Abordagem Analítico-Comportamental do

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ISBN: 978-85-7241-865-2
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T667i
Tourinho, Emmanuel Zagury, 1962Análise do comportamento - investigações históricas, conceituais e
aplicadas /Emmanuel Zagury Tourinho, Sergio Vasconcelos de Luna - São
Paulo : Roca, 2010.
Inclui bibliografia e índice
ISBN: 978-85-7241-865-2
1. Comportamento humano. 2. Behaviorismo (Psicologia). 3. Terapia do
comportamento. I. Luna, Sergio Vasconcelos de. II. Título.
10-0761.
CDD: 616.89142
CDU: 616.89-008.447
2010
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Printed in Brazil
CAPÍTULO
Abordagem
Analítico-comportamental
do Desenvolvimento
L a é r c ia A b r e u V a s c o n c e l o s
A n a R it a C o u t in h o X a v ie r N a v es
R a q u e l R a m o s Á v il a
O termo desenvolvimento é utilizado com diferentes conota­
ções por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento
científico (por exemplo, Silva, 2000) e pelo público leigo.
Um dos grandes desafios na Psicologia, portanto, é promo­
ver distinções claras entre as linguagens técnica e cotidiana,
tanto ao se referir ao seu objeto de estudo - as interações
organismo-ambiente (Todorov, 1989) - como ao se referir
a termos e conceitos diversos relacionados a ele (por exem­
plo, Andronis, 2004; Matos, 1997; Roche e Barnes, 1997). O
objetivo central deste capítulo é discutir a relevância da
inclusão do processo de desenvolvimento humano em inves­
tigações conceituais, empíricas e aplicadas sob o enfoque
da análise do comportamento, ciência proposta por B. F.
Skinner (1904-1990). A primeira seção deste capítulo será
dedicada a explicitar como o conceito de desenvolvimento
é definido por analistas do comportamento, o que não requer
a formulação de uma teoria do desenvolvimento específica
(Bijou, 1995; Bijou e Baer, 1978; Bijou e Ribes, 1996; Schlinger,
1995). Na segunda seção, identificaremos sucintamente
outras interpretações ou definições dadas ao conceito,
particularmente na Medicina e na Educação, e as possíveis
126 ■ Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento
implicações destas definições para a prática de profissionais que atuam nessas
áreas. Na seção seguinte, apontaremos direções em comum enfatizadas em estudos
recentes embasados na Análise do Comportamento e na Ciência do Desenvolvimen­
to. Tais direções podem ser de difícil identificação em razão da escassez de
trabalhos sistemáticos acerca do desenvolvimento sob enfoque analítico-compor­
tamental ou mesmo à falta de integração entre estudos voltados para esse tema
(ver Brazelton e Greenspan, 2000/2002; Lisboa, 2003,2006; Rossetti-Ferreira, 2006).
Finalizaremos este capítulo sinalizando possíveis contribuições conceituais e
metodológicas da Análise do Comportamento para estudos acerca do desenvol­
vimento humano.
Conceito de Desenvolvimento
na Análise do Comportamento
O termo desenvolvimento é utilizado neste capítulo de forma a se restringir priori­
tariamente ao campo da Psicologia e, portanto, para fazer referência ao desenvolvimento
humano, psicológico ou comportamental, os quais serão tratados como termos
equivalentes. Especificamente sob a perspectiva analítico-comportamental, o
desenvolvimento é explicado a partir de mudanças em interações dinâmicas entre
um indivíduo ativo e o ambiente, sendo este último constituído por diferentes
condições de estimulação que adquirem uma função para o comportamento
(Bijou, 1989,1995; Bijou e Baer, 1978; Bijou e Ribes, 1996; Baer e Rosales-Ruiz, 2003;
Rosales-Ruiz e Baer, 1997; Schlinger, 1995). Estas interações são interdependentes
e contínuas, resultando em influências bidirecionais entre o comportamento do
indivíduo e o ambiente, físico ou social. Assim como, em determinado contexto,
a ação do organismo altera aspectos do ambiente, estes, por sua vez, retroagem
sobre as ações do organismo (Skinner, 1957/1978).
Desenvolvimento é então um processo de individualização, em que mudanças
nas interações organismo-ambiente podem ser progressivas ou regressivas, o que
não resulta em uma única direção que levará necessariamente ao aprimoramento
ou a uma maior complexidade do repertório comportamental (Rosales-Ruiz e Baer,
1996). O produto final, relacionado diretamente à história ambiental, é o desenvol­
vimento único, idiossincrático de um indivíduo particular, o que poderá,
consequentemente, influenciar a evolução da cultura na qual ele está inserido (Biglan
et al., 1997; Bijou, 1995; Demetriou e Raftopoulos, 2000*; Novak, 1996). Assim, o
analista do comportamento enfoca tanto os “princípios e processos responsáveis
pelas mudanças observadas no comportamento, como também as diferentes dire­
ções, velocidades e arranjos de contingências” (Gewirtz e Pelaez-Nogueras, 1996,
p. 19) produzidos pelas interações organismo-ambiente. Desta forma, para uma
maior compreensão do desenvolvimento é necessário considerar o comportamento
* Revisão do livro Rethinking Innateness: a connectionist perspective on development (Parisi e Pluncket,
1996).
Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento ■ 127
humano como multideterminado, sob a ação de três níveis de variação e seleção,
como mostra Skinner em 1981: filogenético (características genéticas presentes em
uma determinada espécie, transmitidas de uma geração a outra), ontogenético
(história de aprendizagem de um indivíduo particular) e cultural (transmissão de
práticas culturais ao longo de diferentes gerações). Na explicação da aquisição, ou
mesmo da manutenção, de determinados comportamentos no repertório* do indiví­
duo ao longo de seu desenvolvimento, torna-se uma tarefa difícil o estabelecimento
de uma fronteira precisa entre o que é inato e o que é somente produto de aprendi­
zagem - o nature e nurture (por exemplo, Cohn, 2005). Esforços em direção à
atribuição inequívoca de pesos explicativos, maiores ou menores, a cada uma des­
sas duas fontes de controle têm sido abandonados diante da complexidade
indubitável do comportamento humano (por exemplo, Shanahan, Sulloway e Hofer,
2000; Pereira, 2001). A preparação filogenética (relacionada à história da espécie)
não é rígida, uma vez que resulta em variados padrões de comportamento intra e
interindivíduos, não havendo assim, uma única topografia comportamental pre­
determinada (Bijou, 1995; Carvalho Neto e Tourinho, 1999). A base biológica do
comportamento pode ser definida como uma base “aberta” na medida em que, ao
mesmo tempo em que produz sensibilidades típicas da espécie humana (por exem­
plo, suscetibilidade do comportamento a estímulos reforçadores), também se torna
ocasião para que a aprendizagem ocorra e assim possibilita variabilidade compor­
tamental (Carvalho Neto e Tourinho, 1999; Tourinho e Carvalho Neto, 2004). Por
exemplo, o comportamento de sugar o seio da mãe possui base biológica, mas a
interação mãe-bebê durante a amamentação pode promover variabilidade nas
funções e topografias deste comportamento.
Aanálise do comportamento é um sistema explicativo suficientemente abrangen­
te e refinado para abarcar a multideterminação e complexidade do comportamento
e, desta forma, não defende explicações puramente ambientais ou puramente ge­
néticas (Ades, 1986; Tourinho e Carvalho Neto, 2004). Entretanto, adota um recorte
analítico próprio, assim como ocorre em qualquer campo do conhecimento, sem
necessariamente descartar as possíveis contribuições advindas de áreas que enfocam
aspectos diferentes do comportamento humano. Determinadas áreas de estudo que
enfatizam o funcionamento de partes específicas do organismo (por exemplo, cé­
rebro) podem privilegiar a análise de aspectos anátomo-fisiológicos, o que não
significa que neguem a influência de fatores contextuais sobre os mesmos (Landeira-Fernandez e Cruz, 1998; Pereira, 2001). Já na análise do comportamento, destaque
é dado às contingências comportamentais, embora considere também as bases
biológicas do comportamento. As explicações biológicas, portanto, complementam,
mas não substituem as explicações comportamentais (Cavalcante, 1999; Tourinho,
Teixeira e Maciel, 2000; Roche e Barnes, 1997).
