A Transformada Raio-X e aplicações em Tomografia Computadorizada Rolci Cipolatti Introdução: Se entendermos a palavra tomografia como sinônimo para aqueles processos ditos não invasivos, isto é, os processos que permitem descrever o interior de um corpo sem que seja necessário abri-lo, sua abrangência transcende a área médica. Entretanto, é como técnica de diagnóstico médico que esta palavra se popularizou; além dos tradicionais aparelhos de raios-X , podemos citar outros processos freqüentemente mencionados pela grande imprensa, com os quais os médicos fazem diagnósticos a partir de imagens, como, por exemplo, ultrasonografia e ressonância magnética. No caso da medicina, a escolha de um ou outro processo depende muito das circustâncias e dos efeitos que o mesmo possa acarretar ao paciente. A ultrasonografia, por exemplo, emprega ondas de som de alta freqüência, com as quais é possı́vel descrever detalhes anatômicos com boa resolução. Ela é particularmente adequada para situações onde a exposição à radiação seja indesejável (exames fetais ou neonatais), ou para estruturas que se movimentam (exames cardiológicos, etc). A ressonância magnética também utiliza um tipo de radiação não ionizada, que permite obter imagens bem mais precisas para informações fisiológicas. Atualmente, muitos progressos têm sido obtidos também nas técnicas convencionais de radiografia, com a utilização de materiais mais sensı́veis (monitores fluoroscópicos, por exemplo), possibilitando uma melhoria significativa das imagens sem a necessidade de aumentar a potência da radiação ou o tempo de exposição. Os progressos cientı́ficos e tecnológicos possibilitaram o desenvolvimento de diversas técnicas, como, por exemplo, “X-ray computed tomography” (CT), “digital radiography”, “real-time ultrasonic scanners”, “single-photon emission computed tomography” (SPECT), “positron emission tomography” (PET), “magnetic ressonance imaging” (MTI), etc. No entanto, é absolutamente inquestionável que todos estes avanços se devem à atual “revolução digital”, onde os computadores são os principais ingredientes nos processos de reconstrução das imagens. Do ponto de vista da Matemática, os modelos sobre os quais a tomografia computadorizada se baseia incluem, como uma de suas etapas básicas, o problema da reconstrução gráfica de uma função f a partir de certas informações obtidas. Por exemplo, no caso de emissões de raios-X, a densidade de massa dos tecidos orgânicos que compõem o interior do corpo pode ser descrita por uma certa função a ser determinada a partir do conhecimento de suas integrais de linha. Radiografia Convencional versus Tomografia Computadorizada A despeito da existência de novas e mais potentes técnicas de diagnóstico, a radiografia convencional (X-ray radiology) ainda é, por causa de sua simplicidade o procedimento clı́nico mais utilizado. Com isso, não é necessário um treinamento muito longo para a utilização dos equipamentos e as imagens obtidas possuem boa resolução em muitos casos. Quando um feixe de raios-X penetra em um corpo, a intensidade dos raios diminui por causa da interação dos fótons com os átomos ou moléculas do material. Partindo 1 deste fato, o processo da radiografia convencional pode ser esquematizado como segue: os raios produzidos por um gerador são filtrados para remover nı́veis de energia indesejáveis e minimizar os efeitos nocivos ao paciente. Aqueles raios que ultrapassam os tecidos passam por um segundo filtro (que absorve as radiações espalhadas) e incidem sobre um filme. Como a absorção dos raios que passam pelo corpo é proporcional