A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO DEFINIÇÃO DE BORDA A PARTIR DA COMPOSIÇÃO DE ESPÉCIES DA FLORESTA OMBRÓFILA NA RESERVA BIOLÓGICA DAS ARAUCÁRIAS, PARANÁ, BRASIL ROSEMERI SEGECIN MORO1 ELISANA MILAN2 RODRIGO FERNANDO MORO3 BEATRIZ CARNEIRO DO CARMO4 ANA PAOLLA PROTACHEWICZ5 Resumo: Empregou-se análise geoecológica em quatro fragmentos de Floresta Ombrófila Mista para estabelecimento de limites de borda. Comparou-se a flora arbórea nos setores ‘borda' e ‘interior’, através de quadrantes em 12 transeções de 100 m com DAP ≥ 10 cm. Paralelamente mensurou-se luminosidade, umidade relativa e temperatura do ar. Foram amostrados 528 indivíduos de 66 espécies, pertencentes a 32 famílias. Os parâmetros microclimáticos não apontaram variações significativas ao longo dos transectos, no entanto a distribuição de espécies refletiu variações na organização da comunidade entre os dois setores (p=0,022). Houve substituição de espécies ao redor dos 50-70 m da borda. Concluiu-se que esta pode ser inferida com mais segurança através da heterogeneidade florística do que através da parametrização microclimática. Palavras-chave: fragmentação; floresta com araucária; espécies arbóreas. Abstract: We compared the floristic organization on edge and core of a tree species community in four Araucaria Forest fragment, by means a vegetacional survey conducted in 12 100m-transection using dbh ≥ 10 cm. We also sampled light intensity, relative moisture and air temperature. It were determined 528 individuals belonging to 66 species and 32 families. Microclimate parameters didn’t vary significantly along transects, however there was a turnover in species around 50-70 m which reflected the variation of tree community organization between sectors (p=0.022). We conclude that edges settlement could be inferred better by the floristic heterogeneity than by the microclimate parameters. Keywords: fragmentation; araucaria forest; tree species. 1 - Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail de contato: [email protected] 2 - Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Email de contato: [email protected] 3 - Técnico de Nível Superior da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza. E-mail de contato: [email protected] 4 - Bolsista IC/CNPq do Curso de Bacharelado em Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail de contato: [email protected] 5 - Bolsista IC/Fundação Araucária do Curso de Bacharelado em Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail de contato: [email protected] 6425 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 1 – Introdução A ocorrência de fragmentos na cobertura vegetal está atrelada ao surgimento de bordas, ou seja, porção de um fragmento no entorno interno de seu perímetro, dentro da qual as condições ambientais podem diferir de seu interior. (TURNER; GARDNER; O’NEILL, 2001). Nessa faixa de transição da área externa para a área nuclear dos fragmentos, as taxas de luminosidade, de umidade e a temperatura sofrem alterações que podem se refletir na distribuição de espécies. Essas mudanças são denominadas efeito de borda. Para Murcia (1995) o efeito de borda é resultado da interação de dois ecossistemas adjacentes separados por uma transição abrupta. Bordas são áreas de habitat mais expostas às perturbações externas e sua largura para cada fragmento é variável. Envolvem diferentes aspectos e mecanismos biológicos, principalmente iluminação, mas também compreendem a orientação da borda de fragmentos de floresta, a umidade, a densidade e composição de indivíduos (RODRIGUES, 1998). Informações sobre a extensão de borda são importantes para determinar sua área de influência. Apesar disso, poucos autores se debruçaram sobre a parametrização de borda na Floresta com Araucária: no Rio