A idiossincrasia do desenvolvimento humano é representada pela integração
de aspectos biológicos e comportamentais, sendo o primeiro referente à anatomia
e fisiologia do organismo, enquanto o segundo refere-se a suas interações com
* O termo repertório (comportamental) refere-se a comportamentos que um organismo pode emitir,
pois existe em uma frequência diferente de zero (Catania, 1998/1999; Teixeira Júnior e Souza, 2006).
128 ■ Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento
pessoas, objetos e eventos (Bijou, 1995). Porém, mesmo que o analista do com­
portamento se dedique a compreender determinados processos neuroquímicos,
é preciso que ele recupere a história ambiental ou de aprendizagem do indivíduo.
Uma vez que tais processos ou quaisquer variáveis internas ao organismo (por
exemplo, traços de personalidade, processamento cognitivo) não são tratados
como variáveis independentes (as quais controlam diferentes padrões de com­
portamentos e são passíveis de manipulação ou modificação direta) na explicação
do comportamento humano, estes processos podem ser considerados apenas com
o objetivo de indicarem possíveis variáveis relevantes.
O alvo de análise do analista do comportamento, portanto, envolve a exposição
a matrizes de contingências*, na tentativa de explicar também processos neuro­
químicos, sem, no entanto, adotar estratégias reducionistas, nas quais uma
ciência utiliza teorias de outra para compreender seu objeto de estudo. Uma das
características importantes do recorte analítico-comportamental consiste em
considerar a pluralidade de possibilidades de análises funcionais, envolvendo um
conjunto de variáveis independentes, dependentes e de controle - aquelas man­
tidas constantes ao se buscar as interações entre determinados fatores ambientais
e comportamentais (por exemplo, Cavalcante, 1999; Kantowitz, Roediger e Elmes,
2006; Sturmey, 1996; Watson e Gresham, 1998).
(...) Cada ação psicológica desempenhada por uma pessoa
é ao mesmo tempo, uma ação biológica. Assim, alcançar, agarrar e
colocar na boca um chocalho é para um bebê uma ação psicológica que
pode ser analisada em termos dos contatos passados com chocalhos,
ou com objetos similares, e a presente situação que ele se encontra.
Esta simples interação com o chocalho é ao mesmo tempo uma ação
biológica que pode ser analisada em termos dos movimentos
dos músculos estriados do braço e do funcionamento dos olhos e
do sistema nervoso. (Bijou, 1995, p. 29, traduzido pelas autoras)
Vale ressaltar que, além da filogenia, a cultura, como o terceiro nível de varia­
ção e seleção, também contribui de forma significativa para uma explicação mais
completa do desenvolvimento. A evolução de práticas culturais, envolvendo dife­
rentes agentes sociais, acrescentará importantes informações na explicação de
uma ação psicológica que pode ser sempre considerada uma ação biológica (por
exemplo, Ariès, 1973/1981; Laraia, 1986/2007; Postman, 1982/1999; Todorov, Martone e Moreira, 2005).
* “Matriz de contingências” refere-se à interação de várias contingências tríplices. O comportamento de
interesse é o resultado dessa interação, a partir de uma análise de custo-benefício entre elas. Cada con­
tingência da matriz exercerá um controle maior ou menor do comportamento, em razão das alternati­
vas disponíveis (entende-se como alternativas aquelas contingências capazes de prover conseqüências
críticas para o indivíduo). Cada uma das contingências deve ser analisada considerando as variáveis-satélite envolvidas no seu estabelecimento e manutenção, tais como operações estabelecedoras, esquemas
de reforço, controle abstracional ou instrucional, história, entre outras (ver Goldiamond, em Andronis,
2004; Gimenes, Layng e Andronis, 2003; Gimenes, Andronis e Layng, 2005).
Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento ■ 129
Implicações da Perspectiva Analítico-comportamental
acerca do Desenvolvimento
O conceito de desenvolvimento adotado pelo psicólogo (e por quaisquer outros
profissionais), seja qual for o referencial teórico-filosófico, influencia diretamente
a seleção de métodos e medidas a serem utilizados por ele, seja na programação
de pesquisas básicas e aplicadas, seja na implementação de tecnologias. Assim,
a definição de desenvolvimento adotada pelos analistas do comportamento tem
implicações relevantes para a atuação dos mesmos, nos mais diversos contextos.
Em primeiro lugar, tal conceito de desenvolvimento influencia diretamente
a forma como os comportamentos serão definidos e mensurados (por exemplo,
comportamentos são prioritariamente definidos a partir de sua função e não
topografia), não sendo possível afirmar que um método específico é o mais ade­
quado para a coleta de informações acerca do desenvolvimento do indivíduo,
pois isto depende dos objetivos da investigação ou intervenção planejada. Há,
portanto, uma variedade considerável de métodos quantitativos e qualitativos
disponíveis ao psicólogo, tais como observação livre (por exemplo, Danna e Ma­
tos, 1996; Dessen e Murta, 1997), entrevistas de diferentes tipos (por exemplo,
estruturada, semiestruturada, livre), questionários (por exemplo, Questionário
Construcional - Gimenes, Andronis e Layng, 2005), escalas e testes padroniza­
dos (por exemplo, Sistema Multimídia de Habilidades Sociais para Crianças
-D el Prette e Del Prette, 2005). Vale ressaltar que o analista do comportamen­
to poderá produzir conhecimento ao utilizar análises e revisões conceituais e
observações sistemáticas do comportamento, além da pesquisa experimental
com destaque para as análises de dados individuais por meio de inspeção
visual e análise estatística descritiva. Cada sujeito é único de acordo com sua
história de reforço, sua fisiologia e a cultura no qual está inserido. Assim, a
análise do comportamento propõe o estudo dos efeitos de cada variável ambien­
tal sobre o comportamento de cada indivíduo particular (Skinner, 1953/1981).
Utiliza-se, portanto, o delineamento experimental do sujeito como seu próprio
controle no estudo das relações funcionais (Baron e Perone, 1998; Matos, 1990;
Todorov, 1982). Em segundo lugar, o conceito de desenvolvimento que orientou
a avaliação inicial dos comportamentos do indivíduo determina os tipos de
análises ou interpretações a serem propostas pelo profissional. Em terceiro lugar,
o conceito de desenvolvimento também orienta as práticas adotadas pelo pro­
fissional, de modo que as interpretações feitas por ele acerca do desenvolvimento
têm significativo impacto em diferentes áreas da ciência como, por exemplo, as
áreas médicas e educacionais.
Ao enfatizar especificamente determinantes biológicos do comportamento,
as abordagens médicas do desenvolvimento humano mostram uma estreita rela­
ção com a variável etária. Com a finalidade de conferir clareza e objetividade ao
conceito (Silva, 2000), o desenvolvimento é relacionado a diferentes idades e cri­
térios de crescimento físico, como altura e peso. Dessa maneira, os termos
desenvolvimento e crescimento têm sido amplamente utilizados como sinônimos
nessas abordagens.
130 ■ Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento
Desenvolvimento físico, ou crescimento, é o componente [do processo de
desenvolvimento do ser humano] que corresponde ao aumento do
tamanho dos órgãos e, consequentemente, do organismo como um todo,
que resulta nofenótipo do indivíduo adulto. Decorrente da multiplicação
(hiperplasia) e do aumento de tamanho (hipertrofia) das células,
o desenvolvimento físico é um processo finito, pois, embora essas
modificações celulares persistam mesmo após os 20 anos,
seu papel após esta idade é a reparação ou a reposição do desgaste
natural que os órgãos sofrem, sem que isto resulte no efetivo
aumento das dimensões corpóreas. (Leone, 1994, p. 33)
Entretanto, o desenvolvimento físico pode ser contínuo no transcorrer do perío­
do de vida do indivíduo se considerar as adaptações orgânicas dirigidas à reparação
e reposição do desgaste natural dos órgãos. Pascual-Leone, Amedi, Fregni e Merabet
(2005) destacam também o papel fundamental da plasticidade neural do sistema
nervoso no transcorrer da vida do indivíduo produzindo uma reorganização do
sistema que se reflete nos níveis anatômico, fisiológico e comportamental.
Apesar da idade do indivíduo ser tratada como um ponto de partida em inter­
pretações analítico-comportamentais são as contínuas exigências estabelecidas
pelo ambiente físico e social que proporcionam diferentes interações envolvendo
o indivíduo, o que pode produzir desenvolvimento comportamental (Bijou, 1995).
