro sucessor (Fernando Henrique Cardos o venceu as eleições
presidenciais em 1994 e depois foi reeleito), o presidente Itamar Franco ficou apenas dois anos no comando da República verde-amarela,
tempo suficiente para tornar inesquecível seu topete escabelado, mas,
principalmente, por ter tido a habilidade de comandar o time que
apostou em uma moeda virtual para dar jeito na crise para lá de real
que durou anos. Real, aliás, foi o nome dado à moeda que surgiria em
1994 e que perdura há 20 anos (uma eternidade, na comparação com
o que ocorreu nas décadas de 1970-80-90).
O ano de 1994 seria marcado, também, por uma perda irreparável
e por uma conquista inesquecível: em maio, o tricampeão do mundo
Ayrton Senna saiu de uma curva em Ímola para entrar de vez no
panteão dos mitos do esporte. Em julho, a até então amaldiçoada
era Dunga, fracassada em 1990, reescrevia sua própria história ao
conquistar o tetracampeonato de futebol nos gramados dos Estados
Unidos. Como tive oportunidade de registrar em uma crônica no
jornal Zero Hora na época, intitulada “A vida como ela é”, em um
intervalo de dois meses assistimos a dois diferentes desfiles em carros
de bombeiros: o primeiro, com um caixão banhado em lágrimas da
multidão; o segundo, atopetado por atletas e empurrado pelas palmas
e gritos de milhões de felizes brasileiros.
Os solavancos não terminaram ali, é bem verdade, mas o fato é
que 1994 marca o início de uma nova era no país, e é por isso que esta
retrospectiva dos ciclos e períodos econômicos e sua relação com a
cultura e a sociedade chega ao quinto fascículo e se encerra por aqui,
ao menos no formato cronológico. Explico: que o controle da inflação
foi um avanço altamente significativo na história econômica do país,
ninguém discute. Mas vamos ter que esperar ainda alguns anos para
que, a partir de um necessário distanciamento crítico, possamos ler (e
reler) nossa história recente, de maneira a desvendar os mistérios do
passado e vislumbrarmos perspectivas mais exatas para nosso futuro,
tomando-se por base o que vem acontecendo de 1994 para cá.
De momento, ou melhor dizendo, para 2015, a ideia da coleção
é reunir em um volume final os perfis dos principais nomes que marcaram a história econômica do país, aí incluídos representantes da
academia, do mundo empresarial, da área pública. Boa leitura, por
enquanto, e até lá!
É CERTO QUE 1994 É UM MARCO NA HISTÓRIA DA
ECONOMIA, E SEUS IMPACTOS AINDA ESTÃO EM CURSO
16
17
18
anos
70
anos
80
anos
90
Transição em ritmo disco
20
A fúria da inflação e do rock
42
E o monstro foi dominado
94
anos
70
Transição em ritmo disco
Foram dois choques do petróleo em menos de dez anos, e a economia do mundo ficou de cabeça
para baixo. No Brasil, os reflexos foram inevitáveis. O governo militar dava os primeiros passos
rumo à flexibilização das restrições políticas, mas a anistia, com o fim do Ato Institucional nº 5, só
viria no alvorecer dos anos 1980. Em meio a planos de desenvolvimento focados na substituição
de importações e grandes obras, como Itaipu e Angra dos Reis, o agronegócio estabelecia o
contraponto e entrava em nova fase, a partir da criação da Embrapa, em 1973. O Brasil dava os
primeiros passos para se tornar o celeiro do mundo. Na cultura, os anos 1960, onde black music
e o estilo hippie predominaram, davam lugar a posturas antípodas: de um lado, a agressividade
e o niilismo dos punks, e de outro, o brilho e a festa da música disco. Tempos de transição.
20
21
anos 70: contexto econômico
BACIA DE CAMPOS (ACIMA) NÃO AMENIZOU CRISE DO PETRÓLEO, TEMA DE CAPA DE VEJA (ABAIXO, À DIR.). ANISTIA VEIO APENAS EM 1979
22
Os rumos econômicos do Brasil na segunda
metade dos anos 1970 foram fortemente influenciados por três episódios marcantes, quase simultâneos. Cada um com as suas consequências e
proporções, a criação da Embrapa e o primeiro
choque do petróleo, em 1973, e a eleição de
Ernesto Geisel para suceder Emilio Garrastazu
Médici na Presidência da República, em 1974,
definiram o andamento do país a partir de então.
A expressão “choque do petróleo” é utilizada
para definir as grandes altas do preço do petróleo
em âmbito mundial. O primeiro choque teve início
após o apoio dos Estados Unidos a Israel em relação à ocupação de territórios palestinos durante
a Guerra do Yom Kippur. Como contrapartida,
a Organização dos Países Produtores de Petróleo
(Opep) decidiu aumentar o preço do barril de petróleo de 2,90 para 11,65 dólares. O mundo todo
foi afetado e a maior parte dos países da Europa e
os Estados Unidos entrou em recessão. O Brasil
também sentiu o impacto da alta dos preços do
petróleo: o valor das importações de combustível
quadruplicou, provocando um desequilíbrio na balança comercial. Nem poderia ser diferente. Afinal,
na época, o Brasil produzia apenas 15% do petróleo
que consumia, ou seja, importava 85%.
Em 1974, a oposição ao governo militar, centrada no MDB, lançou a
“anticanditadura” de Ulysses Guimarães para a Presidência da República,
como uma forma de protesto. O general Ernesto Geisel venceu a eleição
indireta por enorme diferença, e assumiu os rumos da nação a partir de
março. O quarto militar a ocupar o Palácio do Planalto durante o regime
de exceção se comprometeu a dar início a um processo de abertura política,
que chamou de “lento, gradual e seguro”. E foi assim mesmo. A revogação
do Ato Institucional nº 5, de 1968, só ocorreu dez anos depois, em 1978,
e a promulgação da Lei da Anistia, em 1979.
23
anos 70: contexto econômico
CONSTRUÇÃO DE ANGRA DOS REIS FEZ PARTE DE UMA ESTRATÉGIA DE APRESENTAR O PAÍS COMO POTÊNCIA MUNDIAL
EM 1978 O BRASIL
AINDA COMPRAVA CERCA
DE 80% DO PETRÓLEO QUE
CONSUMIA, O EQUIVALENTE
A UM TERÇO DO TOTAL
DAS IMPORTAÇÕES
24
Na área econômica, Geisel deu continuidade à política do governo
anterior, lançando o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II
PND). Mesmo sentindo os efeitos da crise, optou por uma estratégia
de transformação estrutural, procurando manter o crescimento da
economia dos últimos anos. O objetivo do II PND era complementar de forma mais eficaz a política de substituição de importações do
governo Médici. Novos investimentos foram previstos para diversificar e consolidar o parque industrial nacional, tendo como foco as
petroquímicas, siderúrgicas, mineradoras de cobre e indústria pesada.
A ideia do Brasil como grande potência foi reforçada com novos projetos, como a Usina Nuclear de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, e
a Hidrelétrica de Itaipu, no Paraná.
Para contornar os efeitos da crise do petróleo, além de intensificar
a atividade exploratória em território nacional, inclusive permitindo
a participação da iniciativa privada por meio dos chamados contratos
de risco, o Governo Federal deu início ao desenvolvimento de programas de fontes alternativas, como o Proálcool, lançado em 1975. As
descobertas de petróleo na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro, pela
FIAT 147, O PRIMEIRO VEÍCULO A ÁLCOOL DO PAÍS (À ESQ.). PROÁLCOOL FOI INSUFICIENTE, E VIERAM CAMPANHAS DE ECONOMIA (ABAIXO)
Petrobras, a partir de 1974, foram comemoradas com entusiasmo, mas
não significaram a solução imediata para a redução das importações.
Outra medida adotada visando à redução dos gastos com importação foi a proibição de mais de mil itens considerados supérfluos. As
medidas não se mostraram suficientes para superar o problema do
desequilíbrio da balança c omercial. Os contratos de risco fracassaram,
enquanto o álcool hidratado como combustível para automóveis só
começou a ser comercializado em 1979. Inicialmente, não representou
uma redução expressiva do consumo de gasolina. Em 1978, o Brasil
ainda importava 80% do óleo consumido, o que representava em torno
de um terço de todas as importações.
CENÁRIO EM TRANSFORMAÇÃO
Em meados da década de 1970, o Brasil tinha aproximadamente
110 milhões de habitantes e já era apontado como um dos países mais
populosos do mundo. Em 30 anos, a população brasileira havia mais
do que dobrado.
25
anos 70: contexto econômico
POLOS METALÚRGICOS EM SÃO PAULO SURGIRAM NA DÉCADA DE 1970
O perfil do país estava mudando, e a principal alteração registrada era o deslocamento do eixo econômico do campo para a cidade.
Grandes centros urbanos, como a cidade de São Paulo, Rio de Janeiro
e Belo Horizonte, passaram a concentrar a maior parte da população.
O estado de São Paulo reuniu um núcleo econômico consistente,
fortalecido com o desenvolvimento de um polo industrial, formado
pelas cidades de Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema,
Guarulhos e Osasco. A região do ABC Paulista atraiu um número
considerável de imigrantes de todas as regiões do país.
O mercado nacional estava mais bem integrado em decorrência do
forte impulso da política econômica adotada pelo governo militar. Uma
das vertentes dessa política foi a linha de incentivos fiscais para outras
regiões, como o Norte e o Nordeste, que estimulou a migração de capitais
produtivos de regiões industrializadas (como o Sudeste), promovendo
certa “desconcentração” de centros urbanos como Rio e São Paulo. Polos
industriais petroquímicos, siderúrgicos e de celulose instalados em outros
estados ajudaram a gerar empregos em diferentes regiões e a consolidar o
parque industrial do país.
O Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento implantou reformas estruturais significativas, porém, os custos macroeconômicos
desse êxito não foram desprezíveis, especialmente no que diz respeito
ao endividamento externo. No Brasil, os gastos com importação de
petróleo subiram de 4,1 bilhões de dólares em 1978 para 9,5 bilhões
em 1982. O ciclo de crescimento vertiginoso da economia brasileira
chegava ao fim. A crise internacional sinalizava dificuldades ainda
maiores para o futuro próximo. Não era para menos.
26
História da moeda
Antes da entrada em circulação do cruzeiro novo, em 1967, um decreto
ordenou que a unidade monetária brasileira voltasse a denominar-se cruzeiro.
Essa determinação foi posta em prática apenas a partir de 1970. O cruzeiro
voltava a ser representado pela expressão Cr$, sendo mantida a equivalência
de valores com o extinto cruzeiro novo.
O Brasil ainda não tinha autonomia para produção de papel-moeda. Para
o seu fornecimento, era necessário recorrer a produtores estrangeiros. Nesse
momento, o governo decidiu nacionalizar a sua produção. A Casa da Moeda
foi reequipada, passando a dispor de condições técnicas para fabricar todo o
chamado meio circulante.
Foi instituído um concurso para a escolha da nova série de cédulas. O vencedor
foi Aloísio Magalhães, cujo trabalho significou uma verdadeira renovação. As cédulas de 1, 5, 10, 50 e 100 cruzeiros passaram a ter cores e tamanhos diferenciados,
aumentando conforme o valor nominal. O tema empregado foi a representação dos
principais governantes do país desde a Independência, em sequência cronológica,
salvo a nota de 1 cruzeiro, que apresentava a efígie da República.
O lançamento da nota de 1.000 cruzeiros, em 1978, antecipou-se à nova
família de cédulas, também idealizada por Aloísio Magalhães. Inovadora mais
uma vez, desta feita no aspecto visual, seu desenho permitia, como nas cartas
de baralho, a leitura em qualquer sentido. Ficou popularmente conhecida como
“barão”, por trazer o retrato do Barão do Rio Branco.
Em 1979, surgiram moedas de 1, 5 e 10 cruzeiros, menores e mais leves,
em aço inoxidável, único material que passou a ser adotado a partir de então
na fabricação das moedas brasileiras.
27
anos 70: contexto econômico
GUERRA IRÃ-IRAQUE E SUA RELAÇÃO COM A SEGUNDA CRISE DO PETRÓLEO, EM 1980, RETRATADA POR ARTISTA DESCONHECIDO
O segundo choque do petróleo, entre 1979 e 1980, contribuiu
decisivamente para esse cenário. A crise foi decorrente da paralisação da produção de petróleo no Irã, por ocasião da instauração da
república islâmica pelo aiatolá Khomeini, após a derrubada do poder
do xá Reza Pahlevi, em 1979. No ano seguinte, a Guerra Irã-Iraque
agravou ainda mais a situação. Em decorrência, a produção de petróleo foi gravemente afetada, e os contratos de exploração com as
companhias estrangeiras residentes no Irã foram renegociados. Em
1980, o preço do barril atingiu níveis recordes, saltando de 12 para 30
dólares. O novo choque, que pôs fim à era do petróleo barato, gerou
uma recessão mundial, abalando as economias de países europeus,
dos Estados Unidos e do Japão.
REVOLUÇÃO NA AGRICULTURA
A ocupação do Centro-Oeste brasileiro (em especial pela migração de pequenos agricultores gaúchos), região onde as chuvas
são abundantes e sinalizavam para uma perspectiva de aumento da
28
JOSÉ IRINEU CABRAL (À DIR.), PRESIDENTE DA EMBRAPA, TENDO AO SEU LADO ALYSSON PAULINELLI, MINISTRO DA AGRICULTURA DE 1974 A 1979
produtividade do país, foi um dos fatos marcantes dos anos 1970.
Em paralelo às políticas desenvolvimentistas, focadas no estímulo à
industrialização do país, que marcaram os anos 1960, antes e após a
implantação do regime civil-militar, a criação da Embrapa, em 1973,
contribuiu decisivamente para a alteração nos rumos da agricultura no
Brasil, assim como o surgimento das estruturas da Emater (Empresa
de Assistência Técnica e Extensão Rural) nos Estados.
Na década de 1970, a agricultura se intensificava. O crescimento
acelerado da população e da renda per capita, e a abertura para o
mercado externo mostravam que, sem investimentos em ciências
agrárias, o país não conseguiria reduzir o diferencial entre o crescimento da demanda e o da oferta de alimentos e fibras. No âmbito
do Ministério da Agricultura, um grupo debatia a importância do
conhecimento científico para apoiar o desenvolvimento agrícola.
Nesse momento, os profissionais da extensão rural começaram a
levantar a questão da falta de conhecimentos técnicos, gerados no
País, para repasse aos agricultores. O então ministro da Agricultura,
Luiz Fernando Cirne Lima, decidiu constituir um grupo de trabalho
INVESTIMENTO EM
CIÊNCIAS AGRÁRIAS
ERA FUNDAMENTAL
PARA EQUILIBRAR
OFERTA E DEMANDA
POR ALIMENTOS
29
anos 70: contexto econômico
EMPRESA HERDOU DO DNPEA NOVE SEDES DE INSTITUTOS REGIONAIS, 70 ESTAÇÕES EXPERIMENTAIS, 11 IMÓVEIS E DOIS CENTROS NACIONAIS
para definir objetivos e funções da pesquisa agropecuária, identificar
limitações, sugerir providências, indicar fontes e formas de financiamento e propor legislação adequada para assegurar a dinamização
desses trabalhos. O trabalho foi coordenado por José Irineu Cabral,
que viria a ser o primeiro presidente da Embrapa. Cabral, que faleceu
em 2007, registrou sua experiência no livro Sol da manhã: memória
da Embrapa, publicado pela Unesco em 2005.
Em 7 de dezembro de 1972, foi sancionada a Lei nº 5.851, que
autorizava o Poder Executivo a instituir empresa pública, sob a
denominação de Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura. No final de 1973,
uma portaria do Executivo encerrou a existência do Departamento
Nacional de Pesquisa e Experimentação (DNPEA), que coordenava todos os órgãos de pesquisa existentes até então. Com isso, a
Embrapa herdou do DNPEA uma estrutura composta de 92 bases
físicas: nove sedes dos institutos regionais, 70 estações experimentais,
11 imóveis e dois centros nacionais. A partir daí dava início a sua
fase operativa, passando a administrar todo o sistema de pesquisa
agropecuária no âmbito federal. Em 1974, foram criados os primeiros
30
centros nacionais por produtos: Trigo (em Passo Fundo, RS), Arroz e
Feijão (em Goiânia, GO), Gado de Corte (em Campo Grande, MS)
e Seringueira (em Manaus, AM). Muita coisa mudou, desde então.
O engenheiro José Fantine, membro da Academia Nacional de
Engenharia, publicou em 2010 um texto intitulado “História da Embrapa: um exemplo a ser seguido por todos”. Nele, afirma: “Criou-se,
com sabedoria, em um país ainda atrasado na educação, o melhor
conjunto de P&D do mundo em agricultura tropical. Nisso, somos
Primeiro Mundo. Não foi necessário antes fazer uma revolução no
ensino nacional, pois o empreendimento, assim como outros de ponta,
complementa a formação de sua mão de obra, e então ele influencia
o progresso na educação e, depois, ganha com os efeitos desse avanço
– um ciclo virtuoso.”
Vai além José Fantine: “A Embrapa é um caso de sucesso reconhecido no mundo. Isso, graças a visionários que criaram uma
empresa sem precedentes. Com excelente organização/gestão, a
estatal transformou o País na agricultura e incluindo o negócio dos
bois, dos suínos, das aves, das florestas etc. (...) Permitimo-nos dizer
que a Embrapa ajuda de forma eficaz a realizar o sonho de ver um
EMBRAPA ASSUMIU E
AMPLIOU AS FUNÇÕES
DO DEPARTAMENTO
NACIONAL DE PESQUISA E
EXPERIMENTAÇÃO (DNPEA)
31
anos 70: contexto econômico
TROPICALIZAÇÃO DA SOJA E DE FRUTAS TÍPICAS DE CLIMA TEMPERADO CONTRIBUIU PARA TRANSFORMAR BRASIL EM PLAYER MUNDIAL
FONTES ALTERNATIVAS DE
ENERGIA E PRODUÇÃO
DE ALIMENTOS MAIS
NUTRITIVOS ESTÃO
NO HORIZONTE DE
DESAFIOS DA EMBRAPA
32
mundo livre da fome, e dá um exemplo cabal do como o poder público, com estruturas de ponta, lastreadas em trabalho em redes e em
base tecnológica, pode ser a chave do progresso econômico e social.”
O orçamento da Empresa em 2012 foi de R$ 2,33 bilhões. Em
2013, quando comemorou seus 40 anos, a empresa recebeu incontáveis homenagens. Nem poderia ser diferente. Ao longo das últimas
quatro décadas, o País deixou uma situação de insegurança alimentar
e passou a ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo. O
crescimento da oferta para o mercado interno superou rapidamente
a curva de crescimento da demanda, provocando uma queda de 50%
no valor da cesta básica, entre 1975 e 2011.
O presidente da Embrapa, Maurício Lopes, acredita que, entre
os principais avanços da agricultura brasileira desde a década de
1970, estão a tropicalização da soja e de frutas típicas de clima
temperado, como a maçã, além da autossuficiência na produção
de cereais e oleaginosas, como o milho e a soja, possibilitando ao
Brasil se tornar um grande exportador no cenário mundial. De
outra parte, Maurício Lopes acredita que os principais desafios da
empresa no futuro dizem respeito às necessidades de adaptação da
agricultura à nova realidade, ao meio ambiente, em produzir fontes
alternativas de energia, em produzir alimentos mais nutritivos, com
propriedades funcionais.