Grande do Sul, Baldissera e Ganade (2005) e Fontoura, Ganade e Laroca (2006) apontaram uma distância de 50 metros onde a vegetação começa a mostrar variações em função do efeito de borda. Pscheidt (2014) confirmou estatisticamente esta distância para o planalto catarinense, enquanto Malchow, Koehler e Pellico Netto (2006), para o Paraná, evidenciaram mudanças na comunidade a parir dos 30 m. Este trabalho levanta a composição de espécies em fragmentos da floresta com araucária na Reserva Biológica das Araucárias ao longo da borda em direção ao interior dos fragmentos. Buscou-se testar a hipótese de que a borda pode ser detectada através da heterogeneidade florística em uma comunidade de espécies arbóreas e espera-se contribuir com dados empíricos ao estabelecimento de parâmetros de borda na Floresta Ombrófila Mista. 6426 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 2- Métodos A REBIO das Araucárias foi criada em 2006, com uma superfície de 16.078 hectares, distribuída em parte dos municípios paranaenses de Ipiranga, Imbituva e Teixeira Soares. Localiza-se entre as latitudes X 50,162 e longitude Y 25,095, com altitude média próxima de 800 m sobre o nível do mar (Fig. 1), sob clima mesotérmico (subtropical a temperado), sempre úmido (sem estação seca definida) e com verões amenos (mês mais quente com temperatura média inferior a 22°C), enquadrado como Cfb segundo a classificação de Köppen (MAACK, 2012). Figura 1: Delimitação da REBIO das Araucárias nos municípios de Imbituva, Teixeira Soares e Ipiranga, PR. Fonte: http://www.mma.gov.br/estruturas/202/_arquivos/folder_consulta12.pdf As áreas de floresta nativa secundária foram amostradas pelo Método de Quadrantes (COTTAM; CURTIS, 1956), selecionado em função da presença de uma cobertura arbórea homogênea com indivíduos adultos, formando ao menos dois estratos arbóreos. Foi utilizada a abordagem discreta, com dados qualitativos, referente a resposta hipotética de duas-fases de Murcia (1995), ‘borda’ e ‘interior’. 6427 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Apesar dos resultados de quadrantes não poderem ser expressos em termos de área, há vantagens nesse método, como a minimização do erro induzido pela forma das parcelas dispostas em campo; maior facilidade em localizar pontos de amostragem no campo, pois estes seguem linhas de picada; além de responder à necessidade de distribuir pontos amostrais em uma grande área. Entre os meses de maio de 2014 e abril de 2015 foram amostrados 12 transectos de 100 metros, perpendiculares a borda da floresta. Os quadrantes foram demarcados em campo através de um aparelho de geoposicionamento (GPS) Etrex Garmin, com erro médio de 8 m. Foram incluídos na amostra todos os indivíduos arbóreos com DAP (diâmetro à altura do peito) maiores ou igual a 10 cm, medidos com régua dendrométrica. Os indivíduos amostrados receberam uma numeração seqüencial, com altura estimada por comparação com um podão de 2,5 m. As amostras botânicas foram coletadas de acordo com a metodologia de Fidalgo e Bononi (1989), e herborizadas, identificadas e acervadas no herbário HUPG da Universidade Estadual de Ponta Grossa. As espécies foram classificadas de acordo com o sistema APG III (2009), tendo a grafia dos táxons e autores conferidos no site <www.theplantlist.org>. A análise de temperatura e umidade do ar foi realizada através de um termohigrômetro digital de campo e a luminosidade foi registrada através de um luxímetro digital portátil. 3 - Resultados e Discussão Foram amostrados 528 indivíduos determinados em 66 espécies, pertencentes a 32 famílias botânicas (Tab. 1). Hovenia dulcis Thunb. foi a única espécie exótica encontrada distribuída pelos transectos de maneira regular porém com pequena abundância. 