Vale ressaltar que, neste sentido, o desenvolvimento não pode ser classificado
apenas do ponto de vista quantitativo, isto é, em termos da aquisição de novos
comportamentos, pois também envolve mudanças qualitativas. Novos arranjos
poderão ser observados entre comportamentos já adquiridos, a partir de um re­
pertório comportamental pré-existente (Bijou e Ribes, 1996). Assim, uma criança
poderá, por exemplo, desenvolver novas análises funcionais diante de um antigo
problema, envolvendo padrões de comportamentos já adquiridos, porém reconfigurados. E, ainda, pelo processo de generalização de estímulos poderá emitir um
determinado comportamento em outras condições de estímulos, para além do
contexto de treino (ver Gadelha, 2003; Gadelha e Vasconcelos, 2005).
Na área de saúde mental, um dos sistemas de classificação mais utilizado pelos
profissionais é o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quarta edição,
texto revisado (DSM-IV-TR™, American Psychiatric Association [APA], 2000/2003)*. O
DSM-IV-TR™ é apresentado como um instrumento ateórico com diversos objetivos
dentre os quais facilitar a comunicação interdisciplinar (por exemplo, Kazdin, 1983) e
favorecer pesquisas. Portanto, ao utilizar o manual, cabe ao usuário aplicar a teoria
psicológica ou do desenvolvimento por ele adotada, de modo a realizar adequada co­
leta e análise de dados, assim como planejar pesquisas e intervenções.
* O DSM-IV-TR™ deve ser considerado como um instrumento auxiliar no diagnóstico médico, facili­
tando a comunicação e análises estatísticas que, quando bem interpretadas, podem contribuir para
o planejamento de intervenções efetivas. Assim, não se trata de um manual para diagnóstico psi­
quiátrico, mas um complemento do diagnóstico. Entre as limitações do DSM-IV-TR™ estão a exces­
siva fragmentação dos quadros clínicos, além de suas sobreposições (S. M. Burnett, especialista em
Reabilitação Infantil e Pediatria do Desenvolvimento - comunicação pessoal em 21 de julho de 2008).
Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento ■ 131
A adoção, muitas vezes indiscriminada, do DSM-IV-TR para condução de ava­
liações psiquiátricas de indivíduos com “comportamentos atípicos”, associada a
um conceito de desenvolvimento pautado em padrões de normalidade e patologia,
pode resultar em diagnósticos com repercussões negativas para a vida do indivíduo.
Tais repercussões, principalmente voltadas para o sistema familiar, poderiam ser
evitadas ou minimizadas caso o profissional desenvolvesse uma avaliação mais
ampla, que fosse além da classificação sindrômica de padrões comportamentais.
Em uma análise da semiologia sindrômica é necessário considerar que “o sintoma
pode se tornar não somente produto de algo sentido, mas também de algo pen­
sado e, às vezes, até produto de discussão com outrem.” (Martins, 2003, p. 22).
Especialmente a partir dos anos 1990, “crianças e adolescentes têm sido tratados
por transtornos psiquiátricos, quando, na verdade, têm um problema psicológico
- ou nem isso” (Segatto, Padilla e Frutuoso, 2006, p. 111). Ademais, muitas avaliações
psiquiátricas ou mesmo psicológicas têm sido questionados pelos profissionais
da saúde e da educação devido às altas taxas de comorbidade no sistema diagnós­
tico que desafiam a credibilidade na nosologia (por exemplo, Hayes, Nelson e
Jarrett, 1987; Segatto, Padilla e Frutuoso, 2006; Vasconcelos, Ávila e Leite, subme­
tido). Entre os potenciais riscos para as crianças e jovens diagnosticados está o uso
prolongado de psicofármacos, cujos efeitos adversos e cumulativos, em médio e
longo prazo, não são completamente conhecidos. Além disso, predições equivo­
cadas e simplistas acerca dos comportamentos desses indivíduos controlam as
análises feitas por familiares e educadores sobre as “potencialidades de aprendi­
zagem”, frequentemente subestimando-as.
Várias expectativas, crenças e teorias psicológicas têm, por isso, um forte
poder auto-realizador, ajudando a construir competências e deficiências.
Não se fala com quem se julga surdo, não se ensina a quem não se julga
capaz de aprender, recolhe-se em casa, isolada, a criança com paralisia
cerebral que se julga incapaz de ir à escola. Concretizam-se assim,
prognósticos feitos anteriormente. (Rossetti-Ferreira, 2006, p. 27)
Ao considerar que o DSM-IV-TR™ (APA, 2000/2003) é um instrumento ampla­
mente utilizado na área de saúde mental, é necessário que os analistas do
comportamento o conheçam, o que não implica em sua utilização como eixo central
na condução de investigações e intervenções analítico-comportamentais. Vale res­
saltar a possibilidade de claras discordâncias ou a formulação de novas explicações
distintas daquelas formuladas a partir do manual. As interpretações analíticocomportamentais não são dirigidas pelos diagnósticos e sim por uma abordagem
funcional* que não destaca os princípios norteadores de uma abordagem médica,
mas os princípios da ciência da análise do comportamento. Diferente do modelo
médico, a análise do comportamento investigará prioritariamente a história de
978-85-7241-865-2
* Nas abordagens funcionais, os comportamentos são analisados na sua relação com os eventos am­
bientais que os causam, controlam ou mantêm, utilizando-se de abordagens ideográficas, ou seja,
medidas repetidas do comportamento de indivíduos singulares (Sturmey, 1996).
132 ■ Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento
exposição do indivíduo a uma ampla matriz de contingências responsável também
pelo seu funcionamento orgânico, sem fazer uso de uma classificação nosológica
ou sintomatológica. O sistema de classificação diagnóstico não deve delimitar as
pesquisas ou as intervenções analítico-comportamentais, pois seria inconsistente
com a filosofia do behaviorismo radical e os princípios da ciência da análise do com­
portamento (ver Carrara, 1988/2005). Porém, a abordagem funcional médica
poderá sugerir variáveis a serem investigadas nos trabalhos analítico-comportamentais. É possível que o analista do comportamento discorde do sistema de
classificação médica, mas, a partir dele, crie novas investigações para a explicação
de um fenômeno comportamental. Isto resultará na produção de novas explicações
funcionais que mostrarão diferentes possibilidades de interação das variáveis bio­
lógicas na história de aprendizagem do indivíduo, em seu meio cultural.
Uma indiscriminada utilização do DSM-IV-TR™ (APA, 2000/2003) no contexto
educacional, principalmente no início do século XXI, mostra que a adoção de alguns
conceitos ou mesmo teorias de desenvolvimento pode levar a restrições desneces­
sárias na programação de atividades de crianças ou jovens (Brazelton e Greenspan,
2000/2002; Collares e Moysés, 1996; Hübner e Marinotti, 2004; Rossetti-Ferreira,
2006), na medida em que sugerem que o fracasso escolar se deve a variáveis estru­
turais intrínsecas - como se houvesse uma deficiência inerente ao indivíduo - ou a
variáveis sociais - como o baixo nível socioeconômico da família. Ademais, contribui
para que a diversidade de grupos culturais que compõem uma população não seja
frequentemente representada ou efetivamente considerada no contexto educacio­
nal. Isto resulta na criação de outras deficiências na “criança diferente” (Pereira,
Marinotti e Luna, 2004; Souza, Souza, Machado, Freller e Souza, 1994), sem que
contingências de ensino sejam alteradas de acordo com as demandas específicas
apresentadas pelas mesmas. A atuação do professor se baseia geralmente em uma
avaliação estrutural da criança e em uma abordagem normativa do desempenho
acadêmico que pouco enfatiza os repertórios individuais e o ritmo de aprendizagem
único de cada um dos alunos. Pode ocorrer a maximização dos erros diante das
tarefas acadêmicas e a manutenção de relações verticais, caracterizadas por ordens
freqüentes emitidas pelos educadores (Pereira, Marinotti e Luna, 2004). Assim, as
oportunidades de aprendizagem oferecidas para o indivíduo poderão ser ampliadas
ou restringidas. Essas oportunidades se referem a contingências de reforço positivo
que ocasionam, por exemplo, um aumento na produção acadêmica da criança ou
do jovem. Na escola, tais oportunidades envolvem não apenas a apresentação de um
estímulo, como um livro, mas uma matriz de contingências, cuja unidade de análise
mínima é a contingência tríplice - a emissão de uma resposta, a qual é antecedida
e seguida por estímulos específicos que controlam diferentes classes de respostas.