CERCA DE 81% DOS PESQUISADORES DA EMPRESA TÊM DOUTORADO
A Embrapa hoje
Com uma estrutura organizacional composta de Unidades de Pesquisa,
Unidades de Serviços e Unidades Centrais, a Embrapa conta atualmente com
cerca de 9.200 empregados, dos quais 2.215 são pesquisadores, 81% deles
com doutorado. Suas unidades (centros de pesquisa de produtos, de temas
básicos e ecorregionais) estão distribuídas em quase todos os Estados do Brasil,
realizando trabalhos de abrangência nacional. A Embrapa compõe e coordena
o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA), também constituído por
instituições públicas federais, estaduais, universidades, empresas privadas e
fundações que, de forma cooperada, executam pesquisas nas diferentes áreas
geográficas e campos do conhecimento científico.
Em termos de cooperação internacional, a Embrapa mantém acordos bilaterais
de cooperação técnica com inúmeros países e instituições, bem como acordos
multilaterais com organizações internacionais, envolvendo principalmente a pesquisa em parceria. Mantém ainda laboratórios virtuais no exterior (Labex) para o
desenvolvimento de pesquisas e prospeção de tendências em temas na fronteira
do conhecimento nos Estados Unidos, França, Inglaterra, Países Baixos e Coreia
do Sul. Também possui um escritório em Gana para compartilhar conhecimento
científico e tecnológico junto aos países africanos e, mais recentemente, no
Panamá e Venezuela, visando a uma atuação na América Latina.
33
anos 70: contexto econômico
NOS ANOS 1970, UMA SAFRA NA CASA DOS 190 MILHÕES DE TONELADAS PARECIA UM SONHO INALCANÇÃVEL
NOS ÚLTIMOS 40 ANOS, O
AGRONEGÓCIO CONSEGUIU
PRODUZIR O SUFICIENTE
PARA ALIMENTAR COM
FOLGA TRÊS “BRASIS”
34
Para se ter uma ideia da mudança no cenário brasileiro, em 1970
pensar em uma safra com 100 milhões de toneladas era apenas sonho.
Em junho de 2014, levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apontava que a produção de grãos no Brasil poderia
chegar a 193,6 milhões de toneladas na safra 2013/2014. A estimativa
representaria aumento de 2,6% (ou o equivalente a 4,9 milhões de
toneladas) acima da safra anterior (188,7 milhões de toneladas).
O impulso ao agronegócio contribuiu para o surgimento de distritos industriais, inicialmente em São Paulo e Curitiba, e depois em
Joinville e Juiz de Fora. Já a comercialização de máquinas agrícolas teve
seu recorde histórico de vendas (que permanece até hoje) registrado
na safra 1977/78, quando aproximadamente 75 mil equipamentos
foram comercializados. Importante salientar que naquele momento
a potência das máquinas não ultrapassava 70cv (hoje, em torno de
40% dos equipamentos têm potência acima de 100cv).
A observação de alguns importantes indicadores não deixa dúvidas
com relação à mudança no perfil do agronegócio brasileiro a partir dos
anos 1970. Em 1975, a produção brasileira de grãos alimentava 1,35 ve-
NA DÉCADA DE 1970, POTÊNCIA DAS MÁQUINAS USADAS NO CAMPO NÃO ULTRAPASSAVA 70CV
zes a população do País. Este indicador saltou para 3,11 vezes em 2013,
registrando um incremento de 230%, conforme afirmam os pesquisadores
Décio Luiz Gazzoni, e José Otávio Menten, ambos do Conselho Científico para Agricultura Sustentável (CCAS), no artigo “A capacidade do
agro brasileiro de produzir de forma sustentável”. Para fundamentar o
cálculo, os pesquisadores usaram como indicador o índice de área, que
mede quantos hectares devem ser cultivados para fornecer a quantidade
de grãos necessária para alimentar uma pessoa, em um ano.
Desta forma, nos últimos 40 anos, o agronegócio brasileiro atingiu
a capacidade de alimentar, com folga, três “Brasis”, produzindo mais em
menos área. A produtividade aumentou de aproximadamente 1,2 quilo
por hectare para 3,4. Este desenvolvimento se refletiu no aumento do
poder aquisitivo da população para compra de alimentos. Indicador
calculado pelo DIEESE revela que caiu o número de horas que um
cidadão que recebe salário mínimo precisa trabalhar para adquirir a
cesta básica definida em lei. Segundo os pesquisadores, com base no
indicador do DIEESE, este cidadão compra sete vezes mais alimentos
hoje do que em 1974.
35
anos 70: cultura e sociedade
Em transição
Como registra o jornalista Silvio Anaz, eles
começaram quando os Beatles acabaram, no
rescaldo do fim do sonho hippie. E terminaram
logo após o punk anunciar o fim do mundo (ao
menos como o conhecíamos até então). Os anos
1970 foram marcados pela efervescência da era
da discoteca, pelos filmes de catástrofe, o início
da hegemonia do cinema hollywoodiano para
adolescentes, os primeiros passos do hip-hop e
da música eletrônica, o auge e a morte do rock
progressivo, além de um vestuário que deu uma
identidade toda particular para a época. Foram
fatos, movimentos e estéticas que ajudaram a
enterrar definitivamente as ilusões da década
de 1960 e a lançar as bases do que seria a vida
a partir dos anos 1980.
“Foi uma década em que o mundo vivenciou a derrocada norte-americana no Vietnã, o escândalo político de Watergate, o surgimento
do movimento punk, a crise do petróleo e a ascensão de um pensamento econômico ultraliberal. No Brasil, passava-se dos anos mais
repressivos da ditadura militar para o início do processo de abertura
política. Por conta da censura e do regime autoritário, muitas das
transformações culturais e comportamentais mundo afora não foram
completamente vivenciadas por aqui naquele momento”, explica
Anaz. Também pudera. O presidente Médici chegou ao ponto de
proibir os meios de comunicação de divulgarem “qualquer exteriorização considerada contrária à moral e os bons costumes”. O general
afirmava, na época: “se generaliza a veiculação de matérias que ofendem a moral comum, estimulam a licenciosidade, insinuam o amor
livre e ameaçam destruir os valores morais da sociedade, obedecendo
a um plano subversivo que põe em risco a segurança nacional”. Outra
determinação de Médici foi de que a publicação de livros periódicos
fosse submetida à análise prévia da Polícia Federal.
36
JOHN TRAVOLTA COMO TONY MANERO, EM EMBALOS DE SÁBADO À NOITE (ALTO), RAMONES (ACIMA, À ESQ.) E MEIAS LUREX: ÍCONES DA DÉCADA
37
anos 70: cultura e sociedade
NA MÚSICA, AS FRENÉTICAS FORAM UMA DAS MELHORES EXPRESSÕES DO ESPÍRITO DISCOTECA DOS ANOS 1970
O VISUAL E AS ATITUDES MIGRARAM DO RIPONGA E BLACK POWER DA DÉCADA DE
60 PARA A AGRESSIVIDADE DO PUNK E O COLORIDO DA DISCO MUSIC E NEW WAVE
38
Se de um lado a marchinha “Pra Frente Brasil”, de Miguel Gustavo,
transformava-se em uma espécie de hino nacional, com o país inteiro cantando “Noventa milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração....”,
um outro tipo de canção de protesto disfarçada, por conta da censura,
tinha como expoente a obra de Chico Buarque, enquanto o Tropicalismo
ainda fazia eco, em especial nas canções de Caetano Veloso. Mas quem
liderava as paradas e as vendagens eram as canções românticas do “rei”
Roberto Carlos, em um cenário que contemplava também os sucessos da
chamada música brega, uma vertente da canção popular extremamente
sentimental composta e interpretada por artistas com grande apelo junto
ao público, como Odair José, Nelson Ned e Valdick Soriano.
Em meio a toda essa diversidade em verde-amarelo, a onda da disco
music se popularizou antes do movimento punk. Na segunda metade
da década de 1970, as discotecas brasileiras eram um dos principais
centros de entretenimento. A febre da disco music se espalhou pelo
país com os sucessos da novela Dancin’ Days, da Rede Globo, e com o
lançamento do filme Os Embalos de Sábado à Noite, com John Travolta.
O fenômeno permitiu também o surgimento de uma versão brasileira
da música de discoteca, com As Frenéticas, Lady Zu e Tim Maia. Uma
versão mais popular e erotizada do gênero ficou por conta de artistas
como Sidney Magal e Gretchen. Mas, mais do que a diversidade de
gêneros que surgiram ou definharam nos anos 70, a marca dessa década
foi a radical mudança de rumo que a música jovem deu.
ROBERTO CARLOS (NO ALTO) SAIU
DA JOVEM GUARDA PARA O ESTILO
CINEMA
No Brasil, os filmes produzidos pela chamada Boca do Lixo dividiam as telas com as produções patrocinadas pelo mecenato estatal da
Embrafilme e mostravam as duas faces da produção cinematográfica
nacional. De um lado um cinema marginal representado por diretores
como Ozualdo Candeias, Rogério Sganzerla, Carlos Reichenbach,
David Cardoso e José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Helena Ramos se tornaria símbolo sexual ao menos de uma vertente do cinema
brasileiro, com participação em vários filmes produzidos pela Boca do
Lixo e em pornochanchadas.
De outro, os filmes produzidos pela Embrafilme dos diretores
Cacá Diegues, Nélson Pereira dos Santos, Hector Babenco, Neville
de Almeida, Arnaldo Jabor e Bruno Barreto, entre outros.
O resultado desse inusitado mix de estilos ia de filmes escrachados,
como Bacalhau (direção de Adriano Stuart, 1975), uma sátira do
sucesso Tubarão, de Steven Spielberg (1975), ao cinema autoral de
Walter Hugo Khoury , além de uma vasta produção de pornochanchadas, como O Bem Dotado – o Homem de Itu, de José Miziara (1978).
ROMÂNTICO, ENQUANTO TIM MAIA (ACIMA)
SURFOU NA ONDA DISCO
COMPORTAMENTO
O visual e a atitude jovem, ao longo da década, migrou do riponga
e do black power da virada dos anos 1960 para os 70 para uma diversidade que ia da agressividade do punk ao chique e colorido da disco
39
anos 70: cultura e sociedade
HEBE CAMARGO E SILVIO SANTOS (ALTO) REINARAM NOS PROGRAMAS DE AUDITÓRIO,
ENQUANTO ESCRAVA ISAURA (À ESQ.) DIVIDIA ESPAÇO COM TOM E JERRY NA TV
40
COM A POPULARIZAÇÃO DA TELEVISÃO, EXPLODIU A
AUDIÊNCIA DAS TELENOVELAS, QUE TIVERAM EM DIAS
GOMES E JANETE CLAIR SEUS MAIORES ÍCONES
music e da new wave no final daqueles anos. Herança da contracultura
hippie, as batas, pantalonas, saias e vestidos com estampas floridas ou
étnicas, com influências ciganas e indianas, e os cabelos compridos
deram o tom da moda jovem na primeira metade da década. Com o
surgimento do movimento punk, que se opunha ao estilo de vida e
às ideias hippies, uma parte da juventude aderiu à filosofia niilista e
agressiva e adotou um visual sadomasoquista inspirado nas criações
da estilista Vivienne Westwood, com suas roupas de couro, camisetas
rasgadas, cintos e pulseiras de tachinhas, cabelos coloridos e o corpo
cheio de piercings.
Parte da elegância que existia na música negra dos anos 1960
inspirou o visual dos frequentadores das discotecas na segunda metade dos anos 1970. Até porque muito da disco music derivava do
funk e de outros ritmos da black music. Mas era uma versão mais
extravagante e exótica, com camisas de cetim e de seda, calças à
base de lycra, meias-calças combinando com saias, tudo cheio de
lantejoulas.
À medida que a televisão alcançava um número crescente de
lares, explodiu a audiência das telenovelas, e ninguém deixaria um
legado tão relevante quanto Dias Gomes e Janete Clair. Na carona
de Beto Rockfeller, exibida entre 1968-69, vieram sucessos estrondosos como Irmãos Coragem, Selva de Pedra, Uma rosa com amor,
O Bem Amado, Mulheres de Areia, Os Ossos do Barão, O Rebu,
Pecado Capital, Saramandaia, Estúpido Cupido, Escrava Isaura (um
dos maiores sucessos internacionais da teledramaturgia brasileira em
todos os tempos, estrelada por Lucélia Santos), Dona Xepa, O Astro
e a já citada Dancin’ Days”.
DE OLHO NA TELA
Mas nem só das novelas viveu a TV brasileira nos anos 1970.
Programas de auditório comandados por Silvio Santos, Chacrinha e
Hebe Camargo marcaram época, assim como os humorísticos, em que
Chico Anysio e Jô Soares foram os maiores expoentes.
Em paralelo, produções nacionais como Vila Sésamo, Sítio do
Pica-Pau-Amarelo e A Grande Família eletrizavam os telespectadores, assim como os seriados internacionais da época, entre eles
Hulk, Cyborg – o homem de seis milhões de dólares, As Panteras
e Havai 5.0. Entre os desenhos animados da época, destaque para
Speed Racer, Pica-Pau, Pernalonga, Piu-Piu, Tom e Jerry, Gaguinho,
Os Herculóides, Homem Pássaro e Popeye, entre tantos outros.
41
anos
80
A fúria da inflação e do rock
Apelidada de “década perdida”, tal foi a sucessão de fracassos na condução da economia, os anos
1980 tiveram alguns contrapontos interessantes, como o fim do regime de exceção, a promulgação
da nova Constituição, em 1988, e em especial a explosão de uma nova musicalidade no país. Se
os planos econômicos se sucederam sem que nenhum deles alcançasse o intento de domar a
inflação; se as Diretas Já não vieram em 1984; se Tancredo morreu antes de assumir, de outra
parte nunca antes na história do país registraram-se tantas e tão interessantes novidades no
cenário musical, com a eclosão de dezenas de bandas que fazem sucesso até hoje. Em meio a
essa euforia, a população penou com congelamentos, desabastecimento, elevação de impostos e
confiscos. Foram tempos de som e fúria, inflação e rock. Ficou o enigma: o que viria nos anos 1990?
42
43
anos 80: a década perdida
Muitas foram as tentativas de síntese do
que a década de 1980 significou para o Brasil.
Em texto publicado no Jornal do Brasil, no
ano 2000, Gustavo Franco afirmou, a respeito
daquela que ficou conhecida por muitos como
a década perdida: “[A Década Perdida] pode
ser a década de 1980, mas pode ser também
uma década ‘expandida’, começando em 1982,
com a moratória mexicana, e terminando em
1994, com o Plano Real. Ou começando mesmo antes, em 1979, quando teve início (com
o catastrófico episódio da pré-fixação da correção monetária) toda uma série de feitiçarias
cuja expressão mais madura seriam os choques
heterodoxos, dos quais o Cruzado e o Collor
seriam os mais assustadores. A ‘Década Perdida’
parece, portanto, uma década longa, até porque
foi sofrida no campo econômico e pontilhada
de frustrações no plano político.”
Em 1990, José Serra fez outra síntese daquele momento emblemático: “O saldo da década foi um impressionante inventário de
frustrações. Na média de uma vez a cada ano e meio, o país passou
por sete planos de estabilização da moeda e 13 políticas salariais
diferentes. As regras do câmbio mudaram 17 vezes, as regras para
o controle de preços sofreram 53 alterações. Os planos para encaminhar o problema da dívida externa foram 20, e os projetos de
austeridade e cortes nos gastos públicos somaram 18 decretos. Nesse
período, o cidadão brasileiro conheceu quatro moedas diferentes
e calculou a desvalorização do dinheiro por dez índices variados”.
O Comitê de Datação de Ciclos Econômicos da FGV identificou
que a maior crise pela qual o país passou no período durou 30 meses,
e foi de junho de 1989 a dezembro de 1991. Esse período engloba
a fase mais crítica de hiperinflação, quando o índice alcançou 80%
ao mês, e o Plano Collor, que teve como medida mais traumática o
confisco, por 18 meses, dos saldos de contas-correntes e cadernetas
de poupança.
44
ACIMA, A NOTA DE MIL CRUZADOS. ABAIXO, A MESMA NOTA COM CARIMBO DE 1 CRUZADO NOVO: NO TOTAL, FORAM QUATRO MOEDAS EM DEZ ANOS
TAXA MÉDIA DE CRESCIMENTO DA RENDA PER CAPITA
6,1%
4,1%
3,8%
3,1%
2,2%
2,2%
2,4%
1,2%
1900-1909
1909-1919
0,7%
1919-1929
1929-1939
1939-1949
1949-1959
1959-1969
1969-1979
1979-1989
45
anos 80: a década perdida
JOÃO FIGUEIREDO ASSUMIU EM 1979 E ENFRENTOU RESISTÊNCIAS À REDEMOCRATIZAÇÃO POR PARTE DA “LINHA DURA” DO EXÉRCITO
O fato é que, a partir de 1979, dois assuntos passaram a predominar
no Brasil: a volta da democracia e o crescente processo inflacionário.
O novo presidente eleito, general João Batista de Oliveira Figueiredo,
deu continuidade ao processo de abertura, iniciado no governo Geisel,
apesar de ações contrárias da ala militar conhecida como “linha dura”.
Para citar alguns exemplos, bombas explodiram em jornais da oposição,
na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, na sede da OAB (matando
sua secretária) e no festival de música realizado no Riocentro.
A Lei da Anistia foi aprovada nesse mesmo ano, e os exilados
começaram a voltar ao país; no ano seguinte, a pluralidade partidária
foi restabelecida, e eleições diretas para os cargos executivos foram
programadas para 1982 – as primeiras desde o golpe militar. Nesse ano,
registrou-se a vitória da oposição nas eleições legislativas nos estados
de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. O ano de 1979
ficou também marcado pela criação do Partido dos Trabalhadores
(PT), tendo como um de seus principais líderes Luiz Inácio Lula da
Silva. Os brasileiros voltavam a ter esperanças, a ditadura parecia
estar chegando ao fim e um novo tempo se anunciava.
No campo econômico, ao contrário dos anos anteriores, as notícias não eram tão animadoras. O boom do período do “milagre” e
46
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA SURGE COMO LIDERANÇA DE EXPRESSÃO NACIONAL COM A FUNDAÇÃO DO PT, EM 1979
o ciclo de crescimento promovido pelo Segundo Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND) haviam terminado. Uma estagnação no
processo de crescimento econômico passou, então, a predominar no
Brasil e em toda a América Latina.
Até os anos de 1980, a taxa de crescimento do Brasil era considerada
estável. Porém, à medida que a inflação passou a apresentar níveis elevados,
a economia praticamente estagnou. A razão (ou as razões) do processo
inflacionário no Brasil é uma questão ampla e complexa. Entre os fatores
que contribuíram para seu crescimento está a estrutura institucional
brasileira, mas também o comportamento de seus componentes.
A maioria dos países em desenvolvimento começou a rever suas
políticas econômicas e sociais naquele momento. Acentuou-se a
dependência e o endividamento externo. Pressões inflacionárias e
desequilíbrios nas contas externas marcaram esse período. Com o
segundo choque de petróleo e a inevitável elevação dos preços dos
combustíveis, houve aumento das taxas de juros dos países centrais e
uma retração da economia mundial. Ao tentar minimizar os efeitos da
crise internacional que afetavam o balanço de pagamentos do país, o
ministro do Planejamento, Mario Henrique Simonsen, optou por um
ajuste econômico de caráter recessivo. A política econômica adotada
INFLAÇÃO A PARTIR DOS
ANOS 1980 INTERROMPEU
TAXA DE CRESCIMENTO
DO PAÍS, QUE SE
MOSTRAVA ESTÁVEL
ATÉ ENTÃO
47
anos 80: a década perdida
COM A MORATÓRIA
DO MÉXICO, EM 1982,
BANCOS INTERNACIONAIS
SUSPENDERAM O CRÉDITO
A PAÍSES JÁ ENDIVIDADOS,
COMO O BRASIL
48
foi bastante criticada. Em meio às pressões para alterar os rumos da
economia, Simonsen pediu demissão.