6428 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Familia Espécie Nome vulgar Anacardiaceae Annonacae Aquifoliaceae Lithraea molleoides (Vell.) Engler Annona rugulosa (Schltdl.) H.Rainer Ilex paraguariensis A.St.-Hil. Ilex theezans Mart. ex Reissek Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze Syagrus romanzoffiana (Cham.) Glassman Dasyphyllum tomentoum (Spreng.) Cabrera Gochnatia polymorpha (Less.) Cabrera Piptocarpha angustifolia Dusén ex Malme Vernonanthura discolor (Spreng.) H.Rob. Jacaranda puberula Cham Trema micranta (L.) Blume Cinnamodendron dinisii Schwacke Maytenus evonymoides Reissek Maytenus ilicifolia Mart. ex Reissek Clethra scabra Pers. Sloanea monosperma Vell. Erythroxylum deciduum A.St.-Hil. Actinostemon concolor (Spreng.) Müll.Arg. Sebastiania brasiliensis Spreng. Sebastiania commersoniana (Baill.) L.B.Sm. & Downs Cinnamomum glaziovii (Mez) Kosterm. Cinnamomum sellowianum (Nees & Mart.) Kosterm Nectandra grandiflora Nees & Mart. Nectandra lanceolata Nees & Mart. Nectandra megapotamica (Spreng.) Mez Ocotea porosa (Nees & Mart.) Barroso Ocotea pulchella (Nees & Mart.) Mez Miconia cinerascens Miq. Miconia ligustroides (DC.) Naud. Cedrela fissilis Vel. Trichilia claussenii C.DC. Trichilia elegans A.Juss. Mollinedia clavigera Tul. Ficus luschnathiana (Miq.) Miq. Blepharocalyx salicifolius (Kunth) O. Berg Calyptranthes concinna DC. Campomanesia xanthocarpa O. Berg. Eugenia ramboi D. Legr. Eugenia uniflora L. Myrcia floribunda Miq. Myrcia multiflora (Lam.) DC. Myrcia splendens (Sw.) DC Myrsine acuminata Royle Myrsine umbellata Mart. Hovenia dulcis Thunb. Prunus brasiliensis (Cham. & Schltdl.) D.Dietr. Faramea marginata Cham Psychotria hancorniifolia Benth. Psychotria vellosiana Benth. Rudgea jasminoides (Cham.) Müll.Arg. Zanthoxylum rhoifolia Lam. Bugreiro ariticum Erva-mate caúna Araucária Palmeira Jerivá sucará Cambará Vassourão branco Vassourão-preto Caroba crindiúva pimenteira Tamanqueiro Espinheira-santa guaperê sapopema cocão Laranjeira-do-mato Leiteirinho Branquinho Araucariaceae Arecaceae Asteraceae Bignoniaceae Cannabaceae Cannelaceae Celastraceae Clethraceae Elaeocarpaceae Erythroxylaceae Euphorbiaceae Lauraceae Melastomataceae Meliaceae Monimiaceae Moraceae Myrtaceae Myrtaceae Primulaceae Rhamnaceae Rosaceae Rubiaceae Rutaceae canela Canela-raposa Canela-fedida Canela-amarela Canela-preta imbuia Canela-lageana Pixirica Pixirica Cedro-rosa catiguá catiguá capixim figueira Cambuí Guamirim guabirobeira Pitangueira Murta Cambuí Guamirim-chorão Capororoquinha Capororocão Uva-do-Japão Pessegueiro-bravo Café –do-mato Grandiúva Grandiúva Grinaldeira Mamica-de-porca 6429 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Salicaceae Sapindaceae bess.) Radlk. Casearia decandra Jacq. Casearia obliqua Spr. Casearia sylvestris Sw Casearia lasiophylla Eichler Prockia crucis P. Browne ex L. Xylosma pseudosalzmanii Sleumer Allophylus edulis (A.St.-Hil.) A.Juss. &Radlk. Cupania vernalis Cambess. Matayba elaeagnoides Radlk. Chrysophyllum marginatum (Hook. & Sapotaceae Arn.)rn.Hook & Arn.) Radlk. Styrax leprosus Hook. & Arn. Styracaceae Symplocos laxiflora Benth. Symplocaceae Symplocos tenuifolia Brand Drymis brasiliensis Miers Winteraceae Guaçatunga Guaçatunga Café-de-bugre Cambroé sucará sucará Vacum Cuvantã Miguel-pintado vassourinha Carne-de-vaca Maria-mole Maria-mole cataia Tabela 1 – Espécies amostradas no setor ‘borda’ e ‘interior’ de fragmentos de Floresta Ombrófila Mista na REBIO das Araucárias, Paraná. A ocorrência e distribuição das 29 espécies com maior frequência foram plotadas ao longo de um transecto de 0-100 m a partir do limite dos fragmentos para identificar possíveis gradientes de distribuição (Fig. 2). As seguintes treze espécies ocorreram ao longo de todo o transecto, podendo serem consideradas, nas condições da REBIO, como espécies