a densidade de massa do tecido orgânico, o registro sobre o filme indica as regiões de maior ou menor densidade, construindo, assim, uma imagem (bi-dimensional). Em casos especiais, este procedimento é suficiente para um diagnóstico preciso (por exemplo, observação de fraturas ósseas). Entretanto, ele apresenta muitas limitações. Primeiramente, a radiografia convencional é uma projeção bi-dimensional de uma estrutura que, em geral, é tridimensional. Assim, a imagem obtida é uma superposição de infinitos planos, de modo que, não somente as informações sobre profundidade ficam perdidas, como a detecção de alguma anomalias fica impossı́vel. Em segundo lugar, a radiografia convencional não permite que se obtenha informações quantitativas sobre a densidade dos tecidos observados. Uma solução parcial para esses problemas pode ser obtida com a utilização da tomografia computadorizada. No caso da tomografia por raios-X, os ingredientes são os mesmos, o que muda é a estratégia. Como a própria palavra indica (em grego, tomo quer dizer corte, fatia), a tomografia é uma técnica especial para a obtenção de imagem de uma seção (um corte) do corpo, obtida pela emissão e detecção de feixes de raios-X em deversas direções. A idéia da tomografia computadorizada não é muito nova. Ela remonta a 1917, com os trabalhos do matemático austrı́aco J. Radon, que determinou a solução matemática do problema de reconstrução de imagens, quando trabalhava com as equações do campo gravitacional. As primeiras técnicas de reconstrução foram desenvolvidas por Bracewell (1956), em rádio-astronomia, para identificar regiões do sol que emitiam micro-ondas. Essas técnicas foram posteriormente aplicadas na microscopia eletrônica, para a reconstrução da estrutura de moléculas. Os primeiros sistemas de reconstrução de imagens baseados na emissão de raios-γ foram feitos independentemente por Kuhl e Edwards (1973). Uma etapa fundamental para o desenvolvimento dos processos de reconstrução de imagens foi atingida em 1963, a partir do trabalho de Allan Cormack, da Universidade de Tufts, quando desenvolvou modelos matemáticos que permitiram obter imagens muito mais precisas. Esses modelos foram utilizados no primeiro equipamento de tomografia por raios-X, construı́do em 1972, por Hounsfield, nos laboratŕios EMI, Inglaterra. Por esses desenvolvimentos, Cormack e Hounsfield receberam o Prêmio Nobel de medicina em 1979. A Tomografia do Ponto de Vista da Matemática O problema essencial da tomografia é o da determinação da estrutura interna de um meio usando resultados de medidas da radiação que o atravessa. Para a interpretação dos resultados, considera-se a radiação como a migração de micropartı́culas em uma substância. Assim, podemos considerar a equação de Boltzmann como um modelo matemático adequado para descrever tais processos, onde aqueles coeficientes que descrevem a estrutura do meio são desconhecidos. Portanto, do ponto de vista da Matemática, o problema da tomografia se formula como um problema de determinação de parâmetros para a equação de Boltzmann. 