Antônio Delfim Netto assumiu a pasta e tentou retomar a política
de expansão da economia. No primeiro ano, em 1980, os resultados
foram bastante positivos, e o PIB cresceu 9,1%. Contudo, a inflação
disparou, alcançando a taxa anual de 110,2%, e o desequilíbrio no
balanço de pagamentos aumentou. Foi preciso mudar e adotar novamente uma política de contenção econômica.
Um conjunto de medidas foi adotado para reduzir o nível de atividade econômica, impondo limites à expansão da moeda e cortes aos
investimentos das empresas estatais. Procurou-se também incentivar
as exportações. Essas ações, que se destinavam ao reequilíbrio da
balança comercial, tiveram outras implicações. Em 1981, a taxa de
crescimento do Produto Interno Bruto caiu 3,1% e a inflação apresentou uma ligeira queda, voltando a subir em 1982.
A produção, especialmente das indústrias de bens de consumo duráveis, foi bastante afetada. O desemprego nos centros urbanos cresceu
sensivelmente, e os salários tiveram seu poder de compra reduzido.
Essa combinação entre estagnação econômica e inflação elevada, um
fenômeno relativamente raro, foi chamada de “estagflação”.
Em 1981, os bancos internacionais interromperam o fluxo de financiamentos por um erro de regulamentação do governo americano,
que proíbe seus bancos de emprestar mais de 12 vezes seus capitais. Em
1980, esses bancos haviam tido seus capitais corroídos pela inflação
de 14%. Como a regulamentação americana não prevê a correção dos
capitais, os bancos superaram seu nível máximo de empréstimos. Para
o Brasil as consequências foram terríveis.
O país passou de uma década de 1970 em que recebia recursos
reais do exterior, complementando a poupança doméstica, para uma
situação de remessa de recursos reais para o exterior. Tais fatores levaram a uma drástica redução da capacidade de investimento, além
de gerarem crise no balanço de pagamentos.
Portanto, ao contrário do que eventualmente se afirma, em 1981
não existia um superendividamento do Brasil e que teria sido causa da
interrupção dos financiamentos. A recessão daquele ano se arrastou
por nove trimestres. Foi a mais intensa na história do país, com uma
contração acumulada no PIB de 8,5%.
O pedido de moratória do México, em 1982, tornou a situação
brasileira ainda mais difícil, restringindo as chances de o país conseguir
empréstimos externos. Os bancos internacionais, temendo novas moratórias, suspenderam o crédito a países endividados. No ano seguinte,
com as reservas internas em dólares esgotadas, o Brasil recorreu ao Fundo
Monetário Internacional (FMI) e se comprometeu a seguir as recomendações de cortes de despesas e outras medidas restritivas. A ida ao FMI
gerou uma série de pressões internas, além dos desentendimentos entre o
governo e o Fundo a respeito da redução do déficit público e da expansão
do crédito líquido interno.
PAÍS TEVE QUE RECORRER AO FMI, MAS AJUSTE FINO DAS MEDIDAS VISANDO À CONTENÇÃO DO DÉFICIT PÚBLICO FOI COMPLEXO
DELFIM NETTO VOLTOU AO GOVERNO EM 1980, CONSEGUIU ÓTIMAS TAXAS DE CRESCIMENTO, MAS POR CURTO ESPAÇO DE TEMPO
49
anos 80: a década perdida
POPULAÇÃO FOI ÀS RUAS, COMO NO CÉLEBRE COMÍCIO DA CANDELÁRIA, EM 1984, PEDIR ELEIÇÕES DIRETAS
A situação cambial beirava a insolvência . Além disso, o país teve
que honrar aproximadamente 20 bilhões de dólares, entre amortizações e juros, ante um superávit comercial de apenas 780 milhões
dólares. O resultado desse processo de exportação de capitais foi
avassalador para o Brasil. A capacidade produtiva já estava muito
aquém do seu potencial pleno quando surgiram os primeiros índices
indicando o aparecimento da “crise da dívida”.
Apesar de tudo, em 1983 a balança comercial apresentou superávits significativos devido às medidas de estímulo às exportações,
sob pressão dos credores internacionais. Mas essa política, iniciada
ainda em 1982, veio acompanhada de muitos problemas, como afirma Paulo Nogueira Batista Júnior: “Para gerar esses megasuperávits
comerciais, a política econômica brasileira ao longo dos anos 1980
acionou uma série de mecanismos que levaram, sim, a aumentar as
exportações e diminuir as importações, mas que tinham repercussões
geralmente desfavoráveis sobre as finanças do setor público. Então,
através de medidas que foram mantidas ou ampliadas, câmbio, tarifas,
incentivos fiscais, subsídios diretos, creditícios, ampliação do crédito
ao setor privado etc., nós fizemos um grande esforço para a geração
de um superávit comercial, mas em grande medida à custa de pressões
sobre o orçamento do setor público”. A expansão das exportações
não decorreu de uma eventual superioridade tecnológica, mas da
disponibilidade de recursos naturais e do baixo custo da mão de obra.
50
MOVIMENTOS SINDICAIS SE MOBILIZARAM COM PAUTAS ECONÔMICAS, MAS TAMBÉM POLÍTICAS
Apesar da recessão, os efeitos positivos da política de ajustes adotada
nos três anos anteriores foram sentidos em 1984, quando se registrou
uma retomada da atividade econômica e a volta do crescimento do país,
motivados pelo aumento das exportações e pela redução das importações. A balança comercial apresentou um superávit de 606 milhões de
dólares. No entanto, a inflação continuou a subir, alcançando a taxa
de 223% nesse ano.
PROTESTOS E DECEPÇÃO
A crise econômica motivou a população a demonstrar novamente
sua insatisfação com o governo militar. Em janeiro de 1984, com a desculpa de comemorar o aniversário da cidade de São Paulo, foi marcado
um grande comício, que assinalou o início da campanha pelas eleições
diretas para presidente. O movimento – conhecido como Diretas
Já – rapidamente se espalhou por cidades de todo o país, reunindo
multidões. Em abril, um comício realizado no centro da cidade do
Rio de Janeiro bateu todos os recordes: mais de 1 milhão de pessoas,
nos cálculos da Polícia Militar e do próprio SNI se aglomeraram para
manifestar o seu desejo por mudanças.
O comício da Candelária foi considerado a maior manifestação política de toda a história do país. Diante daquela massa de gente, um senhor
muito idoso pegou o microfone: “Peço silêncio para falar! Quero falar à
EM 1984, BALANÇA
COMERCIAL APRESENTOU
SUPERÁVIT, MAS
INFLAÇÃO CHEGOU
A 223% AO ANO
51
anos 80: a década perdida
POPULAÇÃO DEPOSITOU ESPERANÇAS NO GOVERNO DE TANCREDO, MESMO APÓS ELEIÇÕES INDIRETAS, MAS SUA MORTE REPENTINA CAUSOU FRUSTRAÇÃO
JOSÉ SARNEY MANTEVE ESTRUTURA DE GOVERNO MONTADA POR TANCREDO E APOSTOU EM PLANO ECONÔMICO COMPLEXO
52
nação brasileira!” É provável que poucos soubessem de quem se tratava,
mas, mesmo assim, de uma forma impressionante, a multidão se calou, e
o doutor Heráclito Sobral Pinto, do alto de seus 91 anos, continuou: “Este
movimento não é contra ninguém. Este movimento é a favor do povo.” E
citou o primeiro artigo da Constituição Brasileira: “Todo o poder emana
do povo e em seu nome é exercido.” Não é difícil imaginar a reação de
quem ouviu aquele discurso, depois de tanto tempo de repressão política.
Sobral Pinto sintetizou em poucas palavras o que todas aquelas pessoas
estavam ali querendo demonstrar com suas presenças.
O governo João Figueiredo estava desgastado e a ditadura entrava em
sua reta final. Porém, mesmo com tantas manifestações, a Emenda Dante
de Oliveira, que propunha a volta das eleições diretas, não foi aprovada
pelo Congresso. Após a frustrada expectativa, a população encontrou
algum consolo com a candidatura de Tancredo Neves para a Presidência
da República, em eleições indiretas. A sua vitória – que representava a
volta da democracia – foi comemorada por todo o Brasil. Uma nova
etapa se iniciava, e logo foi batizada de “Nova República”. No entanto,
mais uma vez, as expectativas foram frustradas: na véspera da posse,
Tancredo foi hospitalizado e não chegou a ser nomeado.
O vice-presidente, José Sarney, assumiu o poder e manteve a
estrutura de governo já montada pelo presidente eleito. Tancredo
Neves morreu na semana seguinte, em 21 de abril de 1985.
ENTUSIASMO COM
A CHAMADA “NOVA
REPÚBLICA” DUROU
POUCO: TANCREDO
ADOECEU E SARNEY
ASSUMIU O GOVERNO
A ERA SARNEY
Ainda em abril de 1985, Sarney lançou um plano heterodoxo parcial,
baseado em um congelamento de preços de serviços públicos e alguns
setores oligopolísticos privados, correspondentes a 40% do PIB. Com isso,
a inflação caiu de 12% para 7%, mas apenas durante três meses, voltando
para o patamar anterior com a correção dos preços. Em novembro do mesmo ano, outro pacote, focado em medidas precursoras preparativas para o
Plano Cruzado, que viria no ano seguinte, atingiu o serviço público, com a
proibição de ingresso de pessoal nos órgãos da administração e autarquias
até 30 de junho de 1986.
As demais medidas visavam aumentar a receita do governo, face
ao monumental déficit de Cr$ 211 trilhões, porém teriam inevitável
impacto inflacionário. Algumas medidas adotadas:
antecipação no prazo de recolhimento de tributos como o IPI
sobre fumo e automóveis;
aumento da cobrança do Imposto de Renda para as grandes
empresas e rendimentos de capital e ganhos financeiros;
prorrogação até 1988 dos incentivos fiscais na área da Sudene,
Sudam, Sudepe e Embraer;
substituição do Imposto de Renda pelo Imposto Sobre Operações
Financeiras nas aplicações de Open Market e operações a termo nas
Bolsas de Valores.
O pacote econômico, extremante complexo, foi encaminhado ao
Congresso e aprovado praticamente sem possibilidade de análise por
53
anos 80: a década perdida
CRUZADO (ACIMA): CONGELAMENTO DE PREÇOS EXIGIU ATENÇÃO DO CONSUMIDOR (AO LADO)
deputados e senadores. Os efeitos do pacote, somados às pressões inflacionárias devido ao mau ano agrícola de 1985, em decorrência da seca
no Centro-Sul, elevaram as expectativas de inflação para 1986. Vários
economistas reviram suas estimativas: dos 220% inicialmente estimados,
o percentual provavelmente subiria para 350% ou 400% ao ano.
Ainda em dezembro de 1985, o governo determinou a substituição
do IGP pelo INPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Ampliado, com cesta de consumo de 1 a 30 salários mínimos, para
medir a inflação de novembro. Isso significou diminuir a correção no
mês de 15%, para 11,2%. A justificativa foi unificar câmbio e salários
adotando o mesmo índice para correção monetária.
O pacote, ao alterar o índice de inflação em um mês em que a
diferença entre os dois indicadores era de 4%, afetou a credibilidade
do governo e constituiu-se também em um estímulo para o consumo.
O CRUZADO E OS FISCAIS DO SARNEY
As expectativas de inflação acabaram se concretizando. O índice
em janeiro de 1986 atingiu 16,2%, sinalizando para 350% a 400%
anuais. Para combater essa mudança de patamar da inflação, segundo
Bresser Pereira, havia três alternativas:
1. Política gradualista ortodoxa, recomendada pelo FMI – estava
baseada em contração fiscal e monetária, elevação da taxa de juros,
recessão, que provocaria redução de salários reais e de margens de
lucro e, portanto, desaceleração da inflação;
2. Política gradualista heterodoxa – baseada no controle administrativo de preços, de acordo com uma inflação futura declinante.
3. Choque heterodoxo.
PARCIAL DO MÊS DE JANEIRO SINALIZAVA PARA TAXA
ANUAL DE INFLAÇÃO ENTRE 350% E 400% EM 1986
54
55
anos 80: a década perdida
JUSCELINO KUBITSCHEK E DRUMMOND DE ANDRADE (ACIMA) E CARLOS CHAGAS E AUGUSTO RUSCHI (AO LADO): ILUSTRES FIGURAS NAS NOTAS
O governo acabou optando pela terceira alternativa, a mais arriscada, pois havia poucas experiências realizadas no mundo. Difundia-se
a tese da inflação inercial, ou seja, o reajuste de preços ocorrendo em
função da inflação passada e das expectativas, sem qualquer relação
com as variações de custos. Conforme assinalado por Pérsio Arida,
havia précondições favoráveis para o lançamento do plano: taxa de
câmbio favorável; equilíbrio no balanço de pagamentos; inexistência
de choque de oferta, ou seja, não havia escassez agrícola no momento;
equilíbrio nas contas governamentais com o controle do déficit público.
Primeiro plano de estabilização econômica da Nova República,
o Plano Cruzado foi criado pelo ministro Dilson Funaro e inaugurou
a era das intervenções heterodoxas na economia brasileira. O plano,
divulgado em 28 de fevereiro, surpreendeu a população. As principais
medidas adotadas pelo Decreto Lei 2.284 foram:
extinção do cruzeiro e sua substituição pelo cruzado;
extinção parcial da correção monetária, mantida para poupança,
FGTS, PIS e para prazos superiores a um ano;
substituição das ORTNs pelas OTNs, com valor congelado até
março de 1987;
depreciação das obrigações firmadas em cruzeiros, à exceção dos
impostos, à razão de 1,0045% ao dia, com uma tablita;
56
congelamento de aluguéis e prestações do SFH por um ano;
correção dos salários segundo o salário médio dos últimos seis
meses, com um abono de 15% para o primeiro e 8% para os demais.
Correção anual, vedada a reposição. Escala móvel de salário com
“gatilho” disparando com inflação igual ou superior a 20%;.
criação do seguro desemprego pagável por quatro meses;
caderneta de poupança retornou à correção trimestral;
estabilidade da taxa cambial;
substituição do IPCA pelo IPC no cálculo da inflação.
PLANO CRUZADO
INAUGUROU A SÉRIE
DE INTERVENÇÕES NA
ECONOMIA CHAMADAS
“HETERODOXAS”
O plano contemplava ainda o congelamento de preços aos níveis
de 18 de fevereiro. E quem poderia apoiar o Governo nesta árdua
tarefa? Foram, então, “instituídos” os agentes fiscalizadores do povo,
que ficariam conhecidos como “fiscais do Sarney”, que passaram a ter
quase poder de polícia.
Os primeiros dois meses do plano foram de sucesso absoluto. Em
março, pela primeira vez na história foi registrada uma deflação, de
0,11%, medida pelo IPC. O congelamento teve forte apoio popular,
porém só funcionou no caso de produtos básicos. Nas demais mercadorias e nos serviços, as variações continuaram a ocorrer. No tocante
aos gastos públicos, nada foi feito efetivamente para contê-los.
57
anos 80: a década perdida
58
CLIENTE CONFERE PREÇO (AO LADO), A EXEMPLO DA POLÍCIA (ACIMA)
O governo não tinha uma estrutura adequada para fiscalizar preços. A Sunab (Superintendência Nacional de Abastecimento) desde
há muito tempo contava com poucos funcionários.
Na época, os economistas assinalavam a pouca eficácia de planos
de congelamento em mercados modernos, dada uma série de fatores:
grande quantidade de mercadorias não padronizadas;
grande número de vendedores;
estruturas de custo diferenciado;
diferenças de qualidade entre os produtos;
desalinhamento de preços.
O governo optou por tabelar os preços no varejo, deixando por conta
das próprias empresas o acerto no atacado, que acabou sendo lento e
demorado, gerando os primeiros problemas de desabastecimento.
Os preços estavam desalinhados em março, e a alternativa correta
seria, a posteriori e com cuidado, reduzir os preços daqueles que foram
congelados no pico e elevar os preços dos produtos congelados abaixo
do custo, de modo a alcançar uma média. Mas nada disto foi feito, e
com o passar do tempo as distorções foram se agravando e o consumo
crescendo, mas o congelamento não foi alterado.
As vendas no comércio paulista em março de 1986 foram 16%
maiores em relação ao mesmo período de 1985. A queda dos rendimentos nominais das cadernetas de poupança, a elevação da massa salarial
e o próprio congelamento estimularam o crescimento do consumo.
Em 14 de maio, em face da elevada defasagem no preço do leite,
colocando em risco a manutenção da oferta do produto, o governo, ao
invés de autorizar o aumento de preço, optou pela concessão de um
COM O PASSAR DO TEMPO, O CONSUMO AUMENTOU,
MAS OS PREÇOS NÃO FORAM REALINHADOS. UM ERRO
59
anos 80: a década perdida
DILSON FUNARO (CENTRO) ANUNCIA O PLANO, QUE GANHA MANCHETES OTIMISTAS NOS JORNAIS
subsídio de 30% ao produtor, da ordem de 0,53 centavos de cruzado
por litro, com aumento dos gastos públicos, um dispêndio adicional
estimado em 1,5 bilhão de cruzados, de junho a dezembro de 1986.
No Brasil, não havia tradição de baixa de preços em benefício do
consumidor. Da mesma forma, não foi repassada para o consumidor
a queda nos preços do boi gordo, ocorrida a partir de janeiro de 1986.
Em junho, o excesso de demanda permanecia, e cinco formas de
burla ao congelamento estavam perfeitamente caracterizadas:
mudanças de modelo de especificação e embalagens de produtos;
mercados negros de insumos (ágio);
alteração de qualidade ou quantidade;
filas de espera;
em casos extremos, desaparecimento do produto.
Cabe acrescentar a elevação de preços pela cobrança de opcionais,
como no caso de automóveis.
Os índices de inflação evidentemente não refletiam o ágio encontrado no mercado. A bolsa de valores, imediatamente após o
choque, teve elevação que chegou a quase 100%, alta irreal, pois o
congelamento iria afetar as margens de lucro das empresas, o que iria
causar uma baixa acentuada mais à frente.
A desindexação permitiu um alívio no giro da Dívida Pública e
possibilitou até mesmo o resgate de títulos, através da intensa emissão
de moeda ocorrida logo nos primeiros meses do plano. Por outro lado,
BOLSA DE VALORES SUBIU QUASE 100%, MAS TRATAVA-SE
DE ALTA IRREAL, SEGUIDA DE BAIXA ACENTUADA
60
61
anos 80: a década perdida
ASSOCIAÇÕES DE MORADORES ATUARAM FORTEMENTE NA FISCALIZAÇÃO DOS PREÇOS
o congelamento de tarifas e a manutenção de subsídios, agravada com
a criação de novos subsídios, como no caso do leite, constituíram-se
em novas fontes de pressão sobre o Orçamento Público.