indiferentes à intensidade luminosa e sombreamento: Araucaria angustifolia, Cinnanodendron dinisii, Ilex paraguariensis, Casearia sylvestris, Clethra scabra, Eugenia ramboi, Eugenia uniflora, Lithraea molleoides, Matayba elaeagnoides, Myrcia floribunda, Myrsine acuminata, Nectandra grandiflora e Nectandra lanceolata. Até os 30 metros em relação à borda, na região de transição entre o ambiente heliófilo e o umbrófilo, constatou-se a presença, além das já mencionadas espécies constantes em todo o transecto, de espécies pioneiras e secundárias iniciais, como Vernonanthura discolor, Piptocarpha angustifolia, Symplocos tenuifolia e Gochnatia polymorpha, além de arvoretas heliófitas do sub-bosque como Calyptranthes concinna, Miconia cinerascens e Miconia ligustroides. Dos 30 aos 50 metros, verificou-se a ocupação por espécies como Matayba elaeagnoides, Allophylus edulis, Trichilia claussenii e Trichilia elegans, com subbosque formado por Mollinedia clavigera, Rudgea jasminoides, Psychotria vellosiana, Eugenia uniflora e Eugenia ramboi. A taxa de ocupação de espécies pioneiras foi reduzida drasticamente, sendo substituídas por espécies ombrófilas 6430 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO como Ilex theezans, Myrcia splendens, Casearia obliqua e Cupania vernalis. O grupo de espécies clímax tolerantes à sombra apresentou tendência de maior frequência a partir de 60 a 70 m de borda, constituído, na REBIO, por Xylosma pseudosalzmanii, Prockia crucis e Actinostemon concolor. Figura 2: Distribuição das principais espécies arbóreas ao longo de 100 m a partir do limite de fragmentos florestais na REBIO das Araucárias, PR. No período analisado, outono, a temperatura do ar variou de 18,5oC em média, fora do capão, até 21 a 25oC no interior da floresta. Apesar da tendência da temperatura ser mais elevada no interior da floresta, não pode-se observar um claro 6431 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO divisor entre ‘borda’ e ‘interior’. A umidade relativa média do ar foi de 74% fora do capão, e caiu para cerca 65-70% já a partir dos 10 metros, não se alterando mais de maneira significativa. Da mesma maneira, com relação a luminosidade, naturalmente o limite do capão é o local mais iluminado, com cerca de 1.200 lux, mas dentro da floresta a luminosidade variou pouco e de maneira aleatória ao longo dos transectos, entre 73 e 119 lux. 4 - Conclusões Os parâmetros microclimáticos não apontaram variações significativas ao longo dos transectos, no entanto a distribuição de espécies refletiu variações na organização da comunidade entre os dois setores. Houve substituição de espécies ao redor dos 50-70 m da borda. Concluiu-se que esta pode ser inferida com mais segurança através da heterogeneidade florística do que através da parametrização microclimática. Houve a confirmação dos conceitos de outros pesquisadores, de que o efeito de borda na Floresta Ombrófila Mista é percebido mais fortemente até os primeiros 50 metros a partir do limite externo do fragmento. 5 - Agradecimentos À Fundação ‘O Boticário de Proteção à Natureza’ pelo apoio financeiro ao projeto A2013007 - Mapeamento do estado de conservação de unidades de paisagem na REBIO das Araucárias: base para monitoramento ambiental e elaboração de plano de manejo. Ao escritório regional do ICMBio de Ponta Grossa e a gerência da REBIO das Araucárias pelo apoio em campo. 6432 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 6 - Referências Revistas científicas APG - Angiosperm Phylogeny Group. An update of the Angiosperm Phylogeny Group classification for the orders and families of flowering plants: APG III. Botanical Journal of the Linnean Society, v. 161, n. 2, p. 105-121, 2009. BALDISSERA, R.; GANADE, G. 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