É importante ressaltar que os termos comportamento e resposta - classe de respos­
tas - são utilizados neste texto como sinônimos e analisados a partir de suas
interações com o ambiente (Andronis, 2004; Matos, 1997; Tourinho, 1999). Assim,
uma oportunidade de aprendizagem poderia ser:
• Na presença de colegas ou professores.
• A criança ler um livro em voz alta, fazer comentários sobre ele.
• E com isso receber atenção e elogios da audiência (ver Skinner, 1998).
Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento ■ 133
Portanto, as tecnologias de intervenção usadas nos campos da educação e saú­
de propiciam situações ilustrativas sobre como amplos conjuntos de ações podem
alterar oportunidades de aprendizagem disponibilizadas aos indivíduos (ver Hübner
e Marinotti, 2004; Vasconcelos, 2002,2006/2008; Vasconcelos etal.} submetido).
Destacamos os efeitos adversos da utilização indiscriminada do DSM-IV-TR™,
com destaque especial para o sistema educacional, onde encontramos um grande
número de crianças com diferentes diagnósticos. Entretanto, não se pode descon­
siderar a utilidade deste instrumento em avaliações e intervenções, pois pode
favorecer o amplo desenvolvimento e adaptação dos indivíduos, minimizando ou
mesmo eliminando sofrimento diante de dificuldades controladas por desequilí­
brios neuroquímicos (ver Caballo e Simón, 2005a, 2005b; Nunes, Appolinario,
Galvão e Coutinho, 2006; Silvares, 2000a, 2000b; Tobin, 2000/2004; Zamignani,
2007). Muitos estudos experimentais do Transtorno Obsessivo-compulsivo têm
contribuído para o aperfeiçoamento de métodos de pesquisa e das técnicas de
intervenção, como apresentado no Journal of Behavior Therapy and Experimental
Psychiatry em 2004 (ver Bellack, 1986; Dar, 2004; Mancini e Gangemi, 2004; More­
no, 2003; Parker, McNally, Nakayama, e Wilhelm, 2004; Purdon, 2004; Rachman,
2004; Radomsky e Rachman, 2004; Shafran e Rachman, 2004; Silva, 2003, 2004;
Zamignani e Labate, 2002).
Ao considerar as potenciais influências de uma visão de desenvolvimento
sobre as áreas de Saúde Mental e Educação, observa-se no ocidente um destaque
para a doença (Brazelton, 1992/2002; Brazelton e Greenspan, 2000/2002; Lisboa,
2003,2006; Ministério da Saúde, 2006; Postman, 1995/2002). Estas práticas cultu­
rais têm sido analisadas, visando à promoção de intervenções preventivas na
saúde pública (Ministério da Saúde, 2006). Por fim, o analista do comportamento
se volta para a programação ou alteração de contingências com a finalidade de
fortalecer e ampliar padrões comportamentais alternativos já adquiridos pelo
indivíduo, os quais podem ser concorrer com comportamentos perturbadores,
enfraquecendo-os sem “a abordagem de eliminação” de comportamentos (ou
mesmo de classificação de comportamentos como patológicos), mas com a abor­
dagem construcional de enriquecimento do repertório comportamental do
indivíduo. O analista do comportamento trabalha, desse modo, com contingências
comportamentais que envolvem o comportar-se em diferentes contextos.
Possíveis Diálogos com a Ciência do Desenvolvimento
A terminologia e os conceitos utilizados na psicologia do desenvolvimento mos­
tram uma busca constante em direção ao refinamento teórico-metodológico
(por exemplo, Demetriou e Raftopoulos, 2000; Eye e Schuster, 2000; Lerner, Fis­
cher e Weinberg, 2000; Schaie, 2000). Na medida em que se retoma a construção
dessa subárea da psicologia, observam-se pelo menos três modificações relacio­
nadas ao próprio termo usado para defini-la: Psicologia da Criança, Psicologia do
Desenvolvimento e Ciência do Desenvolvimento (por exemplo, Dessen e Costa
Jr., 2005; Harzem, 1996). Este último termo é atualmente usado para se referir a
um conjunto de estudos interdisciplinares acerca de fenômenos relacionados
134 ■ Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento
ao desenvolvimento humano que resulta de convergências entre a psicologia,
biologia e sociolo^ja (Aspesi, Dessen e Chagas, 2005; ver as revisões apresentadas
no volume 24 do International Journal of Behavioral Development, 2000, e no
Brasil, por Collinvaux, Leite e DelFAglio, 2006). O modelo bioecológico elabora­
do por Bronfenbrenner e a perspectiva do curso de vida proposta por Elder
podem ser citados como componentes desse conjunto de estudos (ver Dessen e
Costa Jr., 2005).
Em uma avaliação histórica da psicologia, Rossetti-Ferreira (2006) mostra que,
tradicionalmente, o desenvolvimento foi estudado a partir de uma abordagem nor­
mativa que o considerava em termos de mudanças progressivas advindas com o
crescimento ou a idade do indivíduo. Diferentes manuais de Psicologia do Desen­
volvimento focalizaram uma visão linear, fragmentada e descontextualizada do
desenvolvimento, que era definido de acordo com estágios, etapas ou fases. Ade­
mais, era subdividido em diferentes áreas, tais como o desenvolvimento motor,
cognitivo, afetivo, social e moral. O contexto de socialização como alvo de análise
se limitava à díade mãe-criança, com o foco em uma visão unidirecional acerca
dos comportamentos isolados de cada um dos participantes como apresentado
por Dessen e Braz (2005). Por volta da década de 1950, observou-se que a ênfase
no que acontecia desde a infância até a idade adulta modificou-se para um perío­
do mais longo, que se estendida no transcorrer de toda a vida do indivíduo. Até
então havia sido negada à velhice ou terceira idade a “possibilidade” de desenvolvi­
mento (Gusmão, 2003). Nas décadas de 1970 e 1980, uma nova revisão significativa
ocorreu na subárea da Psicologia do Desenvolvimento, à medida que pesquisado­
res enfatizaram uma perspectiva processual, a partir de influências biológicas,
ambientais e sociais. Finalmente, nas últimas décadas, a Ciência do Desenvolvimen­
to tem mostrado análises que não se restringem à fragmentação do desenvolvimento,
pois o consideram como um processo contínuo e dinâmico de mudanças estru­
turais que se desdobra ao longo da vida do indivíduo, em constante interação
com seu meio cultural (por exemplo, Collinvaux, Leite e DelFAglio, 2006; Dessen
e Costa Jr., 2005; Seidl de Moura, 2004). Elementos físicos, sociais, históricos e
ideológicos são considerados para uma análise do desenvolvimento de acordo
com as trocas recíprocas entre o indivíduo e tais elementos (Rossetti-Ferreira,
Amorim e Silva, 1999). Atualmente, portanto, observa-se a emergência de um
novo paradigma relativista e contextual, para o qual contribuem áreas de estudo
tão variadas quanto à ecologia social, biologia, sociologia, dentre outros (ver
Dessen e Costa Jr., 2005).
A partir deste novo paradigma, é possível destacar algumas contribuições
relevantes do mesmo para o estudo do processo de desenvolvimento a partir da
análise do comportamento. Uma destas contribuições é o estudo do desenvolvi­
mento humano considerando os contextos sociais e culturais nos quais o
indivíduo está inserido, ampliando-se, assim, a análise de variáveis que podem
controlar o comportamento. Outra contribuição é considerar o desenvolvimento
a partir de um enfoque interdisciplinar, buscando maior articulação com áreas
do conhecimento que consideram o desenvolvimento humano como objeto de
estudo, tais como antropologia, sociologia, educação e medicina. Para tanto, é
necessário uma abordagem multimetodológica para o estudo do desenvolvi­
Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento ■ 135
mento humano que apreenda a sua complexidade. Uma parte significativa dos
psicólogos do desenvolvimento reconhece a importância dos dados empíricos
na avaliação de suas teorias (Eye e Schuster, 2000). No entanto, um dos métodos
de pesquisa utilizado, tradicionalmente, no estudo do desenvolvimento corre­
lacionado, o qual relaciona a idade com mudanças no desenvolvimento, o que
permite a predição de comportamentos futuros, apesar de não haver controle
das variáveis relevantes. É importante ressaltar que pesquisas correlacionadas
podem sugerir variáveis independentes importantes a serem consideradas no
processo de desenvolvimento, as quais podem ser isoladas em uma pesquisa
experimental (Schlinger, 1995). A mudança de paradigma na ciência do desen­
volvimento, da ênfase em estudos transversais para longitudinais faz parte da
evolução da área, a qual tem defendido a utilização de múltiplas e repetidas
medidas do desenvolvimento, além da efetiva contribuição do uso de computa­
dores e softwares estatísticos (Eye e Schuster, 2000; Schaie, 2000; Nesselroade e
McCollam, 2000; Shanahan, Sulloway e Hofer, 2000).