REUNIÃO DE CARAJÁS
Em 30 e 31 de maio foi realizada pelo governo uma reunião de avaliação do Plano Cruzado. Nesta reunião, denominada “Reunião de Carajás”,
por ter sido realizada no Pará, Edmar Bacha e André Lara Resende defenderam ajustes rigorosos na economia, mas foram derrotados. Segundo
Bacha, Sarney e Funaro estavam fascinados com o sucesso do plano e
se recusavam a fazer os ajustes que seriam necessários. O jornalista Luis
Nassif, por outro lado, defende outra versão: de fato, não havia consenso
entre os economistas sobre as medidas a serem tomadas. Na prática, a taxa
de juros foi mantida nas alturas, para evitar a fuga de capitais. Em julho,
alcançou entre 60% e 65%, percentuais absolutamente incompatíveis em
uma economia com os preços congelados.
Em 23 de julho de 1986, foram adotadas as primeiras medidas de
ajuste, o chamado “Cruzadinho”:
empréstimo compulsório de 28% sobre gasolina e álcool;
empréstimo compulsório de 30% sobre o preço dos carros novos,
62
SUPERMERCADO DE PASSO FUNDO (RS) FOI MULTADO POR NÃO RESPEITAR CONGELAMENTO
de 20% sobre usados até dois anos e de 10% para veículos de dois a
quatro anos de uso;
taxa de 25% sobre passagens e dólar para viagens ao exterior;
criação do FND (Fundo Nacional de Desenvolvimento), para
administrar os recursos dos compulsórios e outros provenientes de
venda de ações preferenciais das estatais.
Simultaneamente o governo lançou um Plano de Metas, sem qualquer
discussão com a sociedade, mais para justificar a utilização dos recursos. O
pretendido objetivo de conter o consumo seria insuficiente dado o restrito
número de produtos. Deu tudo errado. O aumento do álcool e gasolina
teria, sim, pressão inflacionária sobre preços congelados, inviabilizando
o próprio congelamento, pois empresas e profissionais que os utilizavam
como insumo iriam repassar o maior custo para os preços.
Ao criar o empréstimo compulsório, o governo aumentava a sua dívida,
já bastante elevada, da pior forma possível, transformando os consumidores
em investidores forçados de títulos públicos. A estimativa de receita do
FND era de 50 bilhões de cruzados por ano, ou US$ 10 bilhões em três anos.
A adoção do empréstimo compulsório, por outro lado, revestiu-se de dúvidas quanto à sua legalidade. Em primeiro lugar, por ter
sido cobrado imediatamente, quando juristas entendiam que ele
“CRUZADINHO”,
ANUNCIADO EM JULHO
DE 1986, SE BASEAVA
EM EMPRÉSTIMOS
COMPULSÓRIOS,
CUJA LEGALIDADE FOI
COLOCADA EM DÚVIDA
63
anos 80: a década perdida
EM AGOSTO O ÁGIO ESTAVA INSTITUCIONALIZADO NO PAÍS.
NOVAS MARCAS TENTAVAM BURLAR CONGELAMENTO
só poderia ser cobrado no ano seguinte. Mais agravante ainda foi a
forma de devolução, em cotas do FND, e não em dinheiro. A taxa
sobre passagens e dólar era manifestamente ilegal, pois além de ser
cobrada imediatamente, caracterizava-se como imposto, o que só
poderia ocorrer através de lei, e não por resolução do Banco Central.
O compulsório sobre os carros representava uma ingênua tentativa de apropriação, por parte do governo, do ágio que vinha sendo
cobrado pelo mercado sobre os carros novos e usados.
Outra crítica contundente aos empréstimos compulsórios foi quanto à decisão de não incluir no cálculo da inflação os aumentos gerados.
O IBGE foi fortemente pressionado a “expurgar” esses aumentos, mas
resistiu, optando por divulgar dois índices, um expurgado e outro não
expurgado. A medida do empréstimo compulsório iria gerar centenas
de milhares de ações judiciais cobrando sua devolução. Segundo o
jurista Ives Gandra da Silva Martins, em manifestação na época,
“sempre prevalece, não o princípio ético tributário, mas a tradição
governamental segundo a qual o ilegal, o inconstitucional, passam a
ser legal e constitucional e devido, na medida em que as pessoas não
ingressam em juízo”.
No primeiro semestre de 1986, a emissão primária de moeda atingiu o
montante de 75,07 bilhões de cruzados, cerca de 2,2% do PIB, dos quais
61,13 bilhões de cruzados foram para cobrir a necessidade de financiamento
do Banco Central e 13,95 bilhões de cruzados para o resgate líquido de
títulos da dívida pública da União. No mesmo período de 1985, o crescimento da base monetária foi de apenas 0,4% do PIB.
O Banco Central justificou esta elevada emissão como a remonetização da economia provocada pela eliminação da inflação inercial,
e pela maior confiança na moeda, sem repercussões inflacionárias,
portanto. Entretanto, o volume de emissões foi sem dúvida excessivo,
refletindo pressões do lado das contas públicas.
Em agosto, o ágio já estava institucionalizado no país. Nas feiras
livres, as tabelas da Sunab nunca foram respeitadas; nos açougues
carne só era encontrada com ágio. Eletrodomésticos, carros, alimentos,
tijolos e adubos eram vendidos acima dos preços tabelados, além do
surgimento de dezenas de novas marcas para burlar o tabelamento.
Foi realizada uma fracassada operação de caça aos bois no pasto.
A situação econômica gradualmente ia se agravando. Os juros
começaram a subir, o déficit na balança comercial começou a cair,
pois o congelamento do câmbio já agia como freio às exportações e
estímulo às importações. Os empresários estavam inibindo os investimentos devido às dúvidas quanto às medidas futuras que poderiam
64
DESABASTECIMENTO ACABOU AFETANDO MUITOS DOS SUPERMERCADOS EM TODO O PAÍS
JULHO DE 1986: SUNAB MANTINHA-SE ATENTA ÀS TENTATIVAS DE FURAR O CONGELAMENTO
65
INFLAÇÃO FIPE 1986-87
14,05
13,75
10,86
1,83 2,31 1,92
JAN
1986
66
FEV
1986
11,28
10,30
MAR
1986
ABR
1986
MAI
1986
1,88 1,43
0,96 1,07
JUN
1986
JUL
1986
AGO
1986
SET
1986
3,08
OUT
1986
4,43
NOV
1986
DEZ
1986
JAN
1987
FEV
1987
FISCAIS DO SARNEY NÃO BAIXARAM A GUARDA, MESMO COM FRAGILIDADE DO PLANO
ser tomadas. O aumento do ágio no black, que chegou a 100%,
ocasionou a inútil intervenção da Polícia Federal, e registrava o
agravamento dos problemas com a balança comercial.
As críticas ao “Cruzadinho” aumentavam, pois praticamente
não houve efeito significativo na redução da demanda aquecida,
mantendo-se a expectativa por um novo pacote, o que era prejudicial. Muitos economistas teriam preferido a alternativa de
maior tributação do imposto de renda ou aumento de impostos
pelo impacto que geram sobre os produtos, mas as vésperas das
eleições impediam qualquer medida neste sentido.
Em setembro, o consumo de derivados de petróleo atingiu
1,351 milhão de barris-dia, contra 1,315 milhão em agosto, atestando a ineficiência do depósito compulsório como instrumento
redutor da demanda. Em 15 de outubro, face ao agravamento
da situação cambial, com queda acentuada das exportações, o
governo descongelou o câmbio, promovendo a primeira desvalorização cambial do Plano Cruzado, da ordem de 1,8%.
O então presidente do Banco Central, Fernão Bracher, procurou afastar a ideia de descongelamento, mas era evidente que
a medida refletia a inviabilidade de manter o câmbio estável, em
uma economia com elevada dívida externa, fortemente dependente do superávit comercial para pagar os juros. Resultado: o
governo teve amplo sucesso nas eleições. O PMDB elegeu 22 dos
23 governadores, 44 dos 49 senadores e 260 deputados federais.
EM OUTUBRO VEIO A PRIMEIRA DESVALORIZAÇÃO
CAMBIAL DO PLANO CRUZADO, DA ORDEM DE 1,8%
67
anos 80: a década perdida
NEM APOIO IRRESTRITO DA IMPRENSA FOI SUFICIENTE PARA SALVAR O PLANO
CRUZADO II, A TRAIÇÃO
Em 21 de novembro, logo após as eleições, foi anunciado o chamado Cruzado II. As principais medidas foram:
aumento da alíquota de IPI de vários produtos: automóveis, de
33% para 100%; cervejas, de 80% para 230%; vinhos, de 10% para
50%; cigarros, aumento de 50% a 120% no preço final; caminhões,
aumento de 50% no preço final;
exclusão do IPC de fatores sazonais e irregulares, impostos indiretos e despesas com fumo e bebidas alcóolicas;
extinção do BNH e sua incorporação pela CEF;
aumento de 60,16% na gasolina e álcool e de 13% no açúcar;
aumentos de energia elétrica: 44% para consumidores residenciais e comércio e 10% para a indústria;
correios: aumento de 80%;
telefone: aumento de 35%.
As medidas, em estimativa considerada conservadora feita pelo
economista Francisco Lopes, iriam gerar, caso bem sucedidas, uma
receita líquida de 135 bilhões de cruzados, ou 3,2% do PIB.
O anúncio explodiu como uma bomba em todo o país. A reação geral
foi de perplexidade. Ao invés de realinhar preços, aumentar IR ou mesmo
o IPI em doses moderadas, para reduzir o consumo, como estava sendo
esperado, o governo partiu para uma inédita e brutal elevação de impostos,
como no caso dos carros, símbolos do capitalismo, praticamente dobrando
o preço. O clima de confiança gerado em 28 de fevereiro, que transformou
a população em “fiscais” do Sarney, simplesmente desapareceu.
BRUTAL ELEVAÇÃO DE IMPOSTOS DO CRUZADO II
ACABOU DE VEZ COM CLIMA DE CONFIANÇA DO INÍCIO
68
Por que o Plano
Cruzado fracassou
O Cruzado reuniu pela primeira vez uma
custa da criação de passivos públicos gigan-
equipe afinada de brilhantes economistas: João
tescos, da volta dos desequilíbrios externos,
Sayad, Pérsio Arida, André Lara Resende, Chico
em função de uma apreciação do Real. Estes
Lopes. As condições para o ajuste da economia
esqueletos se projetariam nos anos seguintes.
e o fim da escalada inflacionaria eram perfeita-
O economista Marcos Cintra Cavalcanti de
mente possíveis, mas foram cometidos muitos
Albuquerque, em artigo publicado na Folha de
erros que resultaram no insucesso.
São Paulo, assinalou as hipóteses equivocadas
Segundo Edmar Bacha, foi a questão salarial
que permearam a execução do Plano Cruzado:
que resultou no fracasso do Cruzado. “Foi aí
“o crescimento da demanda agregada era
que o plano se perdeu de vez. Em qualquer
incompatível com a evolução da oferta; a de
processo de ajuste, há sempre o risco de uma
que as margens de lucro suportariam brus-
inflação corretiva, até por causa da compressão
cas elevações dos salários reais; a de que o
dos preços. Esse processo de inflação corretiva
déficit público havia sido zerado; a de que os
temporária estava impedido pela existência do
preços relativos estavam em equilíbrio; a de
gatilho. Qualquer inflação que houvesse batia
que o congelamento poderia ser definitivo, e
no gatilho. Foi isso o que acabou com o plano.”
finalmente, a de que os superávits da balança
Na análise de José Serra, a falta de produtos
comercial eram indestrutíveis.”
revelou situações específicas: a) produtos em
Para André Lara Resende, em uma análise
falta porque a oferta não cresceu no mesmo
feita 10 anos depois, o Plano Cruzado falhou
ritmo da demanda; b) produtos em falta porque
devido ao crescimento exagerado da demanda
seus preços foram apanhados abaixo da média
agregada e ao déficit público. Segundo ele,
pelo congelamento; c) produtos em falta devido a
na época do choque não se sabia qual era
manobras especulativas, como o caso da carne.
o efetivo déficit público. O nível de reservas
Na avaliação de Luis Nassif, tanto no Cru-
externas também era muito pequeno.
zado, como depois, no Plano Real, os autores
José Sarney, refletindo sobre os erros
esfrangalharam as contas públicas, as contas
do Plano Cruzado, confirma esta posição
externas, atropelaram (especialmente no
de Resende: “Imaginávamos que tínhamos
Cruzado) a segurança jurídica e paralisaram
zerado o déficit público. Na realidade, como
reformas econômicas. Regras de conversão
naquele tempo tínhamos cinco orçamentos
mal feitas praticamente quebraram o Sis-
monetários, a contabilidade pública era
tema Financeiro da Habitação e produziram
impossível de ser desvendada. Hoje o Brasil
imensos prejuízos aos usuários dos planos de
tem transparência pública porque unificamos
previdência. A estabilidade afinal foi obtida à
o orçamento.”
69
69
anos 80: a década perdida
70
Adotado logo após as eleições, o impacto não poderia ter sido pior.
As medidas foram recebidas como uma traição à confiança do cidadão
que havia acabado de votar, e a confiança existente no início do plano se
evaporou. O Cruzado II representou um golpe de morte no Plano Cruzado.
Os preços continuaram desalinhados como antes, e pior:
desalinharam-se mais ainda. Os planejadores do governo tiveram a
inacreditável ideia de que poderiam fazer um ajuste nas contas públicas, imaginando que a sociedade aceitaria passivamente medidas
absolutamente inviáveis.
O incrível é que o Palácio do Planalto passou a creditar a má
recepção a erros de “marketing”, publicidade mal feita, daí a “incompreensão” do povo.
José Sarney, em reflexão posterior, assumiu o erro: “Além da moratória, fizemos o que hoje considero o maior erro da minha vida, o
Cruzado II. Hoje, preferiria cortar a mão a assinar novamente aqueles
atos”. Segundo Sarney, foi Dílson Funaro o responsável pelo Cruzado
II, e na época João Sayad o teria alertado do equívoco: “Isso é um
desastre, está errado”, teria dito Sayad.
Em sequência, a economia rapidamente foi voltando à situação
pré-cruzado. As desvalorizações cambiais passaram a ser diárias e as
taxas de juros e a inflação passaram a subir rapidamente.
Em 24 de novembro de 1986, o Decreto 2290 eliminou do cálculo do IPC os preços do vestuário, automóveis, cigarros, bebidas e
eletrodomésticos. Dérgio Garcia Munhoz assim interpretou a medida:
“O decreto de reformulação do índice faculta à Seplan, por outro
lado, manipular livremente o indicador no futuro, sempre que julgar
qualquer aumento de preços como motivado por ‘sazonalidade’ ou
‘irregularidade’, como antes mencionado. É incrível, mas procurou-se
com um decreto, revogar toda uma metodologia científica, internacionalmente consagrada, na qual se baseia qualquer índice de preços
que mereça um mínimo de confiabilidade”.
Em 16 de dezembro o ministro Dílson Funaro anunciou o fim
do congelamento, a ser substituído por um rígido sistema de preços
administrados pelo Conselho Interministerial de Preços. Porém o
governo não tinha estrutura para isto, e generalizou-se o clima de
desobediência civil.
O fim de dezembro e o início de janeiro movimentaram governo,
sindicatos e empresários, em busca de um pacto social, intensa negociação que acabou fracassando pela impossibilidade de se chegar a
um denominador comum.
A demora por parte do governo em iniciar o realinhamento de
preços gerou uma instabilidade nunca vista no país, com as empresas
reajustando seus preços autonomamente. O presidente Sarney chegou
ao ponto de chamar o empresário Mário Amato, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), de anarquista.
A produção industrial em dezembro e janeiro reduziu-se intensamente, na expectativa do realinhamento. A indústria automobilística
ANOS DEPOIS, JOSÉ
SARNEY RECONHECEU
QUE O CRUZADO II
FOI O MAIOR
ERRO DE SUA VIDA
POLÍCIA NAS RUAS DURANTE
A GREVE GERAL, EM DEZEMBRO
DE 1986: O PLANO CRUZADO
FRACASSAVA DE FORMA RETUMBANTE
71
anos 80: a década perdida
INFLAÇÃO BEIRANDO OS 20% EM FEVEREIRO DE 1987
ERA UM CLARO SINAL DE QUE VIRIA A HIPERINFLAÇÃO
teve em janeiro a sua produção reduzida à metade. O transporte rodoviário de carga, grande indicador da produção, operou em janeiro
com 20% da sua capacidade.
Em 27 de janeiro teve início “oficialmente” o realinhamento de
preços, com autorização de reajustes para o setor de eletrodomésticos. O
início nesse setor causou certa estranheza nos meios industriais, pois não
se tratava de uma área onde a defasagem era mais grave e por ser um dos
setores que mais desobedeceram ao congelamento, através da chamada
“maquiagem” dos produtos. Janeiro marcou também as primeiras declarações enfáticas pelo fim do “gatilho” salarial, ressaltando-se o seu efeito
de realimentação da inflação. Entre os partidários de seu fim, alinhou-se
o Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE), que em sua reunião
realizada em 12 de janeiro, propôs o fim do gatilho e sua substituição por
um abono salarial.
Em razão da prioridade às políticas de combate à inflação, o governo
praticamente abandonou as políticas de desenvolvimento regional, passando esta incumbência aos Estados, o que deu início à chamada guerra fiscal.
O salário mínimo atingiu o seu mais baixo nível na história do
Brasil, 60 dólares, contra 179 dólares em 1959. Os sindicatos reivindicavam um mínimo de 150 dólares, o Ministro do Trabalho defendia
97 dólares, e os empresários, 65 dólares. Entretanto, para cumprir a
lei ao pé da letra e remunerar adequadamente a despesa familiar em
bens e serviços essenciais, o salário mínimo deveria ser de 325 dólares.
Associada à proposta de correção do salário mínimo, apareceu embutida a ideia de desindexar o mínimo como valor de referência para
contratos, pisos profissionais, benefícios sociais, como solução para permitir
uma elevação de seu valor real. Em janeiro foram divulgados os índices
de inflação referentes a dezembro. O INPC havia atingido 7,27%, com
um acumulado em 1986 de 59,2%. O IPCA em dezembro havia sido de
11,65%, com um acumulado de 79,66% em 1986. Portanto, apenas em
dezembro a perda na troca de índices representou 4,38 pontos percentuais.
O governo tentou, no Cruzado II, manipular os índices de inflação,
excluindo os reajustes, mas a medida provocou tamanho mal-estar que
foi revogada. Em fevereiro, permanecia a expectativa sobre os rumos da
política econômica do país para 1987. A inflação em janeiro atingiu um
recorde na história do país, com 16,82%, e para o mês seguinte a previsão
era de 20%. Crescia a possibilidade de o país mergulhar em hiperinflação.
Tal cenário permite concluir que o ano de 1986 marcou a mais
formidável demonstração de autoritarismo por parte do governo
federal. No melhor estilo da “Velha República”, reformas radicais
foram adotadas através de decretos-leis inconstitucionais, dada a
72
REVOLTA CONTRA GOVERNO DE JOSÉ SARNEY LEVOU MILHARES ÀS RUAS DO RIO DE JANEIRO
SALÁRIO MÍNIMO ATINGIU SEU MAIS BAIXO NÍVEL NA HISTÓRIA DO PAÍS: 60 DÓLARES
73
anos 80: a década perdida
ENTRE 1986 E 1987, INSTITUCIONALIZOU-SE A MUDANÇA COMO PADRÃO, PARALISANDO INVESTIMENTOS E TRAVANDO O DESENVOLVIMENTO
variedade de assuntos abrangidos, sem consulta ao Poder Legislativo,
que permaneceu absolutamente inoperante em um ano de eleições.