2 Um Modelo Simples para o Processo de Radiação Consideremos uma região Ω do espaco ocupada por um corpo não homogêneo. Vamos admitir que o corpo esteja sendo bombardeado por feixes de fótons produzidos a partir de geradores externos. De um ponto de vista clássico, podemos usar a teoria do transporte de partı́culas para descrever o processo de irradiação. Para isso, devemos levar em consideração a interação dos fótons com os átomos ou moléculas que compõem o meio em Ω e a interação entre fótons. No que se refere a interação dos fótons com o meio, há dois tipos de efeitos que devem ser considerados: a absorção e o espalhamento; o primeiro se refere ao fato de que alguns fótons são absorvidos pela substância e, o segundo, que a interação de um fóton com um átomo da substância pode desviar sua trajetória e alterar sua energia. Quando todos esses efeitos são levados em consideração, obtemos a equação (não linear) de Boltzmann, que é uma equação integro-diferencial (isto é, uma equação que envolve derivadas parciais e integrais da função incógnita). Os coeficientes desta equação, que dependem da estrutura do meio, são os parâmetros a serem reconstituı́dos a partir de informações obtidas da irradiação que atravessa o corpo. Para se obter um modelo simples, devemos desconsiderar a interação entre os fótons (que seria responsável por termos não lineares) e os efeitos de espalhamento (que dão origem aos termos integrais na equação). De um ponto de vista clássico, o estado de uma partı́cula (fóton) pode ser caracterizado pelos seguintes parâmetros: 1) a localização ~x = (x1 , x2 , x3 ) ∈ R3 ; 2) a direção ~ω = (ω1 , ω2 , ω3 ) ∈ S do seu deslocamento, onde S denota a esfera unitária de R3 ; 3) e a energia E de seu movimento, E ∈ [E1 , E2 ]. Se considerarmos as coordenadas esféricas convencionais, podemos expressar ~ω = (sen θ cos φ, sen θ sen φ, cos θ), θ ∈ [0, π], φ ∈ [0.2π). Como pretendemos tratar somente os efeitos de absorção, podemos supor que todos os fótons têm a mesma energia E, o que implica que cada um se desloca com velocidade ~v = v0 ~ω , onde v0 > 0 é a velocidade escalar (constante). Portanto, as únicas variáveis que devemos destacar são a posição ~x e a direção do deslocamento ~ ω. Vamos introduzir a função ϕ(t, ~ω, ~x) que denota a densidade de radiação na direção ~ ∈ S e no instante t. Com isso queremos dizer que o número de fótons deslocando-se ω na direção ~ω e que, no instante t, se encontram em uma vizinhança de ~x, de volume dV = dx1 dx2 dx3 , é aproximadamente igual a ϕ(t, ~ω, x)dV . Portanto, a quantidade de fótons que se deslocam na direção ~ ω e que, no instante t se encontram em uma região V ⊂ R3 , é determinada por Z ϕ(t, ~ ω, ~x) dV V Para estabelecer a equação que descreve a dinâmica da radiação, precisamos introduzir o conceito de densidade de fluxo de radiação. Para isso, imaginemos um elemento de superfı́cie de área dA e de vetor normal ~n. O número de partı́culas que se deslocam na direção ~ω e que atravessam esse elemento de superfı́cie por unidade de tempo, no instante t, é aproximadamente determinado (supondo-se que não haja interação com o 3 ω ~ ~n v0 meio) pelo número de partı́culas que se encontram em um cilindro cujo eixo de simetria é paralelo a ~ω e de comprimento v0 (veja figura). Como o volume deste cilindro é dV = ω ~ · ~nv0 dA, a quantidade de partı́culas que atravessam o elemento de superfı́cie, por unidade de tempo, no instante t, é dada por v0 ϕ(t, ~x, ~ω)~ω · ~ndA. Assim, podemos definir a densidade de fluxo de radiação na direção ~ω e no instante t pela expressão ~ ~x, ~ ω. J(t, ω) = v0 ϕ(t, ~x, ~ω)~ Agora estamos em condições de estabelecer a equação. Consideremos, então, uma região V ⊂ Ω arbitrária, limitada por uma superfı́cie fechada ∂V . Fixemos uma direção ~ω . As partı́culas que se deslocam nessa direção e que atingem a região V , incidem sobre uma parte da fronteira, que designaremos “fronteira entrante” e denotaremos por ∂V − , e aquelas que saem de V , o fazem através da “fronteira sainte” ∂V + . Portanto, ( ∂V − = {x ∈ ∂V ; ~ ω · ~n(x) < 0}, ∂V + = {x ∈ ∂V ; ~ ω · ~n(x) > 0}, onde ~n(x) denota o vetor unitário normal exterior a ∂V no ponto x. A taxa de variação do número de partı́culas em V , deslocando-se nessa direção, no instante t, é, portanto, Z d ϕ(t, ~x, ~ω) dV. dt V Se o meio não absorvesse partı́culas, a taxa acima seria igual à diferença dos fluxos através de ∂V − e ∂V + , isto é, Z Z Z d ~ ~x, ~ ~ ~x, ~ ϕ(t, ~x, ~ω) dV = J(t, ω) · ~n dA − J(t, ω) · ~n dA. dt V ∂V − ∂V + Entretanto, como uma certa quantidade de partı́culas que penetram em V será absorvida pelo meio, devemos introduzir na fórmula acima um termo Q que corresponda a este ~ efeito. Assim, podemos escrever, a partir da definição de J, Z Z d ϕ(t, ~x, ~ω) dV = − v0 ϕ(t, ~x, ~ω)ω · n dA − Q. dt V ∂V Aplicando o Teorema de Gauss na integral de superfı́cie acima, obtemos Z Z d ϕ(t, ~x, ~ω) dV = − v0 ~ ω · ∇ϕ(t, ~x, ~ ω) dV − Q. dt V V 4 (1) Passemos agora à descrição do termo de absorção Q em função de ϕ. Para dar uma caracterização local aos eventos de interação de partı́culas com o meio, vamos considerar f (~x, ~ω) como sendo a probabilidade por unidade de distância de uma partı́cula que se desloca na direção ω ~ interagir com átomos ou moléculas do meio. Com isso, podemos introduzir a freqüência de colisão em ~x como sendo v0 f (~x, ~ω). Logo, a taxa com que tais colisões ocorrem em ~x, por unidade de volume, é dada pela densidade de taxa de reação, definida por v0 f (~x, ~ω)ϕ(t, ~x, ~ω) dV. Assim, a taxa com que as partı́culas interagem com o meio e são absorvidas em V é Q= Z v0 f (~x, ~ ω)ϕ(t, ~x, ~ ω)dV. (2) V Substituindo (2) em (1), e observando que V não varia com o tempo, obtemos Z V 1 ∂ ϕ(t, ~x, ~ω) + ω · ∇ϕ(t, ~x, ~ ω) + f (~x, ~ω)ϕ(t, ~x, ~ ω) dV = 0. v0 ∂t Como V foi escolhido e fixado arbitráriamente em Ω, obtemos 1 ∂ ϕ(t, ~x, ~ω) + ω · ∇ϕ(t, ~x, ~ ω) + f (~x, ~ω)ϕ(t, ~x, ~ ω) = 0, v0 ∂t ∀~x ∈ Ω, ∀~ ω ∈ S. (3) A equação (3) é conhecida como equação de transporte com termo de absorção f . Nos problemas de tomografia, conhece-se a densidade de irradiação ϕ emitida em diversas direções e determina-se por medição a densidade de irradiação que emerge do corpo. O problema consiste, então, em determinar o coeficiente de absorção a partir da medida da diferença em várias direções. Vamos admitir que o processo de emissão e captação da irradiação seja realizado em regime estacionário (isto é, não variando com o tempo) e que o coeficiente de absorção não dependa da direção da irradiação (o que de fato ocorre com os tecidos orgânicos). Neste caso, a equação (3) se reduz a ω · ∇ϕ(~x, ~ω) + f (~x)ϕ(~x, ~ω) = 0, ∀~x ∈ Ω, ∀~ ω ∈ S. (4) Sendo (4) uma equação a derivadas parciais de primeira ordem, sua solução pode ser facilmente obtida pelo método das caracterı́sticas. De fato, fixemos ~ ω = (ω1 , ω2 , ω2 ) ∈ S e ~x0 = (x0 , y0 , z0 ) ∈ R3 . Vamos denotar fe(~x) = n f (~x) se ~x ∈ Ω 0 senão. Assim, podemos estender a equação (4) para todo R3 , considerando ω ~ · ∇ϕ(~x, ~ω) + fe(~x)ϕ(~x, ~ω) = 0, ~x ∈ R3 . (5) Isso quer dizer, como veremos a seguir, que a radição não sofre absorção nos pontos ~x que não pertencem a Ω. 5 Vamos admitir que seja conhecido o valor de ϕ no ponto ~x0 e na direção ω ~ , isto é, ϕ(~x0 , ~ω) é dado. Pelo método das caracterı́sticas, u(ξ) = ϕ x(ξ), y(ξ), z(ξ) e ~x(ξ) = (x(ξ), y(ξ), z(ξ) devem satisfazer o sistema de Equações Diferenciais dx = ω1 , x(0) = x0 dξ dy = ω2 , y(0) = y0 dξ dz = ω3 , z(0) = z0 dξ du = −fe(~x(ξ)), u(0) = ϕ(~x0 , ~ ω) dξ As três primeiras equações do sistema acima, que fornecem as caracterı́siticas da equação (5), têm solução imediata, dadas por x(ξ) = x0 + ξω1 , y(ξ) = y0 + ξω2 , z(ξ) = z0 + ξω3 . Elas definem parametricamente a reta que passa por ~x0 na direção de ω ~ , isto é, ~x(ξ) = ~x0 + ξ~ ω. Para resolver a última equação do sistema, multiplicamos ambos os lados pelo fator de integração R ξ µ(ξ) = e 0 f˜(~ x0 +τ ω ~ )τ Com isso, obtemos a solução − ϕ(~x, ~ω) = ϕ(~x0 + ξ~ω, ~ω ) = u(ξ) = ϕ(~x0 , ~ ω )e Rξ 0 ~ )τ f˜(~ x0 +τ ω . Tendo em vista a definição de fe, vale aqui observar que se supusermos ~x0 ∈ / Ω, a função ξ 7→ ϕ(~x0 + ξ~ω) é constante enquanto o ponto ~x0 + ξ~ ω não entrar em Ω e ficará constante depois que sair de Ω. Isso quer dizer que a radiação não sofrerá absorção enquanto não entrar em Ω e deixará de ser absorvida depois que sair de Ω. Vamos então supor que um gerador esteja emitindo radiação em regime estacionário, a partir do ponto ~x0 6∈ Ω na direção ~ ω , e que um receptor situado em ~x1 = ~x0 + ξ1 ~ω esteja medindo a radiação que chega. Suponhamos I(~x0 ) a intensidade de emissão e I(~x1 ) a intensidade medida em ~x1 . A partir da solução da equação, temos R ξ1 − f˜(~ x0 +τ ω ~ )dτ I(~x1 ) = ϕ(~x1 , ~ ω ) = I(~x0 )e 0 . Portanto, Z 0 ξ1 fe(~x0 + τ ω ~ )dτ = ln I(~x0 ) I(~x1 ) Admitindo que os pontos da forma ~x0 + τ ω ~ não estejam em Ω se τ < 0 e τ > ξ1 , podemos escrever Z ∞ I(~x0 ) e f (~x0 + τ ω ~ ) dτ = ln . (6) I(~x1 ) −∞ 6 A Transformada Raio-X Conforme observamos acima, os modelos matemáticos sobre os quais a tomografia computadorizada se baseia incluem, como uma de suas etapas básicas, o problema da reconstrução de uma função f a partir do conhecimento de suas integrais de linha sobre retas. Como veremos a seguir, essas integrais definem a Transformada Raio-X de f . O problema que queremos abordar pode ser formulado como segue: Problema 1: Seja L o conjunto Rde todas as retas que interceptam Ω. Para cada l ∈ L, definimos X(l) = l f dγ a integral de linha de f sobre a reta l. Podemos determinar f se conhecemos X(l), para toda l ∈ L? Para formulá-lo de modo mais preciso, vamos denotar por f˜ a extensão de f nula fora de Ω, isto é, fe: R3 → R a função definida por n fe(x) = f (x) se x ∈ Ω, 0 senão Para cada f função contı́nua definida em Ω, definimos a Transformada Raio-X de f na direção ω da seguinte forma: Z ∞ Xω [f ](x) = fe(x + τ ω) dτ, −∞ onde x ∈ R3 e ω ∈ S é vetor unitário de R3 . Então o Problema 1 pode ser reescrito como Problema 1: Dada g(x, θ), podemos determinar f (x) tal que Xω [f ](x) = g(x, θ) para todo x ∈ Ω e para todo vetor unitário ω? Consideraremos a seguir um caso particular onde este problema pode ser resolvido facilmente. Por simplicade, vamos nos restringir a duas dimensões. Funções Radiais Para cada θ ∈ R, consideramos o vetor unitário na direção θ, isto é, ω(θ) = (cos θ, sen θ). Para cada x = (x1 , x2 ) ∈ R2 , consideramos γ(t) a equação paramétrica da reta que passa por x na direção ω(θ), isto é, γ(t) = x + tω(θ) = (x1 + t cos θ, x2 + t sen θ), t ∈ R. Seja Ω cı́rculo de centro em (0, 0), isto é, Ω = (x1 , x2 ) ; x21 + x22 < 1 e f : Ω → R uma função. A partir da definição da Transformada Raio-X de f no ponto x e na direção θ, temos Z Z ∞ Z ∞ e e Xθ [f ](x) = f dt = f x + tω(θ) dt = fe(x1 + t cos θ, x2 + t sen θ) dt. γ(t) −∞ −∞ Se f é radial, existe f0 : [0, 1] → R tal que f (x1 , x2 ) = f0 (r), onde r = Z ∞ Xθ [f ](r) = fe(−r sen θ + t cos θ, r cos θ + t sen θ) dt −∞ =2 Z 0 ∞ Z p 2 2 e f0 r + t dt = 2 0 7 √ 1−r2 f0 p p x21 + x22 . Assim, r 2 + t2 dt. Podemos concluir da expressão acima que se f é uma função radial, então Xθ [f ] é constante em relação a θ. Além disso, se o suporte de f está contido na bola de raio R, o mesmo ocorre com Xθ [f ](r), para todo