O leitor iniciante pode, à primeira vista, assumir que existem muitas outras
semelhanças entre a análise do comportamento e a ciência do desenvolvimento,
ou com algumas das propostas que a compõem (por exemplo, modelo bioecológico elaborado por Bronfenbrenner, 1981/1996). O fato de ambas contesta­
rem a noção de causalidade linear e de definirem a ontogenia como principal
nível de análise, por exemplo, pode sugerir proximidade. No entanto, ao se
considerar particularidades voltadas aos pressupostos básicos de cada uma
delas, é possível identificar também incompatibilidades. A primeira se baseia
em princípios gerais como o reforço (que ocorre quando o comportamento
produz conseqüências que aumentam sua probabilidade futura de ocorrência),
prioriza relações funcionais (definidas empiricamente por relações de depen­
dência entre eventos ambientais e o comportamento) e não atribui a eventos
encobertos (por exemplo, sentimentos, pensamentos) um status causal. Já a se­
gunda se baseia em noções básicas como as de estágio (conjunto de habilidades
características de uma idade ou fase do ciclo de vida) e trajetória (seqüência de
eventos pessoais que compõem curso de vida) de desenvolvimento, considera
uma causalidade sistêmica e enfoca a influência de fatores cognitivos e de per­
sonalidade sobre o desenvolvimento. Outra diferença relevante envolve o con­
ceito de ambiente: para Bronfenbrenner (1981/1996) dependerá da forma como
o indivíduo percebe o ambiente e não de uma realidade “objetiva”. Já na análise
do comportamento, o ambiente refere-se a qualquer estímulo que adquira fun­
ção para o organismo (por exemplo, Palmer, 2004). Outros exemplos poderiam
ser citados, porém, não cabe nos objetivos desta discussão apontar exaustiva­
mente as possíveis diferenças entre análise do comportamento e a ciência do
desenvolvimento. Basta indicar que elas existem, devem ser mais bem demar­
cadas e precisam ser consideradas por todos os profissionais que as adotam como
referencial teórico-medotológico. A prioridade nesta discussão é esclarecer que
uma maior integração, não apenas entre diferentes abordagens da psicologia,
mas entre a psicologia e outras áreas de conhecimento (por exemplo, sociologia,
antropologia, medicina, farmacologia, educação), permitirá maior fortaleci­
mento de cada uma delas na busca por seus objetivos.
136 ■ Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento
Contribuições da Análise do Comportamento para
Compreensão do Desenvolvimento Humano
Apesar de o desenvolvimento humano ser tradicionalmente definido como obje­
to de estudo de uma subárea específica da psicologia, ele não é de interesse apenas
dos psicólogos (ou teóricos) do desenvolvimento (por exemplo, Collinvaux, Leite
e DelLAglio, 2006; Dessen e Costa Jr., 2005; Harzem, 1996; Seidl de Moura, 2004;
Shanahan, Sulloway e Hofer, 2000; Sidman, 1960/1976; Skinner, 1953/1981,
1961/2001,1981,1984,1986; Tourinho e Carvalho Neto, 2004). O analista do com­
portamento também se dedica a investigar distintos processos relacionados a
padrões comportamentais, incluindo sua aquisição e manutenção, estados estáveis
e de transição. O modelo de aprendizagem (operante) tem importante contribui­
ção para a compreensão de influências ambientais sobre o desenvolvimento
humano (Gauy e Costa Jr., 2005), na medida em que fornece uma base teórica e
metodológica sistemática para se identificar mudanças comportamentais que
implicam desenvolvimento e, ao mesmo tempo, são suscetíveis à aprendizagem
por meio do arranjo de contingências (Gewirtz e Pelaez-Nogueras, 1996). Portanto,
este modelo indica variáveis ambientais que podem ser investigadas ou alteradas
de modo a gerar previsão e controle sobre padrões de comportamentos que favo­
reçam ou dificultem o desenvolvimento.
A relevância e utilidade do principal instrumento conceituai disponível ao
analista do comportamento - a análise funcional - podem ser verificadas a partir de
estudos com comportamentos autolesivos e agressivos. Tais estudos exemplificam
a gradual adoção da terminologia e de instrumentos de avaliação e análise fun­
cional, a partir do final da década de 1980 (ver a revisão de Pelios, Morren, Tesch e
Axelrod, 1999). Esta revisão considerou os periódicos Analysis and Intervention in
Developmental Disabilities (1981 -1985), hoje Research in Developmental Disabilities
(1986-1997); Behavior Modification (1978-1997); Journal of Applied Behavior
Analysis (1968-1997); Journal of Autism and Childhood Schizophrenia (1971-1978),
hoje Journal of Autism and Developmental Disorders (1978-1997); e Mental Retar­
dation (1968-1997).
Dunlap e Kincaid (2001) fizeram uma revisão da utilização do termo análise
funcional a partir do índice de assuntos (subject index) do Journal of Applied Beha­
vior Analysis, de 1968 até 2000. Os registros feitos pelos autores indicaram um
gradual aumento de citações do termo a partir da década de 1980 - apesar de não
ter sido utilizado nos estudos publicados entre 1968 e 1989, foi identificado em 22
citações no ano de 2000. A maior quantidade de citações ocorreu em 1994 devido
à publicação de uma edição especial sobre avaliações e tratamentos baseados em
análises funcionais. Além disso, Dunlap e Kincaid (2001) examinaram quatro
manuais representativos da abordagem analítico-comportamental e constataram
que a maior política de impacto dessa abordagem é representada pela análise
funcional. Esta é amplamente utilizada em diversas mídias (por exemplo, livros,
CD-ROM e internet), com um total de 173 mil resultados encontrados em uma
busca em web sites. Ao final da década de 1990, um manual elaborado por Watson
e Gresham (1998), o Handbook of Child Behavior Therapy, também mostra a larga
Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento ■ 137
utilização da abordagem funcional - a partir dos termos avaliação e análise fun­
cional - aplicada a diferentes padrões de comportamentos infantis, nos contextos
familiares, educacionais e de saúde.
Entretanto, os termos avaliação funcional e análise funcional têm recebido
diferentes defini^Ées (Cavalcante, 1999; Sturmey, 1996), algumas das quais serão
apresentadas aqui devido à relevância de ambos para a compreensão do principal
instrumento conceituai da análise do comportamento. A avaliação funcional é
voltada para a identificação de potenciais variáveis controladoras do comportamen­
to e envolve o uso de diferentes métodos, sendo então adotada como um ponto
de partida para uma avaliação comportamental mais ampla (Horner, 1994). Gre­
sham e Lambros (1998) explicam que a análise funcional é um tipo de avaliação
funcional que permite identificar as variáveis mencionadas a partir da manipulação
experimental de condições ambientais determinantes para o comportamento do
indivíduo. Entretanto, o próprio termo análise funcional tem sido utilizado de
diferentes maneiras. Dentre sete possíveis definições consideradas por Sturmey
(1996), duas merecem destaque. A análise funcional descritiva se baseia em me­
didas indiretas (por exemplo, relatos verbais) ou observacionais, a partir das quais
é possível identificar relações entre comportamentos e eventos ambientais, sem
haver manipulação direta de variáveis. Quando tal manipulação ocorre, por sua
vez, é possível realizar a análise funcional experimental, a partir da qual a função do
comportamento é avaliada de forma controlada e sistemática - uma variável inde­
pendente (evento ambiental) é manipulada e se demonstram relações de dependên­
cia com a variável dependente, isto é, o comportamento-alvo selecionado.