Institucionalizou-se a mudança como padrão de política governamental. A regra do jogo em um dia poderia não ser a do dia seguinte.
Estabilidade de regras, eliminação das incertezas e previsibilidade das
ações públicas, elementos indispensáveis para o investimento empresarial e o desenvolvimento econômico do país, foram deixadas de lado.
ECONOMIA EM 1987: RECESSÃO
O início de 1987 foi semianárquico. O fracasso do Cruzado II
trouxe o retorno da inflação. Os empresários, cautelosos diante da
indefinição econômica, protelaram seus investimentos e reajustaram
os preços para compensar as perdas do período de congelamento e já
projetando uma margem adicional por precaução.
O resultado foi uma explosão de preços, as taxas anuais atingindo
500%, que não era nem inflação de demanda, que já tinha arrefecido, nem de custos, pois estes não subiram tanto assim. A explicação
está justamente na sucessão de planos econômicos e nas ameaças
de congelamento.
A economia entrou novamente em recessão, com o PIB caindo
74
RISCO DE HIPERINFLAÇÃO LEVOU ALGUNS A SUGERIREM CONGELAMENTO DE PREÇOS E SALÁRIOS POR 120 DIAS, APÓS REALINHAMENTO
4,2% em seis trimestres. Face ao risco do país mergulhar em hiperinflação, alguns propunham um novo choque, após o realinhamento,
com o congelamento dos preços e salários por 120 dias, período no
qual trabalhadores e empresários costurariam um pacto social.
A situação externa continuava grave. Desapareceu o superávit comercial, e a projeção para o ano, de US$ 8 bilhões, já tinha caído para US$
2 bilhões. A expectativa dos bancos internacionais continuava negativa.
Os recordes de inflação em janeiro e fevereiro e a falta de credibilidade da política econômica oficial aumentavam o temor de descontrole absoluto. Mas, do lado do consumo, vários fatores contribuíam para
arrefecer a alta de preços. As altas taxas de inflação desestimulavam as
compras e estimulavam a poupança, concorrendo para reduzir o poder
aquisitivo da população. Além da queda no consumo, a formação de
estoques era desestimulada pelas altas taxas de juros.
A manutenção das medidas do pacote de novembro contribuiu
para arrefecer o consumo no setor automobilístico, contribuindo para
uma recessão por ação do próprio governo. O cenário sinalizava para a
perspectiva da inflação alcançar 100% a 200% ao ano e para a recessão
em 1987.
A queda do superávit comercial agravou sensivelmente a situação
do balanço de pagamentos, e em fevereiro foi acelerada a desvalori-
SUPERÁVIT COMERCIAL
HAVIA DESAPARECIDO,
CAINDO DE US$ 8 BILHÕES
PARA US$ 2 BILHÕES
75
anos 80: a década perdida
IRIA FRACASSAR
zação do cruzado, caracterizando uma mididesvalorização, em doses
homeopáticas. Na área social, o governo tratou menos de reformas
básicas, partindo para o fortalecimento de programas de caráter assistencialista, como a distribuição gratuita de leite, de grande rendimento
político. O ministro Dílson Funaro, apesar do apoio do PMDB, acabou
pedindo demissão no final de abril de 1987.
Para o seu lugar, foi nomeado o governador Tasso Jereissati, mas
este acabou sendo vetado pelo PMDB, tendo ficado apenas 12 horas
no cargo. Finalmente optou-se por Luís Carlos Bresser Pereira. Sua
primeira medida foi uma mididesvalorização de 8,5%, para tentar
elevar o superávit comercial.
Apesar da indefinição econômica, Sarney insistiu em prosseguir
com a concorrência da Ferrovia Norte-Sul, ligando Brasília ao Maranhão, a um custo de US$ 2 bilhões.
PASSEATA CONTRA O PLANO
VERÃO, EM 1989: NOVAMENTE
MILHARES DE CARIOCAS
OCUPAVAM AS RUAS
PLANO BRESSER, JUNHO DE 1987
Em 1987, ainda no governo Sarney, foi lançado o chamado Plano
Bresser, com novo congelamento de preços e salários, por prazo máximo de 90 dias, mas mantida a indexação. A inflação caiu de 25% para
5%, mas depois de um ano já estava em 25% de novo. Foi feita nova
minidesvalorização do cruzado, em 10,5%, e estabeleceu-se o fim do
subsídio ao trigo e o adiamento ou suspensão de obras públicas, como
a Ferrovia Norte-Sul e o Trem Bala entre São Paulo e Rio de Janeiro.
Foram extintos 40 mil cargos na administração pública.
Apenas cinco meses após seu lançamento, o Plano Bresser já tinha
fracassado O congelamento de preços e salários virou congelamento
só de salários. Em julho, a inflação já alcançava 3,05%; em agosto,
6,36%; em setembro, 5,68%, e em outubro, 9,18%.
Foi extinto o gatilho salarial e criada a URP – Unidade de Referência de Preços. O reajuste de preços e salários seria a cada três
meses, com base na média de inflação do trimestre anterior. Com a
inflação crescente, a fórmula de reajuste salarial, baseada na média
de três meses, resultou em arrocho salarial. O próprio governo não
respeitou a regra que criou, concedendo aumentos superiores nas
estatais e para o próprio funcionalismo federal.
O congelamento não foi respeitado. Em junho e julho vários preços foram reajustados a título de “reequilíbrio” dos preços relativos.
A partir de setembro, os controles foram afrouxando, com liberação
total em novembro. O governo rompeu a moratória, não declarada
oficialmente em fevereiro de 1987, e pagou parte dos juros devidos.
Em dezembro de 1987, com a inflação alcançando 366%, Bresser
se demite. Em 18 de dezembro, com mais um decreto-lei, o governo
abortou o IPC super-restrito, antes que começasse a valer efetivamente. Voltou a ser usado o INPC restrito para o cálculo do IPC, ou seja, o
cálculo era baseado em uma “cesta” de produtos de consumo na faixa
COM A SAÍDA DE FUNARO,
NO FINAL DE ABRIL,
ASSUMIU BRESSER
PEREIRA, QUE EMPRESTOU
NOME AO PLANO QUE
EM APENAS CINCO MESES
76
77
anos 80: a década perdida
EM 5 DE OUTUBRO DE 1988, PAÍS COMEMOROU A PROMULGAÇÃO DA NOVA CONSTITUIÇÃO
de um a cinco salários, incluindo automóveis, cigarros, bebidas etc. A
rápida mudança representou o reconhecimento do erro do governo
em tentar manipular os índices e do fato de que o índice decretado
não teria credibilidade.
Com o fracasso dos planos econômicos, Sarney anunciou a política
do “arroz com feijão”, para manter a situação econômica sob controle,
transferindo ao novo governo a responsabilidade de solucioná-la.
Mailson da Nóbrega procurou combater o déficit público, executou
uma política monetária restritiva e fez novo acordo externo.
No final de 1988, a inflação tinha chegado a 933%, e o PIB
apresentava crescimento negativo de 0,2%. Nas eleições municipais
daquele ano, grande número de prefeitos foi eleito por partidos de
oposição.
CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Constituição de 1988 contribuiu para o agravamento da situação
das finanças públicas federais por diversas razões. As despesas com
pessoal foram aumentadas, assim como os benefícios previdenciários
e pagamentos das aposentadorias. Só a despesa com a Previdência
subiram de 4,8% do PIB em 1988 para 6,3% em 1989 e 10,1% em 1990.
78
ULYSSES GUIMARÃES FOI O GRANDE NOME DA REFORMA CONSTITUCIONAL, CUJOS IMPACTOS ECONÔMICOS SERIAM RELEVANTES
Houve uma redistribuição da receita do governo federal para os
Estados ainda maior do que a ocorrida antes, com o aumento das
transferências. A União perdeu alguns tributos, incorporados ao
ICMS, como o IUM, IUEE, IST, IUCLGL, onde tinha participações
que variavam de 10% a 100%. A distribuição do ICMS alterou-se
nos Estados, passando de 80% para 75%, e a dos municípios subiu
de 20% para 25%.
Estas alterações provocaram mudanças estruturais na economia.
Os Estados e Municípios passaram a se recusar a assumir parcelas de
despesas da União, aumentando os gastos desta. A União passou a ter
dificuldade de tocar grandes projetos. Os investimentos em Estados
e Municípios são de menor porte, por mobilizarem recursos menores
e terem interesses diferentes e mais localizados.
SE TROUXE AVANÇOS
EM MUITOS SEGMENTOS,
CONSTITUIÇÃO
DE 1988 SIGNIFICOU
PROBLEMAS PARA AS
FINANÇAS PÚBLICAS
PLANO VERÃO
E veio então o chamado Plano Verão, em 1989. Optou-se por
adotar uma regra dupla de indexação: 100% da inflação acumulada
na data base de reajuste e reajuste mensal pleno pelo IPC. Repetia-se o esquema de indexação do Plano Bresser, com um agravante: a
unidade temporal básica foi encurtada, passando de um trimestre para
79
anos 80: a década perdida
INVESTIMENTO DAS MULTINACIONAIS NO PAÍS CAIU
DE 6,1% EM 1976-80 PARA 1,1% EM 1986-90
um mês. De agosto em diante, o “motor” inflacionário em sua mais
elevada rotação é o processo de formação de juros e de expectativas.
No final da década a situação do Brasil em relação ao mercado
internacional havia piorado sensivelmente. O percentual de investimento das empresas multinacionais havia caído de 6,1% no período
de 1976-80 para 4,2% em 1981-85 e para 1,1% em 1986-90, segundo
dados da Cepal.
Conforme assinala José Serra, em análise feita nos anos 1990, as
diversas experimentações mostraram que não existe plano de estabilização que seja bem sucedido, popular e sem custos sociais. Mas Serra
assinala que, apesar dos problemas, houve avanços na década, como
o de setores industriais, como a celulose, o alumínio e a petroquímica.
Cita ainda a substancial redução na importação de petróleo, e na área
das finanças públicas a unificação orçamentária.
CONTRAPONTO: A AGRICULTURA
Em compensação, na década de 1980, a agricultura teve um desempenho considerado satisfatório. Enquanto o setor industrial atravessava momentos depressivos, houve aumento da produção agrícola,
mesmo com tendência de queda nos preços dos produtos alimentares.
Se não fosse o desempenho do setor agrícola, certamente a crise
brasileira da década seria mais acentuada. A agropecuária brasileira
cresceu mais de 30% desde 1980, enquanto o crescimento total da
produção brasileira foi de pouco mais de 20%, sendo que a indústria
não chegou a crescer mais que 10%. Além disso, verificaram-se apenas
crises conjunturais no setor agrícola em 1986 e 1990, basicamente em
função de problemas climáticos, enquanto o setor industrial viveu
uma crise de maior duração.
Este desempenho positivo da agricultura brasileira na década de
1980 deve-se principalmente a um aumento da produtividade no
campo. Este aumento foi fruto do próprio processo de modernização
que se iniciara alguns anos antes. Na década de 1980, apesar de o
crescimento da área plantada ser importante nas regiões Centro-Oeste e Norte (nova fronteira agrícola), há forte crescimento da
produção por hectare, especialmente no Centro-Oeste, Sudeste
e também no Nordeste. Também não se deve esquecer que, nesta
década, o Brasil viveu o chamado “ajuste externo”. Neste sentido,
especialmente através de mecanismos cambiais, a agricultura voltada
para a exportação foi fortemente incentivada, destacando-se produtos
como soja e laranja.
80
SOJA (ACIMA) E LARANJA (ABAIXO): DUAS CULTURAS FAVORECIDAS PELA POLÍTICA CAMBIAL COM FOCO NA EXPORTAÇÃO
81
anos 80: a década perdida
AS TURBULÊNCIAS QUE ANTECEDERAM A ESTABILIDADE
INFLAÇÃO ACUMULADA = 13.342.346.717.617,70%
13 MINISTROS DA FAZENDA
HIPERINFLAÇÃO ABERTA
1A ELEIÇÃO DIRETA
PARA PRESIDENTE
IPCA
NO MÊS
IMPEACHMENT
COLLOR
83,0
62,3
41,5
ABERTURA
COLLOR
20,8
RENEGOCIAÇÃO
DÍVIDA
EXTERNA
0
DEZ 1979
1A MÁXI
DELFIM
82
FEV 1983
2A MÁXI
DELFIM
FEV 1986
FIM DA PLANO
DITADURA CRUZADO
MORRE
TANCREDO
JUN 1987
JAN 1989
PLANO
BRESSER
PLANO
VERÃO
MAR 1990
PLANO
COLLOR
JAN 1991
PLANO
COLLOR II
INFLAÇÃO ACUMULADA = 196,87%
3 MINISTROS DA FAZENDA
CRUZEIRO
REAL
NÚMEROS DE UM TEMPO LOUCO
16 MINISTROS DA FAZENDA
18 PRESIDENTES DO BANCO CENTRAL
6 MOEDAS
9 ZEROS RETIRADOS DA MOEDA
DIVISÃO DA MOEDA POR 2.750
2 CALOTES EXTERNOS
1 CALOTE INTERNO
CRISE
BANCÁRIA
JUL 1994
PLANO
REAL
CRISE
ÁSIA
JAN 1999
COLAPSO
CAMBIAL
2001
2002/2003
APAGÃO CRISE CRISE
ARGENTINA LULA
2005
MENSALÃO
2008
DEZ 2009
CRISE
FINANCEIRA
GLOBAL
83
anos 80: cultura e sociedade
Dias de rock
e adrenalina
É bem verdade que toda época deixa suas
marcas, afinal de contas, quem chega aos 40/50
anos, em qualquer tempo, costuma relembrar
dos seus 20 com algum saudosismo. Em relação
à década de 1980 no Brasil, entretanto, há quase
que uma unanimidade: o fenômeno da explosão
do rock brasileiro deixou marcas que perduram
até hoje. Há muitas outras razões para relembrar
(e mesmo adorar) os anos 1980, como muitos
livros sobre a época comprovam, mas, como
afirma o também jornalista Eduardo “Peninha”
Bueno, ele próprio com sua trajetória iniciada no
Rio Grande do Sul na época, “foi com sotaque
anglo-saxão e letras politizadas que o rock se
estabeleceu de vez entre a moçada tupiniquim
e acabou se tornando o fenômeno cultural mais
significativo dos anos 80 no Brasil”.
Na mesma linha de raciocínio de Peninha, o jornalista Ricardo
Alexandre, autor do livro Dias de Luta – o rock e o Brasil dos anos
80, reforça: “Seguramente não houve em toda a história da cultura
pop brasileira período tão instigante e aventureiro, tão cheio de iniciativa, tão repleto de causos. (...) Não é à toa que hordas adolescentes
continuam ouvindo velhos hits da Legião Urbana, namorando nos
shows de Lulu Santos (...) comprando discos do Capital Inicial, Ira!
e Titãs (...) A chamada geração 80 marcou um momento histórico
da música brasileira, o evento mais feliz de nossa indústria cultural
desde sempre.”
Onde tudo começou, é difícil dizer. Pode ter sido justamente em
1980, no primeiro show do Aborto Elétrico, banda brasilense liderada
por Renato Russo, que daria origem, depois, à Legião Urbana, do próprio
84
RENATO RUSSO, DO ABORTO
ELÉTRICO E DA LEGIÃO
URBANA, CRIOU A EXPRESSÃO
“GERAÇÃO COCA-COLA”
85
anos 80: cultura e sociedade
BANDAS DE ROCK
PARTICIPAVAM
DE PROGRAMAS
NA TV JUNTO
COM CANTORES
POPULARES, COMO
AMADO BATISTA
E GRETCHEN
Renato, e ao Capital Inicial, de Dinho Ouro Preto e dos irmãos Fê e
Flavio Lemos. Pode ter sido também com o estrondoso sucesso da Blitz,
de Evandro Mesquita, que contava com Fernanda Abreu nos vocais, e
o hit “Você não soube me amar”, do disco Aventuras da Blitz. Sim. A
palavra é mesmo disco, ou LP (sigla em inglês para long play), porque a
indústria de CDs (compact discs) ainda engatinhava. Em novembro de
1984, a Polygram lança o primeiro suplemento de artistas brasileiros em
CD, e só em 1987 a Microservice inauguraria a primeira fábrica brasileira
de CD’s, momento em que se prenunciou a morte (não confirmada) do
long play de acetato, que, a propósito, ganharia novo fôlego nos anos
2000, com os discos de vinil tornando-se objeto cult (no Brasil e no
mundo inteiro).
Além das bandas já citadas, nasceram também nos anos 80 Barão
Vermelho e seu lendário líder, Cazuza, mais Paralamas do Sucesso,
Ultraje a Rigor, RPM, Engenheiros do Hawaii, Kid Abelha, Camisa
de Vênus, Biquini Cavadão, entre muitos outros. O jornalista Arthur
Dapieve arriscou outra síntese do momento, no livro B Rock – o rock
brasileiro dos anos 80. No livro, o vocalista e guitarrista do Ultraje a
Rigor, Roger Moreira, dá sua versão para o surgimento do “BRock”:
“Imagino que seja por uma coincidência de fatores, como a filosofia do
DIY – do it yourself (faça você mesmo) – dos punks, aliada a uma falta
de identificação dos jovens com a música que se fazia na época”. A
efervescência criativa daquela geração foi identificada como um novo
mercado para a indústria fonográfica. “Houve o interesse das gravadoras
por grupos que já tinham público e eram baratos de se gravar, ao contrário dos medalhões da MPB, que gastavam muito mais para gravar e
já não davam tanto retorno”, comenta Roger.
Kid Vinil, cantor, radialista, compositor e jornalista, cita este interesse como fator importante: “As gravadoras sentiram que poderiam
vender discos com aquela nova geração e passaram a investir nos grupos. Tudo soprava a favor daquele novo rock. Todo mundo fez sucesso,
tocou no rádio, apareceu na TV e fez muitos shows”. Sobre a presença
na TV, Vinil acrescenta: “É interessante que a gente se apresentava em
programas como Chacrinha, Bolinha e Barros de Alencar junto com
artistas populares, como Gretchen e Amado Batista, por exemplo. Mas
a turma do Pop Rock 80 era mais unida. Éramos amigos do Kid Abelha,
do Barão, dos Paralamas. Todos eram unidos e muito amigos, e ao mesmo
tempo respeitávamos aquela cena ‘brega’ desses programas. Tudo era
uma verdadeira festa”, relembra Kid Vinil.
PARA ALÉM DO ROCK
A propósito, cabe acrescentar que a música sertaneja firmou-se
mais ainda nos anos 80 devido ao grande afluxo populacional do campo
para as cidades, aumentando assim o público consumidor desse tipo de
música. Sucesso no interior do país desde os anos 1920/30, o sertanejo
deve muito ao trabalho do folclorista Cornélio Pires, reunindo as prin86
ACIMA, O BARÃO VERMELHO DE CAZUZA. NA PÁGINA AO LADO, O LIVRO DO JORNALISTA RICARDO ALEXANDRE SOBRE O ROCK DOS ANOS 80
A IRREVERÊNCIA DA BLITZ DE FERNANA ABREU E EVANDRO MESQUITA DIVIDIA ATENÇÕES COM O CAPITAL INICIAL
87
anos 80: cultura e sociedade
ENGENHEIROS DO HAWAII (ACIMA, À ESQ.) E LOBÃO BRILHARAM NO POP ROCK. CHITÃOZINHO E CHORORÓ (ABAIXO) LIDERARAM “NOVO” SERTANEJO
cipais duplas do interior do estado de São Paulo, financiando gravações
e aparições no rádio; as mais famosas foram Tonico e Tinoco, Alvarenga
e Ranchinho, Cascatinha e Inhana. A partir dos anos 1980, a música
sertaneja foi fortemente influenciada pela música country norte-americana, com os artistas se apresentando com roupas típicas dos caubóis
e privilegiando temas eminentemente românticos. As principais duplas
dessa “nova” música sertaneja foram Chitãozinho e Xororó, Leandro e
Leonardo, Zezé Di Camargo e Luciano, entre outras.