θ. A tı́tulo de exemplo, consideremos a função f (x) = 1 para todo x ∈ Ω (neste caso fepé denominada função caracterı́stica de Ω). Então, é fácil ver que Xθ [f ](x1 , x2 ) = 2 1 − x21 − x22 . O problema Inverso. A solução do Problema 1 é bastante simples no caso radial. De fato, suponhamos uma função radial f cuja transformada Xθ [f ](s) seja g(s). Então, pelo que vimos anteriormente, Z ∞ p fe0 ( s2 + t2 ) dt. g(s) = 2 0 √ Considerando a mudança de variável ξ = g(s) = 2 Z ∞ 0 p s2 + t2 , obtemos dt = ξ/ ξ 2 − s2 e ξ p fe0 (ξ) dξ. 2 ξ − s2 A equação acima é uma Equação de Abel. Podemos invertê-la, isto é, expressar f0 em função √ de g utilizando o seguinte argumento: multipliquemos ambos os lados de (7) por s/ s2 − r 2 e intgremos no intrvalo [r, +∞]. Assim, obtemos # Z ∞ Z ∞ "Z ∞ s ξ s √ p √ g(s) ds = 2 f0 (ξ) dξ ds s2 − r 2 ξ 2 − s2 s2 − r 2 r r s # Z ∞ "Z ξ 1 s p √ =2 ds ξf0 (ξ)dξ ξ 2 − s2 s2 − r 2 r r Seja I a integral interna na identidade acima, isto é, I= Z ξ r p 1 ξ 2 − s2 Considerando a mudança de variável τ = I= Z √ξ2 −r2 0 Assim, Z r ∞ p √ √ s ds. s2 − r 2 √ s2 − r2 , obtemos dτ = sds/ s2 − r 2 e dτ ξ 2 − r2 − τ 2 = s √ g(s) ds = π s2 − r 2 Z a 0 Z ∞ √ dτ π = . 2 a2 − τ 2 ξf0 (ξ) dξ. r Derivando os dois lados da identidade acima em relação a r, obtemos Z ∞ d s √ g(s) ds = −rπ fe0 (r), dr r s2 − r 2 8 ou, equivalentemente, 1 d fe0 (r) = − rπ dr Z ∞ r s √ g(s) ds . s2 − r 2 √ Observe que a função s → 7 s/ s2 − r 2 é integrável em [r, r + ε] para todo ε > 0. √ 2 2 Entretanto, como s/ s − r → 1 quando s → +∞, devemos supor que |g(s)| decaia rapidamente a zero para que a integral imprópria acima seja convergente. Esta condição é automaticamente satisfeita se o suporte de fe0 estiver contido no cı́rculo de raio R. De fato, neste caso, como vimos anteriormente, g(s) = 0 para s > R e, conseqüentemente, "Z # R 1 d s √ f0 (r) = − g(s) ds , ∀r ∈ (0, R). rπ dr r s2 − r 2 A fórmula acima é um caso particular da obtida por Radon. Infelizmente, no caso geral, a dedução não é simples e foge ao escopo desta trabalho. Uma questão preliminar que podemos abordar aqui, refer-se a injetividade da Transformada Raio-X. Como a aplicação que a cada f associa sua Transformada Raio-X é um operador linear, a questão da injetividade pode ser formulada da seguinte forma: Problema 2: Se Xω [f ](x) = 0 para todo x ∈ Ω e para todo vetor unitário ω, podemos afirmar que f ≡ 0? Para a solução deste problema, consideremos a Transformada de Fourier de uma função f , que em R2 é definida por Z 1 fˆ(ξ) = e−iξ·x f (x) dx. 2π R2 Sabemos que se fb(ξ) = 0 para todo ξ ∈ R2 , então f é identicamente nula. A Transfomada Inversa é definida por Z 1 ǧ(x) = eiξ·x g(ξ) dξ. 2π R2 Fixemos ω ∈ S e consideremos ρ(x) = fe(x). Então, para cada t ∈ R, temos 1 ρ(x + tω) = 2π Z 2 eiξ·(x+tω) ρ̂(ξ) dξ. R Integrando os dois lados da igualdade acima no intervalo [−R, R], obtemos "Z # Z R Z R 1 ρ(x + tω) dt = eiξ·x ρ̂(ξ) eitξ·ω dt dξ 2π 2 −R R −R iRξ·ω Z 1 e − e−iRξ·ω ix·ξ = e ρ̂(ξ) dξ 2π R2 iξ · ω Z 1 2 sen(Rξ · ω) ix·ξ = e ρ̂(ξ) dξ 2π R2 ξ·ω 9 Como estamos supondo que ρ(x) = 0 para os pontos x ∈ / Ω, podemos escolher, para cada x fixado, R > 0 suficientemente grande de modo que Z R ρ(x + tω) dt = −R Z ∞ ρ(x + tω) dt. −∞ Assim, temos, 1 Xθ [f ](x) = 2π Z ix·ξ e R2 2 sen(Rξ · ω) ρ̂(ξ) dξ ξ·ω Assim, se f é tal que sua Transformada Raio-X é nula, então é também nula a transformada inversa da aplicação ξ 7→ ρ̂(ξ) 2 sen(Rξ · ω) . ξ·ω Pela injetividade da Transformada de Fourier, temos necessariamente ρ(x) = 0 para todo x ∈ R2 . Logo, f (x) = 0 para todo x ∈ Ω, como querı́amos mostrar. 10