Avaliações funcionais, particularmente baseadas em análises funcionais, po­
dem ser enriquecidas quando o profissional adota o método de observação
sistemática. Neste, observadores treinados, com índices de concordância estabe­
lecidos e que garantem a fidedignidade dos dados, utilizam descrições objetivas
e parcimoniosas de unidades comportamentais selecionadas. As observações
podem ser contínuas ou parciais, com divisões em blocos temporais ajustadas aos
interesses dos diferentes estudos. Vale ressaltar a importância da ambientação
prévia do observador, o que poderá minimizar o efeito reativo do método observacional, o qual tem utilizado amplamente a tecnologia de vídeo (Danna e Matos,
1996; Dessen e Murta, 1997; Fagundes, 1982). A metodologia observacional tem
sido utilizada por etologistas, antropólogos e psicólogos interessados no desen­
volvimento ao realizarem pesquisas com animais não-humanos ou ao investigarem
a interação de indivíduos em ambientes naturais ou laboratórios (por exemplo,
Bakeman e Gottman, 1986/1997; Naves, 2008 com a observação de famílias no
laboratório). No entanto, alguns psicólogos que se interessam pelos aspectos di­
nâmicos do comportamento adotam medidas estáticas do mesmo ao discutirem
processos envolvidos em interações sociais. As técnicas de análise de dados se­
qüenciais são parte dos métodos de observação sistemática capazes de capturarem
detalhes na interação entre indivíduos, num determinado contexto. Finalmente,
ao discutir qualquer técnica de observação sistemática do comportamento é im­
portante considerar o treinamento contínuo de observadores (Johnston e
Pennypacker, 1980/1993) e a cuidadosa definição de códigos e categorias compor­
tamentais (por exemplo, Zamignani, 2007).
138 ■ Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento
Técnicas seqüenciais de observação e registro também podem ser adotadas duran­
te a avaliação funcional quando for necessário analisar o comportamento, momento a
momento, em uma interação em curso, contínua. Elas enriquecem uma observação
sistemática ao possibilitarem a formulação de perguntas sobre como o comportamen­
to é sequenciado ao longo do tempo, o que também traz informações relevantes sobre
a sua função em um contexto determinado (Bakeman e Gottman, 1986/1997). Caso o
psicólogo se proponha a investigar o desenvolvimento do comportamento social de
crianças de dois a cinco anos, observações sistemáticas podem ser feitas durante brin­
cadeiras livres, permitindo a definição de diferentes categorias ou níveis de interação
social (por exemplo, brincadeira independente ou solitária, brincadeira cooperativa,
brincadeiras paralelas).Ao somar o tempo total em que as crianças de diferentes idades
passam em cada uma das categorias de brincadeira, é possível identificar, por exemplo,
que as crianças mais velhas se envolvem em tarefas cooperativas durante mais tempo
do que crianças de dois anos (Parten, 1932). Não seria imprescindível desenvolver nes­
se tipo de estudo uma análise seqüencial, mas pode se tornar relevante caso o
pesquisador se interesse em identificar como ocorre a mudança de um tipo de brinca­
deira para outro tipo. Como as crianças transitam de uma brincadeira para outra? Será
que existe alguma ordem nessas mudanças? Nesse sentido, apenas uma análise seqüen­
cial permitiria concluir que raramente as crianças mudam diretamente de uma
brincadeira solitária para uma brincadeira em grupo (Parten, 1932).
Todavia, é preciso cautela ao sugerir que tais análises sejam privilegiadas em todo
e qualquer estudo ou intervenção, independente dos objetivos de cada um deles.
Observações não-sequenciais do comportamento podem ser priorizadas em outros
estudos e também fornecer um rico banco de dados, como o obtido por Hart e Risley
(1995/2004). O estudo longitudinal conduzido pelos autores enfocou a análise do
desenvolvimento do vocabulário de crianças pequenas em 42 famílias norte-americanas, com diferentes status socioeconômicos. As observações foram realizadas
durante lh/mês, no transcorrer de dois anos. Nessas observações, a equipe de pes­
quisadores filmou as interações cotidianas das crianças com adultos no ambiente
doméstico e posteriormente registrou as trocas verbais vocais entre eles. Os dados
mostraram que cuidadores podem ampliar consideravelmente o repertório verbal
vocal das crianças, o que gera repercussões significativas no desempenho acadêmico
das mesmas. Três grupos familiares foram então identificados a partir da quantidade
e qualidade das interações verbais vocais desenvolvidas rotineiramente com as crian­
ças. As crianças que apresentaram as mais altas frequências de palavras emitidas (ou
seja, maior vocabulário) estavam inseridas em famílias nas quais os adultos direcionavam a elas um maior número de palavras diariamente e, portanto, cumulativamente
ao longo dos anos. Além disso, esses adultos utilizavam uma linguagem mais diversi­
ficada (por exemplo, diferentes palavras, sentenças mais longas), eram mais
responsivos aos interesses da criança durante um diálogo (por exemplo, a ouviam
atentamente) e faziam perguntas à criança de modo a ocasionar oportunidades de
escolha e negociação. Eles também apresentavamfeedbackspaia os comportamentos
da criança com base em muitos encorajamentos e poucas proibições ou ordens.
Os dados obtidos no estudo longitudinal conduzido por Hart e Risley (1995/2004)
ilustram a importância de se considerar fatores ambientais no desenvolvimento do
repertório verbal (vocal) de crianças. Àmedida que identificaram detalhes presentes
Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento ■ 139
nas rotinas familiares das famílias norte-americanas observadas, os autores cons­
truíram uma rica fonte de consulta para a formulação de políticas sociais. Para
tanto, além da influência das práticas (educativas) familiares sobre o desenvolvi­
mento de diferentes repertórios comportamentais de crianças e jovens, é necessário
considerar também aquelas relacionadas à escola e mídia (Biglan, 1995) por serem
as três principais fontes de controle sobre o desenvolvimento da criança, na nova
era da comunicação iniciada na década de 1990 (por exemplo, Denning, 2004/2005).
Nesse sentido, torna-se cada vez mais necessário considerar a introdução do tercei­
ro nível de seleção apresentado por Skinner (1981) - o nível cultural, em quaisquer
estudos voltados para o desenvolvimento. Práticas culturais são definidas em termos
de comportamentos que são replicados por indivíduos, intra e intergerações, em um
sistema sociocultural (Andery, Micheletto e Sério, 2005; Glenn, 1988; Glenn e Malagodi,
1991; Guerin, 2000; Naves, 2008). Há um gradual desenvolvimento de processos* compor­
tamentais (na ontogênese) a partir da evolução biológica do indivíduo (na filogênese),
assim como de processos culturais a partir dos processos comportamentais. No nível
de seleção cultural, o comportamento de outros membros da espécie toma-se ambiente
para o desenvolvimento do repertório social dos indivíduos do grupo. Assim, o ecossis­
tema comportamental de cada indivíduo - o repertório comportamental e o ambiente
- é integrado a um sistema mais amplo, denominado social. Contingências entrelaçadas**
são então observadas, pois o comportamento de cada indivíduo tem um papel duplo
de ação e de ambiente para o comportamento de outros indivíduos (Glenn, 1991). Logo,
a partir dos processos de seleção no nível cultural é possível explicar as adaptações da
humanidade a um ambiente com intensas e constantes mudanças. As práticas culturais
produzem alterações cumulativas no ambiente, as quais podem tanto preservar a es­
pécie humana, quanto ameaçar a sobrevivência de toda a Terra.
Conforme mencionado anteriormente, o desenvolvimento humano deve ser
analisado a partir das relações entre as evoluções biológica, comportamental e cultu­
ral. Para exemplificar a necessidade de se considerar essas relações em estudos sobre
o comportamento, Glenn (1991) apresenta alguns dados da antropologia evolucionária, dentre os quais destaca a alta proporção de similaridade entre o ácido
desoxirribonucleio (DNA, deoxyribonucleic acid), ou seja, entre a estrutura genética
de chimpanzés e de seres humanos. Apesar dessa similaridade biológica, seres huma­
nos apresentam padrões comportamentais altamente individualizados, intra e
intergerações, quando comparados aos chimpanzés, cujo repertório é basicamente
formado por padrões fixos de ação***, com menor ocorrência de variabilidade com-
* “Processos” referem-se à produção e manutenção de padrões de comportamentos no transcorrer da
vida do indivíduo, em que o primeiro nível de seleção, a filogenia, pode receber um menor peso expli­
cativo, que é então complementado pelos níveis ontogenético e cultural (Glenn, 1991; Skinner, 1981).
** Ao considerar a interação de dois ou mais indivíduos descrita a partir de três contingências tríplices,
o entrelaçamento será definido por relações de dependência entre os elementos de cada uma dessas
três contingências. Assim, qualquer um dos elementos da primeira contingência poderá evocar ou
causar o comportamento do segundo e terceiro indivíduos, por exemplo. Diferentes arranjos de en­
trelaçamento poderão ser observados em diferentes metacontingências.