Também cabe registrar que no Rio Grande do Sul floresceram nos
anos 1980 o chamado nativismo e a MPG (música popular gaúcha),
que incluía não apenas intérpretes e compositores, como Nei Lisboa,
Nelson Coelho de Castro e Bebeto Alves, mas também dezenas bandas
de rock. Enquanto Kleiton & Kledir, por exemplo, radicaram-se no Rio
de Janeiro e emplacaram mais de 100 mil cópias de seu terceiro disco,
quase simultaneamente ocorre a gravação do primeiro LP instrumental
de Renato Borghetti e sua gaita-ponto, que chegou ao mercado com 20
mil cópias e logo alcançou também o disco de ouro, com mais de 100
mil unidades vendidas.
Os Engenheiros do Havaii, a propósito, estouraram no mercado
nacional com o disco Longe demais das capitais. Na época, Adriana Calcanhoto dava seus primeiros passos, ganhando terreno e admiradores,
com o show “Eu sei que estou errada”. Outro nome no cenário nacional
era o do controverso e polêmico Lobão, que no show de lançamento
do disco Vida Bandida reuniu 18 mil pessoas no Gigantinho, em Porto
Alegre, com outras 3 mil ficando do lado de fora.
88
A LEGIÃO URBANA DE RENATO RUSSO, DADO VILLA-LOBOS E MARCELO BONFÁ FOI A MAIS EMBLEMÁTICA BANDA DO PERÍODO
Ainda em paralelo à explosão do rock brazuca, foi graças à grande
influência da fabulosa cantora Beth Carvalho que o pagode, praticado
há décadas no país, passou a ser conhecido nacionalmente. Originário
das festas e comemorações populares feitas nos quintais dos subúrbios
do Rio de Janeiro, o pagode tinha a marca das canções geralmente
muito singelas. Dentre os vários grupos, o mais famoso na época foi o
Fundo de quintal, com inúmeras gravações e muito sucesso até hoje.
É bem verdade que com a grande explosão da mídia nos anos 80,
principalmente TV e rádio, quando praticamente todas as residências
possuíam pelo menos um receptor destes eletrodomésticos, a divulgação
das novas músicas tornou-se muito mais rápida e eficaz, tendo como
consequência grande disseminação de produções de má qualidade.
Muitas vezes objetivos comerciais sobrepujaram os artísticos. Assim,
passou a ser muito fácil tornar “qualquer” música, por pior qualidade
artística que tivesse, um grande sucesso de público. Conjuntos de
duvidosa competência, com dois ou três cantores e duas bailarinas
seminuas dançando eroticamente, passaram a fazer sucesso junto ao
grande público, devido à grande divulgação pela mídia.
BETH CARVALHO
AMPLIOU A VISIBILIDADE
DO PAGODE. FUNDO
DE QUINTAL FOI O MAIS
CONHECIDO GRUPO DO
GÊNERO MUSICAL
CENÁRIO EFERVESCENTE
Os anos 80 marcaram também o nascimento da chamada Literatura
Pop, auxiliada, no Brasil, pela euforia do consumo cultural. Este estilo ou
corrente apresentava-se por meio de uma atmosfera de crítica, mesmo
que disfarçada, representando singularmente o corpo e o erotismo,
89
anos 80: cultura e sociedade
ANOS 1980
MARCARAM
INÍCIO DA
PROFISSIONALIZAÇÃO
DO MERCADO DE
ARTE NO BRASIL
90
fundindo linguagens utilizadas por outras correntes. Quase sempre a
Literatura Pop, que teve em Caio Fernando Abreu e Marcelo Rubens
Paiva seus maiores expoentes, alicerçou-se em seu ímpeto contestador,
assumindo posições sobre sexualidade e amor, interligadas às mudanças
ocorridas no mundo naquelas décadas. E na época em que o mercado
editorial nacional vibrava com a consolidação da toda poderosa Companhia das Letras, que recém havia lançado os primeiros dois volumes
da coleção “História da Vida Privada”, Luis Fernando Verissimo conquistava o Brasil com o surpreendente sucesso de O Analista de Bagé,
enquanto Lya Luft ganhava espaço com Reunião de família, seu terceiro
livro de ficção, depois de As parceiras e A asa esquerda do anjo.
Do início dos anos 1980, a peça Trate-me Leão, do grupo teatral
Asdrúbal Trouxe o Trombone (do qual fez parte Evandro Mesquita, da
Blitz), foi muito importante não apenas para o Rio, mas teve um reflexo
em todo o Brasil. Foi um divisor de águas. Saía de cena o retrato do
operário, do migrante nordestino, e ganhava lugar o jovem urbano de
classe média do país, que até então não tinha retrato em lugar nenhum.
A temática da peça, ligada ao já citado lema do it yourself, dos punks,
é um retrato do espírito da época.
Nas artes plásticas, a exposição “Como vai você, Geração 80?”,
reunindo 123 artistas, realizada em 1984 no Parque do Lage, no Rio de
Janeiro, também estabeleceu novos horizontes, aglutinando dezenas de
nomes que mais tarde se tornariam internacionalmente reconhecidos.
Depois do rigor conceitual que prevaleceu nos anos 1960 e 70, havia
ali um impulso libertário, que se manifestava em novos caminhos da
pintura e no diálogo livre com diferentes linguagens do passado e do
cenário internacional. Cristalizava-se, por outro lado, a transição para
um novo sistema da arte no Brasil, mais profissionalizado e vinculado
às forças do mercado. Sinal dos tempos: com a redemocratização, o
mesmo movimento de euforia que libertava a arte brasileira do papel
de crítica social e política, exercida durante a ditadura militar, envolvia
os artistas numa dinâmica neoliberal globalizada, que até hoje dá as
cartas no mundo da arte.
Organizado pela crítica e curadora Ligia Canongia, o livro Anos
80 – Embates de uma geração faz um balanço ambicioso e abrangente
dessa geração. Reunindo reproduções de obras de artistas como Adriana
Varejão, Beatriz Milhazes, Daniel Senise, Jorge Guinle, Leonilson, Luiz
Zerbini, Nuno Ramos e Vik Muniz e, também, textos de Agnaldo Farias,
Fernando Cocchiarale, Frederico Morais, Ricardo Basbaum e Ronaldo
Brito, a obra apresenta também um longo ensaio crítico da própria Ligia.
Com tanta efervesvência, natural que na época os jornais começassem a dar mais espaço à cultura. Até então, o Estado de São Paulo,
ou Estadão, tinha duas páginas de cultura no primeiro caderno, um
tanto perdidas junto com o esporte. Mas em 1986 o jornal lançou o
Caderno 2. A Ilustrada, da Folha de S. Paulo, mudou de cara nos anos
80, com a entrada de Matinas Suzuki Jr. O Caderno B, do Jornal do
Brasil, e o Segundo Caderno, do Globo, também mudam nesta época.
TRABALHO DE BEATRIZ MILHAZES (ACIMA), JOVEM TALENTO DAS ARTES PLÁSTICAS NOS ANOS 80. NA PÁGINA AO LADO, VERISSIMO NA CAPA DE VEJA
CAIO FERNANDO ABREU, AO LADO DE MARCELO RUBENS PAIVA, DESTACOU-SE NA CHAMADA LITERATURA POP
91
anos 80: cultura e sociedade
ADRIANA CALCANHOTO INICIARIA SUA TRAJETÓRIA NACIONAL NO FINAL DOS ANOS 1980, AO MUDAR-SE PARA O RIO DE JANEIRO
Já o Globo lançou o Rio Fanzine. Foi um momento importante para
os cadernos de cultura, tocados por jornalistas jovens, que retratavam
a jovem cultura em ebulição.
Outra iniciativa interessante, mas pouco lembrada, é a do jornalista
Maurício Kubrusly, com a revista Somtrês, que foi desbravadora e deu origem, posteriormente, à revista Bizz. Na época, surgiu a polêmica em torno
dos críticos-músicos, que tinham bandas ou projetos musicais, como Alex
Antunes e Thomas Pappon, e também atuavam na redação da Bizz. Cabe
lembrar que Paulo Ricardo, do RPM, também escrevia como jornalista,
Lulu Santos igualmente, assim como Júlio Barroso, da icônica Gang 90,
que colaborou com a revista Veja. Da mesma forma, Arnaldo Antunes,
qur adorava escrever, sempre colaborou com diversos jornais.
LULU SANTOS (NO ALTO) ESCREVIA PARA
JORNAIS E REVISTAS. CAZUZA (ACIMA) FOI
UMA DAS VÍTIMAS DO FLAGELO DA AIDS
92
SOCIEDADE
Em meio ao surgimento da informática e popularização dos computadores, a AIDS começava a ganhar terreno (e terminaria por vitimar
Cazuza e Renato Russo, entre tantos outros artistas). Na década em que
Fernanda Torres foi escolhida a melhor atriz no Festival de Cannes por
sua atuação em Eu Sei Que Vou Te Amar, de Arnaldo Jabor, a Copa
do Mundo de 1982 resultou em enorme frustração, com a seleção de
ILHA DAS FLORES, DE JORGE FURTADO, ESTABELECEU UMA NOVA LINGUAGEM NA CINEMATOGRAFIA BRASILEIRA A PARTIR DE 1989
Falcão, Júnior, Zico e cia, considerada do nível da seleção tricampeã de
1970, sendo tragicamente derrotada pela Itália de Paolo Rossi.
Se em 1984 os gaúchos (e logo depois o Brasil) comemoraram a
reabertura do Theatro São Pedro, resultado do trabalho incansável de
Eva Sopher, que conseguiu devolver à cidade um de seus mais queridos ícones culturais, o estilo de vida yuppie ampliava sua influência,
sobretudo na vestimenta e tendo como principal referência o filme
Nove Semanas e Meia de Amor, com Mickey Rourke e Kim Bassinger,
que deu o tom para os novos executivos e empresários que buscavam
esteticamente uma maneira mais livre de agir no mundo dos negócios.
Enquanto isso, Vera Fisher, uma loira brasileira não menos bonita do
que Bassinger, fazia sucesso na novela das 8 no papel de Jocasta. Mas
a pergunta que durante muito tempo ficou no ar foi “quem matou
Odete Roitmann?”, personagem de Beatriz Segal na novela Vale Tudo,
estrelada pela então jovem revelação, Glória Pires.
E se 1989 terminaria com a eleição de Fernando Collor para a Presidência da República (prenúncio de um 1990 de muitas dificuldades para
a cultura brasileira em geral), Adriana Calcanhoto explodiria de vez,
radicando-se no Rio de Janeiro, onde começaria a gravar seu primeiro
LP. No cinema, o melhor filme brasileiro do ano foi um curta-metragem,
Ilha das Flores, de Jorge Furtado, com uma linguagem narrativa peculiar.
A ENCANTADORA
SELEÇÃO DE 1982
NÃO LEVOU O TÍTULO,
E NINGUÉM SABIA
QUEM HAVIA MATADO
ODETE ROITMANN
93
anos
90
E o monstro foi dominado
Foram cinco anos para lá de intensos. Entre 1989 e 1994, a população brasileira empolgou-se com
a volta das eleições diretas para a Presidência da República, ficou estarrecida ao ver confiscado
seu dinheiro depositado nos bancos (inclusive a poupança), foi às ruas pedir o impeachment do
presidente que ela mesma elegeu, acompanhou o nascimento de uma moeda virtual e, por fim,
vibrou com a estabilidade e a perspectiva do fim da inflação com o bem-sucedido Plano Real.
Senna morreu, a era Dunga levantou a taça na Copa dos Estados Unidos, Tom Jobim se foi; a
Embrafilme foi extinta, mas vieram a Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual. O modelo liberal cresceu,
não sem ser questionado, enquanto periferias e favelas brasileiras se apropriaram da cultura e da
arte para subverter o estereótipo da violência. Um novo Brasil chegava às portas do século XXI.
94
95
anos 90: do confisco à estabilidade
Ao fim dos anos 1980, com o insucesso de
diferentes planos de estabilização, o país estava
mergulhado na estagnação econômica e beirava
a hiperinflação. Nesse contexto, os ideais liberais em curso no mundo encontraram espaço
para se desenvolver no país e inaugurar, com
o governo Collor, a “era liberal” no Brasil. O
intervencionismo estatal, a exemplo do que já
ocorria nos países centrais e em algumas economias latinas, era constantemente “satanizado” e
cedia lugar, de forma acelerada, a propostas de
desregulamentação total da economia, abertura
comercial completa, Estado mínimo, privatizações etc. Contraditoriamente, a primeira medida
anunciada pelo governo eleito em 1989 e que
assumiria em 15 de março de 1990 seria uma
intervenção das mais radicais em todos os tempos
na economia brasileira: o confisco anunciado um
dia após a posse de Fernando Collor de Mello na
Presidência da República, em 16 de março.
A discussão acerca da reformulação da participação do Estado
remetia às questões referentes ao próprio papel deste no desenvolvimento nacional, papel este que deveria ser deixado em segundo plano,
em prol de uma postura que deveria limitar-se apenas à de regulador.
À medida que essa discussão avançava no fim dos anos 1980, com
uma redefinição dos limites de espaço público e privado em favor deste
último, uma malha de transformações passaria a refletir o receituário
“neoliberal” posto em prática. Políticas de caráter ortodoxo com o objetivo de controlar a inflação e o déficit público eram acompanhadas por
uma drástica mudança na estratégia de desenvolvimento econômico: as
empresas estatais passaram a ser vendidas, barreiras tarifárias abolidas
e empresas multinacionais cortejadas, numa tendência que veio a se
acelerar no decorrer da década de 1990.
Iniciado na década anterior, foi apenas a partir do governo Collor, e em
boa parte também no governo de Itamar Franco, que o programa de privatizações tomou corpo. Entre 1990 e 1993 foram vendidas várias empresas,
96
A ELEIÇÃO DE COLLOR FOI UM MARCO NA ERA LIBERAL NO PAÍS
CONTRADIÇÕES: O PRIMEIRO PRESIDENTE ELEITO PELO POVO DEPOIS DA DITADURA CIVIL-MILITAR NÃO COMPLETARIA SEU MANDATO
97
anos 90: do confisco à estabilidade
O CAÇADOR DE “MARAJÁS” EM AÇÃO: DISCURSO MORALISTA DO JOVEM DE ALAGOAS CONQUISTOU O PAÍS
principalmente dos setores de siderurgia, petroquímica e fertilizantes, uma
vez que restrições constitucionais impediam, até então, a privatização dos
setores correspondentes aos serviços de monopólio natural do Estado, tais
como o petrolífero, de telecomunicações, de energia elétrica etc.
Outro fator de grande importância no Brasil foi a criação das moedas de privatização, qual seja, um amplo leque de papéis da dívida
interna aceitos como pagamento, ao passo que países vizinhos, como
Argentina e Chile, aceitavam preponderantemente moeda e títulos da
dívida externa como meios de pagamento.
A NAÇÃO ESTARRECIDA
Corria o ano de 1989, e após quase 30 anos sem eleições diretas
para Presidência da República, os brasileiros finalmente poderiam
votar e escolher entre os 22 candidatos que faziam oposição ao então
presidente José Sarney. A campanha eleitoral foi agitadíssima, com
trocas de acusações e muitas promessas. Ao longo de todo o período,
o alagoano Fernando Collor de Mello foi conquistando a simpatia da
população, que o elegeria com mais de 42% dos votos válidos. Seu
discurso era de modernização e sua própria imagem validou a ideia
98
CARAS-PINTADAS: JUVENTUDE ACABARIA INDO ÀS RUAS PARA PEDIR A SAÍDA DO LÍDER DA REPÚBLICA DAS ALAGOAS
de renovação: Collor era jovem, bonito e prometia acabar com os
chamados “marajás”, funcionários públicos com altos salários que só
oneravam a administração pública.
Na prática, a situação seria muito diferente, e Collor entraria para
a história do país por diferentes razões, uma delas a de ter sido o primeiro (e até agora único) presidente da República afastado do cargo
após um processo de impeachment. O fim da reserva de mercado na
informática e a abertura do país para as importações (ele chegou a
dizer que os carros brasileiros eram carroças) seriam marcas de sua
gestão, assim como sua primeira medida: o confisco do dinheiro dos
brasileiros. É curioso registrar que, ainda durante a campanha eleitoral,
mais exatamente às vésperas das eleições em segundo turno, Collor,
além de acusar Lula de ter pensado em aborto para evitar o nascimento
de sua filha, Lurian, afirmou que o candidato do PT pretendia fazer
o confisco da poupança. Lula abalou-se com as afirmações feitas ao
vivo, no último debate na Rede Globo, e como não foi convincente em
sua defesa, Collor terminou sendo eleito. Duas décadas depois, Collor
admitiu ao jornal O Globo: “Eu pensei: antes que me perguntem, vou
afirmar que eles estão preparando isso. Antes que o constrangimento
caia sobre mim, eu gero o constrangimento para o outro lado.”
NA CAMPANHA, COLLOR
AFIRMOU QUE LULA
FARIA O CONFISCO DA
POUPANÇA. MESES
DEPOIS, ANUNCIOU A
RADICAL MEDIDA
99
anos 90: do confisco à estabilidade
JORNALISTA MIRIAM LEITÃO
NARRA EM SEU LIVRO DE 2011
A TRAJETÓRIA DA ECONOMIA
ATÉ A CHEGADA DO REAL
A VOLTA DO CRUZEIRO
ERA MERO DETALHE. O
CONFISCO DO DINHEIRO
DA POUPANÇA DEIXOU
PAÍS ESTARRECIDO
100
Segundo o acadêmico Carlos Eduardo Carvalho, Professor do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP), o confisco de fato não fazia parte, originalmente, do Plano
Collor. O desenho do plano desenvolveu-se a partir do final de dezembro
de 1989, e provavelmente foi muito influenciado por um documento discutido anteriormente na assessoria do candidato do PMDB à Presidência,
Ulysses Guimarães, e depois na assessoria do candidato do PT, Luiz Inácio
Lula da Silva, entre o primeiro turno e o segundo.
Segundo Carvalho, apesar das diferenças nas estratégias econômicas gerais, as candidaturas que se enfrentavam em meio à forte aceleração da alta dos preços, submetidas aos riscos de hiperinflação aberta
no segundo semestre de 1989, não tinham políticas de estabilização
próprias. A proposta de bloqueio teve origem no debate acadêmico
e de alguma forma se impôs entre os principais candidatos. Quando
ficou claro o esvaziamento da campanha de Ulysses, a proposta foi
levada para a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, onde
teria obtido grande apoio por parte de sua assessoria econômica. E
chegou ao conhecimento da equipe de Zélia Cardoso de Mello depois
do segundo turno, realizado em 17 de dezembro.
O fato é que o ainda ministro da Fazenda de José Sarney, Mailson da
Nóbrega, atendendo a pedido da equipe econômica do governo eleito,
anunciou um feriado bancário de três dias, a partir de 14 de março de 1990,
uma quarta-feira. Na quinta, dia 15, Collor foi empossado, e na sexta-feira,
16 de março, veio o anúncio que caiu como uma bomba entre os brasileiros.
Em seu livro Saga brasileira: a longa luta de um povo por sua moeda, lançado em 2011, a jornalista Miriam Leitão admite: “As palavras
me parecem hoje fracas demais para explicar o estupor diante de um
governo que decretava que você não tinha o domínio do seu próprio
dinheiro.” Miriam se refere à mais polêmica (e trágica, como se veria
em seguida) entre as várias medidas do Plano Brasil Novo, que ficou
mais conhecido como Plano Collor I. Além de anunciar que a moeda
brasileira voltaria a se chamar cruzeiro (mas sem extinguir o cruzado
novo), a superministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, e sua equipe
econômica, integrada por Antonio Kandir, Eduardo Modiano e Ibrahim
Eris, decretaram o confisco de parte do dinheiro das contas-correntes,
de aplicações no overnight e, pasmem, das cadernetas de poupança.
“O dinheiro retido continuaria a se chamar cruzado novo. Nas contas
e nas cadernetas, só 50 mil cruzados novos virariam cruzeiros e poderiam
ser sacados. O resto continuaria sendo cruzado novo, ficaria preso no
banco por 18 meses e depois seria devolvido em 12 prestações. (...) Os
jornais calcularam que todo o dinheiro que estava em conta-corrente,
aplicações e caderneta equivalia a 120 bilhões de dólares. Desse total, 95
bilhões de dólares foram confiscados, o que significava prender quase 30%
do Produto Interno Bruto (PIB), ou 80% de todo o dinheiro que circulava.
Uma calamidade. Os aposentados que tivessem depositado sua pensão na
caderneta poderiam sacar acima de 50 mil, desde que comprovassem que o
valor estava comprometido com certas despesas”, relembra Miriam Leitão.
As medidas do
Plano Collor I
80% de todos os depósitos do overnight, das
contas-correntes ou das cadernetas de poupança
que excedessem a 50 mil cruzados novos foram
congelados por 18 meses, recebendo durante esse
período uma rentabilidade equivalente à taxa de
inflação mais 6% ao ano;
Substituição da moeda corrente, o Cruzado
Novo, pelo Cruzeiro à razão de 1 cruzado novo =
1 cruzeiro;
Criação do IOF, um imposto sobre as operações
financeiras, sobre todos os ativos financeiros, transações com ouro e ações e sobre todas as retiradas
das contas de poupança;
Foram congelados preços e salários, sendo
determinado pelo governo, posteriormente, ajustes
que eram baseados na inflação esperada;
Eliminação de vários tipos de incentivos fiscais: para importações, exportações, agricultura;
incentivos fiscais das regiões Norte e Nordeste, da
indústria de computadores; criação de um imposto
sobre as grandes fortunas;
Indexação imediata dos impostos aplicados
no dia posterior à transação, seguindo a inflação
do período;
Aumento de preços dos serviços públicos,
como gás, energia elétrica, serviços postais etc;
Liberação do câmbio e várias medidas para
promover uma gradual abertura na economia brasileira em relação à concorrência externa;
Extinção de vários institutos governamentais
e anúncio de intenção do governo de demitir cerca
de 360 mil funcionários públicos, para redução de
mais de 300 milhões em gastos administrativos.
101
anos 90: do confisco à estabilidade
EQUIPE DE COLLOR NÃO
SOUBE LIDAR COM A
REMONETIZAÇÃO DA
ECONOMIA, TAMPOUCO
REDUZIU DESPESAS
A jornalista define a medida como “o mais tresloucado plano já
pensado em Brasília, que invadiria a vida do cidadão com a maior violência já vista, rasgaria o maior número de contratos, paralisaria o sistema financeiro, atentaria contra o princípio da propriedade privada.”
O congelamento causou uma forte redução no comércio e na produção industrial. Com a redução da geração de dinheiro de 30% para
9% do PIB, retirou-se 80% da moeda em circulação, e a taxa de inflação
caiu de 81% em março para 9% em junho. A partir de então, o governo
enfrentou duas escolhas: poderia segurar o congelamento e arriscar
uma recessão devido à redução dos ativos, ou remonetizar a economia
através do descongelamento e correr o risco do retorno da inflação.
O fracasso do Plano Collor I no controle da inflação é creditado pelos economistas keynesianos e monetaristas justamente à incapacidade
do governo Collor de controlar a remonetização da economia. Várias
exceções foram admitidas ao longo do tempo, que contribuíram para
o aumento do fluxo de dinheiro: os impostos e as contas do governo
emitidos antes do congelamento poderiam ser pagos com o “velho” cruzado, criando uma forma de “brecha de liquidez”, plenamente explorada
pelo setor privado. Várias exceções aos setores individuais da economia
foram abertas pelo governo, como nas poupanças de aposentados, e o
“financiamento especial” na folha de pagamento do governo.
Por fim, o governo foi incapaz de reduzir despesas, limitando sua
capacidade de usar muitas das ferramentas acima mencionadas. Os motivos vão desde o aumento do compartilhamento da receita de impostos
federais com os estados até a cláusula de “estabilidade de emprego” para
os funcionários públicos, instituída na Constituição Brasileira de 1988,
que preveniu o tamanho da redução tal como anunciada no começo do
plano. Bresser Pereira e Mário Henrique Simonsen, ambos os ex-ministros
das Finanças, tinham previsto, no início do plano, que a situação fiscal do
governo tornaria impossível o plano de trabalho.
MAIS DOIS PLANOS
O segundo Plano Collor iniciou-se em janeiro de 1991. Incluiu novos
congelamentos de preços e ferramentas fiscais que incluíam no seu cálculo
as taxas de produção antecipada de papéis privados e federais. O plano
conseguiu produzir apenas um curto prazo de queda na inflação, que voltou a subir novamente em maio. No dia 10 daquele mês, Zélia Cardoso
de Mello foi substituída no Ministério da Fazenda por Marcílio Marques
Moreira, um economista formado pela Georgetown University que era
embaixador do Brasil nos Estados Unidos na época de sua nomeação.
O novo ministro lançou em seguida um plano com seu nome, que
pode ser considerado mais gradual do que seus antecessores, utilizando
uma combinação de altas taxas de juros e política fiscal restritiva.
Ao mesmo tempo, os preços foram liberados, e um empréstimo de
2 bilhões de dólares do Fundo Monetário Internacional garantiru as
reservas internas.
102
APOSENTADOS FORAM AS MAIORES VÍTIMAS DO PLANO COLLOR I
103
anos 90: do confisco à estabilidade
DE 1989 A 2002, COLLOR PASSOU DE DE PRESIDENTE ELEITO DEMOCRATICAMENTE A RÉU EM PROCESSO DE IMPEACHMENT
ITAMAR FRANCO ERA UM VICE QUASE DECORATIVO, E ACABARIA SENDO UM DOS PAIS DA ESTABILIDADE ECONÔMICA
104
As taxas de inflação durante o Plano Marcílio permaneceram nos
níveis da hiperinflação. A esta altura, começaram a surgir várias denúncias de corrupção na administração Collor, envolvendo ministros,
amigos pessoais e até mesmo a primeira-dama, Rosane Collor. Paulo
César Farias, ex-tesoureiro da campanha e amigo do presidente, foi
acusado de tráfico de influência, lavagem e desvio de dinheiro.
Em entrevista à revista Veja, Pedro Collor, irmão do presidente, revelou os esquemas da chamada República das Alagoas, que
obviamente envolviam também Fernando Collor. A notícia causou
estupefação. A população, já insatisfeita com a crise econômica e
social, revoltou-se contra o governo. Instalada uma CPI (Comissão
Parlamentar de Inquérito), a fim de investigar a participação de Collor
no esquema chefiado por PC Farias, o presidente se viu desesperado
para salvar seu mandato. Convocou uma rede nacional de rádio e
televisão e pediu para que os brasileiros fossem às ruas, vestidos de
verde e amarelo, em gesto de apoio ao presidente. O povo, de fato,
foi às ruas, mas vestindo preto e exigindo o impeachment de Collor.
O contraponto ao tom escuro das vestimentas se deu nas listras
em tons de verde e amarelo estampadas nos rostos dos estudantes,
que aos milhões foram às ruas pedir o impedimento de Collor, dando
origem a uma das mais emblemáticas manifestações populares no
Brasil, denominada “movimento dos caras-pintadas”.
No dia 29 de setembro de 1992 a Câmara dos Deputados se reuniu para
votar a instalação ou não do processo de impeachment do presidente, ou
seja, sua possível destituição do cargo. Foram 441 votos a favor e somente
38 contra. Acuado, Collor renunciou. Era o fim do “caçador de marajás”.
Em seu lugar, assumiu o vice-presidente, Itamar Franco. Em dezembro
daquele ano, o Senado Federal cassou os direitos políticos de Collor por
oito anos. Um ano depois, o Supremo Tribunal Federal absolveu Collor da
acusação de corrupção passiva. Collor concorreria ao governo de Alagoas
com Ronaldo Lessa (PDT), em 2002, mas seria derrotado. Em 2006, foi
eleito para o Senado, com mandato até o final de 2015.
Marcílio Marques Moreira entregou o Ministério da Fazenda ao
seu sucessor, Gustavo Krause, em 2 de outubro de 1992, portanto,
alguns dias após a saída de Collor do Palácio do Planalto. Entre o fim
do Plano Marcílio e o começo do próximo plano, o Plano Real, a inflação continuaria a crescer, atingindo quase 48% em junho de 1994.
EM DEZEMBRO, COLLOR
TEVE SEUS DIREITOS
POLÍTICOS CASSADOS
POR OITO ANOS, MAS
VOLTARIA A SER ELEITO
SENADOR, EM 2006
A INFLAÇÃO DOMADA
O governo de Itamar Franco notatilizou-se por dois importantes acontecimentos, um na área política, outro na área econômica. Em relação à
área política, coube a Itamar cumprir o dispositivo constitucional que previa
a realização de um duplo plebiscito, tratando primeiramente do regime a
ser instituído no Brasil, ou seja, a manutenção do regime republicano ou
a restauração da monarquia em território nacional; o segundo ponto do
plebiscito versava sobre a forma com que este governo deveria se organizar,
se sob forma presidencialista ou parlamentarista. Tal consulta ocorreu em
105
anos 90: do confisco à estabilidade
TRANSIÇÃO: URV FOI UTILIZADA PARA CRIAR A CULTURA DE QUE OS PREÇOS SE MANTINHAM ESTÁVEIS
abril de 1993, confirmando o sistema que vinha sendo adotado, e que
ainda o é, de república presidencialista.
Destaca-se ainda na área política a realização da chamada “CPI do
orçamento”, que, como indica o nome, procurou investigar denúncias
de corrupção relacionadas a irregularidades no orçamento da União.
As investigações revelaram o esquema dos chamados “anões do orçamento”, assim chamados devido às baixas estaturas dos envolvidos no
esquema de corrupção, todos parlamentares, ministros e ex-ministros,
além de governadores estaduais.
Cabe acrescentar que Itamar também ficou conhecido pelo estilo um
tanto folclórico, com seu inimitável topete, sua constante rabugice, ou
ainda pelos episódios com a modelo Lilian Ramos, que apareceu ao lado
deste e foi fotografada sem calcinha.
Apesar da relevância dos fatos políticos citados, o governo Itamar
entraria efetivamente para a história em razão da bem-sucedida alternativa encontrada para domar a inflação, ou melhor, a hiperinflação
que assolava o país. Em 2014, foram comemorados os 20 anos do Plano
Real, cuja data oficial é 1º de julho de 1994. O plano, entretanto,
começou a ser arquitetado em 1993, especialmente a partir do segun106
EDMAR BACHA INTEGROU EQUIPE QUE REUNIA PERSIO ARIDA, ANDRÉ LARA RESENDE, GUSTAVO FRANCO E PEDRO MALAN
do semestre, pela equipe econômica criada por Fernando Henrique
Cardoso, então ministro da Fazenda do governo Itamar. Faziam parte
do grupo Edmar Bacha, Persio Arida, André Lara Resende, Gustavo
Franco e Pedro Malan.
O plano foi dividido em três etapas. A primeira delas seria o ajuste
das contas públicas, através de um corte no Orçamento. A segunda seria a implantação da Unidade Real de Valor (URV), unidade monetária
para desindexar a economia. Por fim, a URV seria transformada em
real, a nova moeda brasileira. O Congresso, após intensa negociação,
aprovou o plano e as fases seguiram como planejado.
Há um certo consenso entre os analistas de que a chave do sucesso do Plano Real foi a URV, que entrou em vigor em 1º de março
de 1994. A moeda virtual conseguiu desindexar a economia e ser
uma eficiente alternativa ao congelamento de preços. Na prática,
funcionou assim: todos os preços foram remarcados com valores em
URV, que era atrelada ao dólar. A moeda que efetivamente circulava
era o cruzeiro real, e todos os dias era divulgado o valor equivalente
da URV em cruzeiros reais. Ou seja, quando se entrava no supermercado para comprar frango (produto que virou uma espécie de
CRIAÇÃO DA MOEDA
VIRTUAL FOI A CHAVE PARA
DESINDEXAR A ECONOMIA
SEM CONGELAR PREÇOS
107
anos 90: do confisco à estabilidade
DOS ELETRODOMÉSTICOS AO COCO: CULTURA DE PREÇOS EM URV FOI RAPIDAMENTE ASSIMILADA
IMPRENSA TEVE PAPEL
FUNDAMENTAL PARA
AJUDAR A POPULAÇÃO A
ENTENDER QUE HAVIAM
DUAS MOEDAS, UMA DE
FATO E OUTRA VIRTUAL
108
garoto-propaganda ou símbolo do plano), na prateleira estava marcado o preço “1 URV”. No caixa, o valor era convertido na moeda
“de verdade” para realizar o pagamento. Pouco a pouco, a inflação
inercial arrefeceu e a economia se acostumou aos preços estáveis. A
população, já calejada após tantos planos e com a ajuda do governo
e de jornalistas, conseguiu entender a economia da URV e contribuir
para o sucesso nessa fase do plano.
Mas não foi fácil. O trabalho da imprensa foi decisivo para que a
população entendesse efetivamente o que estava acontecendo. Mais
uma vez é Miriam Leitão quem descreve o trabalho dos jornalistas
naquele momento crucial: “Tinha que explicar que o país teria duas
moedas, só que uma das moedas seria virtual. Uma é a moeda circulante, na mão das pessoas, o cruzeiro real. A outra é a Unidade Real
de Valor. Aí as pessoas tinham que raciocinar com uma moeda que
não existe no mundo das coisas e aceitar recontratar os seus preços,
salários, aluguel, prestação da casa própria, mensalidade da escola num
negócio chamado URV, que não circulava, que não tinha papelzinho
escrito URV. Era abstrato. E a cada dia uma URV valia mais cruzeiros
reais. As pessoas tinham que acompanhar e aderir a esse novo mundo
que não tinha nenhuma garantia de dar certo.”
PROGRAMA MILLE ON-LINE ESPERAVA VENDER 40 MIL UNIDADES - FORAM QUASE 200 MIL
O Plano Real e a Fiat
O texto abaixo foi publicado em um especial da revista Época sobre os 20 anos do Plano Real
“A URV foi um alívio para a indústria.
On-Line. Nele, o comprador fazia o pedido
Todo mundo respirou aliviado e o mercado
na concessionária por meio de um sistema
percebeu imediatamente que aquela ati-
de linhas telefônicas e a fábrica respondia
tude ajudaria no consumo da população”,
quando poderia entregar o carro. O cliente
afirmou o presidente da Fiat para a América
dava um sinal e, se a fábrica não cumprisse
Latina, Cledorvino Belini. O presidente da
o prazo, ela pagaria uma multa ao cliente.
montadora era diretor comercial da Fiat no
O impacto foi tão grande que, em uma
início do Plano Real. Nesta época, houve
semana, a empresa teve que instalar mais 200
um boom no mercado graças à estabilidade
linhas telefônicas para poder abastecer todas
econômica. Belini foi um dos idealizadores
as concessionárias. A montadora esperava
do projeto Mille On-Line, uma espécie de
vender 40 mil veículos com o programa –
sistema telefônico de pedidos para compra
vendeu quase 200 mil. “A inflação corroía o
de carros. Como a procura por veículos
poder aquisitivo das pessoas. Quando veio a
populares ficou muito grande, as conces-
estabilidade, o consumo explodiu. Na época,
sionárias começaram a cobrar ágio, um
o mercado vendia 800 mil unidades por
valor a mais cobrado pelos comerciantes
ano. Chegou em 1997 a quase 2 milhões de
quando a demanda supera muito a ofer-
veículos. Nós crescemos significativamente
ta. Quem tinha mais dinheiro, passava à
nessa época e lançamos novos produtos. O
frente de quem queria pagar o preço da
país passou a ter credibilidade internacional
tabela. A Fiat, então, resolveu criar o Mille
que até então não tinha”, afirma Belini.
109
anos 90: do confisco à estabilidade
POLÍTICA ECONÔMICA
COMO UM TODO FOI
ALVO DE CRÍTICAS, MAS
IMPACTO DO REAL FOI
MARCANTE
110
Todo o programa tinha como base as políticas cambial e monetária.
A política monetária foi utilizada como instrumento de controle dos
meios de pagamentos (saldo da balança comercial, de capital e de
serviços), enquanto a política cambial regulou as relações comerciais
do país com os demais países do mundo.
Foi estabelecida a paridade nos valores de reais e dólares, defendida através da política de intervenção, na qual o governo promoveu
a venda de dólares e o aumento das taxas de juros nos momentos de
pressão econômica. O capital especulativo internacional foi atraído
pelas altas taxas de juros, o que aumentou as reservas cambiais, mas
causou certa dependência da política cambial a esses investimentos
não confiáveis em caso de oscilações econômicas.
Um ponto negativo do Plano Real foi a promoção de uma enorme
substituição de produtos nacionais por produtos importados durante
a fase de estabilização, o que gerou o agravamento da situação fiscal
brasileira.
Um mês após o lançamento do plano, FHC se desincompatibilizou
do cargo para se candidatar à Presidência da República pelo PSDB (seria
vitorioso, derrotando Luiz Inácio Lula da Silva, e posteriormente reeleito
para um segundo mandato). Rubens Ricupero assumiu o Ministério da
Fazenda e em tese deveria ser o responsável por toda a condução do
plano. Entretanto, durante a gravação de uma entrevista ao jornalista
Carlos Monforte, da Rede Globo, sem saber que o sinal estava aberto
para algumas residências que possuíam antena parabólica, deixou escapar uma frase que selaria sua saída do governo, no mês de setembro: “O
que é bom a gente fatura. O que é ruim, esconde.” Além disso, Ricupero
afirmou na ocasião que era o principal “cabo eleitoral” de FHC.
O Plano Real, bem como as demais políticas econômicas implementadas nos anos seguintes pelos dois governos de Fernando Henrique
Cardoso, são suscetíveis de muitas críticas e questionamentos, as quais
não serão tema desta coleção de livros, que se encerra no ano de 1994,
com a chegada da tão sonhada estabilidade econômica. A questão da
privatização de empresas estatais, por exemplo, é um tema que poderia
ser debatido: de um lado, houve a crítica de que os valores obtidos com
os leilões não cobriam os investimentos realizados durante vários anos
com dinheiro público; de outro, a justificativa de que o monopólio estatal
sobre determinados serviços não conseguia atender toda a sociedade,
mantendo empresas sem capacidade de investimento, e que, portanto,
não obedeciam duas regras básicas da economia de mercado: competição
e universalização de serviços.