*** Termo etológico utilizado para uma seqüência de respostas determinadas filogeneticamente (Ca­
tania, 1998/1999).
140 ■ Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento
portamental. É interessante notar que, aproximadamente nos últimos 90.000 anos,
registraram-se mudanças aceleradas no ambiente em que vivem os seres humanos,
enquanto que as características biológicas dos mesmos sofreram pequenas alterações
(Glenn, 1991). Na evolução biológica, há uma contínua adaptação das características
biológicas às características do ambiente. Estas características são transmitidas entre
as gerações, porém, como o ambiente em que vivem pode ter sido altamente modi­
ficado, isto exigirá o desenvolvimento de repertórios comportamentais que favoreçam
o ajuste a novos ambientes (Skinner, 1981,1984).
Uma forma na qual seres vivos têm se tornado mais
complexos é por meio de seus repertórios comportamentais.
Dentre as inovações evolucionárias mais interessantes
(pelo menos da perspectiva humana) estão os processos comportamentais,
os quais resultam em mudanças no comportamento durante o período da
vida de organismos individuais. Tal evolução ontogenética tem sido
especialmente importante no surgimento e dominância de nossa
própria espécie. (Glenn, 1991, p. 42, traduzido pelas autoras)
A unidade de análise proposta e utilizada por alguns autores para o estudo das
práticas culturais é a metacontingência. Ela pode ser descrita como um conjunto
de contingências comportamentais entrelaçadas, ou seja, como relações funcionais
entre classes de operante nas quais o comportamento de um indivíduo pode ser
uma ocasião ou uma conseqüência para o comportamento de outro indivíduo.
Estas contingências interligadas produzem uma conseqüência em longo prazo
comum que retroage sobre todas elas: o produto agregado (Glenn, 1986/2005). Tal
conseqüência pode, por sua vez, ser selecionada por um sistema receptor, que
corresponde às demandas ambientais de outros grupos sociais (Gleen e Malott,
2004). Todo este arranjo de contingências se insere em um meio cultural consti­
tuído, por exemplo, pelos valores religiosos, leis governamentais, tradições
familiares e sistema econômico (por exemplo, Houmanfar e Rodrigues, 2006).
Em uma compreensão ampla do desenvolvimento humano, é necessário ir
além do indivíduo que se desenvolve, identificando as relações estabelecidas por
ele em diversos contextos sociais, incluindo elementos socioeconômicos, políticos,
históricos e os valores que perpassam o processo de desenvolvimento (RossettiFerreira, 2006). Assim, unidades sociais mais amplas, tais como família, escola e
Estado (Biglan, 1995), devem ser necessariamente consideradas ao se analisar o
desenvolvimento de um indivíduo. A análise de metacontingências pode envolver
diferentes agentes sociais, como médicos, educadores e pais, e indicar a manu­
tenção de práticas culturais voltadas, por exemplo, para a ênfase na doença. Alguns
dos conceitos de desenvolvimento adotados por estes agentes sociais podem se
tornar estímulos antecedentes (discriminativos ou operações estabelecedoras*)
que evocam práticas educativas dirigidas a crianças e jovens. Essas práticas cultu­
rais podem ser alteradas a partir da discussão desse conceito e com planejamentos
* Ver Cunha e Isidro-Marinho (2005).
Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento ■ 141
culturais que defendam a capacidade de todos os indivíduos de interagirem de
forma plena e eficaz com seu meio ambiente social, estabelecendo trocas mútuas
que favorecem o processo de desenvolvimento.
Tanto psicólogos da ciência do desenvolvimento como analistas do comporta­
mento têm considerado os potenciais efeitos sobre o desenvolvimento de mudanças
em unidades sociais mais amplas, como a família, escola e governo. Conjuntos de leis
recentemente voltados para o estabelecimento do Poder Familiar em substituição à
terminologia anterior - Pátrio Poder- da guarda compartilhada e da proteção integral
da criança e do jovem (por exemplo, Lemer, Fisher e Weinberg, 2000; Logue, 1998;
Shanahan, Sulloway e Hofer, 2000; Lei n2 6.515,1977; Lei n2 8.069,1990; Lei n2 10.406,
2002) propõem mudanças a fim de gerar contingências específicas nos ambientes
disponibilizados às novas gerações. Tais contingências devem incluir envolvimento
parental e monitoramento constante, associados ao reforço positivo. Esses três ele­
mentos resultam em proximidade entre pais e filhos, além de dificultarem o
desenvolvimento de repertórios comportamentais de risco (por exemplo, antissociais),
seja no ambiente acadêmico, familiar ou social mais amplo (Biglan et al., 1997; Patter­
son, Reid e Dishion, 1992). Portanto, a análise dos ambientes nos quais as crianças
interagem possibilitará a caracterização de condições que podem otimizar o desen­
volvimento de um amplo repertório comportamental, quando se parte da premissa
do desenvolvimento a partir das interações do indivíduo com o ambiente.
Nesse sentido, além do conceito de metacontingências, os analistas do compor­
tamento dispõem de outro conceito que permite, de alguma maneira, organizar
o processo de desenvolvimento. Rosales-Ruiz e Baer (1997) propuseram o conceito
de behavioral cusp* (cunha ou ápice comportamental**) para se referir a mudan­
ças singulares na interação organismo-ambiente que proporcionam considerável
ampliação do repertório comportamental do indivíduo.
Considera-se cunha aquela mudança comportamental que tem
conseqüências para o organismo além da mudança em si mesma,
algumas das quais podem ser consideradas importantes (...). O que
torna uma mudança comportamental uma cunha é que ela expõe o
repertório do indivíduo a novos ambientes, especialmente a novos
reforçadores e punidores, novas contingências, novas respostas,
novos controles de estímulos e novos conjuntos de contingências
mantenedoras ou destrutivas, (p. 534, traduzido pelas autoras)
* No sentido de que alguns comportamentos ou contingências cunham ou criam novos comporta­
mentos, que interagem com novas contingências. Ver também a discussão sobre contingências de
adução e coadução (Andronis, Laying e Goldiamond, 1997). O comportamento social de agressão
simbólica constitui-se um exemplo da contingência de coadução, em que há uma combinação de
repertórios resultantes de duas contingências, uma histórica e outra vigente, formando uma nova
classe funcional de comportamento. Na contingência de adução, um comportamento estabelecido
em uma relação de contingência satisfaz as exigências de uma nova contingência, produzindo, assim,
uma nova relação funcional.
** Ver as diferentes traduções de behavioral cusp em De Rose e Gil (2003) - ápice comportamental - e
Tourinho e Carvalho Neto (2004) - cunha comportamental.
142 ■ Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento
Os comportamentos de engatinhar, falar, ler com fluência, escrever e brincar
podem ser considerados cunhas comportamentais se possibilitarem a inserção do
indivíduo em uma ampla variedade de contextos e atividades e, assim, proporcionar
o desenvolvimento diante de novas exigências que poderão ser implementadas
por outros indivíduos (Bijou, 1995; Rosales-Ruiz e Baer, 1997). Na medida em que
o desenvolvimento envolve mudanças contínuas nas interações organismo-ambiente, ele dependerá principalmente daquelas que indicarão a uma comunidade
específica um momento em que ocorre clara expansão do repertório comporta­
mental. Vale ressaltar, no entanto, que uma mudança específica só será considerada
uma cunha comportamental de acordo com critérios como:
• Validade social, ou seja, se corresponde às demandas da comunidade em
que o indivíduo se insere.
• Generalidade, na medida em que seja um pré-requisito ou um elo em uma
cadeia comportamental* e assim facilite a aprendizagem de novos compor­
tamentos (Bosch e Fuqua, 2001; de Rose e Gil, 2003).
Por fim, vale detalhar outras contribuições feitas na análise do comportamento
ao se considerar o continuum do desenvolvimento humano, que pode ser traçado
tendo-se, em um dos extremos, a criança e, em outro, o idoso. Os grupos de indi­
víduos que se encontram nesses extremos muitas vezes necessitam de intervenções
ou programações específicas de contingências, a fim de se compensar limitações
ambientais ou comportamentais.