Para se ter uma ideia do impacto que o controle da inflação significava, cabe lembrar que, em 1993, a inflação foi de 2.477,15% ao
ano (IPCA). Só no mês de junho de 1994, antes de o real entrar em
circulação, a inflação foi de 47,43%. Estes números significam que
um carro popular que custasse R$ 35 mil em um dia sairia por quase
R$ 500 a mais se comprado no dia seguinte. Um ano depois, seu valor
seria equivalente a R$ 3,74 milhões.
CRIADORES E CRIATURAS: FERNANDO HENRIQUE MOSTRA NOVAS MOEDAS DE REAL. AO FUNDO, PEDRO MALAN
IMPACTO POLÍTICO: FHC SERIA ELEITO PRESIDENTE, E EM SEGUIDA REELEITO, GRAÇAS AO SUCESSO DO REAL
111
anos 90: do confisco à estabilidade
RUBENS RICUPERO ASSUMIU MINISTÉRIO DA FAZENDA, MAS TEVE TRAJETÓRIA CURTA
Para Miriam Leitão, a discussão sobre a quem atribuir a paternidade
do Plano Real, se ao então presidente, Itamar Franco, ou ao seu ministro
da Fazenda é irrelevante: “O Plano Real faz parte de uma história, não foi
apenas um momento. (...) o Fernando Henrique como ministro era o único
que poderia ter levado aqueles economistas para lá. Aqueles economistas
eram os únicos que tinham estudado tecnologias atualizadas de combate
à inflação. (...) E o presidente podia dizer sim ou não, mas ele disse sim.
(...) a paternidade é dupla. Eles tiveram um papel fundamental.”
Por sua vez, Gustavo Franco, que participou da elaboração do
Plano Real, foi secretário adjunto de política econômica do Ministério
da Fazenda e presidente do Banco Central de 1997 a 1999, relembra
que, apesar do impacto imediato, os resultados foram construídos
pouco a pouco: “A inflação no primeiro mês da nova moeda foi de
7%, um número enorme para os padrões de agora, mas naquele tempo era uma grande vitória. Nos primeiros 12 meses, acumulou mais
de 30%. Quando o real foi para a rua, o plano entrou em outra fase
mais convencional, de combate à inflação, na qual foi fundamental
a política monetária e cambial. A gente só conseguiu fazer a inflação
cair abaixo de 5% no acumulado de 12 meses quase no final de 1997.
Em 1998, que foi nosso melhor ano em matéria de taxa de inflação,
tivemos um IPCA de 1,6% ao ano. Talvez só aí que a gente conseguiu
dizer que deu certo, chegamos na inflação ‘zero’, entendida como inflação igual à americana. Com isso, você muda a cabeça das pessoas.
A desindexação ocorre como consequência de você mostrar que o
Brasil não precisa ter inflação para sua economia andar.”
SUCESSO DO REAL FOI RESULTADO DE TRABALHO EM
EQUIPE. INFLAÇÃO “ZERO” SÓ VEIO EM 1998
112
TROCA DE CRUZEIROS POR REAL: UM PROCESSO LONGO, MAS VITORIOSO
CÁLCULOS E MAIS CÁLCULOS: CONVERSÃO DA URV EXIGIU PACIÊNCIA DE VENDEDORES E CONSUMIDORES DURANTE MESES
113
anos 90: cultura e sociedade
Diversidade em
meio a crises
Mamonas Assassinas, os mineiros Jota Quest
e Skank e, ainda, Titãs e Raimundos podem ser
considerados os nomes de maior repercussão na
música popular brasileira nos anos 1990, sem
esquecer que as duplas sertanejas explodiram de
vez, a partir do sucesso iniciado ainda nos anos
1980. Também o hip-hop e o rap abriram espaço, assim como o axé, este mais para o final da
década, com destaque para o grupo É o Tchan.
Já a banda Cidade Negra leva a fama de ter inaugurado o reggae em verde-amarelo, dividindo
atenções com o mangue-beat de Chico Science
e a suavidade do Pato Fu, de Fernanda Takai.
Papel fundamental no período foi exercido pela
MTV Brasil, que nasceu em 20 de outubro de
1990, e foi a primeira TV segmentada do país
dedicada ao público jovem.
Os Mamonas Assassinas tiveram uma carreira tão bem-sucedida
quanto meteórica. Apesar do grupo ter nascido em 1990, com o nome
Utopia, foi a partir de julho de 1995 que seu único álbum de estúdio,
já com o nome Mamonas Assassinas, iniciou uma fulminante trajetória
de sucesso. Em sete meses, venderam nada menos que 3 milhões de
discos, até que um acidente de avião na Serra da Cantareira, em São
Paulo, vitimou todos os integrantes da banda, em março de 1996. “Pelados em Santos”, “Robocop Gay”, “Sabão Crá-Crá” e “Sábado de sol”
dominaram as rádios e os programas de auditório, em apresentações
histriônicas dos cinco integrantes do grupo liderado por Dinho (Alecsander Alves). “Pelados em Santos”, inclusive, deu origem, em 2008,
a uma paródia criada pela torcida Guarda Popular, do Internacional.
“Minha camisa vermelha” posteriormente foi adaptada por outras
torcidas, como as do Flamengo, Remo, Ceará, Bahia, entre outras.
114
PATO FU DE FERNANDA TAKAI (ACIMA), CHEGADA DA MTV
E TITÃS: ÍCONES DA MÚSICA POPULAR
BRASILEIRA NOS ANOS 1990
115
anos 90: cultura e sociedade
116
MURO DE BERLIM (AO LADO) DERRUBOU IDEOLOGIAS. NIRVANA FOI REFERÊNCIA DO GRUNGE
Os Mamonas bateram o recorde de vendas de um disco em um só dia
(foram 25 mil exemplares em 12 horas) e estariam entre os 10 discos
mais vendidos em todos os tempos no Brasil, de acordo com o livro
Os 10 mais, dos jornalistas Luiz André Alzer e Mariana Claudino.
Inspirado na nostalgia e nos livros sobre as décadas de 1970 e 1980,
o jornalista e ex-aluno da PUC-Rio Silvio Essinger lançou o Almanaque
Anos 90, pela Editora Ediouro, que reúne curiosidades e lembranças do
período. No livro, Essinger defende que a primeira década totalmente
democrática no Brasil, depois de 20 anos de vigência do regime de exceção, derrubou também o autoritarismo estético. Na música, o cenário foi
democrático. Todos tiveram vez: axé music, pagode romântico, sertanejo,
lambada, boy bands, grunge, funk melody e até figuras inusitadas, como
Tiririca. “Deixou-se de marginalizar certos estilos, todos tiveram o mesmo
destaque. O Nirvana é símbolo disso: trouxe o subterrâneo dos anos 80 e
colocou para o primeiro plano. Ao mesmo tempo, surgiam tipos diversos
de tribos com que o jovem poderia se identificar. Nos anos 70 você podia
ser hippie, militante de esquerda ou careta. Nos 1990, abriu-se essa cartela
de grupos urbanos”, argumenta Essinger.
Na era da tecnologia, as ideologias acabaram meio que deixadas
de lado, já que, com a queda do Muro de Berlim, caíram por terra os
conceitos de esquerda e de direita, que marcavam as identidades dos
jovens de 16 a 24 anos até então. “Houve um certo desencanto com
a política. Os partidos se fecham para novas ideias, e o que passa a ser
mais importante é a imagem do candidato, definida pelo marketeiro,
desde a cor da gravata ao abraço em um popular”, afirma o diretor do
Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, Ricardo Ismael.
NA ERA DA TECNOLOGIA PÓS QUEDA DO MURO, PERDEM
FORÇA AS IDEOLOGIAS DE ESQUERDA E DE DIREITA
117
anos 90: cultura e sociedade
COLLOR DECIDIU
EXTINGUIR A EMBRAFILME
E CAUSOU IMPACTO
NEGATIVO NA
PRODUÇÃO NACIONAL
O jovem de qualquer época se motiva a se envolver nas questões
públicas pela possibilidade de transformação. Na última década do
século XX, a juventude percebeu que, ao não influenciar nas decisões dos partidos, a saída era se engajar em movimentos culturais e
sociais, como o Greenpeace. “Nos anos 1980, achava-se que com a
vitória de um presidente eleito pelo povo tudo iria mudar, mas com a
eleição de Fernando Collor de Mello, veio a frustração. A campanha
de impeachment, em 1992, trouxe jovens para a cena, mas a partir
dali não houve grande participação política”, diz Ismael.
CRISE NO CINEMA
Um dos segmentos mais afetados pelo governo Collor de Mello
foi o cinema. A crise econômica dos anos 1980 e a incapacidade do
Estado em ampliar os investimentos na Embrafilme (Empresa Brasileira
de Filmes S/A) foram, aos poucos, tornando a empresa incapaz de
competir e regular o mercado cinematográfico. Além disso, setores da
sociedade civil estavam incomodados com a interferência do Estado na
economia, e a imprensa, influenciada pela ideologia neoliberal, criticava as ações do governo na cultura, considerando-as protecionistas.
A Embrafilme havia sido criada pela Ditadura Militar, em 1969,
como órgão de cooperação do Instituto Nacional de Cinema (INC)
com objetivo de distribuir e promover filmes nacionais no exterior. Foi
comandada pelo cineasta Roberto Farias, entre 1975 a 1978, e por Carlos
Augusto Calil – indicado por profissionais do campo cinematográfico
– entre 1985 e 1986. Muito próxima dos cineastas, a empresa produzia
filmes comerciais e autorais, respeitando muitas vezes a legitimidade
de alguns diretores e produtores, e não o fortalecimento da indústria
cinematográfica como um todo.
Em 1987, a empresa havia passado por uma reforma, procurando
dar agilidade à instituição, separando as funções comerciais e culturais,
mas o resultado foi pouco expressivo. O corporativismo presente entre
cineastas e produtores – que dificultava a adoção de uma política de
produção mais independente –, o desinteresse do Estado em formular
uma política cultural consistente e a forte crise econômica dos anos
80 foram enfraquecendo a Embrafilme. Até que em 1990, o então
presidente Fernando Collor de Mello decretou o fim da empresa, do
Conselho Nacional de Cinema (Concine) e da Fundação do Cinema
Brasileiro, em uma atitude que simbolizou o encerramento de um ciclo
da história cinematográfica brasileira.
A partir deste momento, o cinema perdeu seu principal agente
financiador, distribuidor e regulamentador, além de ficar sem nenhum
mecanismo de proteção frente ao cinema estrangeiro, tendo que
competir em um mercado dominado pelo filme norte-americano, ao
qual o público viu-se cada vez mais acostumado. O cinema brasileiro
passou a ser considerado uma mercadoria como qualquer outra, de
acordo com a visão neoliberal vigente no período.
118
ARTIC SUNRISE, BARCO QUEBRA-GELO DO GREENPEACE (EM AÇÃO ABAIXO) NA DENÚNCIA DE CRIMES AMBIENTAIS: APELO JUNTO AOS JOVENS
119
anos 90: cultura e sociedade
WALTER SALLES DIRIGIU O LONGA TERRA ESTRANGEIRA: DENÚNCIA DE UMA ERA DE DESCRENÇA NO BRASIL EM TEMPOS DE COLLOR
Um dos principais efeitos do desmonte da estrutura institucional do cinema brasileiro, em 1990, foi a paralisação quase total da
produção de filmes nacionais de longa-metragem, pela inexistência
de mecanismos oficiais de fomento e financiamento aos produtores
e realizadores. Para se ter a dimensão do que significou esta medida
governamental, basta comparar a produção dos anos 1970, de 100
filmes por ano, chegando a alcançar 35% do mercado interno da
década seguinte, com a de 1992: apenas dois filmes produzidos.
O longa Terra Estrangeira, de Walter Salles e Daniela Thomas, tematiza este período histórico brasileiro. Lançado em 1995, o filme retrata
o que significou aquele governo e principalmente o Plano Collor para a
sociedade brasileira: um momento de descrença em relação ao futuro do
país e de falta de projetos coletivos. Esta situação se refletiu no campo
cinematográfico, em que a viabilização de um filme dependia de iniciativas
individuais, e o projeto de um cinema que refletisse a cultura brasileira e
tentasse uma identificação popular foi bruscamente rompido.
A criação da Lei Rouanet, em 1991, e a Lei do Audiovisual, em 1993,
foram instrumentos muito relevantes para o restabelecimento da atividade
cinematográfica brasileira e, de certa forma, serviram como uma nova esperança para os cineastas. Por meio delas, o governo estabeleceu medidas
de incentivos fiscais às pessoas físicas e jurídicas para atrair o investimento
de empresas nacionais e internacionais para as atividades culturais.
120
O MITO SE FOI: DEPOIS DE SAGRAR-SE TRICAMPEÃO, SENNA MORREU EM UMA CURVA DE ÍMOLA EM 1994
A propósito da Lei Rouanet, no início do ano de 1991, o embaixador Sérgio Paulo Rouanet cientista político e especialista em teoria
crítica da cultura foi nomeado Secretário de Cultura (Collor havia
extinto o Ministério e criado a Secretaria, dias após tomar posse).
Rouanet permaneceu no cargo entre março de 1991 e outubro de 1992,
e foi o responsável pela elaboração do Programa Nacional de Apoio à
Cultura (Pronac), que ficaria conhecido pelo sobrenome de seu criador.
O projeto introduziu regulamentações à lei federal de incentivo fiscal,
incorporando elementos das leis estaduais e municipais de incentivo
fiscal existentes no Rio de Janeiro, São Paulo e no Distrito Federal e
de outras experiências no âmbito internacional. Desde então, foram
mais de 35 mil projetos financiados. Em 2013, o volume de recursos
aplicados via Lei Rouanet ultrapassou R$ 1,2 bilhão, abatidos no
Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas.
CRIAÇÃO DAS LEIS
ROUANET, EM 1991, E DO
AUDIOVISUAL, EM 1993,
SERVIRAM DE ALENTO
PARA A CULTURA
COTIDIANO
Ano icônico na economia, por marcar a criação do Plano Real, 1994
também entrou para a história em momentos opostos no esporte. Em 1º
de maio, a morte de Ayrton Senna em acidente no autódromo de Ímola,
na Itália, comoveu e parou o país, bem como consternou milhões de fãs
de Fórmula-1 espalhados pelo planeta. Pouco mais de dois meses depois, a
121
anos 90: cultura e sociedade
CAPITÃO DO TETRA: A ERA DUNGA DEU A VOLTA POR CIMA E LEVANTOU A TAÇA EM 1994
Seleção Brasileira treinada por Carlos Alberto Parreira e comandada dentro
de campo por Romário e Bebeto celebrou a conquista do tetracampeonato
mundial de futebol ao derrotar a Itália de Roberto Baggio na final da Copa
dos Estados Unidos. O título veio após o fracasso em 1990, quando foi
inaugurada a chamada “Era Dunga”, em homenagem ao estilo do volante e
capitão brasileiro, símbolo de um estilo de futebol mais cauteloso, defensivo,
menos vistoso e mais focado em resultados.
Também em 1994 morreram Antonio Carlos Jobim, o Tom, um
dos maiores expoentes da música brasileira em todos os tempos, e Kurt
Cobain, do Nirvana, símbolo do grunge de Seattle que marcou a época.
A professora Silvia Ramos destaca, entre os acontecimentos marcantes na cena política brasileira dos anos 1990, no campo de iniciativas da
sociedade civil, o surgimento de grupos de jovens de favelas e periferias
ligados a iniciativas de cultura e arte. Em geral, começam como projetos ou
programas locais baseados em ações culturais e artísticas, frequentemente
desenvolvidos e coordenados pelos próprios jovens. Exemplos desses empreendimentos são os grupos Olodum, em Salvador, o AfroReggae, o Nós
do Morro, a Cia. Étnica de Dança e a Central Única de Favelas (CUFA),
no Rio de Janeiro, além de agrupamentos mobilizados em torno da cultura
hip-hop nas periferias de São Paulo, nas vilas de Porto Alegre, nos aglomerados de Belo Horizonte e em bairros pobres de Recife, Brasília e São
Luís. “Esses grupos expressam, por meio de diferentes linguagens (como
a música, o teatro, a dança e o cinema), ideias e perspectivas dos jovens
das favelas. Ao mesmo tempo, buscam produzir imagens alternativas aos
estereótipos da criminalidade e do fracasso associados a esse segmento da
sociedade”, afirma Silvia, pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança
e Cidadania da Universidade Candido Mendes.
GRUPOS DE JOVENS DAS FAVELAS USAM CULTURA E
ARTE PARA ESCAPAR DO ESTEREÓTIPO DA VIOLÊNCIA
122
OLODUM, EM SALVADOR: MÚSICA, TEATRO, CINEMA E DANÇA COMO INSTRUMENTOS DE EXPRESSÃO DAS PERIFERIAS
TOM JOBIM: O MAESTRO SE FOI EM 1994, UM ANO DE MARCANTES PERDAS E GANHOS
123
fontes consultadas
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E/OU ICONOGRÁFICAS
Alexandre, Ricardo. Dias de luta: o rock e o Brasil dos anos 80. São Paulo : DBA
Artes Gráficas, 2002.
Alzer, Luiz André. Almanaque Anos 80. Rio de Janeiro : Editouro, 2004.
BNDES: um banco de história e do futuro – texto Márcia de Paiva. São Paulo :
Museu da Pessoa, 2012.
Bueno, Eduardo. História do Brasil. Porto Alegre : Zero Hora / RBS Jornal, 1997.
Cândido, Carlos Alberto. 60 anos de grandes obras e histórias: a construção do
Brasil. Porto Alegre : Quattro Projetos, 2011.
Fausto, Boris. História do Brasil. São Paulo : Editora da Universidade de São
Paulo, 2009.
Gaspari, Elio. A ditadura derrotada. São Paulo : Companhia das Letras, 2003.
__________. A ditadura envergonhada. São Paulo : Companhia das Letras, 2002.
__________. A ditatura escancarada. São Paulo : Companhia das Letras, 2002.
Leitão, Miriam. Saga brasileira: a longa luta de um povo por sua moeda. Rio de
Janeiro : Record, 2011. 4 ed.
Marcelo, Carlos. Renato Russo: o filho da revolução. Rio de Janeiro : Agir, 2012
Motta, Nelson. Noites tropicais – solos, improvisos e memórias musicais. Rio de
Janeiro : Objetiva, 2000.
Rodheguero, Carla Simone. Não calo, grito: memória visual da ditadura civil-militar
no Rio Grande do Sul. Porto Alegre : Tomo Editorial, 2013.
Skidmore, Thomas E. Uma história do Brasil. São Paulo : Paz e Terra, 1998.
IMAGENS
Agência O Globo: pág 52 (embaixo), 58, 59, 60, 61, 67, 70, 77, 110, 111, 112
(duas), 115 (alto), 116, 117 (embaixo)
Agência RBS: 62, 63 (duas), 110, 117 (alto)
Folha Press: capa (canto inferior direito), 55, 107
Luis Tadeu Vilani: pág 32
Demais imagens: reproduções obras citadas acima e/ou divulgação
124
125
PATROCÍNIO
REALIZAÇÃO
Download