Se nos referirmos às crianças, é possível identificar contingências familiares,
além daquelas estabelecidas no contexto acadêmico, que raramente são criterio­
samente analisadas em busca de um planejamento mais favorável ao desenvolvimento
delas. Com frequência, práticas culturais predominantes na cultura ocidental
atribuem ao organismo ou ao próprio indivíduo toda a responsabilidade pela
emissão de comportamentos perturbadores que trazem prejuízos ao seu desen­
volvimento. Tais comportamentos são frequentemente categorizados em termos
de adjetivações ou rótulos (por exemplo, agressivo, desobediente, viciado, desa­
tento, hiperativo), que tendem a ser repetidamente usados como explicações de
quaisquer comportamentos. Explicações circulares são assim formuladas por
pais e professores, sem que informações contextuais sejam acrescentadas a elas
e sem que novas contingências sejam programadas para fortalecer comporta­
mentos alternativos. Nesse contexto, a criança pode experimentar sentimentos
de tristeza, emitir comportamentos de contracontrole** e apresentar isolamen­
to social (Glenn, 1991).
* Uma cadeia comportamental é estabelecida quando um mesmo estímulo possui tanto função de
reforçador condicionado para um comportamento anterior da cadeia quanto de um estímulo discri­
minative para a ocorrência do comportamento seguinte na cadeia (Teixeira-Júnior e Souza, 2006).
** Sidman (1989/1995) mostra que mecanismos de contracontrole são respostas que podem ser con­
sideradas quase automáticas a pressões ou coerção intensa. Essas respostas podem ocorrer na forma
de burladas leis, por exemplo, a partir do abuso de drogas, do abuso verbal ou, ainda, de outras for­
mas de fuga ou esquiva da punição (desistência escolar, por exemplo).
Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento ■ 143
Em geral, não se observa no mundo contemporâneo destaque para uma ampla
análise de práticas educativas das novas gerações de pais na interação com crian­
ças e jovens, embora as práticas culturais já mencionadas tenham resultado em
significativos problemas para muitas famílias (Biglan, 1995; Biglan et al., 1997).
(...) Como uma sociedade, nossa abordagem na criação das crianças é
muito casual Apesar de como consumidores inspecionarmos a qualidade
de televisores, gravadores de videocassetes e automóveis nós, raramente,
pensamos nesses termos sobre o nosso mais importante produto - nossas
crianças. (Biglan, 1995, p. 257, traduzido pelas autoras)
Práticas culturais são transmitidas no que se refere ao cuidado ou às interações
de adultos com crianças a exemplo da transmissão de práticas educativas coercitivas
entre as diferentes gerações (Azevedo e Guerra, 2001; Sidman, 1989/1995; Zagury,
1996). A análise de variáveis contextuais e o planejamento voltado para o efetivo
monitoramento ou acompanhamento das crianças em diferentes ambientes favo­
recem o desenvolvimento de laços afetivos duradouros (Brazelton e Greenspan,
2000/2002) e a adoção de práticas educativas marcadas por reforço positivo*, dimi­
nuindo a utilização de contingências aversivas, marcadas por ameaças e punições.
O fortalecimento destas práticas poderá diminuir a frequência de comportamentos
perturbadores de risco, os quais podem variar desde baixo desempenho acadêmico
a crimes, gravidez precoce, comportamento sexual de risco, abuso de substâncias
ilícitas, tabagismo e alcoolismo (Biglan, 1995; Biglan et al., 1997; Patterson, Reid e
Dishion, 1992). É necessário analisar e intervir no arranjo de contingências consi­
derando-as também a partir do nível de seleção cultural.
A família brasileira, por exemplo, tem sido exposta a mudanças significativas
a partir da metade do século XX. O processo de industrialização; as mudanças
econômicas e a luta das mulheres pela independência financeira que as introdu­
ziu no mercado de trabalho; os avanços tecnológicos que favoreceram o controle
do número de filhos, diminuindo-os no transcorrer da história; a promulgação da
Lei do Divórcio (1977), do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e do novo
Código Civil (2002) são fatores que contribuíram para o surgimento de diferentes
tipos de organização familiar (Naves, 2008; Postman, 1995/2002). Todo este con­
texto pode ser analisado a partir de matrizes complexas envolvendo contingências
e metacontingências, já descritas anteriormente, que resultam em alterações signi­
ficativas nas interações com as novas gerações.
Se nos referirmos aos idosos, entenderemos que o avanço das ciências no
mundo contemporâneo, ao resultar na maior longevidade dos povos, promoveu
também mudanças sociais nas interações estabelecidas com eles e a necessidade
de considerá-los em estudos sobre o desenvolvimento humano. Comumente, o
* As operações de reforços positivo e negativo resultam no aumento da probabilidade futura de um
determinado comportamento de acordo com conseqüências produzidas por ele. Os qualificadores
positivo e negativo referem-se a operações matemáticas de introduzir ou suspender essas conseqüên­
cias, respectivamente (Catania, 1998/1999).
144 ■ Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento
comportamento dos idosos é controlado por contingências de reforço vagamente
definidas e por reforço não contingente (ou aleatório). Ou seja, eles não precisam
emitir comportamentos com topografias específicas frequentemente exigido de
outras pessoas, sendo assim dispensados de um desempenho considerado social­
mente adequado (por exemplo, em situações que envolvam cuidados pessoais e
a participação nas refeições em família). Portanto, muitos comportamentos emi­
tidos pelos idosos podem não ser consequencias diferenciais, o que resulta no
empobrecimento de seu repertório comportamental diante de rotulações que su­
gerem subestimação de suas potencialidades (Starling, 1999). Além da relevância
de se enfocar práticas culturais a serem modificadas para que se minimize a “ve­
lhice comportamental", práticas alimentares diferenciadas e exercícios físicos
rotineiros, assim como outros cuidados com a saúde (por exemplo, envolvendo
postura corporal, uso da voz) também podem contribuir para o adiamento ou a
minimização do declínio funcional observado no organismo humano. Contingên­
cias podem, portanto, ser programadas de modo a proporcionar compensações
comportamentais e ambientais (particularmente culturais) para a crescente fra­
gilidade fisiológica relacionada ao processo de envelhecimento (por exemplo,
Anderson, McCloskery, Tata e Gorby, 2003; Biglan eta l , 1997; Schaie, 2000; Siqueira,
Botelho e Coelho, 2002; Skinner e Vaughan, 1983/1985).
Ambos os grupos de indivíduos (crianças e idosos) que se encontram nesses
extremos sofrem mudanças intensas em nível biológico e também comportamental
e, por isso, merecem atenção especial. A análise dessas particularidades possibili­
tará tanto os planejamentos de contingências que promovam o desenvolvimento
de um rico repertório comportamental desses indivíduos, quanto os planejamen­
tos culturais envolvendo variados sistemas sociais (por exemplo, família, escola e
sistemas de saúde). Contudo, isto não significa dizer que o analista do comporta­
mento deva atuar com uma abordagem nomotética. Ele deve, ao contrário,
continuar adotando uma abordagem idiográfica, utilizando a metodologia do
sujeito como seu próprio controle, com os demais indivíduos inseridos no trans­
correr desse continuum do desenvolvimento (ver Harris, 2003 e Saville e Buskist,
2003 - revisões de delineamentos de pesquisa experimental nomotética e idiográ­
fica, respectivamente).
Considerações Finais
A utilização do termo desenvolvimento, neste capítulo, não se referiu apenas ao
desenvolvimento da criança, mas ao desenvolvimento de qualquer padrão de
comportamento humano, independente da idade. O desenvolvimento pode en­
volver a aquisição de novos comportamentos, sua manutenção ou variação, e deve
ser analisado a partir de uma ampla rede de interações organismo-ambiente. O
surgimento de novos comportamentos é, na verdade, contínuo sob a perspectiva
analítico-comportamental, uma vez que um determinado comportamento nunca
é exatamente igual a outro. O conceito de classe operante é então utilizado porque
as topografias dos comportamentos podem ser mantidas ou variadas, mas estes
resultam em uma mesma conseqüência ou função (Skinner, 1953/1981).
Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento ■ 145
Finalmente, cabe enfatizar novamente que o intercâmbio entre as áreas de
pesquisas e de aplicação da tecnologia comportamental indicará variáveis a serem
investigadas e assim favorecerá explicações consistentes do desenvolvimento
humano (por exemplo, Andronis, 2004; Lattal, 2005; Lerner, Fisher eWeinberg, 2000).
A diversidade de fontes de controle sobre o desenvolvimento do comportamento
humano reflete a complexidade e riqueza dos processos de desenvolvimento, o que
não inviabiliza investigações científicas neste campo de estudo e intervenção (por
exemplo, Sidman, 1960/1976).
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